Quinta de Ventozelo: Um pedaço do paraíso

Quinta de Ventozelo, pedaço de paraíso

Ocupando 400 hectares de área, Ventozelo é uma das maiores quintas do Douro. Conhecida desde há muito pelos vinhos de superior qualidade, associa-lhes hoje um outro produto de excelência: o turismo. A localização e beleza natural da propriedade, o conceito e oferta turística disponibilizados, aliam-se a um portefólio vínico de respeito, fazendo da Quinta de […]

Quinta de Ventozelo, um pedaço de paraíso
Na margem esquerda do Douro, a Quinta de Ventozelo estende-se ao longo de três quilómetros de frente de rio.

Ocupando 400 hectares de área, Ventozelo é uma das maiores quintas do Douro. Conhecida desde há muito pelos vinhos de superior qualidade, associa-lhes hoje um outro produto de excelência: o turismo. A localização e beleza natural da propriedade, o conceito e oferta turística disponibilizados, aliam-se a um portefólio vínico de respeito, fazendo da Quinta de Ventozelo um destino obrigatório para quem quer sentir verdadeiramente o Douro.

 TEXTO Luís Lopes

“Ventozelo é um daqueles sítios especiais, mágicos, difíceis de descrever”. As palavras de Jorge Dias, que abrem um bonito livro sobre a quinta, reflectem por inteiro o impacto daquele local em quem o visita, mas não dizem da extraordinária dedicação pessoal que o director-geral da Gran Cruz colocou em todo o processo que levou ao renascimento de uma das mais emblemáticas propriedades durienses. Profundo conhecedor do Douro, desde a aquisição de Ventozelo pelo Grupo Gran Cruz no final de 2014, Jorge Dias tem liderado de forma empenhada e apaixonada a requalificação da propriedade em todas as suas vertentes, vinha, vinho, cultura, turismo.

Na margem esquerda do Douro, a Quinta de Ventozelo estende-se ao longo de três quilómetros de frente de rio, uma localização privilegiada tanto nos dias de hoje quanto nos primórdios da sua existência, no início do século XVI. Na verdade, a menção ao lugar de Ventozelo é bem anterior, vem do século XIII, mas só a partir de 1500 a quinta aparece registada como fazendo parte do extenso património do mosteiro de São Pedro das Águias, que por emprazamento a entregou aos fidalgos da Casa do Poço, de Lamego.

Na freguesia de Ervedosa do Douro (S. João da Pesqueira), Ventozelo desenvolve-se numa espécie de anfiteatro virado para o rio, desde a margem até aos 600 metros de altitude. A água trazida pela Ribeira de Ervedosa, que atravessa a quinta, foi no passado essencial para a manutenção de uma actividade agrícola importante, centrada no olival, nas hortas, e na plantação de cereais e sumagre, para além da exploração da caça, abundante nas matas que ainda hoje ocupam grande parte da propriedade.

Na história da Quinta de Ventozelo, o vinho só viria a ter relevância de primeira ordem a partir de finais do século XVIII, com vastas áreas de vinha plantadas nos três núcleos em que está subdividida: Ventozelo Velho, Ventozelo Novo e Quinta Nova. A quinta permaneceu na posse dos descendentes da Casa do Poço até às crises do oídio e filoxera, passando no final do século XIX para as mãos da Companhia Vitícola, Vinícola e Agrícola de Ventozelo. O vinho do Porto continuava a ser a principal fonte de riqueza, mas procurou-se a diversificação, com grandes investimentos em uva de mesa, fruta, azeite, cereais e floresta. No século XX a quinta mudou várias vezes de mãos.

Como marco relevante, o início do engarrafamento de Vinho do Porto na propriedade, nos anos 80. Em 1999, Ventozelo foi comprada pela empresa espanhola Proinsa, que ali fez enormes investimentos na vinha (a área plantada mais do que duplicou, chegando aos actuais 200 hectares) e na comercialização de vinhos do Douro e do Porto. Não obtendo o retorno esperado, a Proinsa procurou parcerias, em modelos diversos, primeiro com a Real Companhia Velha, em 2008, depois com a Gran Cruz, em 2011, passando este grupo (ligado à francesa La Martiniquaise, de Jean-Pierre Cayard) a vinificar os vinhos de Ventozelo. O conhecimento da quinta e dos seus vinhos terá certamente pesado na decisão que levou à compra de Ventozelo em dezembro de 2014. A Gran Cruz, exportador líder de Vinho do Porto, avançava assim para a produção própria no Douro.

Quinta de Ventozelo, pedaço de paraíso
Em termos de alojamento, Ventozelo é uma pequena aldeia, com 29 quartos distribuídos por sete edificações distintas.

O Douro numa quinta

O tamanho, localização e características de Ventozelo permitiram a Jorge Dias integrar a quinta no projecto estratégico que já estava a ser desenvolvido na Gran Cruz e dotar a propriedade de outro alcance e valências, sob o lema “O Douro numa Quinta”. Mas sem nunca perder de vista que, antes de tudo, Ventozelo produz uva e vinho. E 200 hectares de vinha, com diferentes altitudes, tipologia de solos, exposição e castas, são um verdadeiro puzzle cujas peças o responsável de viticultura, Tiago Maia, vai pacientemente estudando para encaixar no sítio certo.

Mais de 40 hectares foram, entretanto, reestruturados, para corrigir alguns erros de plantações anteriores e elevar o potencial qualitativo da quinta. Nas novas plantações foram abandonados os patamares de duas linhas, adoptando-se a linha única. O conceito vitícola actual assume especial relevo na parcela do Chorão, onde em 4 hectares de terraços pós-filoxéricos se plantaram em field blend 21 variedades clássicas do Douro que já deram a primeira produção em 2019.  Mantiveram-se e cuidaram-se outras parcelas plantadas nos anos 50, bem como a notável colecção ampelográfica de 54 castas criada em 2005.  A sustentabilidade do solo é uma preocupação constante, com um coberto vegetal nos vinhedos proporcionado por vegetação espontânea ou sementeira de leguminosas e gramíneas. Esta vegetação, controlada através de cortes mecânicos, protege da erosão, ajuda a conservar água e fomenta a biodiversidade.

No global, a vinha de Ventozelo está organizada em 17 parcelas, subdivididas em 135 talhões. As castas tintas representam 90% do total, com Touriga Franca, Tinta Roriz e Touriga Nacional como mais representativas. Nas variedades brancas, destaca-se a Viosinho, seguida de Malvasia Fina e Rabigato.

Os vinhos são elaborados na moderníssima adega Gran Cruz em Alijó, um centro de vinificação de excelência que custou 20 milhões de euros, construído sob a supervisão do director de enologia José Manuel Sousa Soares e que iniciou a laboração na vindima de 2013. Mas apesar de todas as condições existentes em Alijó, a equipa da Gran Cruz tem em mente reactivar os belíssimos lagares tradicionais de Ventozelo. Algo que o crescente peso do enoturismo na propriedade pode até tornar imperativo…

O portefólio de Ventozelo é vasto (cerca de 20 referências) e de grande consistência qualitativa. Na oferta vínica, que se inicia com o blend Azul de Ventozelo, avultam sete varietais (oito, se contarmos que o Syrah aparece em duas versões, com e sem madeira), para além de vários blends, culminando no Essência de Ventozelo, elaborado a partir do lote dos melhores vinhos de cada ano, independentemente do talhão/parcela que lhes deu origem. A ideia passa por colocar dentro da garrafa o “espírito” da quinta, com todas as suas expressões e diversidade. Também há Porto, claro, LBV e Vintage. E fora do âmbito estritamente vínico, mas com enorme sucesso junto dos visitantes e hóspedes da quinta, o Gin de Ventozelo, obtido a partir de um blend botânico de ervas aromáticas da quinta maceradas em álcool vínico destilado de vinhos da propriedade. E depois, o azeite, como não podia deixar de ser.

Quinta de Ventozelo, pedaço de paraíso
O restaurante Cantina encontra-se no núcleo principal da quinta.

O turismo, pois então

Aqui chegado, é imperativo falar do enoturismo de Ventozelo. O turismo, associado à cultura e à experiência sensorial, sempre foi encarado por Jorge Dias como indissociável do mundo do vinho. A Gran Cruz, aliás, tem sido pioneira na forma de abordar o turismo vínico de forma diferenciadora. O Espaço Porto Cruz, inaugurado em 2012 no centro histórico de Gaia, com a sua expressão multidisciplinar e multissensorial do vinho do Porto, é um perfeito exemplo disso mesmo. Em 2018 foi a vez do hotel Gran Cruz House, na praça da Ribeira, no Porto.

A gastronomia acompanha a experiência vínica, e a parceria com o chefe Miguel Castro Silva, activada em Gaia e na Ribeira, estendeu-se ao restaurante de Ventozelo, apropriadamente chamado Cantina, e onde os sabores do Douro, Trás-os-Montes e Beira Alta estão em evidência, privilegiando sempre os produtos cultivados nas hortas da quinta ou de fornecedores de proximidade.

Em termos de alojamento, Ventozelo é uma pequena aldeia, com 29 quartos distribuídos por sete edificações distintas. Casas e construções agrícolas que já existiam e que foram recuperadas com originalidade, bom gosto e a preocupação de integração na paisagem, com pedra à vista, pedra caiada, reboco caiado e madeira pintada. A Casa do Feitor, deu lugar a cinco quartos duplos e uma suite, incluindo uma sala de estar comum com lareira e varanda com vistas de rio.

Um antigo celeiro foi reconvertido na Casa do Laranjal, com cinco quartos duplos e pátio individual com vista para o laranjal. Um armazém de alfaias é agora uma suite romântica. O edifício dos Cardanhos (camaratas dos trabalhadores agrícolas) transformou-se em sete quartos duplos. Talvez o alojamento mais original sejam os dois balões de cimento, onde se armazenavam grandes volumes de vinho, e que hoje albergam duas amplas suites. Afastado deste “núcleo urbano” (que integra uma magnífica piscina exterior e uma Mercearia, com produtos da quinta e da região) está o alojamento mais imponente, a Casa Grande, que dispõe de seis quartos duplos, biblioteca, sala de jantar, cozinha e ainda uma exclusiva piscina infinita sobre o Douro. Mais junto à água (Ventozelo tem cais privativo e proporciona passeios de barco), a Casa do Rio, com dois quartos duplos, sala, cozinha e terraço.

Mas no Douro não basta fornecer alojamento e alimentação de qualidade. É preciso dar que fazer aos visitantes. E no Ventozelo não faltam motivos para sair do quarto. Desde logo, o Centro Interpretativo, uma espécie de museu vivo e interactivo criado pela museóloga Natalia Fauvrelle e que oferece uma espectacular experiência sensorial (incluindo efeitos visuais, sons e aromas) na descoberta de Ventozelo e da sua história.

Quinta de Ventozelo, pedaço de paraíso
No Centro Interpretativo, Ventozelo mostra-se aos nossos sentidos.

Um passeio a pé mais descansado pode incluir uma visita à capela dedicada a Nossa Senhora dos Prazeres, aos lagares e adega, alambique, hortas biológicas, pomares e jardim das aromáticas, culminando com a prova de vinhos. Áudio-guias estão disponíveis nos passeios em viatura todo o terreno, ajudando assim a interpretar a paisagem vitícola. Mas o melhor mesmo é usufruir da diversidade paisagística e biológica e ao mesmo tempo fazer exercício, puxando pelas pernas e aventurando-se num dos sete percursos pedestres sinalizados, com diferentes níveis de dificuldade. E se quisermos elevar essa experiência ao seu pináculo, basta acertar com o hotel e, no ponto escolhido, estará à nossa espera uma cesta com tudo o que precisamos para retemperar forças e ficar mais algum tempo em contemplação deste mundo mágico de Ventozelo.

Quinta de Ventozelo, pedaço de paraíso
A colecção ampelográfica tem 54 castas.

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2020.)

Tintos do Tejo: Os vinhos de uma nova era

Grande Prova Tintos do Tejo

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TEXTO: Valéria Zeferino

A história vitivinícola da região começou com as plantações da vinha junto às margens do rio Tejo pelos Tartessos em 2000 a.C. Na Idade Média a cedência de terras a “homens livres” para exploração agrícola impulsionou a plantação de vinha e olival. Séculos mais tarde, a demarcação da região do Douro pelo Marquês de Pombal em 1756 levou ao arranque da vinha no Tejo, seguindo ordem que obrigava a retirar os vinhedos de todos os terrenos aptos a outras culturas.

