Grande Prova: Tintos do Alentejo

A história da região é longa, desde os fenícios e tartessos, gregos e romanos que deixaram o legado das ânforas e trouxeram técnicas agrárias e cultura da vinha e do vinho. Em 1898, a superfície de vinha no Alentejo era de 20.000 hectares, mas devido a conjunturas políticas e económicas desfavoráveis, a região só voltou a atingir esta dimensão 100 anos depois, no início dos anos 2000.
A partir dos meados do século passado surgem as adegas cooperativas de Granja-Amareleja, Portalegre, Borba, Redondo, Reguengos e Vidigueira que não só tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da vinha e produção do vinho na época, mas conseguiram modernizar-se e estão bem presentes e activas nos tempos actuais.
O verdadeiro boom dos vinhos alentejanos ocorre por altura dos anos 80-90 com a demarcação da região em 1988. Surgem marcas como Cartuxa, na década dos 80 e Pêra Manca lançada em 1990, ambas da Fundação Eugénio de Almeida, que se juntam aos clássicos José de Sousa, Tapada do Chaves, Mouchão, Quinta do Carmo. Em 1985, realiza-se a primeira colheita sob a marca Esporão (que este ano ficou novamente reconhecida pela revista Drinks International como uma das 50 marcas de vinho mais admiradas do mundo).

Júlio Bastos assinala esta época com os seus famosos Garrafeiras da Quinta do Carmo (de 1985, 1986 e 1987), marca que hoje pertence à Bacalhôa. A partir de 2000 o produtor avança com um novo projecto – Dona Maria – que rapidamente se torna num novo ícone da região.
Os enólogos João Portugal Ramos, com projecto próprio a partir da década dos 90 e o australiano David Baverstock que entra na Esporão em 1992 foram os grandes promotores de mudança no estilo de vinhos, conta Mário Andrade, enólogo e profundo conhecedor da história vitivinícola do Alentejo. Introduziu-se madeira nova e meia barrica. Antigamente os vinhos ou não tinham madeira ou estagiavam em madeira usada de 500 litros ou toneis de maior capacidade. Usava-se sobretudo o carvalho português, por vezes até o castanho; o carvalho francês e americano chegaram nos finais dos anos 90.
Na primeira década de 2000 surgem projectos como Herdade do Rocim, Fita Preta de António Maçanita, Herdade da Malhadinha que hoje estão bem consolidados e reconhecidos.
As características da região e o seu sucesso junto do consumidor motiva produtores de outras regiões e até os empresários estrangeiros a investir no Alentejo. Torre de Palma é um projecto completo de hotel de charme, um restaurante e uma adega numa vila romana perto de Monforte. Esta grande aventura de um casal de farmacêuticos, Ana Isabel e Paulo Barradas Rebelo começou na segunda década de 2000.

Grande Prova Alentejo
Em 2015 o casal de brasileiros Alberto Weisser e Gabriela Mascioli adquiriram a histórica Tapada de Coelheiros, em Arraiolos, pela qual se apaixonaram numa viagem pelo Alentejo.
Em 2017 a Symington Family Estates alargou as suas operações para o Alentejo, iniciando o projecto de Quinta da Fonte Souto, em Portalegre, com 43 hectares de vinha instalada entre os 490 e os 550 metros de altitude.
A empresária Luísa Amorim, responsável pela Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, no Douro e Taboadella, no Dão, num regresso às origens, em 2017 investiu num projecto pessoal com o seu marido, Francisco Rêgo, e fez renascer a Herdade da Aldeia de Cima, na Serra do Mendro, junto à Vidigueira, terras onde costumava passar às férias na sua infância.
No mesmo ano, o empresário alemão Dieter Morszeck adquiriu a propriedade Quinta do Paral, na Vidigueira, onde reabilitou e ampliou a vinha existente e adquiriu muitas parcelas de vinhas com mais de 70 anos, não aramadas, na zona de Vila de Frades.

