AdegaMãe: Lisboa de carácter e ambição

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Mais de uma década depois do seu nascimento, a AdegaMãe assume-se como um projecto maduro e sólido, um dos produtores que mais contribuem para a afirmação qualitativa da região de Lisboa. Nos vinhos, e no enoturismo. Texto: Mariana Lopes    Fotos: AdegaMãe Ventosa, Torres Vedras, apenas a 10 quilómetros do oceano atlântico. É aqui que fica […]

Mais de uma década depois do seu nascimento, a AdegaMãe assume-se como um projecto maduro e sólido, um dos produtores que mais contribuem para a afirmação qualitativa da região de Lisboa. Nos vinhos, e no enoturismo.

Texto: Mariana Lopes    Fotos: AdegaMãe

Ventosa, Torres Vedras, apenas a 10 quilómetros do oceano atlântico. É aqui que fica a AdegaMãe, erguida em 2011 pela família fundadora do Grupo Riberalves, entre o mar e a Serra de Montejunto. Dois factores muito importantes: a proximidade ao mar, porque define largamente o perfil de vinhos da casa, e o profissionalismo e experiência empresarial de quem a criou e gere que, sabendo rodear-se das pessoas certas, fez com que a AdegaMãe se afirmasse, em pouco mais de 10 anos, como um dos mais promissores produtores da região de Lisboa. É assim mesmo que se escreve, “AdegaMãe”, sem espaço entre as duas palavras. João e Bernardo Alves, pai e filho, homenageiam desta forma Manuela Alves, a matriarca da família. Mas “Mãe” é, aqui, também referência aos conceitos de “nascimento” e “criação”, de uvas, de vinhos e de experiências.

Actualmente, é Bernardo Alves que está ao leme, enquanto director-geral, do projecto e dá continuidade ao sonho do pai, que começou em 2010 com a primeira vindima, altura em que as infra-estruturas da AdegaMãe estavam ainda em processo de construção. Em 2011, é concluído o edifício principal, a adega, e lançado o primeiro vinho para o mercado, o Dory tinto 2010. A marca Dory — inspirada nos Dóris, pequenos barcos que se presume terem surgido no século XVII ou XVIII, usados na pesca do bacalhau — é ainda hoje a principal e mais “famosa” do portefólio da casa, que integra também o entrada de gama Pinta Negra e a linha AdegaMãe, dedicada sobretudo a vinhos varietais e de parcela. Em 2021, para marcar 10 anos de existência, a empresa sofreu um rebranding total, da autoria da M&A Creative Agency, mas a imagem dos rótulos dos Dory manteve o seu elemento principal: o Dóri nº 37 e o seu tripulante, um pescador português embrenhado na sua função. Este cenário foi retirado de uma fotografia original e bem antiga, que a AdegaMãe obteve permissão para usar, onde se vê também a embarcação-mãe, o Creoula, em plano de fundo. Construído e lançado ao mar pela primeira vez em 1937, o ex-bacalhoeiro Creoula pertence hoje à Marinha Portuguesa. Entretanto, já depois desta imagem ser utilizada nos rótulos dos Dory, o verdadeiro Dóri 37 foi oferecido à AdegaMãe, pela família que o detinha, e está exposto mesmo à entrada da adega, não deixando dúvidas sobre a influência do mar na génese e herança espiritual do produtor.

Montejunto: três de um lado, três do outro

Embora tudo tenha começado com um tinto (provavelmente porque, na altura, era o que mais sentido fazia a nível de mercado), rapidamente a equipa da AdegaMãe percebeu que o potencial daquela zona de Lisboa residia nas uvas e vinhos brancos, pelo clima e pelos solos. Anselmo Mendes e Diogo Lopes — hoje talvez a dupla de enólogos mais cobiçada do país — acompanham a empresa desde a sua fundação e orientaram, logo no início, a restruturação das vinhas que circundam a AdegaMãe: substituíram as castas tintas que, na verdade, não faziam ali grande sentido, como Alicante Bouschet ou Aragonez, entre outras, por uvas brancas. Nos 30 hectares de vinhedos que ali estão hoje, apenas uma tinta ficou, a Pinot Noir. Amândio Cruz, viticólogo consultor da AdegaMãe e também ele uma referência na sua profissão, entrou em cena em 2014, e explica que a Pinot Noir se comporta “mais como uma branca, a nível de exigências térmicas”, por isso faz sentido ali. E ainda bem para Bernardo Alves, que confessa ser uma das suas favoritas…

Porém, para Amândio Cruz, o maior potencial da casa reside nas três brancas mais plantadas ali, Chardonnay, Viosinho e Sauvignon Blanc, “o ex-libris da AdegaMãe”. Em 2021, lembra, plantaram Gouveio, que era praticamente inexistente nas vinhas do produtor, e este ano reforçaram a área de Alvarinho. Ainda na zona da adega, há também Riesling e Arinto, mas é noutra vinha de 32 hectares, na zona mais interior do concelho, que estão Fernão Pires e Viognier, além de Arinto e Sauvignon Blanc. Adicionalmente, já na encosta poente da Serra de Montejunto, em Pereiro, encontra-se uma vinha de 3 hectares com a casta Vital, uma das pouquíssimas ainda existentes na região. Durante vários anos, a equipa de enologia da casa esteve a estudar o que fazer com ela, culminando no lançamento do AdegaMãe Vinhas Velhas Vital, em 2021, integrado numa nova gama de vinhos de parcela. “O clima de Torres Vedras é excepcional para castas brancas, é o factor principal”, elucida Amândio Cruz. “É mais fresco em geral, as temperaturas máximas são mais baixas e as nocturnas também, e temos uma neblina matinal óptima. Há até menos horas de sol, porque está muitas vezes nublado até às onze da manhã”, desenvolve. Mas também o solo tem a sua importância no potencial da zona para brancos: “O solo é argilo-calcário, o que imprime excelente acidez nas uvas, com a particularidade de ter muito cálcio, mais do que potássio. Isto é bom porque o potássio, embora importante para a nutrição das uvas, em excesso retira-lhes alguns ácidos essenciais”, refere o viticólogo.

Já do outro lado da serra, num clima mediterrânico de influência mais continental e (um pouco) menos atlântica, estão as uvas tintas, divididas por outras três vinhas nas zonas de Alenquer e Arruda dos Vinhos: Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Touriga Nacional, Castelão, Tinta Roriz, Aragonez e Alicante Bouschet. Deste lado as amplitudes térmicas são maiores (essencial para a maturação das uvas tintas) e os Verões mais quentes.

lisboa adegamãe Especialidade da casa

Os vinhos brancos varietais, incluindo os de uma só parcela, são claramente o campo onde a AdegaMãe dá mais cartas. Durante a última década, a empresa esteve à procura “do seu lugar no Mundo”, e foi aqui que o encontrou. Ainda em 2013, ano em que a AdegaMãe fez um dos vários reforços à gama de varietais brancos, com 4 novos vinhos, Bernardo Alves já dizia: “O objectivo é contribuir para uma nova reputação da região de Lisboa. Esta região e a AdegaMãe têm muito para dar ao país. As condições naturais, a proximidade do oceano Atlântico e os próprios solos oferecem-nos vinhos com características especiais, com uma mineralidade e com uma acidez natural que é de realçar. Temos condições únicas para fazer grandes vinhos”.

Diogo Lopes, que hoje é o principal enólogo da casa, recorda que “os primeiros 10 anos serviram para eu e o Anselmo Mendes aprendermos sobre a região. As variedades, as zonas, os estilos de vinho e todos os seus potenciais. Aprofundar o conhecimento e ter mais certezas do que queríamos fazer. O corolário disto tudo, é a gama dos vinhos de parcela”. Esta gama, com a marca umbrela AdegaMãe, abrange, além do já referido Vinhas Velhas Vital, também o Tinto Atlântico, um 100% Pinot Noir da vinha do produtor mais próxima ao mar, e mais recentemente a novidade absoluta, Parcela Amarela, 100% Viosinho, casta que a equipa considera como a “crème de la crème” da casa, estando presente nos principais brancos de lote). No entanto, não é só a parcela e a casta que fazem este vinho, na edição de 2019, especial. “Com o decorrer da fermentação, ouve duas barricas que desenvolveram um pouco de ‘flor’ naturalmente, e eu deixei ficar… achei que ia dar riqueza ao vinho”. A “flor”, ou “véu de flor”, é uma espécie de manto, formado por leveduras, que se forma no topo do vinho, a maior parte das vezes quando a barrica ou o depósito não estão totalmente atestados, devido ao contacto com o oxigénio. E ainda bem que Diogo Lopes o deixou ficar, porque neste caso o resultado foi excelente, um branco original e com enorme complexidade e elegância, com um lado evoluído nobre.

