Sogevinus: As novas pepitas da Boavista
A Quinta da Boavista, com uma área de 80 ha, dos quais 36 ha de vinha, está localizada estrategicamente na margem direita do Douro, entre a Régua e o Pinhão. Orgulha-se do seu passado e tem presenteado os enófilos com vinhos DOC Douro de enorme classe. A existência de vinhas velhas na quinta, em particular […]
A Quinta da Boavista, com uma área de 80 ha, dos quais 36 ha de vinha, está localizada estrategicamente na margem direita do Douro, entre a Régua e o Pinhão. Orgulha-se do seu passado e tem presenteado os enófilos com vinhos DOC Douro de enorme classe.
A existência de vinhas velhas na quinta, em particular nas vinhas do Oratório e do Ujo e a intenção de as preservar, levou a Sogevinus a optar pela geolocalização das suas videiras, trabalho que tem tanto de tecnologia avançada (localização por satélite) como de saber empírico acumulado, que hoje só alguns classificadores, já de idade avançada e com trabalho feito na Casa do Douro, são capazes de levar a cabo. Ao que nos disseram, os classificadores não tiveram dúvida alguma na identificação das castas das duas vinhas emblemáticas. Essa tarefa está concluída. Todas as cepas foram identificadas e o resultado é espantoso: 56 castas diferentes na vinha do Oratório e 28 na vinha do Ujo. Este trabalho de minúcia só é possível numa época especial do ano porque, para a identificação das castas, é preciso que as videiras tenham folhas e cachos, os dois elementos que formam o cartão de identidade da casta. A conservação deste património e respectiva variabilidade genética estão assim asseguradas.
A Quinta da Boavista irá editar sempre alguns varietais, dependendo do comportamento das castas da propriedade, susceptíveis de serem vinificadas e comercializadas separadamente.
Anos quentes e secos
Os vinhos apresentados foram das colheitas de 2020 e 2021, dois anos diferentes, mas com um denominador comum: anos secos e quentes. No caso de 2020, o tempo seco manteve-se durante todo o ciclo e também durante a vindima, com uma (repentina e inexplicável, ao que nos dizem…) desidratação da Touriga Franca, o que ocorreu em Setembro. Já o ano de 2021, ainda que seco, teve chuva na Primavera e permitiu uma maturação lenta. O Verão foi ameno, algo sempre de grande valia, sobretudo para os vinhos brancos. Como resultado das mais recentes alterações climáticas e o gosto do consumidor por brancos com mais frescura e acidez, tudo isso justifica a precocidade das vindimas dos brancos que, aqui, aconteceram ainda em Agosto. Os temores do futuro próximo são óbvios: a precocidade da época da vindima “choca” com hábitos e tradições das pessoas da terra, interfere com as festas das aldeias e pode mesmo levar a que falte mão de obra para tarefas tão indispensáveis como pulverizações de “socorro” a pragas como a cicadela, algo que se verificou na passada vindima.
Para além dos vinhos que já fazem o corpo principal das propostas anuais, a Boavista irá editar sempre alguns varietais, dependendo do comportamento das castas da quinta, susceptíveis de serem vinificadas e comercializadas separadamente. Este ano foi a casta Donzelinho tinto, mas outras estarão na calha.
O branco da Vinha do Levante conheceu agora a segunda edição. As uvas foram vindimadas a meio de Agosto, de vinhas situadas nas cotas altas e viradas a nascente, localização favorável para vinhos brancos. Primeiro a Viosinho, que corresponde a 30% do lote, casta com uma janela de vindima muito apertada e, mais tarde, a Arinto. A fermentação da Viosinho decorreu em barrica nova e usada, a Arinto fez maceração pelicular e fermentou em inox.
Castas antigas
A Donzelinho, que teve a primeira edição em 2017, foi feita exclusivamente em inox, o que acontece com outras castas antigas. É depois da fermentação e estágio que se decide se vai sair como varietal ou se irá integrar lotes com outras castas. O enólogo Ricardo Macedo refere que a casta “tem tudo menos cor”, característica que hoje é aplaudida, mas há 20 anos era altamente penalizadora. A casta fermentou durante duas semanas com as películas mas, mesmo assim, não se consegue outro resultado. “Ela deu tudo o que tinha para dar”. Mas tem a vantagem de ser resistente ao calor, conservando aromas e acidez, factores muito positivos.
No caso do Reserva tinto, a fermentação decorreu em inox e parte em barrica de 500 litros. O estágio em madeira (40% nova) prolongou-se por 18 meses. Ficou dois anos na garrafa antes da comercialização.
Falando dos ícones da empresa, a vindima na Vinha do Oratório foi feita terraço a terraço. Apesar de ter 56 castas diferentes, é de notar que tem sempre cerca de 30% de Touriga Francesa. Fermentado em lagar, teve 18 meses de barrica, 40% nova. A vinha do Ujo tem uma exposição norte e nascente e estende-se por altitude variada, com a vindima a começar de cima para baixo. Fermenta em barrica de 500 litros e estagia na madeira durante dois anos e outros dois em garrafa. Jean-Claude Berrouet, ex-enólogo do Château Pétrus, continua a ser o consultor da Boavista e está sempre presente nas principais decisões enológicas.
(Artigo publicado na edição de Abril de 2024)
Muros de Melgaço: 25 anos de sucesso
António Barreto, cientista social atento às inúmeras mudanças do nosso país, aponta a transição entre as décadas de 80 e 90 do século passado fundamentalmente como um tempo de diversidade: “o aparecimento e afirmação de uma diversidade e de uma pluralidade até aí inexistentes. Ainda há costumes arcaicos na alimentação e no vestir e já […]
António Barreto, cientista social atento às inúmeras mudanças do nosso país, aponta a transição entre as décadas de 80 e 90 do século passado fundamentalmente como um tempo de diversidade: “o aparecimento e afirmação de uma diversidade e de uma pluralidade até aí inexistentes. Ainda há costumes arcaicos na alimentação e no vestir e já há telemóveis, sapatos de marca e garrafas de vinho grande reserva nos rótulos.”.
Como é evidente, as garrafas de vinho com a designação “grande reserva”, a que se referiu António Barreto, também estiveram ligadas a profundas transformações ocorridas neste período, que mudaram radicalmente o panorama vínico nacional.
A entrada oficial de Portugal, na então denominada Comunidade Económica Europeia, em 1986, ocasionou uma enorme torrente de fundos comunitários, que foram usados para revolucionar o sector. Durante a década de 90 assistiu-se a um enorme incremento de um fenómeno que ficaria na história como o tempo dos “vinhos de Quinta” e alastraria pelo país como uma chama imparável. Muitas das marcas nacionais, que são hoje amplamente reconhecidas dentro e fora de portas, foram criadas ou ganharam notoriedade nesta década.
Não podemos esquecer igualmente o facto da consolidação da profissão de enólogo. Muitos fixaram-se num produtor em particular, mas outros, como Anselmo Mendes, preferiram prestar os seus serviços a diversos produtores.
Em 1988, Anselmo Mendes teve a visão inovadora de que a casta Alvarinho podia originar vinhos ainda mais nobres e distintos quando fermentados em barricas de carvalho. Mais de 25 anos de colheitas de Muros de Melgaço provam que tinha razão.
Experimentalista e inovador
Em 1987, Anselmo Mendes terminou a licenciatura em engenharia agro-industrial no Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa e rapidamente ingressou no mercado de trabalho para se embrenhar na diversidade avassaladora de transformações de então. Entre 1987 e 1997 colaborou em inúmeros projectos vínicos no Norte de Portugal, ligados ao despontar do movimento dos “vinhos de quinta”, e que, ainda hoje, apresentam raízes fortemente alicerçadas em conceitos ligados à qualidade e à distinção.