Em 2018, pela Família Cardoso, foi construída de raiz a adega da Herdade de Lisboa (berço da clássica marca Paço dos Infantes), na Vidigueira e David Baverstock em parceria com o empresário Howard Bilton inaugurou a adega no projecto Howard’s Folly, em Estremoz.
E ainda mais recentemente foram lançadas as marcas Herdade Monte da Costa Boal Family Estates e Lobo de Vasconcellos Wines do conhecido enólogo do Douro Manuel Lobo.

 

 

 

 

Castas de ontem e de hoje

Não restam quaisquer dúvidas de que o Alentejo foi e é terra de grandes vinhos. O que muda com o tempo é o estilo, o perfil. Outrora, o elenco varietal era outro e toda a performance era diferente. No starring de antigamente entravam Castelão com fruta e Trincadeira com tanino, e o estrelato de hoje pertence a Alicante Bouschet, Touriga Nacional, Syrah e Aragonez. “Os vinhos eram elegantes, com taninos super macios” – refere com certa nostalgia Mário Andrade. “Com o tempo começou-se a preferir vinhos mais estruturados, fechados, com mais madeira”
Se olharmos às estatísticas do IVV do ano 2000, as principais castas do Alentejo eram Trincadeira com 16% e Castelão com 15% de plantação, logo a seguir vinha o Moreto com 8%, embora este produzisse muito e raramente se destinasse aos topos de gama. Os dados da CVR Alentejo mostram que hoje o protagonismo é da variedade Aragonez, que lidera as plantações com 22,6%, embora haja quem o considere um erro de casting por ter “taninos ordinários e grau com fartura”.

O Alicante Bouschet aumenta a sua presença de ano para ano e já atingiu 19,4%. A casta chegou a Portugal no final do século XIX de França, trazida pela família Reynolds e trazida para a Herdade do Mouchão. Contudo, o seu sucesso não foi imediato. Na Reynolds Winegrowers a casta faz parte da identidade dos vinhos. Hoje, é fácil encontrar grandes vinhos feitos desta casta e difícil encontrar topos de gama que não a tenham no lote. É uma casta tintureira – com antocianas concentradas também na polpa para além da película – com grande capacidade cromática, estrutura firme e personalidade forte. Gosta de clima quente e precisa de muitas horas de sol, o que faz do Alentejo uma boa casa para esta uva. Mas para amadurecer os seus taninos maciços, é preciso esquecer a moderação no teor de álcool. A Trincadeira ainda está no terceiro lugar em área plantada, com 13,9%, mas claramente não tem a popularidade de outrora e está em franco declínio, ainda que, muito recentemente, vários produtores a ela retornem, pela capacidade de suportar o calor e stress hídrico.

A Syrah parece ser uma paixão geral. Há apenas 30 anos ninguém sabia o que era e obviamente, não constava nas castas autorizadas da região. Entrou “incognitamente” nos encepamentos e nos vinhos alentejanos pela Herdade Cortes de Cima em 1991 e não deixou ninguém indiferente. Hoje ocupa o 4º lugar no ranking de castas mais plantadas no Alentejo, com 12,1%.
A Touriga Nacional, na sua marcha conquistadora pelo país, desceu das regiões do Norte e fica aqui em 5º lugar, com 8,3%. Há muitos argumentos a favor, começando pela maturação longa o que traz vantagens no Alentejo. Aguenta bem a seca, mantendo o bago túrgido. Aromaticamente agradável, mas às vezes no Alentejo não entrega qualidade todos os anos e com frequência torna-se um pouco enjoativa. Castelão, casta tipicamente alentejana dos tempos passados, literalmente, perde terreno e agora só conta com 4,9%. Cabernet Sauvignon tem 4,2% e mantém-se relativamente estável. Foi emblemática na Tapada de Coelheiros, quando em 1981 foi forte a aposta nas castas internacionais, considerada uma inovação. Os garfos até vieram de Margaux. A casta entra com bastante frequência em lotes, nem que seja como “sal e pimenta”, e até protagoniza alguns vinhos, como por exemplo o 100% Cabernet Sauvignon da Herdade de Lisboa.

 

Alentejo continua a ser o líder absoluto em termos de presença no mercado nacional, com 33,8% em volume, seguido do Minho (Vinho Verde) e Península de Setúbal com mais de 17% cada; e 35,5%, em valor, à frente das regiões Douro e Minho. A região comercializa 70% do vinho no mercado nacional, sendo que apenas 30% é exportado.