Igualmente ambiciosa é a gama dos AdegaMãe varietais brancos. Para esta reportagem, provou-se o Sauvignon Blanc 2020, Riesling 2019, Chardonnay 2020, Arinto 2019, Alvarinho 2018 e Viosinho 2019. Em comum, têm o facto de serem vinhos de elevadíssima qualidade, por um preço altamente democrático. Quando se diz a Bernardo Alves que estas referências poderiam custar bem mais, “nas prateleiras”, do que custam, o director-geral da AdegaMãe torce o nariz: “Claro que poderiam custar mais, têm qualidade para isso, mas não é esse o nosso objectivo. Queremos que toda a gente possa beber excelentes vinhos de Lisboa”, sublinha.

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Investir na qualidade

É também Bernardo Alves que critica o sector do enoturismo português, com assertividade. “Enoturismo não é só dormir nas quintas de vinho, nem ter apenas uma porta aberta ao público. Ou se tem à seria, com uma estrutura dedicada, ou mais vale não ter”. Como se costuma dizer “errado ele não está”. É com base nesta premissa que a AdegaMãe tem investido largamente nesta área, com o último investimento maior a recair (a par da área da produção) sobre a abertura do restaurante Sal na Adega, em 2020. O espaço, moderno mas aconchegante em simultâneo, e com vista privilegiada para as vinhas, serve cozinha tradicional portuguesa com um toque de elegância e identidade, da autoria do chef santareno Tiago Fitas Rodrigues. O bacalhau tem, naturalmente, forte presença na carta, mas nem só dele se faz a oferta gastronómica, havendo muito mais por onde escolher, e acima de 20 referências de vinho para harmonizar. À entrada, logo a seguir à loja, uma zona estilo wine bar para quem espera ou para quem não se quer comprometer com uma refeição completa. É também aqui, no Sal na Adega, que se pode desfrutar do Brunch AdegaMãe, que custa €40 por pessoa e inclui harmonização com 4 vinhos da casa: Dory Colheita branco ou tinto, varietal branco, varietal tinto e Dory Reserva branco ou tinto. Ainda no âmbito do enoturismo, há todo um leque de provas comentadas diferentes, visitas guiadas e experiências personalizadas. “As pessoas vêm pouco ao Oeste, e nós estamos a tentar criar motivos para que venham”, conclui Bernardo Alves.

Tendo já todas as fases do processo de produção nas suas instalações, incluindo linha de engarrafamento, a AdegaMãe produz, actualmente, 2 milhões de garrafas por ano, um aumento de 700 mil desde 2018. Cerca de 75% vai para mais de 30 países, com o Brasil, os Estados Unidos, a Ásia e a Colômbia a afigurarem-se como os mercados mais importantes. Também desde 2018, a facturação quase duplicou, com Março a fechar nos 5,8 milhões de euros. E o próximo grande objectivo, qual é? Diogo Lopes responde: “Acho que falta, na região, alguma identidade, e nós já descobrimos a nossa. Queremos assumir a AdegaMãe como um dos grandes produtores de vinho branco do país”.

 

Família Amorim: Novas de Dão e Douro

amorim dão douro

A sempre impactante Taboadella, no coração do Dão, foi o palco para a apresentação das novas colheitas do portefólio vínico da família Amorim, oriundas quer da propriedade anfitriã quer da duriense Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo. Entre os vários vinhos lançados, houve espaço para uma estreia, um branco de uvas tintas. E revelou-se a […]

A sempre impactante Taboadella, no coração do Dão, foi o palco para a apresentação das novas colheitas do portefólio vínico da família Amorim, oriundas quer da propriedade anfitriã quer da duriense Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo. Entre os vários vinhos lançados, houve espaço para uma estreia, um branco de uvas tintas. E revelou-se a consolidação de dois projectos com muito ainda para crescer e encantar.

Texto: Luis Lopes     Fotos: Amorim

O investimento vitivinícola da família Amorim assenta em duas propriedades emblemáticas. A Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo foi adquirida em 1999, integrada na compra da Burmester. A empresa de Porto foi depois vendida à Sogevinus, mas a propriedade ficou na família, desenvolveu-se muitíssimo e é hoje uma referência na região, em termos de vinhos e de enoturismo. A Taboadella é um projecto bem mais recente. Comprada em 2018, a reabilitação vitivinícola ali realizada e a construção de uma adega (desenhada por Carlos Castanheira) absolutamente inovadora do ponto de vista arquitetónico e funcional, tornou muito rapidamente esta propriedade numa das estrelas que mais brilha no Dão. Brilho que vai certamente aumentar com a recente recuperação da casa da quinta, agora baptizada Casa Villae 1255, uma habitação senhorial de 8 quartos disponível para aluguer em regime de exclusividade. Luisa Amorim, CEO do negócio vitivinícola da Amorim, foi a anfitriã na apresentação das novas colheitas, ladeada por Ana Mota, directora de produção e Jorge Alves, responsável de enologia. Os vinhos, esses, não podiam ser mais distintos entre si, traduzindo as naturais diferenças nas suas origens, Quinta Nova e Taboadella.

QUINTA NOVA

 A Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo é uma imponente propriedade situada na margem direita do Douro, entre a Régua e o Pinhão, referenciada desde a primeira demarcação pombalina, em 1756. Com uma frente de rio de 1,5 km, a quinta tem cerca de 120 hectares, dos quais 85 plantados com vinha. Esta espalha-se por encostas íngremes desde a cota de 80 metros até cerca de 300 metros, com vários modelos de plantação: terraços, patamares e vinha ao alto. Os terraços albergam duas parcelas de vinha centenária, uma de 2,5 hectares e outra com 4,5 hectares, ambas localizadas a 150 m de altitude com uma exposição solar a sul-poente, preservadas em muros de xisto. Ali se conservam cerca de 80 castas tintas e brancas que entram nos lotes dos vinhos mais ambiciosos da Quinta. A produção é, naturalmente, muito baixa, e as parcelas são cuidadas de forma tradicional, o solo mobilizado com charrua e cavalo e adubação natural com recurso à descava. Ana Mota tem procurado manter e replicar o valioso património genético deste tesouro vitícola. Assim, através de selecção massal da vinha centenária, foram nascendo novas estacas e novos talhões de vinha perfazendo actualmente 41 parcelas distintas, cada qual com o seu microterroir.

As uvas brancas da vinha velha entram no lote do Mirabilis, o branco de topo da casa, onde se juntam às castas Viosinho e Gouveio. Lançado pela primeira vez na vindima de 2011, o Mirabilis tem vindo a assumir-se, pela qualidade e pelo preço, como um dos mais reputados brancos durienses. Agora, é a colheita de 2020 que chega ao mercado, mantendo o elevado padrão da marca. O rosé Quinta Nova também já se tornou um “clássico”, criado na vindima de 2015. Chegou a haver duas referências, um “normal” e um “reserva”, mas a partir da vindima de 2019 prevaleceu o primeiro, incorporando embora a fermentação em barrica do segundo. É o caso do agora apresentado 2021, feito de Tinta Roriz (50%), Tinta Francisca e Touriga Franca. Tinta Roriz foi também a casta escolhida por Jorge Alves para a estreia absoluta do Quinta Nova Blanc de Noir Reserva. Da vindima de 2021, é um branco de uvas tintas que estagiou em barricas de carvalho francês. Por fim, o Porto Vintage 2020. Oriundo das vinhas centenárias da Quinta Nova, promete, com alguns anos de garrafa, vir a ser coisa muito séria.

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A Adega Taboadella foi completamente inovadora no Dão.

TABOADELLA

A Taboadella constituiu o início das aventuras vínicas da família Amorim fora do Douro. Situada em Silvã de Cima, entre Penalva do Castelo e Sátão, é uma propriedade planáltica, que se desenvolve entre as cotas de 530 a 400 metros. Os 42 hectares de vinha (29 de castas tintas e 13 de brancas) estão protegidos pelos maciços montanhosos que atenuam os ventos frescos de oeste e os ventos agrestes de leste, resultando num clima entre o atlântico e o continental. A vinha está dividida em 26 parcelas diferenciadas. As vinhas mais antigas centram-se nas variedades tradicionais do Dão: Jaen, Touriga Nacional, Alfrocheiro e Tinta Pinheira. Nos anos 80, a vinha da Taboadella foi parcialmente replantada, introduzindo-se novas castas como a Tinta Roriz e as brancas Encruzado, Cerceal-Branco e Bical. Hoje, a idade média das videiras é de 30 anos, mas algumas já atingiram um século. A vinha da Taboadella não é regada e está em processo de transição para produção em modo biológico.