Após uma visita à Borgonha, em 1988, encomendou duas barricas de carvalho francês instalando-as em casa dos pais, em Monção, para realizar algumas experiências de fermentação com a Alvarinho, a casta rainha da região que o viu nascer.
O estudo foi de tal forma aprofundado e persistente, que decorreu durante cerca de 10 anos e envolveu a compra de uma quinta. Na altura, Anselmo Mendes era um jovem produtor de vinhos com duas mil garrafas da colheita de 1998 para vender e, com ela, comprovar uma visão inovadora na região: a casta Alvarinho podia originar vinhos ainda mais nobres e distintos quando fermentados em barricas de carvalho.
O impacto alcançado pelas primeiras colheitas da marca Muros de Melgaço permitiu a continuação e o alargamento do estudo da casta usando diferentes tostas e volumes nas barricas de carvalho francês. Este êxito proporcionou, em 2008, estender a sua actividade em dois espaços distintos: a Quinta da Torre, uma propriedade com 12 hectares e uma nova adega no Parque Industrial de Melgaço. Estes novos espaços permitiram dominar a produção de uva e aprofundar as experiências com a casta alargando-os aos solos, podas e outros temas que a mente inventiva de Anselmo Mendes perscrutou. O resto é uma história de sucesso, aqui representada por nove colheitas de Muros de Melgaço, a marca pioneira, incontornável referência entre os grandes Alvarinho de Monção e Melgaço.
VERTICAL MUROS DE MELGAÇO
16,5 A
Muros de Melgaço Alvarinho branco 1999
Cobre na cor. Aromas e sabores a fruta cozida, mel e mineralidade. A acidez revelada empresta alguma frescura ao conjunto em notório fim de linha, ainda assim importa sublinhar que, apesar dos 25 anos de idade ainda se bebe com prazer. (13%)
18 A
Muros de Melgaço Alvarinho branco 2002
Coloração acobreada revelando os 22 anos de idade. Notas evidentes a mel, chá, marmelo, funcho e leve fruta cítrica. Numa clara fase descendente, ainda assim fresco e admiravelmente bem preservado para a idade que apresenta. Para beber de joelhos em agradecimento pela forma positiva como evoluiu. (13%)
18,5 A
Muros de Melgaço Alvarinho branco 2009
Este vinho apresenta uma cor dourada e aromas a favo de mel, chá, folhas secas e leve fruta cítrica envolta em leve manteiga e grande tensão. Esta referência iniciou a sua fase descendente. Ainda assim mostra um surpreendente equilíbrio entre untuosidade e frescura. (13%)
18,5 A
Muros de Melgaço Alvarinho branco 2012
Fermentado e envelhecido durante seis meses em barricas de carvalho francês usadas. Aromas a infusão cítrica e sugestão a pedra molhada. De perfil muito fresco e mineral, muito embora mostre alguma evolução em garrafa que o complexifica grandemente. Um hino à região e à casta. (13%)
18,5 B
Muros de Melgaço Alvarinho branco 2015
De cor dourada. Apontamentos de lima, casca de laranja, pedra molhada e folhas secas. Mostra-se surpreendentemente jovem, muito tenso e fresco. Grande presença de boca, com muito equilíbrio e complexidade. Um grande vinho a mostrar todas as capacidades da casta na região. (12,5%)
18 B
Muros de Melgaço Alvarinho branco 2016
Apresenta uma coloração amarela fruto da nobre evolução em garrafa. As notas aromáticas remetem para leve chá, folhas secas, fruta cítrica, pedra molhada e leve pimenta branca. No palato, a acidez bem vincada eleva a fruta cítrica, as finíssimas especiarias e alguma evolução. (13%)
17,5 B
Muros de Melgaço Alvarinho branco 2018
Coloração amarela clara. Esta referência mostra um belíssimo equilíbrio entre os aromas a flores brancas, casca de laranja, toranja, pimenta branca e pedra molhada. Na boca denota boa ligação entre a delicada fruta cítrica e a leve barrica. Boa precisão e complexidade. (13%)
17,5 B
Muros de Melgaço Alvarinho branco 2020
Aromas florais bem marcados, casca de laranja, algum biscoito, leves especiarias e sílex. Na boca mostra fruta cítrica muito fresca e leves especiarias a amparar o conjunto bastante equilibrado, bem definido e tenso. (13%)
(Artigo publicado na edição de Abril de 2024)
Quinta da Lapa: Estórias de um lugar no Tejo
Não basta produzir vinhos de qualidade. Também é necessário construir boas estórias para os ajudar a vender. Esta é a parte que Silvia Canas Costa, a responsável pela área comercial e de comunicação e marketing da Quinta da Lapa gosta mais: “a procura de vinhos que contem estórias”. Foi por isso que se envolveu, pessoalmente, […]
Não basta produzir vinhos de qualidade. Também é necessário construir boas estórias para os ajudar a vender. Esta é a parte que Silvia Canas Costa, a responsável pela área comercial e de comunicação e marketing da Quinta da Lapa gosta mais: “a procura de vinhos que contem estórias”. Foi por isso que se envolveu, pessoalmente, na criação dos rótulos das novas referências Fernão Pirão, Clarete e Castelão Clássico da casa, “três vinhos que reflectem o revisitar das tradições do Tejo, uma região difícil de comercializar, que foi um pouco abandonada durante algum tempo devido a muitos disparates que foram sendo feitos”, diz a responsável, que pertence à família proprietária, defendendo, no entanto, que hoje “está a melhorar muito”. Não só pelo trabalho feito pela Quinta da Lapa, mas também pelos outros produtores e pelos novos projectos que estão a nascer. “É importante estarmos todos a puxar pela região”, defende.
A ideia de lançar um clarete, a primeira inovação que surgiu, resultou de um convite do Professor Virgílio Loureiro, do Instituto Superior de Agronomia, para participar numa prova deste tipo de vinhos. “Depois de o fazer, achei que era bom enveredar também por este caminho”, conta, acrescentando que ela e a sua equipa optaram por o fazer através da co-fermentação de uvas de Castelão com Fernão Pires, 50% de cada. A ideia de produzir um Fernão Pirão veio na sequência do lançamento do clarete, que correu bem, e de conversas com André Magalhães, companheiro de vida de Sílvia, que é chef e proprietário de dois restaurantes em Lisboa, e Jaime Quendera, o enólogo consultor da Quinta da Lapa, “que têm originado novas ideias para a criação de produtos”.
Os rótulos foram construídos para revisitar as tradições, voltar um pouco atrás no tempo. Para os criar, Sílvia Canas Costas inspirou-se num muito antigo, que encontrou após algum trabalho de investigação, para desenhar os desta gama de vinhos.
A arquitecta que gosta de vinho
Sílvia sempre gostou de arte. Como queria ser arquitecta, começou por estudar na Cooperativa Árvore, do Porto, onde esteve durante quatro anos antes de se mudar para a Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa.
Terminou o curso em 1990. Entretanto já tinha começado a trabalhar no atelier do tio, João Fernando Canas, que se dedicava sobretudo à remodelação de casas. Mais tarde montou o seu, com um colega de curso, onde trabalhou durante mais de 15 anos. “Foi lá que criei o projecto de recuperação e remodelação da Quinta da Lapa, que foi sendo feito ao longo dos anos, desde que comprámos a propriedade em 1990, porque envolveu algum investimento que tinha de ser feito de forma sustentada”, conta. Quando a quinta foi adquirida já existia a casa, com o pátio e praticamente todos os edifícios, com excepção da adega. Desde essa altura, até hoje, foi tudo remodelado, numa obra que começou, como não podia deixar de ser, pelos armazéns do vinho.