Outra casta do Norte que parece conquistar cada vez mais adeptos alentejanos, é a Touriga Franca – é de ciclo longo, agronomicamente adaptou-se bem, não perde folhas basais durante a seca e dá vinhos muito interessantes. Cresce em área plantada a olhos vistos e já ocupa 3,9% das plantações. Alfrocheiro com 2% tem uma certa tendência de diminuir a sua presença e Petit Verdot, com 1,9%, ao contrário, parece estar a crescer. O Moreto com 1,2% também não tem entrado nos vinhos de topo, a menos que seja das vinhas velhas ou para vinhos de talha.
Ao longo das décadas, na vinha também mudou muita coisa: os porta-enxertos (os que são usadas de hoje induzem uma maturação mais precoce o que não é propriamente uma vantagem para uma região quente); as formas de plantação e condução da vinha (antes eram em taça ou guyot que permitia melhor gestão de água e protegia do calor); as vinhas de sequeiro agora são raras e a água para rega é escassa. Aprendeu-se a controlar as produções, orientar a viticultura para a planta ser mais eficiente na sua capacidade fotossintética, escolheram-se clones menos produtivos, pratica-se monda de cachos, sobretudo para os topos de gama. O reverso da medalha, às vezes, é álcool a mais.

Grande Prova Alentejo

Futuro: adaptável e sustentável

As provas verticais proporcionadas por alguns produtores, funcionam como uma máquina do tempo, permitindo sentir as mudanças de castas e estilos. Os mais antigos geralmente com menos corpo e pujança, alguma rusticidade e o teor de álcool à volta dos 13%.
A mudança é imparável, acontece em todas as regiões mundiais devido às alterações, actualizações, modas e melhorias. É preciso não entrar em exagero e manter o equilíbrio.
O futuro das castas no Alentejo, provavelmente, é destinado a aquelas que aguentam melhor o calor e a falta de água. Um certo movimento revivalista vai, com todo o propósito, preservar vinhas velhas de sequeiro e desencantar algumas castas minoritárias. Também me parece que para além da escolha de casta mais fundamentada em múltiplos ensaios, o grande cuidado será aplicado na selecção dos clones (material policlonal), porta-enxertos, locais de plantação e métodos de condução apropriados para cada casta. Chamaria isto escolha de precisão e adaptabilidade mútua.
Voltando à questão do potencial e do investimento, é de notar que as empresas importantes e bem instaladas na região, investem também no conhecimento que pode não gerar lucros a curto-médio prazo, mas gera valor acrescentado a longo prazo e para toda a região.

A Sogrape na Quinta de Peso fez um investimento em plantação de várias parcelas num total de 42 hectares de vinha com castas Syrah, Cabernet Sauvignon, Aragonez, Tinta Miúda, Tinto Cão, Touriga Franca, Gran Noir etc. Uma parte foi plantada em vaso (gobelet), com fruta mais à sombra e melhor gestão de água. É mais trabalhoso, requer mais mão-de-obra, obviamente, – explicou numa conversa o enólogo Luís Cabral de Almeida. Fizeram também o estudo de solos e mediante estes resultados, irão plantar a vinha apenas nos solos apropriados para o efeito.
A Herdade do Esporão está envolvida no projecto WineClimAdapt com o INIAV e outras entidades com o objectivo de selecção e caracterização das castas melhor adaptadas a cenários de alterações climáticas. Nos 10ha de campo ampelográfico encontram-se em estudo 189 castas (alentejanas, nacionais de outras regiões e estrangeiras).

A aposta na sustentabilidade (o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo, criado, implementado e certificado localmente é um modelo para o país e para o mundo) é hoje um dado adquirido e um desígnio para todos os agentes económicos locais. Os resultados estão á vista. Se provamos os vinhos antigos do Alentejo com certa nostalgia, e muitos vinhos de hoje com orgulho, acho que, no futuro, ainda iremos ser bem surpreendidos pela positiva. na edição

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2023)

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