Mais tarde, a proximidade de Lisboa, a necessidade de abastecer a capital e a plantação de castas produtivas em terras muito férteis, conduziu a rendimentos excessivos, prejudicando qualidade geral e a imagem da região. Como lembra o proprietário e enólogo da Casa da Coelheira, Nuno Falcão Rodrigues, “há 40 anos mais importante era encher a adega, do que fazer um vinho XPTO”. Era o império de tascas e do vinho a granel. Mas, entretanto, o mercado evoluiu e com ele o grau de exigência de consumidores e produtores.

Não esqueçamos que várias regiões no mundo, hoje bem prestigiadas, passaram por este mesmo caminho. Por exemplo, Pfalz, na Alemanha, já foi uma região conhecida pelos vinhos brancos semi-doces feitos de castas muito produtivas, vendidos a granel ou sob marcas de enorme volume (na “famosa” garrafa azul…) e que acabaram por arruinar a imagem do vinho daquele país em diversos mercados. Ou Chianti, outrora fortemente associado aos frascos cobertos de palha, com vinhos baratos e acídulos. Portanto, não se pode (e não se deve) fugir da história da região, mas pode-se (e deve-se) investir no seu futuro.

Foi o que começou a acontecer no Tejo a partir das décadas 80 e 90 do século passado, através da modernização de adegas e da reconversão progressiva da vinha: as castas que só serviam para produzir muito foram substituídas pelas variedades nacionais e internacionais que traziam benefícios qualitativos. O facto de o Tejo não estar demasiado agarrado à tradição, permitiu seguir em frente, procurando a sua nova identidade que passa muitas vezes pelo estilo de cada produtor.

A partir de 2008 a região seguiu o seu caminho como o Tejo, reforçando a sua ligação com o rio, a volta do qual é formada e rompendo definitivamente com o Ribatejo do passado. A alteração do nome, na altura, gerou algumas críticas, mas o tempo e o esforço dos produtores acabou por mostrar que a decisão foi a mais acertada.

Como nota o presidente da Comissão Vitivinícola Regional (CVR) do Tejo, Luís de Castro, “hoje, os produtores da região estão nas mãos de uma nova geração de enólogos”, mais competentes, mais interessados, mais abertos para o mundo.

A região do Tejo tem uma área total de vinha a rondar os 12.000 hectares, dos quais, de acordo com os dados da CVR, 2.500 dão origem a vinhos com denominação de origem DO Tejo e 5.000 a vinhos com selo de certificação IG (ou Regional) Tejo. No que toca à produção em litros, são vinificados cerca de 61 milhões de litros, estando a aumentar, de ano para a ano, a quantidade de vinhos certificados: 23,3 milhões em 2019.

Os principais mercados de exportação são Brasil, China, Suécia, França e Polónia. Segundo Luís de Castro, no Brasil assinalou-se um crescimento exponencial de vendas devido ao e-commerce que disparou com a pandemia do Covid. As vendas de vinhos do Tejo no Brasil, até ao final de Julho, já tinham atingido o volume do ano passado. No mercado interno, a situação está mais complicada, apesar do crescimento em vinhos certificados, houve um descréscimo nos vinhos DOC por causa da crise por que está a passar o canal horeca.

Grande Prova Tintos do Tejo
O rio Tejo tem uma influência marcante nas características da região de vinhos a que dá o nome.

Três sub-regiões à volta do rio

A região do Tejo caracteriza-se pelo clima mediterrânico temperado com aproximadamente 2.800 horas de sol por ano e uma precipitação média que varia entre os 500 e 800 mm, com maior incidência na zona de Tomar, Alcanena e Sardoal, a Norte, e em Coruche, a Sul. A continentalidade não é acentuada e, dada a baixa altitude, as amplitudes térmicas diurnas são moderadas.

O rio Tejo atravessa a região na diagonal de nordeste para sudoeste, formando 3 sub-regiões com condições bem distintas.

A faixa junto ao rio chama-se Campo (também conhecida por lezíria) e caracteriza-se pelas planícies, com vinhas instaladas em solos de aluvião mais férteis. É uma zona mais utilizada para a produção de uvas brancas, com Fernão Pires responsável por 66% das castas brancas da região. Mas com adequado controlo de produção, é também aqui possível originar uvas tintas de primeira linha.

Outras duas sub-regiões oferecem condições para produção maioritariamente de vinhos tintos de qualidade.

Na margem direita do Tejo, a Norte e a Oeste e até os sopés da Serra de Aires e Candeeiros estende-se o Bairro. Os solos são menos férteis, com predominância de argilo-calcários e uma pequena zona de xisto perto de Tomar.

Na margem esquerda do rio, a Sul e Sudeste, fica a sub-região da Charneca, já na transição para o Alentejo, dominada pelos solos arenosos pobres e mais secas e mais quente que as outras duas sub-regiões. Na zona de Almeirim, existe uma faixa importante de calhau rolado com efeitos particulares no perfil das uvas.

O enólogo David Ferreira, que trabalhou muitos anos na Casa Cadaval e recentemente assumiu as responsabilidades de enologia na Companhia das Lezírias, teve oportunidade de conhecer bem estas diferentes sub-regiões. Por vezes, 20 km entre vinhas fazem diferença. As mesmas castas no Bairro amadurecem quase 15 dias mais tarde do que na Charneca. Na sua opinião, os vinhos do Bairro, provenientes dos solos calcáreos, são mais encorpados, profundos, com mais textura de boca. Os da Charneca, mostram mais concentração com elegância, não são tão texturados, mas são compridos e complexos.

Grande Prova Tintos do Tejo
A região mostra uma grande diversidade de solos: aluvião, argila, calcário, areia, xisto, calhau rolado…

Grande diversidade de castas

 Das castas plantadas na região do Tejo, 53% são tintas e 47% brancas, numa enorme diversidade, com variedades regionais, nacionais e internacionais. As preferências nas novas plantações inclinam-se para as castas brancas Fernão Pires e Arinto, e as tintas Syrah, Touriga Nacional e Alicante Bouschet.

Actualmente, as exigências regionais em termos de uso de castas, são bastante liberais. No que toca as castas tintas, das 45 autorizadas para DO, 12 são internacionais e das 74 autorizadas para IG, 24 são internacionais. Isto permite ao produtor trabalhar com as variedades que considera mais adequadas ao seu terroir ou ao seu negócio. A casta tinta mais plantada, no entanto, é ainda a bem clássica Castelão que ocupa uma área de 1471ha, representando 23% das castas tintas do Tejo e 12% do total.

Segundo a enóloga e directora-geral da Falua, Antonina Barbosa, de Castelão “espera-se o melhor e o pior”. A casta tem que ser bem trabalhada, diz, exige atenção. Juntamente com a enóloga da Quinta de Alorna, Martta Reis Simões, estão de acordo que no calhau rolado de Almeirim, Castelão fica muito bem e com óptima expressão aromática (futa preta, mentol, eucalipto). Já Diogo Campilho confessa que não escolhe as variedades só por serem típicas. Não gosta de Castelão por ser muito produtiva, e o solo argiloso da Quinta da Lagoalva não é o melhor para esta casta.

O enólogo António Ventura, que trabalha com várias casas no Tejo, Lisboa e Alentejo é um fã de Castelão, mas reconhece que a casta não se dá em qualquer lado, o melhor resultado consegue-se em solos pobres de areia. Em solos ricos pode facilmente chegar a produções de 25 tn/ha, perdendo as suas qualidades.

A Trincadeira ocupa 783 ha e é a segunda casta mais importante em termos de plantação. David Ferreira chama à Trincadeira “a campeã da rusticidade, num bom sentido”, pois aguenta bem o calor. António Ventura acha que Trincadeira depende bastante do ano, com chuvas facilmente apodrece por ter cachos muito compactos. Por isso, Martta Reis Simões entende que a Charneca, por ser mais quente e seca, é a melhor zona para a Trincadeira. Nos anos bons sem chuva, no final da maturação, consegue-se manter a Trincadeira na vinha mais tempo, o que a casta agradece.

Em número de hectares plantados (653) segue-se a Aragonez que, curiosamente (ou talvez não), nenhum dos enólogos com que falámos entendeu destacar, pela positiva ou negativa.

No quarto lugar fica a casta internacional que conseguiu mais popularidade na região, Syrah, com 565 ha. Tal como acontece noutras regiões do país, também no Tejo a Syrah é consensual entre os produtores. David Ferreira comenta que a Syrah se adaptou muito bem às condições do Bairro, onde os ciclos da videira são mais longos. Segundo António Ventura, de um modo geral, a Syrah dá-se muito bem no Tejo, atingindo óptimas maturações fenólicas. Manuel Lobo, responsável de enologia na Quinta do Casal Branco, propriedade de familiares, vai mais longe e afirma que Syrah se porta bem em todo o lado: no Tejo, no Alentejo e até no Douro. Precisa de solos profundos para não desenvolver aromas sobremaduros. Normalmente, é uma das primeiras a ser apanhada.

Relativamente à conceituada Touriga Nacional, que ocupa 465 ha, as opiniões diferem um pouco. António Ventura é de opinião que a Touriga Nacional se dá muito bem no Tejo, produz 7-8 toneladas/ha em solos de areia ou argilo-arenosos. Antonina Barbosa gosta do carácter que a Touriga desenvolve no terreno de calhau rolado. Diogo Campilho afirma que a Touriga Nacional é boa no Tejo, mas não para fazer um vinho varietal, prefere adicioná-la ao lote – “uma pincelada de Touriga eleva logo o aroma”. Já Manuel Lobo acha que Touriga Nacional no Tejo é um desafio. Relaciona isto com padrões altos da qualidade da casta vindos da sua experiência no Douro, onde a Touriga tem dimensão e fruta, enquanto no Tejo há anos em que fica um pouco mais vegetal. Nos solos mais pobres da Charneca, seca demasiado as folhas, o que leva ao desequilíbrio.

Alicante Bouschet, a casta francesa adoptada por Portugal, também é uma das mais populares no Tejo, registando 406 ha, mas está longe de ser consensual. Enquanto a Companhia das Lezírias faz um monocasta de Alicante Bouschet das vinhas velhas para o seu topo “1836”, Nuno Falcão Rodrigues aprecia a casta, mas agora já não a usa para o seu “Mythos”. Embora a Alicante Bouschet tenha entrado nos lotes das suas primeiras colheitas, teve de a retirar por conferir ao vinho “demasiada rusticidade”. António Ventura é de opinião que Alicante Bouschet não é uma das castas mais expressivas no Tejo: complementa lotes, contribui com estrutura e cor, mas não chega a atingir a elegância que ganha no Alentejo. Fica demasiado vegetal, começa a amadurecer a parte fenólica só com 15%, precisa de mais amplitude térmica diária. É interessante a observação de Manuel Lobo que muitas vezes nas vinhas velhas encontra Alicante Bouschet plantado em conjunto com Castelão. E há uma explicação para isto: Alicante Bouschet tem muita personalidade, mas funciona melhor em parceria com Castelão, que o torna mais amigável e polido (um pouco como o efeito do Merlot no Cabernet Sauvignon, em Bordéus).

E por falar de Cabernet Sauvignon, a casta já mostrou que se dá muito bem na região do Tejo, parece ser muito consensual e está a crescer em popularidade, ocupando agora 291 ha. Dá um óptimo resultado no calhau rolado da Falua e da Quinta da Alorna. Mas não só. “Se a Touriga traz elegância, Cabernet Sauvignon traz frescura ao lote”, diz Nuno Falcão Rodrigues. António Ventura também considera que Cabernet Sauvignon no Tejo é muito interessante, sobretudo no Bairro. “É uma casta muito resistente, amadurece bem e perde o carácter vegetal, se esperarmos por ela.”

Algumas outras castas, menos populares na região, assumem protagonismo em algumas casas. A Quinta da Lagoalva de Cima desde os anos 70 apostou no Alfrocheiro que, segundo Diogo Campilho, tem características que particularmente aprecia: concentração, aroma e frescura.

Nuno Falcão Rodrigues gosta da Touriga Franca porque se adapta bem à região. Desde que consiga uma “linha recta” no final de maturação, sem chuva, dá resultados fantásticos, refere.

Grande Prova Tintos do Tejo
No Tejo não faltam adegas modernas e projectos de sucesso. Aqui, na Falua, Almeirim.

Nacionais vs. estrangeiras

As castas estrangeiras, como Cabernet Sauvignon, Chardonnay, Merlot foram trazidas para a região pelas gerações anteriores com o objectivo de melhorar a qualidade. Isto numa altura em que as castas nacionais eram pouco estudadas e as internacionais tinham resultados comprovados. Quando se percebeu melhor o potencial qualitativo de certas castas portuguesas, também estas começaram a ganhar terreno.