Uma das primeira coisas que o pai, José Guilherme da Costa, fez quando adquiriu a propriedade, foi a substituição da vinha velha, por ter sido aconselhado a isso. Silvia Canas Costa não sabe qual era a área na altura, mas conta que tinha 32 hectares quando entrou na casa, há 14 anos. “Eram mais castas tintas do que brancas, que eram apenas de Arinto e Trincadeira das Pratas”, conta, acrescentando que não gostava nada do vinho a que esta dava origem e acabou “por substituir estas cepas”.
A casa foi terminada em 2011, quando o pai convidou Sílvia para trabalhar na Quinta. Acedeu com entusiasmo, sobretudo porque sempre gostara, e gosta, de vinho, mas também porque, na altura, já estava “um pouco farta” da actividade de arquitectura, sobretudo pelos processos burocráticos de que depende nas câmaras, para a concessão de licenciamentos. “Foi por tudo isso que decidi iniciar nesta nova vida, que tem sido uma verdadeira aventura até aqui”, explica.
Hoje Sílvia Canas Costa está mais ligada à área comercial da sua empresa. Para poder desempenhar o melhor possível o seu papel, prova muito e procura escutar de forma atenta o que os outros lhe comunicam, para continuar a aprender e perceber melhor o que tem, e como fazer. Mas diz que ainda está longe de saber tudo.
Como continua a precisar de ajuda para fazer bem as coisas, salienta que teve a sorte de encontrar as pessoas certas para isso, como Jaime Quendera, o consultor de enologia da casa desde 2008, e Jorge Ventura, que entrou ao mesmo tempo que ela na Quinta da Lapa para trabalhar na vinha, “e hoje faz um pouco de tudo, incluindo a também a produção de vinhos, a parte comercial e a gestão do pessoal”.
Sílvia Canas Costa diz que as coisas na sua empresa foram melhorando com o tempo. “A vinha está melhor, mais bem cuidada, parte foi reconvertida para castas que escolhemos com mais critério e fizemos alguma reconversão daquela que não estava bem plantada”, explica. Mas defende que ainda vai ser necessário percorrer mais caminho para chegar ao que quer em termos de qualidade.
Dias quentes, noites frias
A Quinta da Lapa tem um terroir único, de solos argilo-calcários e microclima com grandes amplitudes térmicas, onde os dias são quentes e as noites frias. “São condições que contribuem para originar vinhos com grande perfil evolutivo”, diz Jaime Quendera, o enólogo consultor da empresa, salientando que “são frescos, com base na sua acidez natural, têm muita concentração fenólica, boa fruta e uma grande capacidade de evolução com o tempo”.
Todo o trabalho, do campo à adega, é controlado pelos profissionais da empresa, em função de cada casta e talhão de vinha, para que cada vinho produzido tenha um perfil distinto, conforme a casta que lhe deu origem. Ou seja, “a poda, as adubações e todos os trabalhos próprios do maneio das vinhas, tal como a vindima, a fermentação e o estágio, são todos controlados por nós, o que permite que os lotes sejam feitos com o perfil que pretendemos, para produzirmos vinhos gastronómicos, elegantes, com estrutura, boa acidez e longevidade”. O “Cabernet Sauvignon tem um perfil, o Syrah outro e por aí adiante”, conta o enólogo
Nesta casa, os tintos têm de ter pelo menos um ano de estágio em garrafa antes de irem para o mercado, “porque inicialmente são pujantes e intensos, brutos e musculados, com muito tanino e precisam de tempo para ficarem mais elegantes”, explica Jaime Quendera.
Enoturismo é aposta
A Quinta da Lapa tem 100 hectares, dos quais 72 hectares de vinha plantada em parcelas com as castas separadas, que são mais de 20. “Temos, também, mais de 20 referências, pois vendemos um bocadinho de tudo”, revela a produtora da Quinta da Lapa, acrescentando que isso tem a ver com a estratégia comercial da empresa, mas também porque gosta de fazer coisas novas, aumentando e diversificando a oferta da casa.
No mercado nacional, onde a empresa vende 70 a 80% dos seus vinhos, para além dos bases de gama, as referências mais vendidas são as das castas estrangeiras, sobretudo para o canal Horeca (Hotéis, restaurantes, cafés e similares).
Lá fora, os principais mercados são os da Europa, como Bélgica, Alemanha e República Checa. “Mas vendemos para muitos outros sítios, não muito para cada país”, diz Sílvia Canas Costa, acrescentando que, no extremo oriente, comercializam vinhos para Japão, Taiwan, Singapura e China, mercado que decresceu muito após a pandemia de Covid-19.
O enoturismo foi um projecto destinado a ser desde que a Quinta da Lapa foi adquirida. “Tínhamos uma casa fantástica e sempre quisemos fazer isso, como forma de recuperar o património e promover o vinho e a região”, conta Sílvia Canas Costa. “Mas foi uma área um pouco difícil de desenvolver, sobretudo por falta de pessoal para isso e porque estive, até há pouco, mais dedicada ao negócio do vinho”, acrescenta, referindo que, agora, está a apostar um pouco mais na promoção do enoturismo da Quinta da Lapa. Para além dos 11 quartos sóbrios e espaçosos com vista para a propriedade, situados num edifício do século XVII, oferece refeições, provas de vinho e visitas à adega. Os turistas procuram-no para passar o fim de semana, com jantar e prova de vinhos. “A não ser no verão, quando prolongam a estadia um pouco mais”.
A falta de oferta próxima de restaurantes e outras atrações têm sido condicionantes ao crescimento da frequência do espaço. “Estamos a meia hora das cidades e vilas mais próximas e a 40 minutos do mar”, explica a produtora, referindo que, por enquanto, ainda há poucos restaurantes à volta, como a Tasquinha do Lagar, na Marmeleira, “que é sedutor e tem bom ambiente e, por isso, recomendamos às pessoas que nos visitam para lá irem”.
É coisa que eu também faço, sempre que vou de fim se semana à minha terra de adoção, a vizinha Assentiz. Há mais coisas na ementa, mas as ostras abertas ao natural e os mexilhões à belga são a minha perdição e aquilo que me faz voltar sempre para além de, é claro, a simpatia do proprietário e as suas boas estórias.
(Artigo publicado na edição de Abril de 2024)
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Quinta da Lapa Homenagem
Tinto - 2018 -
Quinta da Lapa
Tinto - 2018 -
Quinta da Lapa
Tinto - 2020 -
Quinta da Lapa Castelão Clássico
Tinto - 2019 -
Nana
Tinto - 2018 -
Quinta da Lapa Retro Fernão Pirão
Branco - 2021 -
Quinta da Lapa
Branco - 2022 -
Quinta da Lapa
Branco - 2021 -
Nana
Branco - 2022 -
Nana Cuvée
Espumante - 2019
Messias e Ana Urbano: Celebrar duas décadas com Porto branco
Se é na Bairrada que as Caves Messias nascem há quase um século (completam 100 anos em 2026), aí fixando a sua sede, certo foi que, bem cedo, estenderam os seus domínios ao Douro e aos vinhos do Porto. Em 1929, Messias Baptista, o fundador das Caves, já era um dos maiores fornecedores de aguardente […]
Se é na Bairrada que as Caves Messias nascem há quase um século (completam 100 anos em 2026), aí fixando a sua sede, certo foi que, bem cedo, estenderam os seus domínios ao Douro e aos vinhos do Porto. Em 1929, Messias Baptista, o fundador das Caves, já era um dos maiores fornecedores de aguardente vínica ao comércio e lavoura duriense para benefício do vinho do Porto. Na década de 30 do século passado, as operações negociais estendiam-se ao Douro e, sobretudo, a Gaia, onde já possuía diversos armazéns onde envelhecia largas centenas de pipas de vinho do Porto. A 5 de Fevereiro de 1943, o Grémio de Exportadores de Vinho do Porto revela, numa publicação, os 84 sócios que o compõem, e Messias Baptista faz parte dessa lista de ilustres comerciantes de vinho do Porto, tendo uma posição que se destaca no Brasil desde 1944, mercado que, para a empresa, sempre foi referencial e, ainda hoje, é um dos mais importantes destinos das suas marcas.