As novidades da casa agora apresentadas assentam em quatro varietais, um branco, três tintos. Primeiro, o Encruzado Reserva branco 2021. Tal como os restantes, apareceu logo na primeira vindima da Taboadella, 2018. Para Jorge Alves, acostumado à realidade duriense, o encontro com a Encruzado no Dão foi uma agradável surpresa. “Hoje”, confessa, “é a casta branca portuguesa de que mais gosto, sem reduções ou oxidações na adega, originando vinhos com muita frescura e longevidade.” O Taboadella Encruzado 2021 fermentou e estagiou em diversos tipos de vasilhas (barricas, cimento e inox) e faz justiça às palavras do enólogo.

Os varietais tintos que agora chegam ao mercado são todos de 2020. O Jaen vem das zonas mais altas da quinta, para aproveitar ao máximo a frescura desta casta precoce e mostra grande potencial. O Touriga Nacional é um belo exemplar da variedade, com tudo o que é preciso: flores, fruto, elegância. E o Alfrocheiro vai deixar muito boa gente a pensar porque é que, no Dão, só se fala na Touriga…

Quinta Nova e Taboadella são duas propriedades bem distintas mas focadas no mesmo modelo de negócio, qualidade e valorização. A primeiro faz 650 mil garrafas/ano enquanto a segunda fica pelas 170 mil, mas com a particularidade de 110 mil serem de “Reservas”, ou seja, de preço médio elevado.

Para Luisa Amorim, estes vinhos “espelham a filosofia da Quinta Nova e da Taboadella, o

desejo de ir sempre mais além.” A verdade, é que a grande mentora destes projectos está longe de estar satisfeita: “queremos brancos, rosés e tintos, ainda mais frescos, mais elegantes, sempre preservando a essência do lugar onde nascem.” Ora ainda bem. É a insatisfação que nos leva mais longe.

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)

 

Van Zellers & Co: Família feita de vinho

Van zellers vinho

Após alguns anos passados a redesenhar a empresa, a Van Zellers & Co ressurge com uma nova identidade de marca e objectivos bem traçados. Hoje, o conceito e os vinhos apresentados ao mercado confirmam o que esta família sabe fazer melhor: reinventar-se, com classe.  Texto: Mariana Lopes    Notas de Prova: Mariana Lopes e Luís […]

Após alguns anos passados a redesenhar a empresa, a Van Zellers & Co ressurge com uma nova identidade de marca e objectivos bem traçados. Hoje, o conceito e os vinhos apresentados ao mercado confirmam o que esta família sabe fazer melhor: reinventar-se, com classe.

 Texto: Mariana Lopes    Notas de Prova: Mariana Lopes e Luís Lopes   Fotos: Van Zellers & Co

Cristiano, Joana, Francisca, pais e filha. Os van Zellers que hoje detêm a empresa com o nome da família, com um legado de séculos a correr no sangue. Reinventada, a Van Zellers & Co traz-nos vinhos que já conhecemos — como os CV ou os VZ — e outros que são novidade, todos com nova imagem: elegante, a ligar a classe do passado ao minimalismo do presente.

Há 400 anos que a família van Zeller está ligada ao Douro e ao vinho do Porto, tendo chegado a Portugal em 1620, vinda da Holanda, e fixando-se no Porto como comerciante de vinho. Fundando (oficialmente) a empresa Van Zellers & Co em 1780, esta família já era, em 1811, uma das mais importantes exportadoras de vinho do Porto, exportando, nesta altura, mais de mil pipas por ano. Em meados do século XIX, a Van Zellers & Co foi vendida, e os van Zellers continuaram o negócio através de outras duas empresas, a Quinta de Roriz e Quinta do Noval, tendo feito, sobretudo nesta última, um trabalho preponderante ao nível da vinha e dos vinhos, fundamental para o reconhecimento que esta marca hoje tem. Luiz Vasconcelos Porto, bisavô de Cristiano van Zeller, foi a figura principal desta revolução do Noval, e foi ele quem, no início da década de 30, comprou “de volta” a Van Zeller’s & Co. Aqui deu-se um período de fusão entre as duas empresas e marcas, mas, por volta de 1988, Cristiano (14ª geração da família neste negócio) resolveu, juntamente com outros familiares, tornar a Van Zeller’s & Co independente do resto. Mais tarde, depois da venda da Quinta do Noval à Axa Millésimes, João van Zeller, primo de Cristiano, recupera a Van Zellers & Co e esta “adormece” durante uns anos, enquanto Cristiano van Zeller se dedica a outras importantes marcas do Douro (como Quinta do Crasto e Vallado) e cria outra, hoje uma das mais emblemáticas da região, em 1996: Quinta Vale D. Maria, após a compra desta à família da sua mulher Joana. O que é certo é que, em 2007, João van Zeller decide oferecer as marcas VZ e Van Zellers ao primo Cristiano como presente de Natal. E é aqui que, na verdade, começa a primeira fase de reconstrução de uma marca e empresa. Cristiano acrescenta o vinho CV Curriculum Vitae (que produzia desde 2003 sob a chancela Vale D. Maria) ao portefólio da Van Zellers & Co e inicia, a partir desse ano a aquisição de Porto a granel, baseando-se no profundo conhecimento que tem do Douro e dos produtores tradicionais que, geração após geração, fazem o chamado “vinho fino” para vender às casas exportadoras de Gaia.

Em 2013, a sua filha mais velha, Francisca van Zeller, integra o Marketing e as vendas da Van Zeller’s & Co, começa a ganhar “mundo” e, em simultâneo, tira o curso de Enologia e Viticultura.

A partir de 2017, já depois de ceder a participação da Quinta Vale D. Maria à Aveleda e de ter deixado de trabalhar com esta, Cristiano reforçou grandemente as compras de vinho do Porto, no sentido de acumular um stock apreciável de Porto velho de alta qualidade. E, juntamente com Joana e Francisca, passa ter tempo para se dedicar de alma e coração à sua querida empresa familiar, que re-apresenta ao mercado em 2020. O resultado está aqui, nos Douro e Porto Tawny provados, mas também numa impressionante colecção de Porto Colheita de 1976 a 1934. São vinhos que quase igualam a personalidade de Cristiano van Zeller: têm uma leveza e, ao mesmo tempo, uma complexidade únicas. Tivemos acesso a eles… mas não queremos contar já.

Van Zellers, hoje

As vinhos da Van Zeller’s & Co estão agora “arrumados” de uma forma mais intuitiva e original: “Crafted by Hand” (criados pelo Homem), são os blends de vários locais/vinhas/castas, onde se inserem os Tawny 10, 20, 30 e 40 Anos, e os VZ branco e tinto; “Crafted by Nature” (pela Natureza), aqueles em que uma vinha e o seu terroir são os únicos “autores” do vinho, como acontece no CV branco e tinto, e nos Van Zellers & Co LBV e Vintage; e “Crafted by Time”, criados pelo Tempo, onde é este que define o perfil, como os Porto Colheita antigos e o tinto Van Zellers & Co 15 Gerações. Francisca Van Zeller, contou-nos como surgiu todo o conceito. “Durante o desenvolvimento da marca, que foi feito em conjunto com Matilde Barroso, amiga e especialista em branding, ficou claro que o que queremos é oferecer vinhos que criam experiências memoráveis, quase como se fosse uma viagem. Isto é feito, primeiro, pela qualidade dos vinhos e, em seguida, pelas histórias e experiências que criamos à volta deles”. Entre parcerias com marcas fortes e premium, como Boutique dos Relógios Plus, uma comunicação mais familiar e diferenciada nas redes sociais, Francisca quer criar uma orla “fresca, jovem e desempoeirada”, à volta do core da Van Zeller’s & Co, que são vinhos de qualidade superior, “com engarrafamentos muito limitados”.