A presença de castas internacionais num lote pode ajudar na exportação. Antonina Barbosa dá o exemplo da marca Tagus Creek, onde se apostou nos duetos de uma casta estrangeira + uma casta nacional (Cabernet Sauvignon + Aragonez, Shiraz + Trincadeira etc.), que chegou a ser a 2ª marca mais vendida no Reino Unido. A Quinta da Alorna também conseguiu excelente resultado comercializando bivarietais nesta base.

Já nos topos de gama, vendidos a 25-30 euros a situação é diferente, repara David Ferreira. A nível internacional não vale a pena competir no Cabernet Sauvignon com Bordéus ou no Pinot Noir com Borgonha. Nesta gama, é melhor apostar nas castas nacionais ou com forte ligação a Portugal (o caso de Alicante Bouschet).  Nuno Falcão Rodrigues partilha a mesma opinião, sobretudo no que toca aos mercados maduros. Mas “se estivermos a falar de mercados como a China ou a Rússia, onde a Touriga Nacional é uma espécie de dinossauro, convém colocar no blend alguma coisa que possa ser entendida pelo consumidor local.”

E como podemos constatar, nos topos de gama tintos, mesmo que as castas internacionais integrem o lote, não são predominantes.

O que deve ser um grande tinto do Tejo?

“Um topo de gama deve ser fiel ao terroir”, diz Antonina Barbosa. As castas podem variar ao longo dos anos, mas o terroir é o mesmo. No caso da Falua, os melhores resultados vêm da vinha do calhau rolado, sem rega e com produções baixas a nivel de 5-6 tn/ha. David Ferreira, num vinho de topo, procura qualidade numa base vitícola, ou seja, de determinadas vinhas. Normalmente, “são as mais velhas que têm maior equilíbrio, maturação mais longa e complexidade aromática”, diz. Por exemplo, na Companhia das Lezírias e na Casa Cadaval isso acontece com as vinhas de Alicante Bouschet.

Já Diogo Campilho, para o seu tinto mais ambicioso procura o que a região oferece: aroma, intensidade, elegância. Presta muita atenção ao nariz e à frescura de boca. “Os vinhos têm de ser frescos, gastronómicos. Assim, podem ter 14,5% e não se sentir o álcool”. Martta Reis Simões, por seu lado, em topos de gama procura a identidade da região. Acha que os vinhos do Tejo, e particularmente, da Charneca, se destacam pela frescura em boca, corpo e elegância. Segundo Nuno Falcão Rodrigues, o Tejo pode não ter uma identidade única, mas tem vários estilos. Um topo de gama tem de expressar, antes de tudo, o seu próprio estilo que inclui a região, a quinta, o terroir e o produtor.

O Tejo e o consumidor

Nas garrafeiras especializadas, onde se vendem os vinhos mais ambiciosos, os vinhos do Tejo representam cerca de 5% da oferta, ainda que a sua presença tenha vindo a crescer. Como o consumidor muitas vezes segue modas e tendências, a procura espontânea pelos vinhos do Tejo ainda é baixa. Vanessa Neves, da garrafeira “Empor Spirits & Wine”, em Lisboa, e Carla Paralta, uma das proprietárias da Garrafeira “5 estrelas”, em Aveiro, dizem que o consumidor poucas vezes pergunta especificamente por vinhos do Tejo, mas há alguns anos nem procuravam de todo. O consumidor está mais bem informado, dizem, sabe o que quer e aceita sugestões. Quando procuram por casta (Syrah, Pinot Noir, Merlot, por exemplo), há boas opções produzidas no Tejo e isto também ajuda. Mas ao mesmo tempo, ainda “confundem muitas vezes os produtores do Tejo e de Lisboa”, conta Vanessa.

Helena Muelle, proprietária da garrafeira “Wines 9297”, em Lisboa, refere que quando organiza provas cegas, onde inclui os melhores vinhos do Tejo, as pessoas gostam muito e depois ficam surpreendidas, quando a região é desvendada.

Como diz Manuel Lobo, “o Tejo é um diamante em bruto, mas ainda tem um longo caminho a percorrer”. Eu acrescentava que a região vai precisar de todo o profissionalismo e dedicação dos produtores para lapidar esse diamante até começar a brilhar. E todos esperamos que o consumidor não se deixe levar pela imagem de um passado longínquo e demonstre uma maior curiosidade em relação ao Tejo da modernidade. Um Tejo que vale muito a pena re(descobrir).

Grande Prova Tintos do Tejo
Para os vinhos de topo, a poda em verde, reduzindo a produção, é bastante comum.

(Artigo publicado em Outubro de 2020)[/vc_column_text][vc_column_text]

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Herdade do Mouchão: Um primeiro entre iguais

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[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Mouchão não é apenas um nome incontornável no Alentejo. É uma das maiores referências nacionais, tributário de um terroir muito próprio e de uma casta – Alicante Bouschet – sem dúvida temperamental. Um tinto e uma marca, cuja actual gama tem também brancos, sempre num perfil longevo e intenso, com uma grande e fiel legião de fãs. Numa palavra: deslumbrante.

 

TEXTO: Nuno de Oliveira Garcia              

FOTOS: Ricardo Gomez

Passo por Casa Branca, não longe de Sousel, e a Herdade do Mouchão aproxima-se entre sobreiros, pinheiros e eucaliptos enormes. Este é o momento em que penso sobre o que significam para mim os vinhos do Mouchão.

Da memória surge-me a prova mítica da colheita de 1974 (com o João Paulo Martins e o cineasta João Canijo), do melhor tinto de 1954 (Reserva 1954) que já bebi, e óptimas garrafas de 1963 e 1969, e 1982 (a última com o advogado e amigo Ricardo Reigada Pereira). Recordo, ainda, a minha convicção de que um Mouchão é uma marca de vinho tinto que transpõe as barreiras da região e de gerações.

Comecei a prová-lo, sempre tinto (as actuais versões brancas são nas referências Ponte e Dom Rafael), faz muito tempo, mas Mouchão sempre foi Mouchão, um ‘primus inter-pares’, um daqueles poucos vinhos que faz tremer e temer os melhores tintos das demais regiões portuguesas.

A frescura de um terroir mais nortenho que o habitual na região, em conjunto com notas clássicas alentejanas (em parte fruto do uso de alguma Trincadeira), e uma longevidade lendária, há muito que são atributos da marca procurados por seguidores exigentes.

Rigorosamente, não há nada de vulgar na Herdade do Mouchão, nem sequer os enormes eucaliptos que acima referi e que provém, nada menos nada mais, do que da Nova Zelândia, trazidos por membros da família Reynolds, ali plantados faz mais de um século. No que respeita a história, aliás, o Mouchão é ímpar na região, sendo ainda hoje a adega comercial (não-familiar) mais vetusta do Alentejo, datando de 1901 (o edifício estaria totalmente terminado em 1904).

Mas vamos mais atrás ainda no tempo… pois foi ainda antes da segunda metade do século XIX que família Reynolds funda a companhia ‘Thomas Reynolds & Son’ e se instala no norte de Portugal, comercializando Vinho do Porto, azeite, mel, lã, e cortiça em prancha. A cortiça comercializada provinha de várias herdades a sul, do Montijo ao Alentejo, incluindo a Herdade do Mouchão, e algumas até em Espanha, todas arrendadas pela família. Em 1870, com o desenvolvimento da venda da cortiça como área de negócio, parte da família, então liderada por John Reynolds, instala-se definitivamente no Alentejo, comprando a Herdade do Mouchão e, assim, controlando a cadeia de produção desde o início.

Dez anos volvidos, chegam à herdade dois académicos da Universidade de Montpellier peritos em solos e castas, e uma vinha de Alicante Bouschet é, pela primeira vez, sugerida e aconselhada para solos alentejanos (diz-se que os próprios professores teriam trazido algumas varas da variedade que na altura representava um progresso por ser tintureira). Pouco depois, a casta é efectivamente plantada na herdade e, atualmente, é raro encontrar um topo de gama em todo o Alentejo sem esta uva no lote!

Aliás, os solos de aluvião onde se encontra a Vinha dos Carapetos – de onde provém as uvas para o imponente topo de gama Tonel 3-4 – foram primeiramente plantados com Alicante logo em 1890. Mais uma década volvida, e é construída a adega onde os vinhos começariam a ser produzidos para, em parte serem vendidos a granel (em garrafão ou barrica) sobretudo em Lisboa, e outra parte para consumo da casa e dos trabalhadores da herdade. Sim, por que quando falamos do Mouchão falamos, como noutros lugares do Alentejo, de uma herdade no sentido clássico e enquanto núcleo económico e social, produzindo-se cortiça, azeitona para azeite e, claro, vinho. E ainda aguardente, a partir da destilaria da propriedade datada de 1929, prática que anda hoje se mantém, a par de um tinto generoso de grande qualidade.

Herdade Mouchão nome incontornável Alentejo
João Alabaça, adegueiro e Hamilton Reis, enólogo.

Uma casa com muita história

Por tudo isto, a fama dos tintos do Mouchão não é propriamente recente… O primeiro engarrafamento é de 1949, mas só a partir de 1950 do século passado começaram a ser rotulados e vendidos (se puderem, não deixem de tudo fazer para provar uma garrafa de 1954) e, durante os 25 anos seguintes, são produzidas várias colheitas magníficas – muitas delas a dar ainda óptima prova e a serem comercializadas a preços pouco comedidos –, sempre com um lote a partir de uma maioria de Alicante Bouschet, com alguma Trincadeira.

Este trajecto seria apenas interrompido com a Revolução de Abril (1974) e, mais propriamente, com a expropriação, pouco depois, da propriedade. Algumas colheitas mantiveram o nível alto, como a histórica de 1974, mas também as de 1979 e de 1982, e existe a particularidade de algumas garrafas terem um rótulo com referência à ‘Cooperativa de Produção Agrícola 25 de Abril de Mouchão e Anexos’ a lembrar-nos, precisamente, desse tempos agiutados. A propriedade entraria, todavia, em declínio, e a vinha e adega progressivamente abandonadas.

Em 1985, pela mão de Albert Reynolds, a família recupera o património e rapidamente começa a retomar os negócios. Os tonéis começam a ser recuperados (tarefa que demorou mais de dois anos a terminar), a eletricidade é instalada (imagine-se, apenas em 1991!), e a adega inicia obras de reconstrução que mantiveram a traça e funcionalidades originais. Também a vinha foi parcialmente recuperada e foram plantados 27 hectares entre 1988 e 1995.

Hoje, a vinificação pouco difere das gloriosas décadas de cinquenta a sessenta, com a vindima a começar bem cedo pela manhã. Tirando o cuidado com o uso de caixas de 15 quilos, tudo o resto é praticamente igual desde há décadas. A fórmula é o que sai da vinha: produções naturalmente baixas (nunca superiores a 4,5 ton./ha.), bagos pequenos, película forte, entrada em lagar sem desengace. Claro que existe uma equipa atrás, sendo atualmente liderada por Hamilton Reis na enologia (que transitou do projecto Cortes de Cima). Para o enólogo, é a acidez transversal dos vinhos e a sua textura (até nos mostos, confidencia-nos com um sorriso), que o surpreende a cada dia. João Alabaça, adegueiro há praticamente trinta anos (filho e neto de adegueiros da casa), continua de pedra e cal, e o jovem Joaquim Gomes é o responsável pela viticultura. Paulo Laureano, que anteriormente capitaneou a enologia, mantem-se activo no projeto, agora como consultor, com a missão de manutenção de um estilo que tanto sucesso augurou.

Herdade Mouchão nome incontornável Alentejo

A propriedade é resultado da junção de quatro herdades e compreende cerca de 900 hectares, dos quais 700 de montado, 65 de olival e 43 de vinha, produzindo-se ainda mel. O topo de gama é o já referido Mouchão Tonel 3-4, exclusivamente de Alicante Bouschet, da histórica Vinha dos Carapetos, cujo nome resulta do estágio por três anos em dois tonéis (lá está: n.º 3 e n.º 4) de aduelas de castanho e carvalho com fundos de macacaúba e mogno. O clássico Mouchão mantém-se produzido a partir de uma maioria de Alicante Bouschet e Trincadeira, com algum Aragonez em algumas colheitas. À semelhança do seu irmão, estagia em tonéis antigos, amadurecendo ainda por dois ou mais anos em garrafas (a colheita agora lançada é a de 2014 – ver nota de prova).