A produção própria de vinho do Porto começa a ser desenhada em 1958, com a aquisição da Quinta do Cachão, em Vale Figueira, São João da Pesqueira, aos herdeiros de Afonso do Vale Coelho Pereira Cabral, entre os quais figuravam nomes como Van Zeller, Olazabal e Sarsfield Cabral. No verão do mesmo ano, a Gonzalez Byass & Companhia compromete-se a vender a Quinta do Rei e, aos cerca de 100 hectares de vinhas do Cachão, a empresa alia as propriedades onde podem ser hoje encontradas a adega e as casas das Caves Messias na Ferradosa.
Casa clássica, onde reinam maioritariamente o Porto Colheita e com indicação de idade, as Caves Messias lançam agora mão do seu espólio de brancos e, de uma só assentada, apresentam cinco referências Porto Messias Branco, respetivamente, 10, 20, 30, 40 e, a categoria mais recentemente aprovada pelo IVDP, o 50 anos. Um espólio que sempre fez parte do seu vasto património de Portos envelhecidos e que, se nalgum momento deixaram de ser enquadrados em estratégias comerciais, passaram a ser guardados até surgir a oportunidade certa para serem dados a conhecer. A intenção aqui, para além da tendência de mercado de uma maior procura dos brancos, foi a valorização estratégica de vinho do Porto, mostrando a sua versatilidade e riqueza intrínseca, associada ao nobre envelhecimento que sofre nos armazéns de Gaia e da Ferradosa.
20 anos de enologia
Ana Urbano, natural de Sangalhos, Bairrada, chega às Caves Messias em 2004. Recém-licenciada em Engenharia Agrícola, pela UTAD, e com uma pós-graduação em enologia, na Universidade Católica, inicia o seu percurso profissional com estágio de vindima nas Caves Borlido e, logo em 2003, acompanha a primeira vindima da Messias na Bairrada, com a supervisão do enólogo sénior António Dias Cardoso. Em fevereiro de 2004 dá-se a sua estreia, sendo contratada pela empresa para os vinhos do Porto, onde chega sem qualquer experiência nesta tipologia de vinhos, o que lhe causa natural ansiedade e insegurança. Era todo um mundo novo com que se deparava e, sobretudo, uma enorme responsabilidade face ao vasto património de vinhos existentes, nas caves de Gaia e nos armazéns da Ferradosa. Como mentora, à data, teve Elizete Beirão, responsável por todo o sector de enologia dos vinhos do Porto da casa, que lhe transmitiu os ensinamentos na definição de perfis, elaboração de lotes e procedimentos específicos de vinificação tendo em conta o estilo da casa. Com ela tinha também Carlos Soeiro, técnico de prova com formação à antiga, ele que tinha desempenhado essas mesmas funções no IVDP. Ali era um pouco o guardador dos segredos e dos tesouros, personificados nos milhões de litros de Porto envelhecidos em casco.
Ana Urbano é, também, e logo desde 2004, a principal coordenadora das vindimas no Douro, sempre em estreita colaboração com João Soares, o responsável por toda a produção e enologia dos vinhos tranquilos da empresa familiar.
O desafio constante e o receio de errar são as forças motrizes da sua permanente busca de formação e conhecimento, que a levam a dedicar-se à investigação sobre vinhos do Porto, não obstante a escassez de bibliografia científica, necessitando de recorrer às investigações e inovações técnicas nos vinhos tranquilos, que depois adapta aos Portos, sua única e intensa devoção.
Num sector tão clássico, entende que há sempre margem para melhorar, sobretudo quando se inicia todo o processo de elaboração a montante, através da escolha da melhor uva, das vinhas mais aptas à produção de uva de qualidade para vinho do Porto. O equilíbrio, traduzido num perfil que se define na frescura e num teor alcoólico não demasiado elevado, é o parâmetro que define a qualidade e singularidade dos Porto Messias. Para obter este resultado, Ana Urbano vai articulando a tradição com as mais inovadoras técnicas que foi desenvolvendo ao longo das últimas duas décadas. Depois, é toda uma arte de alquimia para alcançar a profundidade e complexidade.
O portefólio de Portos brancos resulta também de uma mudança nos hábitos de consumo e da necessidade de cativar novas gerações
O advento do Porto branco
O surgimento e alargamento do portefólio de Portos brancos resulta também de uma mudança nos hábitos de consumo e da necessidade de cativar novas gerações para um vinho fino distinto e nobre que, sem mudar a sua essência, adapta-se aos novos tempos. Sente-se uma maior procura pelos brancos, sobretudo com mais idade e evolução. E mesmo essa busca por vinhos mais complexos, reflecte a existência de um consumidor mais experimentado e cada vez mais jovem, desmistificando o conceito de que o Porto era apenas um vinho de elites. O Porto Rosé e a tendência Porto Tónico são o exemplo manifesto da democratização do consumo.
O lançamento dos Porto Messias Branco, em cinco referências resulta de uma interpretação do mercado e das suas novas necessidades. Da busca de uma experiência única, de prova de vinhos que envelhecem em casco durante dezenas de anos, criando singularidades de prova inéditas, vinhos que resultam de um enorme poder de previsão do futuro, daquilo em que o vinho se transformará no fim de todo o processo de envelhecimento. Nesta seleção dos melhores lotes, a enóloga olha para o vinho como um todo, procurando captar todas as suas virtudes e fragilidades. O perfeccionismo latente ao modo como encara a arte de lotear, leva-a a uma constante busca pela excelência, que é sempre uma utopia inalcançável, sendo assombrada pela constante dúvida de saber se o apreciador compreenderá o que pretende transmitir com cada vinho. Neste lançamento conjunto, realça a revolução tranquila que se opera com as novas categorias 50 anos e Very Very Old (VVO), esta para vinhos cuja idade média é igual ou superior a 80 anos.
O prestígio internacional do vinho do Porto passa pela qualidade expressa nas diversas categorias, mas com especial ênfase nas categorias especiais, pois serão elas que definirão o vinho do Porto como produto único no mundo.
Ana Urbano assume a enorme responsabilidade que lhe é confiada há 20 anos. Ser a guardiã de um espólio que conta com cinco milhões de litros, cabendo-lhe, não apenas a sua elaboração, mas, igualmente, a sua preservação para que as gerações de enólogos que lhe seguirão possam dar continuidade a este trabalho nas quase centenárias Caves Messias.