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)

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Descoberta: O Dão de João Cabral de Almeida

joão cabral almeida

Apesar de ser, sobretudo, conhecido pelas suas marcas da região dos Vinhos Verdes, o enólogo e produtor João Cabral de Almeida faz igualmente vinho na região do Dão, onde tem raízes familiares. Os seus Musgo e Líquen acabam por constituir uma muito agradável surpresa. Texto: Luis Lopes Fotos: Luis Lopes e DR O Dão chegou […]

Apesar de ser, sobretudo, conhecido pelas suas marcas da região dos Vinhos Verdes, o enólogo e produtor João Cabral de Almeida faz igualmente vinho na região do Dão, onde tem raízes familiares. Os seus Musgo e Líquen acabam por constituir uma muito agradável surpresa.

Texto: Luis Lopes

Fotos: Luis Lopes e DR

O Dão chegou relativamente tarde na carreira profissional de João Cabral de Almeida. O Vinho Verde foi a aposta primeira e mais forte, seguida pelo Douro, e apenas em 2018 conseguiu o primeiro espaço de vinificação no Dão. Mas esta foi uma evolução natural, ou não tivessem seus avós maternos e paternos sido produtores nestas três regiões. A ligação de João à vitivinicultura também era quase inevitável: dos outros sete irmãos, quatro estão profissionalmente ligados ao vinho.

Foi assim, “empurrado” pela vocação familiar, e sobretudo pelo irmão mais velho, Luis Cabral de Almeida, que se formou em agronomia no ISA, fez vindimas no Esporão, Taylors, Sogrape, Symington, viajou até à Argentina para experimentar as uvas e vinhos do hemisfério sul, e voltou para trabalhar com enólogos que assume como mentores no seu início profissional, João Brito e Cunha e Anselmo Mendes. Depois, lançou-se a solo enquanto enólogo consultor e criou a empresa João Cabral de Almeida, através da qual produz Vinhos Verdes, Douro e Dão, baseando-se na selecção de vinhas e aquisição de uvas em locais que considera especiais. Nasceram assim as marcas Camaleão (Verdes), Omnia (Douro) e, mais recentemente, Musgo e Líquen, no Dão. No total, a empresa já enche 180 mil garrafas, com os Vinhos Verdes a representarem 80% do volume de negócio, mas João tem grandes esperanças de que as mais valias geradas pelos brancos e tintos do Douro e do Dão venham, a breve prazo, equilibrar esta balança.

Para João Cabral de Almeida, o Dão acaba, por ser um regresso às origens. Na casa familiar, em Viseu, viveu até aos 17 anos. De volta ao “ninho”, é naquela cidade que hoje dá aulas de viticultura na Escola Superior Agrária, e é ali que, com sua mulher, também enóloga, Beatriz Cabral de Almeida, criam os quatro filhos do casal.

A abordagem de João ao mundo do vinho é, ao mesmo tempo, simples e complexa. “Como enólogo”, diz, “procuro entender os diferentes locais e colaboro na estratégia a seguir para atingir os objetivos traçados em equipa. Como produtor, tenho a ambição de traduzir o local de origem num vinho de perfil fresco e elegante, com carácter e sentido de lugar.” A região do Dão acaba por oferecer-lhe as condições ideais para cumprir o seu desígnio.

“Acredito que esta é umas das regiões de Portugal com mais apetência para fazer os vinhos que procuro”, refere João Cabral de Almeida, para quem os brancos de Borgonha e os tintos de Saint-Émilion (Bordéus), constituem referências. A adega, pequena, mas com tudo o que é essencial, fica em Silgueiros, mais concretamente em Oliveira de Barreiros, e João trabalha com diversas parcelas de vinha situadas em diferentes sub-regiões do Dão: Silgueiros, Terras de Azurara, Alva, Serra da Estrela e Besteiros. Estas parcelas pertencem a lavradores com quem estabelece uma parceria próxima, e que procura acompanhar durante todo o ano. A idade das vinhas varia bastante, mas a maioria terá entre 25 e 40 anos. Trabalha igualmente duas parcelas mais antigas: uma com cerca de 60 anos em que faz a vindima de branco primeiro e posteriormente a de tinto; e outra com mais de 90 anos em que as uvas são todas vindimadas ao mesmo tempo.

Na sua abordagem de adega, João privilegia barricas usadas, de diferentes origens, tanoarias e volumes, sempre com o propósito de que os vinhos não evidenciem a madeira nos seus aromas e sabores. Os Dão Musgo e Líquen variam entre vinhos de lote, sempre de field blend, e varietais, estes últimos focados nas castas identitárias da região, Encruzado, Alfrocheiro e Touriga Nacional.

Para o enólogo, a principal dificuldade está em encontrar e trabalhar “a vinha certa”. “Estamos o ano inteiro focados em criar as melhores uvas; depois, na adega, procuramos intervir o mínimo para que a natureza se consiga exprimir ao máximo”, remata.

No total, o projecto Dão de João Cabral de Almeida vale cerca de 25.000 garrafas. Mas espera crescer, acompanhando o crescimento da própria região. “Acredito que com os novos produtores de quinta que têm surgido, a região poderá viver uma revolução; e nós esperamos contribuir para o merecido ressurgimento do Dão”, refere. Afinal, como diz, em que outro lugar se pode encontrar “tamanha conjugação de frescura, elegância e subtileza”?

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)

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Grande Prova: O fresco perfume do Verde Loureiro

prova loureiro

É certamente uma das mais originais e frescas variedades de uva que temos em Portugal. Na região dos Vinhos Verdes, de onde é oriunda, apresenta-se em diferentes perfis. Encontramos o lado mais “tradicional”, com algum gás carbónico, acidez elevada e leve doçura frutada; e a vertente mais ambiciosa, com vinhos secos, austeros, minerais e longevos. […]

É certamente uma das mais originais e frescas variedades de uva que temos em Portugal. Na região dos Vinhos Verdes, de onde é oriunda, apresenta-se em diferentes perfis. Encontramos o lado mais “tradicional”, com algum gás carbónico, acidez elevada e leve doçura frutada; e a vertente mais ambiciosa, com vinhos secos, austeros, minerais e longevos. Certo é que o Verde Loureiro não passa indiferente e após 36 vinhos provados fica-nos a certeza de que o nível qualitativo nunca foi tão elevado.

Texto: Nuno de Oliveira Garcia

Fotos: Ricardo Palma Veiga

Na região dos Vinhos Verdes temos três castas brancas que reinam em termos de notoriedade: Alvarinho, Loureiro e Avesso. Implementadas em todas as sub-regiões, poucas dúvidas existem que, salvo uma ou outra excepção, cada uma destas variedades tem um terroir de eleição, associado a um rio nortenho. A “casa” do Alvarinho é o vale do Minho (em especial na sub-região de Monção-Melgaço), o Loureiro assume-se no vale do Lima e o Avesso prefere o vale do Douro.

Sucede, que as três variedades não se encontram no mesmo patamar de conhecimento enológico e de reconhecimento do mercado. Se o Alvarinho é já um sucesso com algumas décadas e marcas de grande notoriedade, e o Avesso uma redescoberta relativamente recente, pode-se dizer que o Loureiro está numa fase intermédia. Trata-se de uma etapa em que, mesmo com várias marcas disponíveis, e apesar de um público fiel que aprecia a sua frescura e exuberância, há ainda muito a fazer, mas, simultaneamente, já existem no mercado vários vinhos excelentes, como se verificou na presente prova. Em abono da verdade, depois do Alvarinho, o Loureiro é, certamente, a casta branca de Vinho Verde mais conceituada junto dos consumidores, sendo que, em alguns casos, o preço dos vinhos supera os €10€ ou €15, algo também perceptível neste painel de prova. É certo que a maioria dos Loureiros provados se cinge ao intervalo entre os €4,50 e os €7, mas mesmo essa circunstância tem de ser contextualizada; com efeito, não só a cada ano que passa surgem vinhos mais valorizados como, rigorosamente, o referido patamar de preço está bem acima da média dos demais Vinhos Verdes.

Apesar de a fama da casta vir de longe, é inquestionável o contributo que algumas marcas fomentaram ao Loureiro, sendo disso bom exemplo, no final do século XX, os vinhos da Casa dos Cunhas, Paço d’Anha, Solar das Bouças, Casa de Sezim, Casa da Senra ou Quinta do Convento da Franqueira. Com efeito, e apesar de há 30 ou 40 anos não ser comum a casta aparecer totalmente sozinha, todos os referidos vinhos tinham Loureiro como base. Mais recentemente, esse contributo foi aumentado com vinhos, desta feita, 100% Loureiro, da marca Muros Antigos (Anselmo Mendes) e das várias declinações da casta produzidas pela Quinta do Ameal (hoje, parte do grupo Esporão), porventura a propriedade mais intrinsecamente ligada à casta no imaginário do consumidor. Exemplos recentes de projectos que têm levado longe o Loureiro são, entre outros, os vinhos de Márcio Lopes, de João Cabral de Almeida, de Vasco Croft e, ainda, os novos vinhos dos produtores Aveleda e Soalheiro, todos provados neste trabalho.