A marca Ponte – até agora denominada Ponte das Canas (derivado de outra vinha famosa da herdade) – é criada no final da primeira década no novo século, procurando-se manter o know-how e técnicas típicas da casa, mas conjugado com as castas Touriga Nacional, Touriga Franca e Syrah. Por fim, o Dom Rafael, marca criada ainda nos anos ’80 do século passado, e nascida das vinhas antigas de Aragonez e Castelão, desde há vários anos também com referência em branco assente Antão Vaz, Arinto e Fernão Pires (e algum Perrum em antigas colheitas). São, no total, nove os lagares da adega e pouco mais de 200 mil garrafas por ano. A gestão cabe à sexta geração à frente da Herdade do Mouchão, e é encabeçada por Iain Reynolds Richardson que tem um único desígnio: manter todas as técnicas tradicionais – da apanha a mão, à pisa a pé, passando pelas prensas manuais – e melhorar cada vez mais o vinho final. Se é que é possível melhorar o que já é quase perfeito…

(Artigo publicado na edição de Outubro 2020)

Herdade do Mouchão um nome incontornável no Alentejo[/vc_column_text][vc_column_text]

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Entrevista Leonor Freitas: “O vinho não é para quem o faz, é para o consumidor”

Leonor Freitas

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[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Em 23 anos, levou uma empresa familiar vitícola baseada na venda a granel, à dimensão planetária. A Casa Ermelinda Freitas, fundada pela sua bisavó Leonilde, passou também pela avó Germana e pela mãe Ermelinda, que passou a pasta à filha quando se rendeu à sua capacidade para o negócio. Não foi um erro.

Em 2008, o seu Syrah Reserva 2005 foi eleito o melhor vinho tinto do concurso francês Vinalies Internationales. A partir daí, ninguém a parou. Em 2018 comprou uma quinta nos Verdes com 7,6 hectares de vinha, em Póvoa do Lanhoso, e outra no Douro Superior com 20, junto a Foz Côa.

Em 2020, a Casa Ermelinda Freitas produziu 22 milhões de litros e facturou 29 milhões de euros. De seu nome Leonor, é a “Dona Ermelinda”. Embaixadora de Portugal e do mundo rural, a Senhora do Castelão de Palmela.

TEXTO Mariana Lopes
FOTOS Ricardo Gomez

Leonor Freitas, a senhora da Casa Ermelinda Freitas
Leonor Freitas

Um dia, o seu principal cliente deixou de lhe comprar vinho e viu-se com um enorme problema em mãos. Procurou resolvê-lo, e chegou onde chegou. Acha que, como diz o provérbio, há males que vêm por bem?

 Não tenho dúvida disso. Costumo dar, precisamente, o meu exemplo aos jovens. Cheguei à Casa Ermelinda Freitas cheia de força, “sabendo que não sabia”, e quando, em 2002, esse grande cliente que nos comprava o vinho, que ajudou a nossa família ao fazê-lo e pelo qual nós tínhamos uma grande admiração, disse que não comprava porque não precisava… até me ficou na memória, até hoje, o sítio e a hora.

Por momentos, achei que era a nossa insolvência. Já tinha criado a marca Terras do Pó, mas apenas com 7 mil garrafas, e era da venda a granel que dependíamos economicamente. Durante dois dias não pensei noutra coisa. Mas, não há dúvida que aquela dificuldade se transformou numa oportunidade, porque resolvi lançar o bag-in-box M.J. Freitas [o nome do pai, Manuel João de Freitas], que na altura as pessoas não identificavam com grande qualidade, apesar de estar, inclusive, apto a Denominação de Origem. Não posso dizer que não tive receio, mas tinha de arranjar uma forma de vender o vinho que tinha.

Chamei o Jaime Quendera, o nosso enólogo, e disse-lhe que íamos fazer um bag-in-box bom, com bom vinho. E, de facto, foi uma aposta certa. Esse “bag” tomou umas proporções em Portugal e lá fora que ultrapassaram tudo o que eu pudesse imaginar. Era o melhor bag-in-box que as pessoas já tinham encontrado. Hoje, continuamos a vendê-lo imenso e nem alterámos a imagem, por causa disso. Isto para dizer que a grande dificuldade que eu senti, o facto de não ter cruzado os braços e ter ido à procura de soluções, tornou-se numa oportunidade, e também porque aí eu cortei os laços, comecei a pensar em marcas e fomos para a frente. Se não tivesse havido este corte, a Casa Ermelinda Freitas não seria hoje o que é. A minha vida tem sido feita destas lutas, e eu tenho a sorte de ser muito lutadora.

Quando se lançou na comercialização de vinho engarrafado, este negócio na Península de Setúbal estava nas mãos de duas grandes empresas. Alguma vez pensou que viria a tornar-se um dos “grandes” de Setúbal?

 Não, nunca pensei. Nem a minha família pensou. Ainda hoje tenho dificuldade em interiorizar isso, quando vejo números. Primeiro, eu só queria manter os meus 60 hectares, vender vinho a granel e não vender o que era da família. Depois, quando comecei a engarrafar, só queria fazê-lo com a minha produção. Mais tarde, comecei também a comprar vinhas, a familiares e vizinhos.

Tudo isto começou a ser uma bola e eu vou sendo arrastada e enrolada nela [risos] e, de facto, aconteceram coisas que eu nunca esperaria e que as pessoas me conhecessem em todo lado e me chamassem “Dona Ermelinda”, o que é um fenómeno muito engraçado. Quando vim para ajudar a minha mãe, tornei-me no rosto do projecto e por isso as pessoas me chamam assim. Pedem-me para tirar fotografias e eu acho que os consumidores merecem tudo.

Agradeço todos os dias, houve muito trabalho e muita luta, até com a natureza, num sofrimento que nos liga à terra e nos dá vida. Hoje, percebo a minha família, e tenho a sorte de ter um produto de afecto, com que se festeja tudo, um produto de comunicação, e eu gosto muito de comunicar. Encontrei-me, nesse aspecto, e realizei-me muito. Venho de uma família de pessoas honestas e simples, e tenho muito orgulho em dar continuidade ao que é da família, e de ter também aqui os meus filhos, o João na informática e a Joana a assumir muitas partes da gerência.

Sempre sentiu que o seu desígnio de vida passaria pela vinha e pelo vinho?

 Não, embora tenha tido uma infância muito feliz aqui, isto era muito isolado. Estudei com candeeiro a petróleo, só tivemos luz eléctrica em 1979. Só no ensino superior é que fui para Lisboa. Fui muito feliz meio das vinhas, das batatas, do milho, e do feijão, mas sempre pensei que a minha vida seria fora daqui, que queria o Mundo.

Havia uma grande discrepância entre o meio rural e o meio urbano, até do papel da mulher e do homem. O meu pai queria muito que eu estudasse e eu queria muito sair daqui, por isso nunca pensei que a minha vida passaria por isto. Quando saí, tudo o que queria era não voltar. Tive a sorte de, quando o meu pai faleceu, já ter maturidade suficiente, com 40 anos, para querer vir para Fernando Pó.

Senti também que tinha de vir ajudar a minha mãe que, apesar de ser uma mulher de negócio e com grande perspicácia, nunca tinha ido a um banco, porque supostamente lhe ficava mal assumir essas partes. Era o meu pai que ia. Então, faltava-lhe isso e eu vim colmatá-lo. Foi duro para ela, não tinha confiança na menina que tinha vindo da cidade. Eventualmente, reconheceu que eu sabia fazer coisas que ela não sabia.

Leonor Freitas, a senhora da casa Ermelinda Freitas
A bisavó Leonilde, a avó Germana e a mãe Ermelinda.

Os vinhos que produz abarcam diversos segmentos de preço mas são, sobretudo, vinhos democráticos”, vinhos que estão em todo o lado e de que toda a gente gosta. Esse conceito de fazer bom vinho a bom preço e facilmente disponível é algo em que pensava desde o início ou a empresa acabou naturalmente por seguir esse modelo?

 Quem está habituado a vender vinho a granel, está também habituado a mais-valias muito pequenas. Se eu tivesse continuado a fazer vinho a granel, talvez só tivesse criado, por exemplo, um vinho de topo para dar nome à casa. Mas como houve necessidade de expandir o negócio, foi uma opção, desde o início, ir ao encontro do consumidor com bons vinhos a bom preço, colocá-los no máximo de sítios possível. Estar nas feiras todas e ir logo lá para fora vender também foi prioridade. Fui três vezes ao Brasil e não vendi nenhum vinho, por isso é que digo que é muito importante não desistir. No início eu fazia de tudo, e isso também me deu um conhecimento geral do sector.

A Casa Ermelinda Freitas tem também, pelo menos, um vinho de grande ambição, um Castelão de referência posicionado no segmento mais alto, o Leo dHonor. Curiosamente, não é o fácil de encontrar no mercado quanto os seus outros vinhos e o 2013 terá sido o último a ser lançado. Ser também conhecida por fazer grandes vinhos não é tão importante para si?

 Nós também temos o objectivo de fazer vinhos mais emblemáticos. Temos, neste momento, o Leo d’Honor, que fazemos em pequenas quantidades e que queremos que venha a assumir mais importância. As vinhas têm 70 anos e este é um Castelão diferente. Sem dúvida, temos aspirações e está na calha fazer mais vinhos de um nível superior. Estamos satisfeitos mas não estamos conformados, a sociedade está sempre a evoluir e nós temos de ir ao encontro dessa dinâmica.

O número de medalhas e troféus que os seus vinhos têm ganho no mundo inteiro é incontável, absolutamente impressionante. Qual é o segredo? Uma medalha ajuda a vender?

 Já passam dos mil, os prémios que ganhámos desde 1999. Só este ano já passam dos 80. Devo dizer que, antigamente, fazíamos um jantar quando recebíamos um, eu fazia um discurso e lembrava a minha equipa que aquele prémio também era deles. Hoje, sou sincera, pergunto ao Vítor [assessor de administração da Casa] “o que é que ganhámos ontem? Ah, foi isso? Ainda bem, ainda bem”, e pronto.

Não sei qual é o segredo, mas esta é uma grande região, que não é tão reconhecida como deveria ser, e eu tenho uma grande equipa. Nesse aspecto tenho de agradecer especialmente ao Jaime Quendera, que supervisiona os vinhos. Também é o facto de pensarmos que temos de ir ao encontro do consumidor, que não estamos a fazer vinho para o nosso gosto, só para nós bebermos. Acima de tudo, os prémios têm-nos dado a aferição de que estamos no caminho certo. E sim, uma medalha ajuda a vender, cá em Portugal e muito lá fora. Há quem pergunte quais são os vinhos medalhados, e só queira comprar esses. E ajuda também o nosso ego…

 

“Temos aspirações, e está na calha fazer vinhos de um nível superior.”

 

Há um “antes” e um “depois” do Syrah 2005?

 O Syrah 2005 ajudou-nos muito, porque aconteceu numa altura em que estávamos a começar. Principalmente a divulgar a nossa existência. No ano seguinte, o concurso Vinalies, que lhe deu o prémio, enviou o folheto de inscrição para o mundo inteiro e, no final, dizia algo como “Concorra, queira ser como este”, e era a nossa garrafa do Syrah que lá estava. E isso foi um orgulho enorme, daquelas coisas que pensamos que nunca nos acontece. Eram 3800 vinhos, de 36 países. Ao final, chegar um vinho português e esse vinho ser da Casa Ermelinda Freitas… tem de haver uma estrelinha da sorte. Eles devem ter achado que era um vinho francês, é uma das vantagens da prova cega…

O crescimento da casa tem sido tremendo ao longo das últimas duas décadas, numa média de 8 a 10% ao ano, e isso é visível não apenas no mercado mas até no que está à vista, em termos de vinhas, armazéns, adegas. Não é difícil controlar um crescimento tão rápido?

 Têm sido umas dores de crescimento enormes e muitas noites sem dormir. É fazermos uma obra, que eu dizia que era a obra da minha vida, e quando a acabamos ela já estar pequena. É um investir permanente, que não nos dá espaço para parar. E, depois, lutar com tudo, desde não ter licença para alargar instalações e termos de a conseguir, às máquinas que avariam. Mas eu não preciso de dinheiro, preciso de investimento para que o consumidor continue a gostar dos vinhos, porque tudo muda, e para continuar a criar postos de trabalho. Hoje é tudo tão rápido que, se não estivermos atentos, somos ultrapassados. Mas tem sido bom, sobretudo porque tenho quem me acompanhe nisso.

Leonor Freitas, a senhora da casa Ermelinda FreitasCom a pandemia, muitos produtores de vinho começaram a intervir mais ao nível social. Mas isso é algo que a Leonor faz desde há muito, impulsionando e dinamizando diversas obras sociais na região. O facto de ser uma grande empregadora e de si dependerem muitas famílias, sobretudo na agricultura, tem desenvolvido essa sua consciência social?