(Artigo publicado na edição de Abril de 2024)
Adega de Redondo: Aqui nasceu o Porta da Ravessa
A serra está sempre presente no horizonte, mas aqui, ao contrário de outras serras de outras zonas do Alentejo, quase não existem vinhas nas suas encostas. Há, de qualquer forma, uma influência evidente em termos de clima e a explicação é-nos dada por Mariana Cavaca, a enóloga da adega, que há vários anos assumiu a […]
A serra está sempre presente no horizonte, mas aqui, ao contrário de outras serras de outras zonas do Alentejo, quase não existem vinhas nas suas encostas. Há, de qualquer forma, uma influência evidente em termos de clima e a explicação é-nos dada por Mariana Cavaca, a enóloga da adega, que há vários anos assumiu a direcção de enologia. Diz-nos que ali conseguem “ter vinhos com mais frescura, mais elegância do que noutras zonas, onde os vinhos tendem a ser mais encorpados e estruturados, porque aqui temos noites mais frescas e isso faz a diferença”. Estamos, apesar desta frescura, em terras de clima quente e isso tem vantagens (menos pressão das doenças da vinha), mas também desvantagens – falta de água e baixa produção por hectare. A adega também recebe uvas de Cuba e de Caia (integradas em marcas de Vinho Regional), mas Mariana confessa que são substancialmente diferentes das que aqui se produzem. A falta de água reflecte-se depois nas produções que se conseguem, muito abaixo do que seria expectável em castas que produzem bem, como a Alicante Bouschet e a Arinto.
Tem-se verificado um aumento exponencial da produção do rosé, que hoje atinge as 300.000 garrafas. É sobretudo devido ao rosé que se tem mantido a casta Castelão.
Uma marca a apoiar o desporto
A marca Porta da Ravessa foi, durante anos e anos, um nome obrigatório no Alentejo, tendo atingido produções que chegaram a sete milhões de garrafas e o ciclismo foi uma das modalidades que mais apoio teve. Hoje ainda representa cerca de três milhões de garrafas e a diferença explica-se pela concorrência que, entretanto, se desenvolveu. Foi, no entanto, decidido manter a marca e alargar o leque de vinhos que usam o nome emblemático. Foram esses, essencialmente, que foram objecto da nossa prova.
Um dos vinhos provados tem o epíteto de Vinhas Velhas, mas a enóloga lembra-nos que “temos poucas vinhas velhas por aqui, porque quase tudo foi reestruturado e, por isso, só ocasionalmente é possível fazer esse vinho”. Fica-nos a dúvida: quais as castas que melhor podem representar o perfil dos vinhos do Redondo? A resposta não foi de rajada, mas veio: nos brancos o Antão Vaz, Rabo de Ovelha, Verdelho e Fernão Pires; outrora com mais presença, mas a perder fôlego temos Roupeiro, Rabo de Ovelha e a tinta Moreto Já no que respeita ao melhor lote para brancos, a resposta é imediata: Antão Vaz e Arinto, resposta esta que, cremos, poderá também ser dada noutras regiões do vasto Alentejo.
As castas da moda também aqui marcam presença, com crescimento da Touriga Nacional, Touriga Franca, Syrah e Alicante Bouschet. Quanto a estilos de vinho, tem-se verificado um aumento exponencial da produção do rosé, que hoje atinge as 300.000 garrafas. É sobretudo devido ao rosé, confirma a enóloga, que se tem mantido a casta Castelão mas, logo adianta, “a Castelão dá para fazer tudo!”
A adega tem vinhos nas grandes superfícies a €1,80. Isso faz-nos logo pensar na rentabilidade de um negócio deste tipo e Nuno P. Almeida confessa: “só se consegue com uma rentabilização do pessoal, uma organização minuciosa que tire partido das 55 pessoas que aqui trabalham e um planeamento também ele minucioso dos trabalhos de adega, sobretudo na vindima, quando chegam a entrar 600 toneladas de uva por dia”. Neste capítulo, Mariana acrescenta que, “quando marcamos o dia para entrada de uvas Verdelho, por exemplo, eu tenho sempre uma prensa pronta e destinada apenas a receber Verdelho e isso, tal como com outras castas, obriga a uma calendarização das tarefas. Mas a verdade é que não há um litro de vinho nesta adega que seja movimentado, seja para filtrar seja para engarrafar ou outro que não tenha a minha aprovação”.
A vindima obriga a um planeamento minucioso dos trabalhos da adega, porque chegam a entrar 600 toneladas de uva por dia.
Sustentabilidade e história vínica
Visitámos a adega em Março, num dos momentos-chave para os associados. É agora que se paga a terceira tranche da vindima de 2022; a de 2023, também em três fases, será paga até Março do ano que vem. As uvas pagam-se por grau/quilo, por serem DOC ou IG, e um reforço por casta. Tudo somado estamos a falar de um preço médio a rondar os 39 cêntimos/quilo, sendo certo que as uvas com direito a DOC são mais bem pagas que outras.
Por aqui, desde 2019 caminha-se no sentido do selo da sustentabilidade mas, dizem-nos, não é fácil porque é preciso garantir que 60% dos viticultores cumprem os requisitos e “a burocracia que envolve é desanimadora. Mas temos de conseguir, porque até para concorrer a alguns tenders (Concursos que ocorrem sobretudo nos países nórdicos, em que os potenciais candidatos são convidados a oferecerem propostas de venda dos seus produtos) é preciso o selo”.
Tínhamos alguma curiosidade em provar alguns vinhos velhos da adega. Ficámos a saber que foi um sarilho para encontrar algumas garrafas. Nada de estranhar, porque a regra do “vender tudo até à última garrafa” é norma em muitas casas de produtores e empresas deste país. Também por aqui (Alentejo) não há tradição de se partilharem garrafas entre as adegas cooperativas. Dar o conhecer os melhores vinhos e dialogar com outros só pode trazer benefícios mas… Isso ainda vai ter de esperar, dizemos nós. Ainda assim, duas boas notícias: a promessa que irão passar a deixar de lado uma quantidade mínima de garrafas das marcas mais emblemáticas (digamos, 10 dúzias…!) e a prova de um vinho que não tinha rótulo, mas que era um Garrafeira de 2001. Resultado? Um tinto notável e cheio de saúde, que nos ajudou na reclamação que fizemos por não haver cuidado com os velhotes…
(Artigo publicado na edição de Abril de 2024)
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Porta da Ravessa Special Edition
Branco - 2023 -
Porta da Ravessa
Tinto - 2018 -
AR
Tinto - 2018 -
AR
Tinto - 2019 -
AR
Tinto - 2021 -
Porta da Ravessa
Tinto - 2020 -
Porta da Ravessa Vinhas Velhas
Tinto - 2020 -
Porta da Ravessa
Tinto - 2021 -
Porta da Ravessa Special Edition
Tinto - 2022 -
Porta da Ravessa
Branco - 2022 -
Porta da Ravessa
Rosé - 2023
Grande Prova: Moscatel até 10 anos Qualidade e prazer a preço imbatível
Quem não ouviu falar de Moscatel? Pois é(!); a referência a Moscatel é bem conhecida de todos os portugueses e, não sendo rigorosamente polissémica, a verdade é que a utilizamos tanto para identificar a uva como fruto, como, genericamente, um tipo de vinho aromático e doce. Com efeito, para o mero apreciador, e independentemente da […]
Quem não ouviu falar de Moscatel? Pois é(!); a referência a Moscatel é bem conhecida de todos os portugueses e, não sendo rigorosamente polissémica, a verdade é que a utilizamos tanto para identificar a uva como fruto, como, genericamente, um tipo de vinho aromático e doce. Com efeito, para o mero apreciador, e independentemente da multiplicidade de castas com o mesmo nome, Moscatel é sinónimo de vinho generoso. Efectivamente, e apesar das variações não-licoradas no final dos anos 80 do século passado num perfil frutado meio-seco (com a marca João Pires à cabeça), é mesmo o perfil doce e untuoso para o qual mais remete a referência a Moscatel. E, note-se, esta dicotomia, ou plasticidade, noutra perspectiva, das várias castas moscatéis, é transversal a todo o mundo vínico mediterrânico (o mesmo acontecendo com outras famílias de castas, caso da Malvasia, por exemplo), onde perfis mais ou menos secos convivem lado a lado com versões assumidamente doces. Do Douro (na variante Moscatel Galego Branco) a Palmela, sem sairmos do nosso país, ou de Málaga em Espanha a Samos na Grécia, sem esquecer os múltiplos terroirs em França e Itália, e até no Novo Mundo, casos do Chile, Austrália e África do Sul. Em todos estes lugares, tão diferentes e longínquos entre si, existe uma significativa implantação de variedades de Moscatel, com declinações mais ou menos secas, mais ou menos doces. Curiosa e paradoxalmente, o Moscatel tem vindo a sentir um menor reconhecimento em quase todas as referidas regiões, sendo que, em vários desses lugares, é actualmente utilizado quase exclusivamente para destilação. Em Portugal não é assim (felizmente!), apesar do reconhecimento da qualidade dos vinhos Moscatéis também não acompanhar a sua significativa implementação no país, nem o agrado generalizado que a maioria dos consumidores tem pelos vinhos.