Conforme referido acima, a casta está muito associada ao Vale do rio Lima, e também ao Cávado, mas tivemos em prova vinhos das demais sub-regiões. É certo que vários dos vinhos mais pontuados provieram do eixo Ponte de Lima – Viana do Castelo, mas provámos óptimos exemplares de outras sub-regiões como no já mencionado vale do Cávado. Até em Monção e Melgaço se começa a apostar no Loureiro para emparelhar com Alvarinho. Efectivamente, as melhores prestações do Loureiro face à uva Trajadura (outra uva da região, por regra com mais álcool e de menor acidez), tem feito com que aquela esteja a substituir esta na hora de contribuir com frescura e acidez a um típico lote baseado em Alvarinho. Percebe-se esta tendência, na medida em que a acidez do Loureiro acaba por equilibrar um perfil mais guloso e cheio do Alvarinho.

Com efeito, o equilíbrio ácido do Loureiro é muito valorizado pelos enólogos que o descrevem como puro e vibrante, a meio caminho entre a acidez por vezes “dura” do Avesso e a acidez quase doce de alguns Alvarinhos.

DIFERENTES ESTILOS E PERFIS

Falando de terroirs, há quem sustente que a casta funciona particularmente bem em solos franco-argilosos (até com um pouco de xisto), mas o consenso sobre a textura dos solos não é total, antes dependendo a qualidade, como quase sempre sucede, de outros factores como a respectiva porosidade e matéria orgânica. Casta de maturação precoce, que prefere solos profundos e de média fertilidade, ganha percepção de mineralidade em solos de base granítica com altitude acima dos 150 metros e com porosidade, com os melhores vinhos a não ultrapassarem 12,5% de álcool. Com cacho comprido e apertado, ou seja, com pouco arejamento, certo é a sua preferência por anos pouco chuvosos por altura da vindima (por isso as colheitas de 2005, 2009 e 2015 deram alguns dos melhores Loureiros), ainda que aprecie a brisa atlântica e as noites mais frescas de verão. No copo, começa por apresentar uma tonalidade citrina pálida, mas, com o passar dos anos ganha rapidamente mais cor em garrafa, ainda que menos intensa do que o Alvarinho. Com diferentes clones disponíveis, é possível um produtor escolher entre perfis aromáticos mais terpénicos e florais (a lembrar, por vezes, algum Moscatel) ou um carácter mais austero e até salino. O mesmo sucede com a produtividade (tipicamente alta) da casta, com os melhores vinhos a resultarem de produções até às 6,5 toneladas/hectare, mas existindo resultados bem positivos próximo das 10 toneladas. A sua presença no encepamento da região dos Vinhos Verdes é dominante: segundo as informações estatísticas disponibilizadas no site oficial da região, ocupa quase 4200 hectares, contra 2300 de Alvarinho (embora esta esteja a crescer mais rapidamente) e outro tanto de Arinto.

A prova que fizemos de 36 marcas, oriundas de toda a região, permitiu-nos encontrar vinhos com diferentes interpretações da casta. Um desses modelos é a utilização do Loureiro para fazer vinhos que se inserem no imaginário do Vinho Verde que se quer beber no ano a seguir à colheita, geralmente acompanhando peixe grelhado ou marisco. Exuberantes na vertente aromática, com gás carbónico, e acidez elevada compensada com alguma doçura frutada, a casta entrega bons exemplares vínicos neste registo. Aqui, agrada-nos o álcool de baixo teor, os preços muito cordatos, apesar de, genericamente, os vinhos serem lançados no mercado precocemente, uma vez que beneficiariam muito com mais alguns meses em garrafa. Nas antípodas, encontramos a tradução da casta assente em fermentação e/ou estágio em barrica, e sem qualquer gás. Por vezes com mais de um ano em estágio de garrafa, são vinhos que revelam ambição. Na sua grande maioria, a barrica aporta um ambiente mais barroco e generoso, com a casta a manter a sua presença, privilegiando uma harmonia entre as notas varietais e utilização da madeira. São vinhos perfeitos para assados, de peixe ou carne, e podem ser bebidos no verão, mas também em meia-estação. Por fim, tivemos vinhos que, sem utilização de barrica, se mantiveram no perfil da região, mas procurando modernizá-lo. Aproveitando o carácter único e muito original da casta (é uma uva que “viaja” pouco a nível nacional ou internacional), são vinhos que expressam a região com muita identidade, vinhos austeros e com notas vegetais deliciosas, vinhos que crescem claramente com alguns anos em garrafa. Descartando-se da exuberância aromática excessiva, do gás carbónico desarranjado e da afinidade entre acidez elevada e doçura frutada, essa terceira vertente mostrou alguns dos melhores vinhos em prova. O certo é que, em todas estas variações, encontrámos denominadores comuns, alguns dos quais já identificados neste texto: originalidade, acidez vibrante, álcool, preços ajustados à qualidade e ambição e, não menos importante, nos melhores exemplares, grande potencial de longevidade. Belíssimas razões para o consumidor eleger os Verdes Loureiro como um dos seus parceiros. À mesa, e não só.

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)

 

Alentejo: De Santa Vitória, com Beja à vista

Santa Vitória

Em visita à Santa Vitória, o produtor alentejano apresentou cinco novidades vínicas e dois azeites, estes últimos de qualidade virgem extra, sendo um de agricultura biológica. O conjunto de vinhos compôs-se dum espumante e quatro tranquilos: dois brancos, um rosé e um tinto, com destaque para o Verdelho, uma novidade absoluta.  Texto: João Barbosa    […]

Em visita à Santa Vitória, o produtor alentejano apresentou cinco novidades vínicas e dois azeites, estes últimos de qualidade virgem extra, sendo um de agricultura biológica. O conjunto de vinhos compôs-se dum espumante e quatro tranquilos: dois brancos, um rosé e um tinto, com destaque para o Verdelho, uma novidade absoluta.

 Texto: João Barbosa     Notas de Prova: Mariana Lopes    Fotos: Santa Vitória

A ondulação suave do Baixo Alentejo engana a vista da distância. Olhando, das vinhas de Santa Vitória, Beja figura-se estar já ali, com o seu castelo que ainda domina o campo. Por vezes, nos dias nítidos e em que o céu e a terra ficam mais contrastados, parece bastar esticar o braço para alcançar a torre do século XIV.

Só que o “já ali” é relativo, especialmente quando se percebe que a distância é a mesma de Lisboa a Cascais ou do Porto a Santa Maria da Feira, rondando os 30 quilómetros. De algum modo, ainda com exagero, poder-se-á dizer que há uma ilusão de óptica. É bonito de se ver.

Os barros de Beja são famosos, reconhecidos quando o trigo dominava a paisagem. A água do sistema de Alqueva trouxe o regadio e novas culturas à região. Todavia, para tantas pessoas, as searas, ora verdes, ora amarelas, são ainda os verdadeiros bilhetes-postais.

A água é importante no Baixo Alentejo e não é diferente em Santa Vitória – nome tirado de freguesia do concelho de Beja – que é a última propriedade do perímetro de rega de Alqueva. Uma sorte nos anos de chuva escassa, como aconteceu no ano agrícola de 2021/2022.

O enchimento do lago começou sensivelmente quando o Grupo Vila Galé investiu na concretização da Casa de Santa Vitória, designação que seria abreviada nos rótulos em 2019, ficando somente a referência à virgem católica que foi martirizada no ano de 249. Nos 1.260 hectares espalhados por cinco herdades, compradas em 2001, convivem o empreendimento hoteleiro, instalações industriais, vinhas, olivais, pomares e floresta – o montado ocupa a maior parte do espaço, abrangendo cerca de mil hectares.