 Eu compro uva a mais de uma centena de proprietários, tanta quanto a que tenho, e isso também é uma responsabilidade social minha, aqui. É certo que preciso dessas uvas para fazer vinho mas o que é que essas pessoas fariam a este jardim enorme de vinhas se não lhes comprássemos as uvas? Precisamos de ajudar estas pessoas porque há aqui muitos pequenos proprietários. É também o nosso papel, ajudar a região. As empresas têm obrigação de ajudar socialmente. Eu sou privilegiada, porque me tem acontecido muita coisa boa, mas nasci aqui no mundo rural, nem saí para ir para o hospital quando nasci. E os consumidores têm-me ajudado muito ao preferir o meu vinho, por isso tenho a obrigação de devolver à sociedade. É nesse sentido que tenho tido muitos projectos sociais, uns mais organizados e outros menos.

Tenho um que se aproxima mais daquilo que eu acho que deviam ser estas iniciativas. Há um centro em Algeruz que acolhe jovens delinquentes, com vidas muito difíceis, que tinha um hectare de terreno sem nada, onde eu plantei uma vinha de Moscatel, para os motivar para o trabalho e despertá-los. Tratam dela o ano inteiro, vêm cá, vendem as uvas… mas é um trabalho muito difícil, nem todos têm disposição. Não vamos recuperar os 20 que lá estão, mas se conseguirmos um, dois ou três, já é muito bom. Já vamos para a quarta vindima. Mas é o que eu acho que devia ser feito, não dar o peixe, mas ensinar a pescar. Sinto uma grande responsabilidade de valorizar o trabalho do campo, dignificá-lo, porque eu não sou mais do que uma rural. Para estar bem comigo mesma tenho de sentir que estou bem com os outros e que faço o que posso pelos outros. E foi a minha família, que tinha apenas a quarta classe, que me transmitiu isto.

Os projectos assentam em pessoas e Jaime Quendera está consigo desde o início. Que importância tem tido o trabalho e a presença dele no seu negócio?

 Tem tido muita importância. Entre nós há quase uma simbiose, entre o que ele pensa e o que eu penso, entre o que gostamos e o que achamos correcto. Tem sido a pessoa fundamental para a Casa e toda a linha que seguimos. Há aqui uma amizade, ele não é um simples enólogo, é um amigo com quem se partilha alegrias e dificuldades. Formou-se entre nós uma grande família. Temos uma grande confiança um no outro. Se me perguntarem qual a minha pessoa de total confiança além dos membros da minha família, é o Jaime Quendera.

Há muitos negócios de vinho que não passam por ter vinha. Mas o seu começou pela vinha, depois pela produção e venda a granel, a seguir pelo engarrafado. Com 550 hectares só na Península de Setúbal, a vinha continua a ser muito importante para o seu projecto de vida…

É muito importante, eu gosto imenso de comprar vinhas. Tenho de fazer adegas e comprar depósitos porque é necessário para a enologia. Mas do que eu gosto mesmo, é da vinha…

Apesar de ser uma referência na produção de Castelão, até pelo terroir especial de Fernando Pó para esta casta, desde o início que apostou em muitas outras variedades, diversificando muito toda a sua gama de vinhos. Está contente com essa aposta?

 Quando comecei a ir para o mercado externo, comecei a criar as outras castas porque o Castelão não dizia nada às pessoas lá fora. Elas não provavam o nosso Castelão se nós não tivéssemos um bom Cabernet, um bom Sauvignon Blanc, etc. Aproveitámos isso para entrar nos outros países. Dávamos a provar as castas que eles mais conheciam e depois dizíamos “então agora prove o nosso Castelão, que de certeza que vai gostar”. E gostavam, de forma geral.

Foi também para diversificar e fazer pedagogia com o vinho cá em Portugal. E tem resultado muito bem, tenho tido muito sucesso com os monocasta. Apesar de tudo, continuo a dizer que não quero deixar de ser a Senhora do Castelão de Palmela. No entanto, estou muito contente com essa aposta nas castas, que agora são 31 plantadas nas nossas vinhas. No início, só tinha Castelão e apenas 5% de Fernão Pires…

O Moscatel de Setúbal é relativamente recente no seu portfólio. Mas o mercado do Moscatel é ainda muito regional, com pouca expressão nacional e na exportação. O que poderia ser feito para dar outra dimensão a este vinho emblemático de Setúbal?

 Acho que o Moscatel de Setúbal foi, em tempos, mal-tratado. Aparecia em garrafas feias, não havia divulgação. Mesmo hoje, falta comunicação e marketing. Eu estive em Londres, numa feira de clube onde nós vendemos, e havia vinho do Porto mas eu levei, também, Moscatel. Os ingleses chamavam-se uns aos outros e diziam “Vem provar, que é bom, mas não é Porto!”. Eles só conhecem vinho do Porto e não conhecem Moscatel mas, quando provam, gostam muito. Hoje, temos todos bons Moscatéis, com boas imagens, e falta divulgarmos e afirmarmos em conjunto o Moscatel.

É uma responsabilidade de todos nós. Aqui, nas terras de areia, antigamente não se plantava Moscatel porque dizia-se que não se dava. Ele aqui é, de facto, diferente do da Serra da Arrábida, e isso é muito giro, complementam-se. Na edição deste ano do Muscats du Monde, foram várias as adegas daqui que ficaram no Top 10. Nós também lá estamos, mas foi a Venâncio da Costa Lima que ganhou o primeiro lugar, e ainda bem! Porque eu acho que é uma excelente maneira de, pouco a pouco, nos irmos afirmando.

 

“Uma medalha ajuda a vender. Há quem pergunte quais são os vinhos medalhados, e só queira comprar esses.”

 

Tem uma excelente quota de mercado em Portugal mas já exporta 40% da sua produção. A tendência é para crescer lá fora?

 Essa também é a vontade, mas muita é a de crescer cá. Ainda temos mercado para crescer mais um pouco no mercado nacional. Ainda estamos pouco distribuídos no Norte, por exemplo. E no Algarve também há margem. No entanto, sim, sobretudo crescer lá fora. O nosso director do mercado externo anda a viajar muito nesse sentido.

Em anos recentes, o seu mundo vitivinícola alargou-se, estendendo-se da Península de Setúbal para o Douro e para a região dos Vinhos Verdes. O que é que a atrai nestas regiões? São apenas investimentos estratégicos ou é também apreciadora dos vinhos ali produzidos?

Gosto das regiões e dos vinhos que lá são produzidos. Tudo começou por uma paixão que tenho pelo Douro. Quando o visito, fico sempre apaixonada pela dificuldade que é tratar aquelas vinhas, pelo contraste entre o rio e as vinhas. É um amor enorme. Sempre disse “Como eu gostava de ter uma quinta…”, mas pensei que nunca seria possível. Entretanto, quando andava a pensar muito no Douro, apareceu a hipótese do Minho. Nunca tinha pensado nisso, mas como lá fora perguntam muito por Vinho Verde, achei que seria uma oportunidade, pensando que não conseguiria comprar no Douro.

Adquiri a Quinta do Minho, equipada com adega, para complementar o portfólio. Este processo demorou algum tempo e, quando já estava comprometida com a compra da Quinta do Minho, aparece-nos uma no Douro Superior que correspondia ao meu sonho. Ia até ao rio, com margem de mais de um quilómetro, a vinha muito bonita e uma paisagem maravilhosa. Fiquei num dilema. Mas aquela Quinta de Canivães correspondia nitidamente à imagem do meu sonho. Sabia que seria difícil recuperar dois grandes investimentos juntos, mas disse ao Jaime “acho que já tenho direito a ter um sonho”. E comprámos. Dos Verdes já temos vinhos no mercado. Do Douro já vendemos uvas, sendo a maioria de Letra A, e também já temos vinho mas está a estagiar, numa adega alugada.

Está na calha mais algum investimento noutra região?

 Não. Não se pode dizer “nunca”, mas agora temos de sedimentar e consolidar estas regiões. Os vinhos têm de ser conhecidos, temos de os vender… mas estou muito feliz pelas duas regiões. São muito diferentes da Península de Setúbal, e entre si, e complementam o portfólio.

Que importância tem ou pode vir a ter o turismo do vinho na Casa Ermelinda Freitas?

 Pode vir a ter muita importância. Já tem. Estamos perto de Lisboa e também das praias, zonas turísticas como Tróia, Comporta, todos esses polos que se vão desenvolvendo. O enoturismo é um complemento aos outros tipos de turismo. Neste momento temos isso em pausa, por causa da pandemia, mas iremos reabrir. Temos ideia de fazer parcerias com Tróia e Comporta, e estávamos a planear um investimento aqui, nesse sentido. A nossa adega está preparada para mostrar tudo, e o enoturismo é também uma maneira de fidelizar o cliente e valorizar o mundo rural.

Tem dois filhos a trabalhar na empresa que foi fundada pela sua bisavó, há precisamente 100 anos. Em que medida uma casa de vinhos assente numa base familiar é diferente das outras?

 Não sei se é muito diferente, mas a verdade é que quem vem trabalhar para aqui vindo de multinacionais, por exemplo, nota a diferença. Somos muito próximos, das revoluções e dos problemas. Vivemos todos aqui, sabemos tudo o que se passa, os colaboradores são como nossa família. Conhecemos todos os pormenores, temos muita facilidade em resolver problemas no imediato, ou de facilitar uma resolução, de sentirmos o que se está a passar em todos os sectores.

Trabalhamos lado a lado e isso é diferente de uma empresa em que os funcionários mal conhecem o patrão. A porta dos nossos gabinetes está sempre aberta para todos entrarem. Há muita ajuda e sabemos todos que podemos pedir ajuda. Este afecto faz um conjunto harmonioso e forte.

As mulheres sempre tiveram um papel fundamental na empresa, mesmo em épocas remotas em que isso era pouco habitual. Hoje, a Leonor é, provavelmente, a mulher mais influente no sector do vinho em Portugal e é muitas vezes solicitada a contar a sua experiência de vida. Sente que é um exemplo enquanto mulher/empresária ou preferia que a distinguissem pelo seu valor e pelo seu trabalho e por aquilo que atingiu, independentemente do sexo?

 Não há profissões para homens e para mulheres, há as pessoas certas nos sítios certos. É verdade que me pedem muito para falar sobre isso e eu termino sempre a dizer isso. Aqui tenho mulheres e homens a trabalhar, todos escolhidos pelo empenho. Por acaso, tenho grandes mulheres aqui, mas porque se têm mostrado muito lutadoras na hora de tentar entrar num estágio, por exemplo. E como a casa está sempre a crescer e acompanham muito bem esse crescimento, acabam por ficar. Mesmo a nível familiar, é uma pura coincidência.

A minha bisavó ficou viúva muito cedo, conseguindo aguentar uma casa agrícola, a minha avó também e era uma mulher cheia de força, que não queria férias nem descanso, que se impôs pelo seu trabalho. À minha mãe aconteceu o mesmo e eu… foi muito trabalho, muita dedicação e, sobretudo, rodear-me das pessoas certas. Cada vez mais acho que a igualdade no trabalho vai ser afirmada. Antes, as mulheres não faziam mais porque não as deixavam, mas sempre tiveram todas as faculdades.

 

“Sinto uma grande responsabilidade de valorizar o trabalho do campo, dignificá-lo.”

 

Que mensagem gostaria de deixar a um jovem produtor ou produtora que agora inicia os seus passos no mundo do vinho?

 O vinho, neste momento, está muito na moda, é quase lírico. Mas, atenção. Não é fácil começar, há muita concorrência, muito vinho. A pessoa, se gosta, não pode desistir, e a formação é muito, muito importante. Pensar, sobretudo, que o vinho não é para nós, que o fazemos, é para alguém que vai comprar, o consumidor. É um negócio, uma profissão como as outras.

Vender vinho não é fácil, como muita gente pensa. Para mim, basta mudar de região para sentir dificuldades. Tem de se ter amor pela terra, pelo fruto que ela dá, amor pelo próprio vinho e lutar. Quem nos dera que muitos jovens agricultores, ou viticultores, venham dar continuidade a este sector, que precisa deles, com garra, sabedoria e inovação. Tudo para que possamos continuar a ter este grande produto que é o vinho de Portugal.