Setúbal e Roxo
Neste texto, iremos dedicar-nos ao Moscatel de Setúbal, vinho generoso certificado desde 1908, e ao Moscatel Roxo (mutação do Moscatel Galego) igualmente certificada como Setúbal. Sendo vetusta a certificação, na sequência da demarcação da região um ano antes, em 1907, não admira o reconhecimento e apreço da generalidade dos consumidores por estes vinhos. Tanto assim o é que, do centro do país para o sul, falar de Moscatel é falar de Moscatel de Setúbal. Acresce realçar que os últimos 40 anos têm sido responsáveis por uma maior afirmação e dispersão do gosto por Moscatel de Setúbal fora da região, para o qual muito contribuiu o aperfeiçoamento do método de produção (num vinho onde a maceração pós-fermentativa e o estágio são determinantes). A prova disso mesmo é que, enquanto há 30 anos era difícil encontrar um Moscatel de uma só colheita, pois o blend era quase inevitável, dada disparidade de qualidade entre colheitas, actualmente são muitos os vinhos que provêm de um único ano, aspecto para o qual o fenómeno climático de aquecimento também tem contribuído.
Acresce, que a região de Setúbal tem conhecido um renovado interesse dos produtores no Moscatel, depois de décadas em que a casa José Maria da Fonseca não tinha praticamente concorrência no que respeitava a Moscatel comercializado (coisa diferente era o produzido na região para consumo local…). Com efeito, a partir dos anos 80 passou a ter rivalidade com a produção levada a cabo pela então ‘J.P. Vinhos’ (actualmente, ‘Bacalhôa Vinhos de Portugal’). A par destes produtores, e da restante dezena presentes na nossa prova, existem ainda mais cerca de meia dúzia a produzir e comercializar, com certificação, habitualmente este belo generoso em várias (talvez demasiadas) categorias e idades. De resto, os dados da CVR de Setúbal confirmam o crescimento da área de vinha destinada à produção de Moscatel que, entre Moscatel de Setúbal e Moscatel Roxo, já ascende quase a 600 hectares, com claro predomínio para o primeiro, mas notório crescimento recorde do segundo durante a última década, que duplicou em poucos anos (graças sobretudo aos esforços pioneiros da Bacalhôa e, mais tarde, da José Maria da Fonseca), passando de quase extinto aos 50 hectares actuais.
Mesmo apenas com 10 anos de idade, todos vinhos revelam enorme complexidade, o resultado sobretudo do estágio prolongado em barrica ou tonel, muitas vezes em sistema de canteiro.
Uma casta antiga
Refere Jancis Robinson, no seu clássico Guide to Wine Grapes, que o Moscatel de Alexandria (Moscatel de Setúbal) é uma casta antiga, também conhecida como Moscatel Romano, o que permite inferir ser uma variedade com origem em territórios do norte de África, que foi dispersa no Mediterrâneo durante os séculos de domínio do Império Romano. Por seu lado, João Afonso, no mais recente livro As Castas do Vinho, segue a doutrina que a casta tem origem provável nos territórios que hoje são a Grécia e o sudeste de Itália, lembrando que se trata de um cruzamento natural da casta Heptakilo T e a mais conhecida e valorizada Muscat à Petit Grain branco.
Independentemente da origem, mais ou menos mediterrânica, é uma uva que prefere climas quentes (sendo sensível a doenças em climas frios) e que, por regra, produz vinhos cuja prova é percepcionada como adocicada, intensa e pouco complexa, ainda que, em certas localizações, proporcione vinhos verdadeiramente intrigantes, desde que se controle a produção abaixo dos 3000 litros por hectare (Note-se que o Moscatel Roxo pode chegar a produzir 15 ton/ha em Portugal se não for controlado). Pois bem, é, como sabemos, o caso da nossa portuguesa Região de Setúbal, uma vez que a casta aqui está perfeitamente adaptada, sendo a complexidade aditivada pela maceração pós-fermentativa e longos estágios em madeira. Tal como sucede com os demais vinhos da região, são diferentes os néctares que provém de vinhas junto à Serra da Arrábida, com solos argilo-calcários – com pH mais baixo e acidez total mais elevada –, daqueles que resultam de fruto provenientes de plantas nas areias de Palmela. No que toca ao nosso tema do Moscatel, os vinhos das areias tendem a ser mais expressivos e melosos, com menos nuances e frescura.
Finalmente, a distinção entre os perfis Moscatel de Setúbal e Moscatel Roxo (uma mutação rosada do Muscat à Petit Grain, ou Moscatel Galego), perfis esses, em parte essencial, determinados pelas próprias diferenças das castas. Para uma explicação rápida, o método comparativo ajuda. Por um lado, ambas as castas são nitidamente florais, com referências a rosa, tília, laranjeira, sardinheira, palmarosa e citronela, com notas a baga e grainha de uva. Porém, enquanto o Moscatel de Setúbal é mais cítrico (lembrando olfactivamente casca de laranja, torta de laranja, laranja desidratada) e com notas de nozes, mel e massapão, já o Moscatel Roxo revela um aroma mais barroco, seco e tostado, com menos frescura (mesmo quando tem menos álcool), com referências a figo, tâmaras, caramelo, e alfazema seca. Os registos antigos de Ferreira da Lapa, a propósito desta casta, revelam que a sua complexidade e fino paladar são há muito admirados. A nosso ver, e com vários anos de provas, essa complexidade e finura são particularmente evidentes em Moscatéis Roxos com mais de 20 ou 30 anos, sendo que, quando novos, podem revelar-se menos elegantes do que os meios-irmãos Moscatéis de Setúbal.
Um fortificado muito especial
De uma forma absolutamente simplista, o Moscatel de Setúbal pode ser abreviado como um vinho generoso, obtido a partir da casta Moscatel plantada na região. Pode existir presença residual de outras castas (era o caso do Fernão Pires com Moscatel e do Castelão com Moscatel Roxo), mas se tiverem a designação às castas terão de ter pelo menos 85% da variedade em questão. Todavia, as fichas técnicas dos vinhos provados comprovam que os produtores da região optam quase sempre por vinhos 100% obtidos a partir de uma só casta. Ainda de forma simplicista, trata-se de um vinho cuja doçura natural é mantida pela paragem da fermentação mediante a adição de álcool vínico, sendo o estágio final do vinho em madeira, outra fase fundamental na medida em que, tal como sucede noutros produtos alcoólicos, proporciona um afinamento do produto. Naturalmente, quanto mais tempo de estágio em madeira, maior é a complexidade e concentração do vinho que será engarrafado (depois do engarrafamento, não tende a beneficiar de estágio, evoluindo pouco e de forma não homogénea, podendo até muitas vezes sofrer alguma turbidez, devendo a garrafa ser guardada ao alto).