A composição do domínio – constituído com a soma das herdades de Faleira, Faleira Grande, Figueirinha, Malhada e Vilar – será mexida. No espaço de um ano, vai haver alterações, tanto em construção quanto ao cultivo da vinha. O pomar tem pera-rocha, ameixa, nectarina e pêssego – daí não vai passar, nem na variedade das árvores nem em área. A fruta desses 95 hectares vai alguma para os hotéis do grupo, mas a maioria é vendida, através de empresas fruteiras, noutros países. Entre o que existia e o que anteriores proprietários projectavam, o Grupo Vila Galé mudou muita coisa. O campo de golfe não avançou, desistiu-se do couto e acabou a ganadaria brava, que tinha uma pequena praça de touros. Porém, o semental não se foi embora, vive com “meia dúzia de namoradas”, diz Tomás Pires, director do hotel. De antigamente, ficaram também gamos e veados. A vedação tem competência relativa, pois os animais selvagens saltam-na com frequência.

Santa Vitória
Patrícia Peixoto, enóloga de Santa Vitória.

A TERRA E O VINHEDO

 Em produção, estão plantados 127 hectares de vinha, com dez castas tintas e seis brancas. As vinhas estão divididas em três parcelas, com as castas em talhões. Nos 52,45 hectares da Vinha da Mina há variedades das duas cores. Os 23,37 hectares da Vinha da Encosta e os 51,77 hectares da Vinha de Albernoa têm plantadas apenas cultivares escuras. “O terroir é muito homogéneo”, informa Patrícia Peixoto, responsável pela enologia. O chão é xisto-argiloso – ondulado a cerca de 280 metros de altitude. O clima, bem quente, do Baixo Alentejo tem de ser vigiado de perto para que seja domado. “Quem prova os nossos vinhos não se engana. Diz que são alentejanos, mas com elegância. Evitamos o excesso de álcool, o excesso de suavidade e a falta de acidez”, refere.

As primeiras vinhas foram plantadas no final da década de 90, mas a área era pequena. Assim, logo em 2002 começou a ampliação. “A primeira produção foi em 2003. Não foi feita aqui, não havia adega. A primeira vez que a adega laborou foi em 2004. Começámos, muito humildemente, com um crescimento orgânico, à medida das nossas necessidades”, salienta Patrícia Peixoto. No início foram 200 toneladas de uva; hoje, serão 1.200, estabilizando por aqui.

Presentemente, a produção assenta nas castas tintas Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonez, Baga, Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Tinta Caiada, Touriga Nacional e Trincadeira. E nas brancas Antão Vaz, Arinto, Chardonnay, Sauvignon Blanc, Verdelho e Viosinho. Nesta fase, chegou o momento de reestruturar. Há plantas com pouca produção e áreas com falhas. A intervenção vai desde a renovação até ao plantio de novas castas, envolvendo um total de 20 hectares. Agora, entram a branca Cerceal e as tintas Castelão, Touriga Franca e Tinta Miúda. No entanto, a intervenção envolve também as Alicante Bouschet e Syrah, que serão reforçadas. Este ano foi plantada uma área de 5,5 hectares, em sequeiro e modo de produção biológico, com Alvarinho, Petit Verdot e Touriga Franca. No redesenho, as vítimas serão a Tinta Caiada e a Alfrocheiro, “que não acrescentam grande coisa para os nossos vinhos”. Patrícia Peixoto realça a escolha da Castelão, variedade que não é estranha ao Alentejo. “Achamos que se vai adaptar muito bem, pode trazer mais alguma frescura”.

A vindima de 2021 vai ficar na memória. “É um ano difícil de igualar. Como este ano que passou, registo o de 2019. Tivemos grande homogeneidade e equilíbrio em termos de maturação, não tivemos de corrigir mostos. As análises eram perfeitas, pareciam vinhos acabados. É muito difícil conseguir isto. A natureza foi a nossa maior aliada”, sublinha a enóloga.

A vindima é sobretudo mecânica, mas para os vinhos premium a apanha é feita à mão, com as uvas levadas para a adega em caixas para 25 quilogramas. Reduzida é igualmente a pisa a pé. As uvas, quando chegam à adega, vão para a mesa de escolha. A partir daí começam a construir-se mais opções de destino.

14 VINHOS NO PORTEFÓLIO

  gPatrícia Peixoto sublinha a preocupação de conseguir um perfil de elegância e frescura, cumprindo a individualidade das castas e o carácter do terroir. “São vinhos que respeitam o Alentejo e a fruta. Pouca intervenção, porque a uva sendo boa não tem grandes segredos. Claro que alguns vinhos vão à barrica, mas não queremos que a madeira seja a vencedora. Queremos gama de vinhos muito elegantes, muito a puxar à fruta e às castas”. A enóloga realça que querem estabelecer, em cada gama, “preços muitos justos, com uma qualidade sempre a surpreender as expectativas do consumidor, mas tentando manter sempre perfil da casa”.

A gama não é tão pequena quanto isso, mas também não é muito vasta. O portefólio é composto por 14 vinhos. Na base estão os Versátil, disponíveis em branco, rosé e tinto. Seguem-se os Seleção, também com as três cores. Os rosados não estão nos Reserva e Grande Reserva. Ao monovarietal de Touriga Nacional juntou-se o de Verdelho e o espumante é aposta para reforçar.

Como certamente acontece na maioria das famílias, nos vinhos também há alguns com características de personalidade mais incomuns. Em Santa Vitória é o Inevitável, o topo da gama. “Aqui não temos respeito por nada, não há perfil a imitar ou procurar. Basicamente, são sempre as melhores uvas, das melhores castas daquele ano”, diz Patrícia.

O Inevitável é sempre tinto, sem castas fixas e só vem ao mundo em anos de excelência. A edição de Inevitável de 2019 fez-se com Alicante Bouschet e Trincadeira, um casamento inédito na casa. Na calha está o 2020, já engarrafado, e cuja formulação está, por agora, em segredo. A enóloga não descarta a hipótese de novos monovarietais. “É possível. Há duas castas em que acredito muito, que têm muito potencial e que já tivemos como monocasta. Foram edições limitadas, que não voltámos a fazer. Mas poderá haver, de novo, Syrah e Alicante Bouschet”.

BRACARENSE ALENTEJANA

 Patrícia Peixoto nasceu e cresceu em Braga – ainda é apanhada pelo sotaque, mas às vezes as palavras saem-lhe com alguma tonalidade alentejana. Isso é natural, pois quase toda a sua vida profissional tem sido passada no Alentejo. Licenciou-se em Enologia, em 2002, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. O primeiro emprego foi na Adega Cooperativa da Covilhã, onde esteve cerca de dois anos. Passou pela Solouro e pela Enoport antes de entrar para a equipa de Santa Vitória.

Chegou a Beja há 16 anos, quando Bernardo Cabral era o responsável pela enologia, para a vindima de 2006. “Eu era assistente dele. Fazia tudo o que era controlo de qualidade, analítico, microbiológico e apoiava na produção. Entretanto, ele passou para um regime de consultor e fiquei como directora técnica, em 2012. Há mais de um ano saiu definitivamente e fiquei sozinha”.

Em 16 anos muita coisa pode mudar, e mudou. No início, a empresa produzia praticamente só para os hotéis Vila Galé. Hoje, o Grupo Vila Galé absorve entre 25% e 30% da produção, mas Santa Vitória também trabalha o canal Horeca, tem distribuidores, supermercados e clientes individuais, que adquirem quer nos empreendimentos, quer através da loja online. Patrícia Peixoto realça que, pela ligação ao turismo, há uma importante comunicação com os clientes. “Os consumidores de Lisboa e do Algarve têm perfis muito diferenciados. A parte boa é que temos vinhos para todos os gostos e tipos de consumidor”. Patrícia Peixoto destaca a importância, para o reconhecimento da marca Santa Vitória, dos vinhos mais ambiciosos, com estágio em barrica e que exigem “outro tempo, outro momento à mesa, para serem apreciados”. A enóloga exemplifica: “o Reserva Branco é uma novidade, nunca tinha sido feito. O vinho teve uma aceitação fantástica”.

Santa Vitória não trabalha apenas com madeira nova. O uso é optimizado, passando pelas várias referências a partir do Seleção. As barricas novas estão reservadas aos vinhos de topo, “No Grande Reserva posso pôr um bocadinho de barrica de segundo ano”, refere Patrícia Peixoto, “mas o Inevitável estagia a 100% em barricas novas”.

AZEITES, DOCE E PICANTE

 O olival ocupa 195 hectares, estabelecido em modos super-intensivo, intensivo e tradicional. O olival tradicional, em sequeiro, tem apenas 7,19 hectares. É formado por árvores centenárias da variedade Galega e daí saiu o primeiro azeite biológico da casa, agora colocado no mercado.