( Artigo publicado na edição de Setembro 2020)[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”default”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/3″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

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Sugestão: O movimento rosa

sugestão rosés

Provámos rosés provenientes do norte, centro e sul, litoral e interior do país, passando pelas ilhas. Por todo o território novos vinhos emergem, lado a lado com aqueles que foram pioneiros. Vinhos sérios, ambiciosos, diferentes, num movimento rosa apaixonante. Aqui fica uma vintena de sugestões menos óbvias, para partir à descoberta. TEXTO Nuno de Oliveira […]

Provámos rosés provenientes do norte, centro e sul, litoral e interior do país, passando pelas ilhas. Por todo o território novos vinhos emergem, lado a lado com aqueles que foram pioneiros. Vinhos sérios, ambiciosos, diferentes, num movimento rosa apaixonante. Aqui fica uma vintena de sugestões menos óbvias, para partir à descoberta.

TEXTO Nuno de Oliveira Garcia

Apesar do tempo que levamos a compilar selecções anuais de rosés, a verdade é que a cada ano somos surpreendidos com novos vinhos. De néctar de nicho e aposta pessoal de produtores de vanguarda – casos de Dirk Niepoort (‘Redoma’), Domingos Soares Franco (‘Coleção Privada Moscatel Roxo’), Júlio Bastos (‘Dona Maria’) e, mais recentemente, Ravasqueira (‘Premium’) e Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo (agora só com uma referência, tendo sido suprimido o Reserva) – o vinho rosé de perfil sério e elegante passou a modelo quase obrigatório numa gama. O exemplo mais acabado desta tendência é a empresa Wine & Soul que lança agora, na gama Manoella, precisamente um rosé para completar o branco e os tintos desta magnífica propriedade duriense. O mesmo tinha acontecido com a Quinta da Pacheca que lançou também um rosé reserva ambicioso não há muito tempo, fechando o seu portefólio de vinhos. 

A cada ano somos também surpreendidos pelas novidades das regiões cuja aposta num rosé de qualidade é particularmente levada a sério, seja pela sua frequência e ocupação turística, seja por uma inata propensão para este tipo de néctar vínico. Casos notórios do Algarve e dos Açores que contribuem com duas referências cada para a nossa lista. Com efeito, a procura de vinhos leves e frescos por parte de clientes internacionais faz com que os rosés sejam uma seleção quase natural, em especial para o produtor tipo algarvio que invariavelmente esgota os seus rosés poucos meses depois de os ver lançados no mercado. A par das indicadas na nossa selecção, ambas estreias absolutas, diga-se, destacamos ainda as marcas algarvias Cabrita e Quinta do Barranco Longo (o mais interessante é a versão ‘Oaked’), cujos produtores levam já várias colheitas de experiência.

sugestão rosésNa região do Tejo, de enorme projeção nos mercados internacionais, há muito que se levou a sério os seus rosés gulosos e atractivos, propícios para a exportação e não só, aspecto bem visível em produtores como Quinta da Lagoalva de Cima, Quinta da Alorna, Fiuza, Casal Branco, e até no irreverente Areias Gordas. Outra região muito bem-sucedida, e também na exportação, é o Alentejo, região que nos últimos anos tem vendido um valor próximo de 2,5 milhões de garrafas de rosés, e apenas nos referimos aos vinhos certificados. Marcas como Lima Mayer (sempre num registo estruturado) e Alento (Luís Louro/Monte Branco), bem como Herdade do Rocim (Rocim) e Paço do Infantes, estes dois últimos feitos a partir de Touriga Nacional, são referências deliciosas e obrigatórias.

Mais a norte, no Douro, o preço elevado do quilo da uva, em especial da Touriga Nacional, e a atenção maioritária dada a tintos (DOCs e Portos), fez com que durante muitos anos os rosés fossem tudo menos uma prioridade. Até há bem pouco tempo, para o protótipo produtor duriense, os rosés eram um vinho desinteressante e que não prestigiava a região (nada de mais errado, todavia). Tudo isso tem vindo mudar, com rosés cada mais ambiciosos e sedutores que em vez de desabonar a região, abrem-na a novos clientes. A par dos selecionados abaixo, vinhos como ‘Redoma’, verdadeiro pioneiro, ‘Vinha Grande’, ‘Vallado Touriga Nacional’, ‘Quinta Nova’, ‘Avidagos Reserva’ são óptimas compras.

Em busca da frescura

Mas quanto a regiões, a verdade é que existem terroirs mais propícios a rosés que outros… É certo que, como desenvolveremos adiante, um bom rosé é, sobretudo, um vinho feito na adega e vindimado na altura perfeita para obtermos um vinho gracioso e leve. Sucede, que existem regiões no nosso país que, sobretudo pelo seu clima, propiciam a produção de néctares muito frescos e de acidez vibrante. Neste domínio, as regiões atlânticas de Lisboa e da Bairrada ganham destaque, sendo que desta última vêm vários dos melhores rosés nacionais, como sejam ‘Aliás de Outrora’ (João Soares e Nuno Mira do Ó), ‘Giz’ (Luis Gomes, o fundador de um dos mais excitantes projetos da região), ‘Quinta do Poço do Lobo Reserva’ (Caves S. João) ou, mais recentemente, ‘Buçaco’ (Alexandre de Almeida) e ‘Casa de Saima’ (Graça da Silva Miranda), quase todos com recurso à casta Baga e/ou Pinot Noir. Também o exclusivo ‘Principal Tête de Cuvée’ – uma estrela no firmamento nacional de rosés, como atesta a nota na nossa seleção – é bairradino e 100% feito de Pinot Noir, com última edição ainda no mercado a ser a de 2010 (mas atenção, a segunda marca é igualmente de qualidade, de nome ‘Colinas’ cujo último rosé no mercado é de 2015).

Menos atlântica, mas ainda temperada e com alguma altitude, a região do Dão apresenta também um número significativo de bons rosés, casos do Quinta do Perdigão, Fonte de Ouro, Quinta de Lemos ‘Nélita’, ‘Elpenor’, entre outros. Um dos vencedores do nosso painel, ‘Tirados a Ferro’, provém precisamente da região, no limite sul, no terroir de Midões, outrora famoso pelos brancos. Um aviso: trata-se apenas de uma barrica (o que deveria ser “proibido” até, dada a escassez!) e o preço escalda… Quanto a castas, são várias na região a permitem a criação de vinhos elegantes e florais, como seja a Touriga Nacional, o Alfrocheiro e a Tinta Roriz, e a temperatura média – mais fresca que outras regiões vizinhas – ajuda no perfil elegante. 

sugestão rosésPor falar em castas, é notório que o actual perfil de rosé de gama alta privilegia uvas que proporcionam cor clara, aroma e prova de boca delicados, e com boa acidez. A casta Baga é daquelas que consegue preencher todos esses requisitos com relativa facilidade e, por isso, não espanta os bons resultados que almeja em rosé. Mais a norte, a casta Espadeiro é utilizada pela mesma razão, assim como a Negra Mole no Algarve, casta na qual cada cacho tem uvas em diferentes estados de maturação e cor. A omnipresente Touriga Nacional, quando vindimada cedo, contribui com os seus aromas florais muito elegantes, a Tinta Francisca apresenta cor aberta e fruto bonito, e a uva francesa Pinot Noir – com pouca cor, fruto elegante e por vezes fresco e subtil – também funciona bem, sobretudo em terroirs atlânticos. 

Já que nos referimos a castas francesas, nos solos calcários e barrentos do sul de França – regiões de Bandol, Bergerac, Corbière – vingam as uvas Mourvèdre, Cinsault e Carignan. Alguns dos melhores produtores de rosé do mundo produzem precisamente na Provence os seus vinhos que são vendidos um pouco em todo o mundo como produtos sofisticados que são. Já no Ródano – regiões de Tavel e Lirac – é a Grenache que reina também nos rosés, e um pouco por todo o país a Syrah faz parte de lotes de rosés conceituados, tal como sucede no nosso país. A fruta encarnada do Aragonez/Tinta Roriz também proporciona, sobretudo em lotes, rosés de muito bom nível no nosso país, e o mesmo sucede em Espanha, na versão Tempranillo, sendo que o mercado espanhol tem sido palco de uma autêntica revolução rosa nas últimas três colheitas. Com efeito, depois de anos a privilegiarem tintos concentrados e maduros, os produtores espanhóis viraram-se para produtos mais leves e frescos, sendo a aposta em rosés de qualidade uma consequência natural dessa evolução. 

Criar ambição

A regra é, portanto, evitar utilizar castas rústicas e com muita cor, como seja as francesas Alicante Bouschet, Petit Verdot, Grand Noir, a georgiana Saperavi ou a lusitana Vinhão. A uva Cabernet Sauvignon, salvo exceções, também não é uma das preferidas para rosé, sobretudo pelas notas vegetais que pode aportar ao lote final e pela quantidade de antocianinas na película que tingem significativamente o líquido (por isso, aliás, não há hábito de fazer brancos de Cabernet…). Uma alternativa à utilização exclusiva de castas tintas passa pela inclusão de uvas brancas no lote final, solução que em Portugal foi seguida pelo conhecido produtor Soalheiro misturando Pinot Noir e Alvarinho, com a versão de 2019 a ser talvez a mais bem conseguida até hoje. Outros produtores nacionais também incluem uma pequena parte de vinho branco nos rosés, mas não o referem nos rótulos ou contrarrótulos. Mais assumida é a política de utilização de borras de vinho branco na elaboração de rosés sempre com belíssimos resultados, contribuindo tanto com cremosidade como com acidez crocante para o vinho final. Na verdade, existem nos rosés de topo de gama com tendências comuns evidentes, como seja a utilização de bica aberta (evitando-se a sangria de tintos) e a fermentação (em parte ou totalmente) em barrica.

Tal como escrevemos no passado, um dos maiores desafios dos rosés em Portugal é ser levado a sério enquanto vinho, e ser vendido um preço relativamente alto. Em todo o caso, como a nossa selecção demonstra, já são vários os rosés em Portugal acima de 10€ e mesmo de 20€. Em França, os melhores produtores (não necessariamente os mais famosos…) – como seja Domaine Hauvette Domaine de Terrebrune ou Clos Cibonne –, raramente ultrapassam o preço de €30 a garrafa, e o mesmo sucede com os melhores rosés espanhóis como ‘Pícaro del Aguilla’ (que na verdade é um clarete), e ‘Viña Tondonia Gran Reserva’ (Lopez de Herédía), este um pouco mais caro e vendido sempre com mais de 5 ou 6 anos a contar da vindima. Nos Estados Unidos da América, aí sim, a moda de rosés explodiu faz já alguns anos fazendo com que seja difícil encontrar um topo de gama abaixo de $50, sobretudo se constar da famosa lista dos 100 melhores vinhos do mundo…

sugestão rosésOutro desafio é a definição do conceito ou tipo de rosé, sempre que falamos de um néctar topo de gama. Será um rosé de guarda, gastronómico ou de terroir? De terroir é mais difícil de concordar, pois não só se produzem bons rosés em todo o território nacional, como os rosés são, por regra, menos marcados pelas nuances e diferenças entre regiões do que brancos e tintos. A explicação para esse fenómeno reside no facto de as uvas serem colhidas muito cedo (por vezes mais cedo do que as uvas brancas), bastante antes de a maturação fenólica estar completa. Por outro lado, como as uvas são vindimadas cedo, as temperaturas altas e a perda de acidez típicas das regiões mais a sul não costumam ser um problema. Isso faz com que o líquido, quase sempre lágrima apenas, seja muito leve e fresco, mas relativamente indiferenciado e incaracterístico quando à casta ou ao solo… Na verdade, um bom rosé depende mais dos cuidados e exigências na (data da) vindima e na adega do que do ano agrícola ou das particularidades de uma região. Mas este facto em nada deve afastar o consumidor deste tipo de vinho, muito pelo contrário. A razão de termos cada vez melhores rosés portugueses é o maior nível de profissionalismo por parte de produtores e enólogos no nosso país. Paralelamente, a razão de termos cada vez mais e diferentes rosés é o consumidor cada vez estar mais esclarecido e sem preconceitos. Não queira ficar de fora…

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Vinhos Leves: Quando o simples sabe bem

vinhos leves

Os Vinhos Leves, na região de Lisboa, surgiram no século passado, por necessidade, devido à viticultura da época. Hoje, a categoria solidifica-se nos vinhos regionais e é representada por vinhos aromáticos, leves, descomplicados, perfeitos para usufruir nestes dias mais quentes. TEXTO Valéria Zeferino O mundo já conhece vinhos com este perfil há muito tempo, basta […]

Os Vinhos Leves, na região de Lisboa, surgiram no século passado, por necessidade, devido à viticultura da época. Hoje, a categoria solidifica-se nos vinhos regionais e é representada por vinhos aromáticos, leves, descomplicados, perfeitos para usufruir nestes dias mais quentes.