Como sempre acontece no mundo dos vinhos, mais a mais quando estamos perante tradições e castas antigas, cada produtor tem a sua maneira própria de vinificar e estagiar. Mais detalhadamente, o processo, em todo o caso, é muito semelhante de casa para casa: inicia-se a fermentação lentamente com as películas, que será, contudo, muito curta (pode atingir os ¾ de fermentação em três dias), pois é parada (beneficiada, como também se diz) com adição de aguardente vínica selecionada. No que a esta fase diz respeito, existe alguma variação, com preponderância para aguardentes neutras, em tudo idênticas às utilizadas para o vinho do Porto e um teor de álcool compreendido entre os 52% e 86%, algumas de origem portuguesa, outras não (não existem restrições quanto à origem), sendo disso bom exemplo o recurso a aguardentes adquiridas quer na zona de Cognac, quer na de Armagnac, com bons resultados diga-se. Ocorre, depois, uma maceração pós-fermentativa durante o Inverno, que decorre entre cinco e seis meses dependendo, mais uma vez, da regra e do gosto de cada casa. Por exemplo, a José Maria da Fonseca e a Horácio Simões optam por uma maceração em películas de cinco meses, com final em fevereiro/março. Já António Saramago prolonga um mês mais. Esta maceração pós-fermentativa já com a aguardente adicionada é, portanto, feita com as películas das uvas, naturalmente ricas em aromas e sabores, o que também explica a tonalidade de topázio, cobre ou âmbar dos moscatéis mesmo em novos. Segue-se a trasfega e as massas são prensadas, sendo quase sempre utilizado esse vinho da prensa para ser loteado com o que resultou da sangra.
Apesar do registo naturalmente doce, vários foram os vinhos com percepção de frescura e muita vivacidade, o que os torna relativamente versáteis à mesa.
Estilos muito diversos
Igualmente relevante é o tipo de estágio, com a generalidade dos produtores a utilizar pequenas barricas (que podem chegar a apenas 100 litros), para assim contribuir com uma evolução mais acentuada. São quase sempre barricas antigas, mas varia o tipo de madeira (de Castanho a Carvalho Americano, passando pelo Carvalho Francês) e a anterior utilização e serviço. Entre outras situações, casos há de barricas com prévia utilização em vinho do Porto, outras servidas a Whisky. Várias casas não hesitam em colocar esses barris em armazéns “quentes”, com condições para provocarem concentração e intensidade, seguindo a técnica de canteiro (como sucede também no vinho da Madeira), aspecto bem evidente na prova de alguns vinhos que ficam, efectivamente, marcados por um estilo particularmente intenso e prazeroso, mesmo com apenas 10 anos. No espectro oposto, encontramos também produtores a optar por tonéis de 5000 a 6000 litros. Com estas variações, e como podemos comprovar na presente prova, o nível alcoólico dos vinhos provados varia entre os 17% e os 20,5% (sendo os limites legais 16% e 22%), e o açúcar residual desde os 105 g/l do mais seco João Pires 10 anos (José Maria da Fonseca), aos 240 g/l do mais doce Moscatel de Setúbal da Quinta do Piloto, passando pelos 140 g/l do Encostas da Arrábida (Adega Coop. Santo Isidro de Pegões) e pelos 171 g/l do Bacalhôa Moscatel de Setúbal Superior, entre outros. A título de comparação, veja-se que, nos vinhos mais velhos (com 20 ou mais anos) a doçura pode chegar aos 340 g/l (mas, para vinhos com menos de 20 anos, o limite é mesmo 280g/l.).
Como se constata, as diferenças são significativas, mas, verdade seja dita, todas essas diferenças não são particularmente notórias na prova organoléptica, sobretudo quando os vinhos são provados (e assim devem ser bebidos) frescos, por vezes mesmo frios (abaixo dos 10ºC). Naturalmente, provados a temperatura mais elevada, as nuances foram mais evidentes, apesar de em todos termos sentido o carácter e personalidade da casta – exuberante, floral e cítrica (laranja), perfil sacarino e afectuoso.
Quanto à referência à categoria 10 anos (e, bem assim, às demais 15, 20, 25, 30, 35 e 40) no Moscatel de Setúbal e Moscatel Roxo importa lembrar que, ao contrário de outros generosos, não se refere tanto a um estilo resultante de um lote de vinhos com uma idade média. Ao invés, na legislação de Setúbal, é obrigatório que os vinhos mais novos em cada lote tenham, no mínimo, a idade identificada.
Terminada a prova, (com)provámos a enorme qualidade destes vinhos, e demos algumas das notas mais elevadas registadas na nossa revista para este tipo de vinho. Tivemos vinhos que passaram cinco anos em barricas e outros quase 15, mas a qualidade esteve sempre presente. Se os mais leves e jovens devem ser servidos frios – não acima dos 8ºC – ao início de uma refeição, ou até em cocktails, os mais antigos e complexos podem acompanhar sobremesas e devem ser servidos a 10ºC. Nos destaques individuais, não podemos deixar de realçar a elegância do António Saramago Moscatel de Setúbal e a precisão do DSF Colecção Privada Moscatel Roxo, sem esquecer a concentração do Bacalhôa Moscatel de Setúbal e o equilíbrio do SVP Moscatel Roxo!
(Artigo publicado na edição de Abril de 2024)
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Encostas da Arrábida
Fortificado/ Licoroso - -
Moscatel Roxo de Setúbal
Fortificado/ Licoroso - 2010 -
Casa Ermelinda Freitas
Fortificado/ Licoroso - 2009 -
Adega de Palmela
Fortificado/ Licoroso - -
Rubrica
Fortificado/ Licoroso - -
Quinta do Piloto
Fortificado/ Licoroso - -
Moscatel de Setúbal
Fortificado/ Licoroso - 2016
Lusovini: Castas antigas, novos horizontes
Temos em Portugal muito orgulho em possuir uma enorme variedade de castas autóctones, mas, na realidade, em cada região trabalhamos com uma dúzia delas. Desde os anos 80, quando o fundador da Lusovini, Casimiro Gomes, resolveu iniciar um projecto vitivinícola no Dão, ouvia falar de castas “esquecidas”, das quais nunca encontrou os vinhos para experimentar. […]
Temos em Portugal muito orgulho em possuir uma enorme variedade de castas autóctones, mas, na realidade, em cada região trabalhamos com uma dúzia delas. Desde os anos 80, quando o fundador da Lusovini, Casimiro Gomes, resolveu iniciar um projecto vitivinícola no Dão, ouvia falar de castas “esquecidas”, das quais nunca encontrou os vinhos para experimentar. Até agora.
Em 2015, quando surgiu a oportunidade de adquirir a Vinha da Fidalga, propriedade do século XVIII com 25 hectares em Carregal do Sal, não pensou duas vezes. Ficou logo decidido expandir a selecção para além as castas habituais da região.
Em 2017 começaram a plantar a vinha experimental numa área de cerca de 3,5 ha com variedades minoritárias, algumas praticamente extintas. O processo demorou três anos. Inicialmente escolheram 22 castas, cerca de 1000 pés de cada. “É preciso perceber onde está o ponto crítico de cada casta”, diz Casimiro Gomes.
A condução das videiras foi delineada em monoplano ascendente, com poda longa por não existir informação técnica sobre a zona de frutificação destas variedades. O acompanhamento do comportamento das plantas na vinha foi um processo de aprendizagem que levou, também, a uma selecção que deixou algumas delas para trás (“ou apodreciam com facilidade, ou não produziam nada”). Hoje mantêm-se, nesta vinha, as 12 castas que conseguiram convencer os responsáveis da viticultura e da enologia: Arinto do Interior, Coração de Galo, Gouveio, Luzídio, Uva Cão, Terrantez, Barcelo, Rabo d’Ovelha, Douradinha, Malvasia Preta, Monvedro e Cornifesto. Este projecto gerou um grande entusiasmo dentro da empresa, conta Casimiro Gomes, sobretudo na altura das vindimas, pois todos queriam acompanhar uma nova história a ser construída.