Antes de 2019, o azeite era produzido noutro lagar. Desde então, é tudo trabalhado na propriedade. Santa Vitória faz actualmente dois azeites; um virgem extra e outro virgem extra biológico. O Premium tem um sabor a verde, picante e amargo. Já o Biológico tem doçura da fruta mais madura, embora se sinta algum picante.

No conjunto de olival existem sete cultivares, sobretudo Cobrançosa, mas também Arbequina, Arbosana, Cordovil, Galega, Koroneiki e Picoal. A colheita das árvores em sebe é 100% feita mecanicamente. Já as oliveiras de copa, mais pesadas, são trabalhadas com vibrador, sendo que a fruta cai para panos, evitando o contacto directo com o solo.

A apanha da azeitona começa na segunda quinzena de Outubro, “quando ainda é dia”, refere Tomás Jónatas. O oleólogo informa que a colheita vai até Dezembro, o que obriga a trabalho mais exigente. “Em Dezembro já chove; há lama e a azeitona vem mais suja. É lavada, passa por uma ventilação para retirar essa água, é encaminhada para uma balança. Fica armazenada temporariamente, no máximo de oito ou 12 horas”, diz. As azeitonas são processadas quase sempre por ordem de chegada, com atenção ao estado de maturação e à variedade, refere Tomás Jónatas. São trituradas em moinhos de martelo, a massa de azeitona é encaminhada para a sala de extracção. A extracção a frio faz-se entre 25 a 26ºC por um período de até 45 minutos, ao ritmo de 400 Kg por hora. Contudo, a empresa aproveita tudo, sublinha Tomás Jónatas: “minimizar o desperdício de gordura é um ganho para o lagar”. O bagaço ainda contém 3% de gordura, mas a qualidade é menor, situa-se nos virgens ou até lampantes. Para estes azeites – vendidos a granel – o tempo e o modo de laboração são bem diferentes face aos virgem extra. A massa é batida até mais de duas horas, a cerca de 40ºC. O caroço serve para aquecer a caldeira industrial. “Precisamos de muitos graus celsius para aquecer 4000 quilos de massa. Tem de se ter capacidade de aquecer a água a 90 graus”, informa o oleólogo. Depois, tudo o que sobra é vendido como biomassa ou para alimentação animal.

TURISMO E VINHO

Santa Vitória realiza visitas guiadas de manhã e tarde, durante a semana, e só de manhã, ao fim-de-semana. Há percursos focados no azeite, com visitas ao olival e ao lagar. A experiência culmina com uma demostração culinária, orientada pelo chef Romão Reis, com refeição. A componente hoteleira (Vila Galé Clube de Campo) foi renovada em 2014 e disponibiliza 81 quartos. As actividades vão do enoturismo ao ecoturismo. Uma das atracções é a equitação: um garanhão e quatro éguas, de raça puro-sangue lusitano, vivem no campo. Em estábulo estão duas fêmeas frísias, que são de fácil montada, e um casal de burros mirandeses para passeios.

Afastadas, entre si e do actual hotel, vão surgir duas unidades, com abertura prevista para 2023, com conceitos diferenciados. Um só para crianças, com 80 quartos, e outro só para adultos, de apenas seis alojamentos. Os miúdos não vão estar, propriamente sozinhos, mas é-lhes dada a primazia de serem os responsáveis em várias vertentes, nomeadamente o check-in e a saída, indica o responsável da hotelaria.

E é hora de voltar aos vinhos. Em visita a Santa Vitória, o produtor apresentou cinco novidades vínicas e dois azeites. O conjunto de vinhos compôs-se de um espumante e quatro tranquilos, brancos, rosé e tinto: Santa Vitória Seleção branco 2021, rosé 2021 e tinto 2020; Santa Vitória Verdelho 2021; e Santa Vitória Espumante 2018 (cuja nota de prova sairá em edição futura).

O Seleção branco é feito de Arinto e Verdelho, enquanto o rosé usa Alfrocheiro e Baga. Já o tinto fez-se com Aragonez e Touriga Nacional e estagiou nove meses em barrica. Barrica essa que não entra no Verdelho para preservar a pureza aromática da casta. Finalmente, o espumante Blanc de Noirs fez-se com uvas Arinto e Baga, colhidas em 2018, e foi elaborado pelo método clássico, com dois anos de estágio “em cave”.

Com vinhos, azeites, fruta, floresta, turismo, hotel, restaurante, Santa Vitória é uma propriedade diversa e polivalente, com imensos polos de interesse. Ali, no coração do Baixo Alentejo, com Beja à vista.

(Artigo publicado na edição de Julho de 2022)

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Quanta Terra: Vinhos com arte, em Favaios

Quanta Terra

O projecto de Celso Pereira e Jorge Alves já tem mais de duas décadas, mas só agora encontrou uma casa à altura dos grandes vinhos que saem das mãos desta dupla. A antiga “Destilaria Nº7” é hoje um espaço multifunções, onde as artes vínicas e as artes plásticas dão as mãos e abraçam os visitantes. […]

O projecto de Celso Pereira e Jorge Alves já tem mais de duas décadas, mas só agora encontrou uma casa à altura dos grandes vinhos que saem das mãos desta dupla. A antiga “Destilaria Nº7” é hoje um espaço multifunções, onde as artes vínicas e as artes plásticas dão as mãos e abraçam os visitantes. Foi ali, dentro de uma cuba de aguardente, que provámos as novidades Quanta Terra.

Texto: Luís Lopes

Fotos: Luís Lopes e Quanta Terra

Na base do Quanta Terra há muita paixão (como é natural em quem se mete com estas coisas do vinho) mas também muita ciência. Ou não fossem Celso Pereira e Jorge Alves dois dos mais conceituados enólogos do Douro. O seu percurso individual confluiu em 1995, quando Jorge, terminada a universidade, foi fazer um estágio de enologia nas Caves Transmontanas, onde Celso já liderava a produção de espumantes Vértice desde a fundação da empresa, em 1988. A diferença geracional (Jorge tem menos 17 anos) não obstou a que se criasse logo ali uma sólida amizade que, pouco tempo depois, em 1999, se estenderia a uma sociedade empresarial, chamada Quanta Terra. Paralelamente, Celso e Jorge foram desenvolvendo a sua actividade enológica em casas de referência, o primeiro nas Caves Transmontanas e na Adega de Favaios, o segundo na Quinta do Têdo e nos projectos directa ou indirectamente ligados ao grupo Amorim: Quinta Nova, Taboadella e Aldeia de Cima.

Antes de avançarem para a sociedade Quanta Terra, os dois enólogos definiram muito bem o perfil de vinhos que queriam fazer e estudaram exaustivamente as condições (castas, solos, altitudes, exposição solar) de que necessitavam para o conseguir. Em termos de terroir, ficou claro para eles que os vinhos tintos viriam do vale do rio Tua e os vinhos brancos e rosados do planalto de Alijó. Claro ficou também que um projecto com este perfil e dimensão (começou com pouco mais de 5.000 garrafas e hoje faz cerca de 65.000) deveria apostar em sólidas parcerias com viticultores de excelência, a quem se comprariam as uvas, e dispensaria investimento em adegas e armazéns, arrendando esses serviços (brancos e espumantes são actualmente vinificados nas Caves Transmontanas e tintos na Quinta do Têdo).

Firme nestas bases, a sociedade decidiu começar logo pelos vinhos de topo e o primeiro Quanta Terra Grande Reserva tinto nasceu na colheita de 1999, uma vindima auspiciosa, em que várias grandes marcas do Douro se estrearam também. Em 2005 surgiria o Terra a Terra Reserva tinto, que vinha colmatar a necessidade de ter uma referência no segmento dos €10-€12. O profundo conhecimento do Douro dos altos, e em particular de Alijó e Favaios, onde Celso Pereira trabalha há mais de 30 anos levou ao nascimento dos primeiros vinhos brancos, o Quanta Terra Grande Reserva em 2007 e o Terra a Terra Reserva em 2010. Em 2018, do mesmo local, veio um rosé de Pinot Noir que rapidamente se tornou uma estrela neste segmento, o Phenomena.

Nesta fase mais recente do projecto, começaram a surgir “especialidades”, vinhos raros, brancos e tintos com estágios muito prolongados em barrica ou elaborados a partir de vinificações especiais, como é o caso dos brancos Golden Editions ou dos tintos Manifesto e Inteiro. O enorme sucesso destes vinhos icónicos fez com que, a partir de 2017, a dupla de enólogos iniciasse um programa de estágios prolongados, em barrica e garrafa, para diversos brancos e tintos.