TEXTO Valéria Zeferino

O mundo já conhece vinhos com este perfil há muito tempo, basta lembrar os Rieslings da Alemanha na sua versão mais simples. A existência dos vinhos leves na região de Lisboa deveu-se, inicialmente, à dificuldade de amadurecimento das uvas, associada a vários factores como a forte influência atlântica e humidade elevada, sobretudo em certas zonas menos protegidas; e também solos férteis e castas menos nobres e altamente produtivas, incluindo alguns híbridos, criados na Estação Agronómica de Dois Portos na década de 1950.

Os mostos com um teor alcoólico baixo, que não chegavam aos 11% fixados como o limite mínimo para os vinhos “comuns”, obrigavam os produtores fazer lotes com outros vinhos de maior graduação, ou simplesmente adicionar álcool ou aguardente vínica. Para resolver esta questão, o Ministério da Agricultura através da Portaria 547/85 de 6 de Agosto, autorizou a produção de vinhos de grau mais baixo, devendo estes conter na rotulagem a menção “vinho leve” ou “baixo grau”. Esta medida, na altura, não estava relacionada com a região de produção.

vinhos levesMais tarde, com a Portaria n.º 351/93 de 24 de Março, a menção tradicional “Leve” ficou associada, em exclusivo, às regiões de Lisboa (antiga Estremadura) e Tejo (antigo Ribatejo). A menção destinava-se a vinhos regionais com grau até 10% e acidez mínima de 4,5g/l. Devido à evolução das condições edafoclimáticas da região de Lisboa, em 2018 o limite máximo do título alcoométrico volúmico adquirido do vinho com direito à menção Leve foi aumentado em 0,5% até os 10,5%.

O primeiro Vinho Leve Regional Estremadura foi produzido sob a marca Sôttal pela Companhia Agrícola do Sanguinhal e, segundo o seu director comercial Diogo Reis, queria dizer “eu sou o tal” do Sanguinhal. A marca já existia antes, desde os anos 20 e 30 do século passado, sendo utilizada para diversos vinhos. 

Inicialmente, os Vinhos Leves eram brancos e tintos. O tempo e as preferências do mercado vieram a corrigir o estilo. Enquanto os se tintos procuram encorpados, os rosés começaram a ganhar terreno.

De acordo com os dados da CVR Lisboa “o crescimento exponencial das vendas nos últimos 5 anos (duplicaram, chegando em 2019 a 56 milhões de garrafas), em especial dos vinhos tintos que representam 75% da produção da região, levou os produtores, a orientarem as suas produções de tintos para vinhos “não leves”.

Ao mesmo tempo “as preferências dos consumidores e a própria avaliação dos críticos de vinho que reconhecem no branco leve e rosé leve uma mais valia qualitativa, o mesmo não sucedendo com o tinto”, levaram os produtores a fazer as suas escolhas a favor de brancos e rosés.

Dos 126 engarrafadores de vinhos de Lisboa presentes actualmente no mercado, cerca de 20 produzem Vinho Leve. As vendas de Vinho Leve têm-se mantido estáveis ao longo dos anos, variando entre 2 e 3 milhões de garrafas por ano. A maior parte é comercializada nas grandes superfícies (80%), tendo também uma boa presença na restauração local e alguma exportação. 

O Presidente da CVR Lisboa, Francisco Toscano Rico, nota que o volume de produção e consequentemente das vendas, está fortemente condicionado pelas condições climatéricas, sendo que o aumento das temperaturas leva a que cada vez seja mais difícil produzir mostos com um grau alcoólico tão baixo.  Ou seja, o potencial produtivo desta categoria de vinho está logo à cabeça condicionada pela própria natureza, não se perspectivando que no futuro este cenário se venha a inverter. 

Ao mesmo tempo, nota-se uma melhoria substancial no nível qualitativo destes vinhos, contribuindo para isso a vindima no momento certo e a escolha de castas mais nobres. O próprio branding tem melhorado muito entre alguns produtores que apostam neste segmento, com rótulos que comunicam muito bem a ideia de “vinho leve”, transmitindo a sua essência na imagem. 

Como se faz um Vinho Leve?

Os vinhos leves muitas vezes são feitos de castas aromáticas, como Moscatel Graúdo ou Fernão Pires, se bem que esta última é mais difícil de colher atempadamente, com teor alcoólico mais baixo. 

Miguel Móteo, enólogo da Companhia Agrícola do Sanguinhal, conta que na utilização de Moscatel esta casa foi uma das primeiras. Na região de Lisboa, a casta é bastante produtiva o que leva a nunca atingir os valores elevados de maturação em termos de açúcar, mantendo-se nos níveis de 9-10%. O facto de ser vindimado mais cedo, penaliza um pouco a parte aromática, o que é compensado pela maceração com películas. Diz que quando se fermenta o Moscatel, “a adega parece um laboratório de perfume”. O Moscatel contribui com 50% do lote e para o Vinho Leve vindimam as uvas de certas parcelas, pois do outro lado da Serra de Montejunto já é mais quente e as maturações sobem. O Arinto amadurece lentamente e mantém a frescura. Entra com 40% e na altura da vindima para Vinho Leve tem 8 g/l de acidez. Vital é uma casta com mais corpo. Matura bem e desidrata facilmente devido à pelicula fina. É melhor para os vinhos DOC, por isto só entra em 10% no lote.   

vinhos leves

Carlos Nicolau, da Casa Agrícola Nicolau confessa que a casta Moscatel não foi a primeira opção. Aconteceu mesmo uma história engraçada. Como muitas casas agrícolas na chamada “região Oeste”, a Casa Agrícola Nicolau também tem produção frutícola. Plantaram a casta Moscatel, que também é apreciada como uva de mesa, a pedido de um parceiro seu. Mas só se conseguiu vender uma vez, pois as uvas eram pouco doces. A partir daí, foram redireccionadas para produzir o vinho leve (e com sucesso) já há cerca de 20 anos. 

Outras castas da região, como Arinto, Malvasia Rei, Jampal, Seara Nova, Vital, Tamarez e outras também entram nos lotes de acordo com a preferência de cada produtor.

O vinho é feito como se fosse uma base para espumantes: fermenta até ficar seco e depois acrescenta-se o mosto concentrado para o fazer ligeiramente mais doce. O nível de doçura não está indicado pela regulamentação e fica à consideração do produtor. Costuma variar entre 10 e 17 g/l, compensados e equilibrados pela acidez sempre bem elevada.

É óbvio que com o grau de álcool baixo e com açúcar residual, o vinho tem de ser bem estabilizado microbiologicamente através de processos térmicos, filtrações rigorosas e adições de conservantes como DMDC ou sorbato de potássio para evitar o crescimento de microorganismos. Cabe ao produtor adaptar a técnica mais adequada para o seu caso.  

Os Vinhos Leves não são todos iguais. Para além das castas utilizadas, com ou sem maceração pelicular, varia o nível de acidez, a sensação de gaseificação (no Mundus nota-se muito menos, do que no Solar da Marquesa, por exemplo, onde as bolhas vão subindo do fundo do copo a lembrar um espumante). A maior parte dos vinhos fermenta em cubas de inox, mas o Mundus Evolução da Adega da Vermelha tem um toque de madeira para conferir alguma complexidade ao vinho.

3 razões para repensar o Vinho Leve

Um vinho que abre o caminho para o mundo dos vinhos

Este tipo de vinho faz muito mais pelo vinho do que possamos pensar. É uma alternativa a refrigerantes e até à cerveja junto dos consumidores na faixa dos 20+ anos. É uma introdução ao mundo do vinho, mais adaptada ao paladar mais jovem. Há quem não goste de cerveja por ser amarga, mas um vinho simples, aromático, com uma ligeira doçura e um bocadinho de gás até vai muito bem. Não é um vinho que obrigue a um grande exercício sensorial, mas cumpre a sua missão de ser agradável e proporcionar um momento de socialização, quando é bem-feito e servido bem fresco à volta de 8-10˚C. É um vinho também leve para carteira, não ultrapassando os €4 PVP, e também acessível na restauração.

Um vinho adequado para uma vida saudável

Tem uma gradução alcoólica mais baixa do que os vinhos “não leves”, não ultrapassa os 10,5%, situando-se maioria dos Vinhos Leves entre os 9 e 10%, o que o torna bem menos calórico do que o habitual.

Um vinho flexível que desafia preconceitos

Gostar de vinho não é só beber vinhos caros de produtores famosos ou mais bem pontuados. Um verdadeiro enófilo não marginaliza nenhum tipo de vinho e sabe beber um vinho adequado a contextos diferentes. Quando vamos à praia, levamos um fato de banho e não um vestido de noite ou smoking. Numa esplanada junto à piscina quem consegue apreciar devidamente um Porto Vintage, por exemplo? O Vinho Leve parece que foi desenhado para estes momentos descontraídos e de socialização.

O Vinho Leve à mesa

Sendo leves e equilibrados, tornam-se autosuficientes numa esplanada ao pé da praia ou piscina. Ideal para uma conversa descontraída, fazem companhia sem atrair muita atenção. Entretanto, podem acompanhar umas entradas simples, como umas tostas barradas com um paté, humus ou guacamole, sushi ou marisco. Uma pizza havaiana que inclui pedaços de ananás é outra aposta segura. Comida indiana ou chinesa, que contém especiaria ou alguma doçura no sabor funciona sempre muito bem.

Não foram encontrados produtos correspondentes à sua pesquisa.

Artigo da edição nº40, Agosto 2020

Anselmo Mendes: “Vinho Verde é a grande região de brancos de Portugal”

Anselmo Mendes

Anselmo Mendes é um nome muitíssimo respeitado junto de apreciadores e críticos nacionais e estrangeiros e, talvez mais significativo ainda, entre os seus pares, enquanto produtor e enólogo. Conhecedor profundo do sector do vinho, tem uma visão clara e objectiva sobre as suas múltiplas vertentes, da viticultura à enologia, passando pela economia, identidade regional ou […]

Anselmo Mendes é um nome muitíssimo respeitado junto de apreciadores e críticos nacionais e estrangeiros e, talvez mais significativo ainda, entre os seus pares, enquanto produtor e enólogo. Conhecedor profundo do sector do vinho, tem uma visão clara e objectiva sobre as suas múltiplas vertentes, da viticultura à enologia, passando pela economia, identidade regional ou modelos de sustentabilidade. Falámos de tudo um pouco com o “senhor Alvarinho”, sem esquecer, é claro, o tema que mais mexe com ele: a Quinta da Torre e a região de Monção e Melgaço.

TEXTO Luís Lopes
FOTOS Hugo Pinheiro

AS ORIGENS

Nascido numa família de agricultores, a lavoura, a vinha, o vinho, eram para ti uma inevitabilidade? Alguma vez equacionaste seguir outro caminho?

Por um lado, era inevitável, pois em criança o meu sonho era ser agricultor. Contrariamente aos jovens da minha geração que queriam fugir da agricultura, e para quem trabalhar na construção civil já era ter mais estatuto. O meu fascínio pela forma como as plantas cresciam e se comportavam levou-me a decidir bem cedo rumar a Lisboa para estudar Agronomia.

Realmente, até poderia ter ido para medicina, mas ser agrónomo era o objectivo. E foi em Agronomia que o meu interesse pelos vinhos cresceu e me levou a escolher Agroindústrias e todas as disciplinas opcionais relacionadas com Enologia.

Como era a vinha e o vinho em Monção e Melgaço na segunda metade dos anos 80, quando concluíste a tua formação académica? Nessa altura pensavas em voltar para a origem?

Na segunda metade dos anos 80, a área de vinha da casta Alvarinho não chegava a um terço da actual. Havia muito mais minifúndio e um fraco conhecimento sobre as mais adequadas formas de condução da vinha. O vinho engarrafado com alguma notoriedade estava confinado à Adega Cooperativa de Monção e ao Palácio da Brejoeira que eram, na verdade, as locomotivas da casta Alvarinho. 

Nessa altura tive um convite para trabalhar na sub-região e não aceitei, pois não estava preparado para tal e tinha acabado de entrar para uma empresa, a Sociedade dos Vinhos Borges, onde pensava aprofundar os conhecimentos sobre vinhos.

A tua primeira relação profissional a sério foi intensa e duradoura: dez anos na Borges, assumindo a viticultura e enologia de uma das maiores empresas do sector. Quais os principais ensinamentos que recolheste dessa experiência?