Uvas no estado puro
Entre 2021 e 2022 fizeram-se microvinificações. Desta última colheita provámos os primeiros cinco vinhos, que saíram para o mercado em quantidades muito limitadas (entre 1000 e 1200 garrafas). A enologia idealizada por Sónia Martins foi a mais neutra possível para “testar as uvas no seu estado puro, como base para recriar muitas outras coisas”. Fermentação e estágio sem madeira, com levedura neutra, sem qualquer tipo de bâtonnage. No final foram retiradas as borras groseiras, com uma ligeira clarificação (com bentonite) e filtração. As uvas tintas foram desengaçadas, manta mexida manualmente duas vezes ao dia no pico da fermentação. A prensagem ocorreu em prensa vertical de madeira, seguida de fermentação maloláctica espontânea, clarificação natural e ligeira filtração antes de engarrafamento. A colheita de 2023 também foi feita nesta óptica, para ter mais anos de comparação e aprendizagem.
Cada um dos cinco vinhos tem uma imagem diferente no rótulo, transmitindo alguma ligação à casta que representa: Terrantez, Uva Cão, Douradinha, Malvasia Preta e Monvedro. O nome pode confundir, mas a variedade Terrantez cultivada no Dão não tem nenhuma ligação genética com a Terrantez da Madeira, nem do Pico, nem da Terceira. É uma casta referenciada na Península Ibérica desde o século XVI, disseminada no século XIX em quase todo o país, do Minho até ao Algarve. A partir do Século XX passou a estar presente quase exclusivamente no Dão, onde em 1986 representava menos de 0,03%. É das castas ainda pouco estudadas. Sabe-se que de ponto de vista agronómico é uma casta de abrolhamento e maturação em época média. Como é muito susceptível ao desavinho e bagoinha, necessita de bom arejamento na zona das inflorescências. Tem um porte retumbante e é assim que aparece no rótulo. Os mostos desta casta apresentam teor alcoólico relativamente baixo e acidez bastante alta. O vinho mostrou um grande equilíbrio num perfil fresco e consensual.
Grande frescura de boca
A Uva Cão é de origem desconhecida. Mas é famosa pela sua elevada acidez. É uma casta muito antiga, mencionada em 1711 por Vicêncio Alarte. No Dão existe principalmente nas vinhas velhas dos concelhos de Tondela e Carregal do Sal. De abrolhamento médio a tardio, tem boa fertilidade, com alguma sensibilidade ao desavinho. Amadurece tardiamente e precisa de estar bem exposta ao sol e em solos com pouca humidade. É resistente ao stress hídrico e aguenta bem as vagas de calor, o que lhe projecta um futuro interessante. Entretanto, foi referido que os mostos são bastante sensíveis à oxidação. O vinho surpreendeu pela sua amplitude aromática e ofereceu uma grande frescura de boca.
A Douradinha é filha das variedades Amaral e Alfrocheiro, mencionada pela primeira vez em 1851 e, depois, em 1880. Referenciada no Dão em 1986, com uma percentagem de plantação muito reduzida, foi desaparecendo ao longo do tempo, sendo hoje uma das castas antigas mais raras na região. Tem cacho com aspecto dourado quando atinge a plena maturação, o que provavelmente originou o nome. Muito sensível à podridão cinzenta, se não estiver bem exposta no período de colheita. Surpreendentemente, apresenta uma acidez ainda mais alta do que a Uva Cão. Este vinho talvez seja mais desafiante, mais intenso na acidez e mais austero na performance aromática.
O Dão a recuperar património
A Malvasia Preta é originada por cruzamento natural de Alfrocheiro com Cayetana Blanca (Sarigo). Com primeira referência em 1866, está mais presente no Nordeste de Portugal. Na região, figura em 1986 como “Negro Mouro”, com uma presença próxima dos 4% de plantação. Transmite acidez bastante elevada e aroma com fruta mais imediata e fácil de gostar.
A casta Monvedro é a filha de Alfrocheiro com outro progenitor desconhecido. Presente na região em quantidades diminutas (em 1986 menos de 0,01%), é medianamente produtiva, abrolha cedo e amadurece tarde. Mostrou-se bastante sensível às vagas de calor. Por isso precisa de estar numa zona mais fresca e sombria. Sensorialmente, é um caso para dizer: “primeiro estranha-se, depois entranha-se”. É menos consensual, com carácter muito próprio que exige uma prova atenta e alguma paciência para o descobrir.
É importante acrescentar que, depois da prova, todos os vinhos se portaram muito bem à mesa. São vinhos de nicho, alguns mesmo únicos no país (e no mundo!). Quando começarem a surgir mais, será muito bom sinal: o Dão a recuperar o seu património e a basear nele o seu futuro.
(Artigo publicado na edição de Março de 2024)
Filipe Wang: O Sommelier do Ano
Filipe Wang representa bem a sua geração, enquanto profissional com excelente formação. Parte dessa formação ocorreu no estrangeiro, e teve experiência profissional nos melhores locais, também fora e, mais recentemente, dentro do país, revelando enorme vocação e descrição. Com a restauração a correr-lhe no sangue – os seus pais têm um restaurante – centra a […]
Filipe Wang representa bem a sua geração, enquanto profissional com excelente formação. Parte dessa formação ocorreu no estrangeiro, e teve experiência profissional nos melhores locais, também fora e, mais recentemente, dentro do país, revelando enorme vocação e descrição. Com a restauração a correr-lhe no sangue – os seus pais têm um restaurante – centra a sua formação na gestão hoteleira e logo na Suíça, na prestigiada Swiss hotel management school. A sua primeira experiência no terreno é na fervilhante capital inglesa em 2016, e logo no Dinner, o mediático restaurante londrino do não menos mediático Heston Blumenthal (então um dos 50 melhores restaurantes do mundo na lista Pellegrino), ainda não como sommelier mas já de olho nos vinhos. De tal forma que, pouco depois, seria convidado para oficiar no Launceston Place, também em Londres, agora na fileira do vinho e sob a responsabilidade de Piotr Pietras MS, um dos mais premiados sommeliers da sua geração. Volta a Portugal, em meados de 2019, para o conceituado (e estrelado) Alma do chef Henrique Sá Pessoa e logo como head sommelier, gerindo toda a operação dos vinhos. O maior desafio ainda estava para vir… e surgiu no final de 2021, quando é chamado para colaborar na abertura do Kabuki em Lisboa, a delegação lusitana de um dos mais icónicos restaurantes madrilenos, um dos fundadores da chamada cozinha de fusão. Aqui se mantém, na gestão de uma sala com clientes exigentes –situada no hotel Ritz, agora com uma estrela Michelin –, e que organiza vários eventos de vinho por ano.
Com efeito, Filipe tem sido responsável para que o Kabuki seja cada vez mais uma casa também reconhecida, precisamente, pelo serviço de vinhos, e procurada por enófilos apaixonados. Depois, a quarta-feira é o dia semanal em que os clientes são convidados a trazer uma garrafa de casa sem cobrança de qualquer taxa ou encargo; um luxo num restaurante de tão elevado nível! A carreira de Filipe está no seu melhor momento, em velocidade cruzeiro, revelando-se tranquila sem perder ambição. Apaixonado por todos os tipos de vinho – com brancos à cabeça e depois champagnes – a serenidade e a boa disposição são atributos que manifestamente lhe são reconhecidos. A enorme competência ainda mais! N.O.G.