Em 2021 surgiu o primeiro espumante Quanta Terra, Pinot Noir de 2018, e também um novo tinto, de 2017, ambos fruto de uma parceria com a famosa artista plástica Joana Vasconcelos, que desenhou os rótulos. Artista essa que estendeu essa parceria à “decoração” da nova casa Quanta Terra, em Favaios, onde estão expostas muitas das suas obras.

Ainda que a exposição temporária (até final de julho, pelo menos) das peças de Joana Vasconcelos seja motivo suficiente para uma visita à Quanta Terra, o espaço de enoturismo, só por si, mais do que justifica a deslocação expressa a Favaios. Trata-se de uma antiga destilaria da casa do Douro, a destilaria Nº7, construída em 1934 e agora recuperada com base num projecto do arquitecto Carlos Santelmo. Na época em que foi concebida, tinha como missão destilar e armazenar as aguardentes utilizadas na fortificação do vinho do Porto. Para tal, para além do alambique, possuía diversas cubas de armazenamento revestidas a ladrilhos vidrados, para aguentar a força alcoólica da aguardente. Essas mesmas cubas, onde a infiltração do álcool nas paredes vidradas desenhou verdadeiras obras de arte abstracta, são hoje salas de prova e um dos maiores polos de atracção do espaço Quanta Terra, ao lado da loja e dos documentos e fotografias que traçam a história do local. Manifestações artísticas podem igualmente ser considerados os vinhos de Celso Pereira e Jorge Alves. No copo, revelam-se estimulantes, complexos, frescos, desafiantes fontes de prazer. Não é também isso arte?

(Artigo publicado na edição de Julho 2022)

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Eruptio, vinhos vulcânicos

Eruptio Vinhos Vulcânicos

Embora a última erupção do vulcão do Pico tenha acontecido nos finais do século XVIII, ultimamente tem sido registada uma autêntica erupção de vinhos brancos fabulosos, vindos desta ilha. O novo projecto Eruptio do enólogo Bernardo Cabral, apaixonado pela Ilha do Pico, em parceria com o grupo Abegoaria, trazem à nossa mesa uma expressão líquida […]

Embora a última erupção do vulcão do Pico tenha acontecido nos finais do século XVIII, ultimamente tem sido registada uma autêntica erupção de vinhos brancos fabulosos, vindos desta ilha. O novo projecto Eruptio do enólogo Bernardo Cabral, apaixonado pela Ilha do Pico, em parceria com o grupo Abegoaria, trazem à nossa mesa uma expressão líquida da sua origem, com carácter marítimo e uma frescura inimitável.

Texto: Valéria Zeferino

Fotos: Eruptio

Eruptio Vinhos Vulcânicos
o enólogo Bernardo Cabral com Manuel Bio, CEO da Abegoaria.

A montanha, um vulcão, o mar e o vento moldam as condições extremas do cultivo das vinhas na ilha do Pico, que deram origem aos vinhos Eruptio. Para comunicar este terroir não é preciso inventar nada, já está tudo “inventado” pela natureza, basta olhar para a geografia e geologia da ilha.

Situada em pleno oceano Atlântico, a 1500 km de Portugal continental, a ilha do Pico é dominada pelo clima marítimo, caracterizado por temperaturas amenas e baixa amplitude térmica (diurna e anual), pluviosidade elevada e humidade relativa acentuada, taxas de insolação pouco elevadas (ou seja, a luz solar está frequentemente obstruída por nuvens). As chuvas são abundantes e caem praticamente durante o ano todo. Os rigorosos ventos atlânticos pulverizam as vinhas com a água do mar.

O imponente símbolo da ilha é a montanha do Pico com 2 351 m de altitude (a mais alta em Portugal) – um estratovulcão que se formou pelo magma extravasado, depositando material  das erupções numa forma de cone.

Geologicamente, a ilha do Pico é a mais recente de todo o arquipélago, com apenas cerca de 300 mil anos da existência, comparativamente com a ilha de Santa Maria com mais de 8 milhões de anos ou de  São Miguel com mais de 4 milhões de anos. Nesta ordem de grandeza, é uma “ilha bebé”, como lhe chama Bernardo Cabral. O chão é coberto de basalto, formado pelas correntes de lava. Como a pedra ainda não foi transformada em terra arável, as vinhas são plantadas nas fendas da rocha-mãe, com um pouco de terra para preencher estas fendas.

Ficam no sopé do vulcão, a uma altitude de 100 metros aproximadamente, numa faixa junto ao mar na zona das aldeias Madalena, Candelária, Criação Velha e Bandeiras, a oeste da ilha, e Santa Luzia a norte. Por um lado, a precipitação é menor nas zonas costeiras, comparativamente com as cotas mais altas; por outro, os ventos, fortes e salgados, não poupam a vinha. Para proteger as videiras, os picoenses ao longo dos 5 séculos foram construindo muros de pedra solta à volta das vinhas. Chamam-se currais e para além da protecção, criam um microclima mais quente à volta das videiras, ajudando na maturação. Esta paisagem labiríntica, austera, quase monocrómática é tão surreal como fascinante.

“Os Açores apaixonam qualquer pessoa ligada ao campo e agricultura, porque aqui a natureza toma conta de nós, sobretudo na ilha do Pico” – afirma com convicção Bernardo Cabral. “As tempestades são bem fortes, o sal inunda as vinhas. Geralmente, depois chove e o sal é lavado. Quando isto não acontece, o sol queima tudo. Chove sempre muito mas a drenagem também é rápida.” – descreve o enólogo e acrescenta: “o que é certo noutros lados, no Pico nem sempre funciona, como por exemplo, a exposição norte, não necessariamente produz mais frescura nas uvas. De ano para ano as coisas mudam bastante.”

Esta paixão e, de certa forma, a sede pelos desafios são a base do projecto. Bernardo tem família nos Açores, costuma lá ir desde pequeno e até já comprou uma casa. Manuel  Bio, CEO  do  Grupo  Abegoaria, cresceu nas vinhas alentejanas, na terra, tornando-se num empresário que sente paixão pelo que faz. Para ele “os vinhos Eruptio representam a continuada aposta na categoria de fine wines.”

Sendo responsável de enologia na Adega Cooperativa do Pico, Bernardo conhece bem as particularidades das castas autóctones, as condições locais e os pequenos viticultores que viabilizaram o projecto. Como dá para perceber, a área da vinha na ilha é muito limitada pela sua dimensão e orografia. O enólogo conta que lá existe uma medida antiga para terrenos agrícolas – “alqueire”. É preciso 10 alqueires para fazer 1 ha. Quem tiver 10 ha de terra é latifundiário. A produção é muito reduzida, colhem apenas 2500-3000 kg/ha. É nestes moldes que o projecto foi desenvolvido.

A gama Eruptio é composta por 4 vinhos de castas autóctones da Ilha do Pico – três monovarietais – Arinto dos Açores, Verdelho e Terrantez do Pico e um blend das três castas. O denominador comum de todos os vinhos é a frescura e a tensão que não compromete a leveza.

O Arinto dos Açores é uma casta exlusiva do arquipélago. Com a casta Arinto cultivada em Portugal continental partilha apenas o nome, não tendo grau de parentesco. O Verdelho nos Açores é a mesma casta que existe na Madeira, de onde o material vegetativo inicial terá sido originário. A Terrantez do Pico é também uma casta exclusiva dos Açores, e distingue-se da Terrantez cultivada no continente e da casta conhecida pelo mesmo nome na ilha da Madeira.

A abordagem enológica foi feita em função da casta. O Arinto dos Açores fermentou em balseiro de madeira; o Terrantez do Pico fermentou em barricas de carvalho americano muito velhas, utilizadas para produção dos vinhos licorosos; e o Verdelho fermentou em tanques de inox (80%) e barricas (20%); tudo com estágio de 6 meses com as borras finas. No caso do blend, as diferentes castas estagiam individualmente em cubas de aço inoxidável e com as borras finas durante 6 meses, mantendo a temperatura baixa para preservar o carácter fresco do vinho. Os rótulos foram desenvolvidos por Bianca Levy e explicam visualmente o terroir com o vulcão, o mar, as núvens e todo o meio envolvente da ilha.

Foram produzidas 20.000 garrafas de Eruptio blend, 6.100 de Arinto dos Açores, 6.919 de Verdelho e 3.210 de Terrantes do Pico. A comercialização dos vinhos está a cargo do grupo Abegoaria e do distribuidor Garcias.

(Artigo publicado na edição de Julho 2022)

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