Em primeiro lugar aprendi o que é a cultura de empresa, sua missão e valores. Desenvolvi projectos de vinhas, de adega e mesmo trabalhos científicos e experimentais em colaboração com Universidades. Mas muito importante foi trabalhar em equipa com multidisciplinaridade, onde entravam para além da área técnica, as áreas comercial, marketing,  gestão e financeira.

Conheci grandes profissionais, administradores vindos das mais diversas áreas e também fiz muitos amigos. Costumo dizer que a Borges foi uma grande escola, onde também se aprende aquilo que não se deve fazer.

“Uma vinha sustentável deve ter excelente relação produção/qualidade para que possa também ser sustentável economicamente.”

©Hugo Pinheiro

Para além do trajecto na Borges, enquanto consultor ajudaste a criar, de raiz, projectos vitivinícolas de grande notoriedade, como o da Quinta da Gaivosa, um dos pioneiros do Douro moderno. Que desafios se colocavam a quem, em 1991, queria fazer uma empresa centrada no vinho do Douro numa região quase exclusivamente orientada para o vinho do Porto? 

Os meus três primeiros anos de Borges foram intensos. Estudava e experimentava tudo o que era tecnologias de vinificação e confesso que tinha bases sólidas de Química, Microbiologia, Bioquímica, Fisiologia, etc. Tive a felicidade de frequentar cursos de formação profissional em Bordéus, fiz pós-graduação em Enologia, e na Viticultura bebi durante muitos anos os ensinamentos do Professor Rogério de Castro.

O desafio na Quinta da Gaivosa era fazer ensaios no quase desconhecido, ainda por cima no Baixo Corgo, na época considerado de baixo potencial vínico. Na altura já dominava razoavelmente a utilização do frio e do calor, a extracção selectiva e a utilização de estágio em barricas e isso foi-me muito útil. Na Gaivosa, foram 22 anos a seleccionar parcelas, estudar pontos óptimos de maturação, afinar vinhos pela elegância. Aprendi muito e dei muito de mim e do meu conhecimento. Tenho imenso orgulho em ter ajudado a construir um projecto que foi, e é, marcante para o Douro.

A tua actividade de consultoria levou-te a trabalhar em quase todas as regiões vinícolas de Portugal. Quais foram aquelas que mais te surpreenderam, revelando qualidades que não esperavas? 

Numa primeira fase, final dos anos 80, princípio dos anos 90, o Douro surpreendeu-me pela diversidade, em relação às vinhas velhas, às diferentes altitudes e exposição. Lembro-me bem de conversas com Jorge Dias [ex-professor na UTAD e actual director geral da Gran Cruz] em que dizíamos convictamente que teria de haver uma revolução no Douro DOC, o Douro “não Porto”. Felizmente ela aconteceu e está para durar. No ano de 1998 foi lançado o projecto Lavradores de Feitoria onde participei na execução e no primeiro ano de enologia. Dirk Niepoort mostrou interesse em alguns vinhos destas quintas e a administração ligou-me preocupada porque não sabia o que fazer. Então disse-lhes: isso é muito bom! Convidem-no para accionista. E assim aconteceu.

Na primeira metade dos anos 90, o Dão fez-me pensar. A cada ano era surpreendido, percorria a região com o saudoso Magalhães Coelho [enólogo que apoiou muitos vinhos de quinta no Dão], homem de muita sensibilidade e saber. Alguns vinhos que encontrávamos eram de tal finura e elegância que influenciei a Borges a comprar a Quinta da Aguieira. Mais tarde, em 2004, iniciei uma experiência própria no Dão, em S. João de Areias, e em 2015 apostei na Quinta de Silvares onde os vinhos mostram elevado potencial. Mas isto só não chega e no final de 2019, em conversa com o amigo Luis Abrantes, dono da Quinta da Alameda (onde cheguei a comprar vinhos para a Borges), decidimos fazer uma parceria no sentido de transformar a Alameda numa marca de referência do Dão. Acho que desta vez o Dão vai finalmente assumir uma importância relevante no meu trabalho. 

“Boas vinhas com floresta precária, é um modelo que não garante equilíbrio nem ordenamento paisagístico.”

E que regiões achas que estão ainda longe de expressar todo o potencial que têm guardado?

Sem dúvida alguma, Beira Interior e Trás os Montes. São regiões com muitas vinhas velhas de alta qualidade, intervenção mínima, castas desafiantes e diferenciadoras…têm tudo para dar certo.

Escolhe uma ou duas castas para cada região onde trabalhas ou trabalhaste: Douro, Vinho Verde, Monção e Melgaço, Alentejo, Dão, Beira Interior, Bairrada, Lisboa, Açores.

Douro: Touriga Franca e Tinta Amarela; Vinho Verde: Loureiro e Avesso; Monção e Melgaço: Alvarinho e Alvarelhão; Alentejo: Alicante Bouchet e Arinto; Dão: Touriga Nacional e Encruzado; Beira Interior: Síria e Rufete; Bairrada: Baga e Cercial; Lisboa: Viosinho e Cabernet Sauvignon; Açores (Terceira): Verdelho e Verdelho Roxo.

©Hugo Pinheiro

A VITICULTURA 

Os enólogos da geração anterior à tua raramente sujavam as botas na vinha. Tu tens com a viticultura uma relação muito estreita e até, diria, invulgar, em termos de conhecimento e comprometimento. Dizer que o vinho nasce na vinha é dizer o óbvio, mas, no teu caso, qual o verdadeiro significado dessa expressão? 

O vinho nasce bem na vinha desde que se cumpra um conjunto de requisitos: fazer a escolha certa do terreno; escolher as castas/porta enxerto adaptadas e a densidade adequada às condições de solo e clima; criar condições para eficiente colonização subterrânea e aérea; fazer a gestão do vigor, fertilização e intervenção em verde; trabalhar o arrelvamento e melhoria da estrutura do solo; regular a produção em função do vinho pretendido; avaliar as parcelas e sua diferenciação; fazer a triagem dos cachos na vinha e não na adega. Ou seja, o vinho nasce bem na vinha se dominarmos por inteiro as operações vitícolas e juntarmos um pouco de “feeling”…

A viticultura sustentável está hoje na ordem no dia, recolhendo a atenção de produtores e consumidores, mas muitas vezes colocando no mesmo saco coisas distintas: sustentabilidade, orgânico, biodinâmico, etc. O que é, para ti, uma vinha sustentável e amiga do ambiente?

Desde logo, sustentável é uma vinha que, na sua concepção, tenha no mínimo 10% de matas com árvores de folha persistente e caduca. Uma vinha sustentável terá de seguir um modo de produção que preserve e melhore a estrutura do solo (produção integrada em regiões mais atlânticas e, se for viável, orgânico em clima continental e altitude). Deve ser adoptada rega com o objectivo de uma forte e profunda colonização subterrânea pelas raízes, de modo a poupar água no futuro, dar maior estabilidade à planta e proporcionar frutos de maior equilíbrio e qualidade. 

Uma vinha sustentável deve minimizar o uso de fitofármacos, adoptando a prevenção por métodos integrados de avaliação online dos riscos de doenças. Deve ser utilizado arrelvamento para melhorar a estrutura do solo e fertilização recorrendo a consociação de gramíneas e leguminosas, minimizando o uso de adubos químicos. Os herbicidas devem ser evitados ou limitados a uma pequena faixa na linha. Finalmente, uma vinha sustentável deve atingir excelente relação produção/qualidade para que possa também ser sustentável economicamente. Só faz viticultura sustentável quem dominar o conhecimento agronómico e tenha consciência ecológica, social e económica. 

“Se a sub-região de Baião fizesse parte da região do Douro, hoje seria o terroir de excelência dos brancos durienses…”

No caso concreto do Vinho Verde, como avalias as mudanças ocorridas na viticultura ao longo da última década? Quais os aspectos positivos e negativos? E que modelo defendes para a viticultura do futuro da região? 

Na região dos Vinhos Verdes, a grande maioria das mudanças ocorridas nos últimos 10 anos foram sem dúvida positivas: a área média da vinha aumentou, as castas plantadas estão bem adaptadas, o melhoramento genético destas é evidente e a condução e intervenção em verde melhorou. Um ponto negativo, é o assentar dos tintos da região numa única casta: o Vinhão. 

Defendo os aspectos acima referidos para a sustentabilidade futura da viticultura dos Vinhos Verdes. Mas há um ponto fundamental: a paisagem envolvente das vinhas tem de melhorar. Boas vinhas com floresta precária, é um modelo que não garante equilíbrio nem ordenamento paisagístico. A nossa floresta, a floresta da região Vinhos Verdes, é um desastre!!!

©Hugo Pinheiro

Nas várias regiões onde trabalhas deparas-te com muitas variedades de uva, castas tradicionais, castas portuguesas que vieram de outras regiões e castas internacionais. Em todo o mundo há regiões “fechadas” e regiões “abertas” nesta matéria. Como encaras esta questão? Tens uma posição genérica ou cada caso é um caso?

Em Portugal, o nosso conhecimento das regiões e dos vinhos ainda não atingiu a maturidade. Ainda continuamos à procura do perfil certo. Temos um problema que só o tempo resolverá: aumento do preço médio que permita remunerar bem a fileira do vinho. A partir daí, poderemos serenamente construir perfis de vinho com originalidade baseados na diversidade e adaptabilidade das nossas castas. De uma forma global temos de encontrar para cada região um perfil próprio que seja competitivo internacionalmente pela originalidade. Por vezes, a demasiada diversidade de castas e estilos dentro de cada região torna-nos pouco competitivos. 

Desde há muito que investigas, experimentas e fazes vinho com a casta Alvarelhão. Muitos consumidores ouviram falar nela pela primeira vez através dos teus vinhos. O que é que vês no Alvarelhão?

O Alvarelhão ou Brancelho não é uma casta fácil na vinha ou na adega. Tem tendência ao desavinho e é muito sensível ao míldio e oídio. Na adega, apanha com facilidade aromas redutores. Mas tem atributos muito positivos: um grande equilíbrio ácido, taninos finos e aromas elegantes e distintos. Aceita com classe o estágio em barricas de carvalho francês e envelhece muito bem em garrafa. É uma casta de que gosto mesmo muito.

A uva Alvarinho resolveu viajar, saiu do vale do Minho e está hoje espalhada por todo o Portugal, do Douro ao Algarve. Tu próprio, a tens usado noutras paragens. Que principais diferenças encontras no comportamento da casta em regiões como Bairrada, Lisboa, Alentejo ou até noutras sub-regiões do Vinho Verde, face a Monção e Melgaço?

A casta Alvarinho dá-se muito bem perto do Atlântico da Bairrada e Lisboa. Aí, em solos argilo-calcários perde acidez e ganha salinidade. Os aromas são menos florais e ganham mais tropicalidade. Mas no Alentejo prefiro o Arinto…

Na região dos Vinhos Verdes, a Alvarinho atinge um bom equilíbrio na sub-região de Basto, mas nas sub-regiões mais atlânticas dos Verdes perde corpo e ganha algum desequilíbrio ácido. A virtude em Monção Melgaço é ter clima temperado de influência atlântica moderada e solos com boa retenção da água. Deste modo, os vinhos têm equilíbrio, corpo e mineralidade. Mas os aromas cítricos com florais só aparecem em alguns solos de excelência. 

VALE DO LIMA E OUTROS VALES

Vamos deixar para mais tarde a tua região estrela, Monção e Melgaço, e falemos de uma outra onde também tens apostado bastante, o vale do Lima. É muito diferente do vale do Minho, não é verdade? O que procuras ali?

O Lima difere do Vale do Minho por ter clima temperado de influência atlântica mais evidente. Os solos de origem granítica têm textura franco-arenosa com baixa capacidade de retenção da água. A casta Loureiro está ali muitíssimo bem adaptada, originando vinhos com aromas intensos, florais e cítricos, e uma acidez firme que lhes permite muito boa longevidade. No fundo, é intensidade, elegância, frescura e longevidade o que procuro (e encontro!) nos brancos do Vale do Lima.

Há três décadas já se falava de Alvarinho com respeito, mas o Loureiro só em tempos relativamente recentes ganhou estatuto de casta e vinho de categoria superior. Achas que o Loureiro do Lima poderá vir a ter, globalmente, a qualidade, notoriedade, longevidade, preço, do Alvarinho de Monção e Melgaço?

Estou absolutamente convicto de que o Loureiro tem potencial para lá chegar. Mas o vale do Lima precisa de mais operadores focados na qualidade, precisa de investidores e precisa de tempo, que é o factor mais limitante neste negócio.

“Neste País as medidas são lentas e a agricultura não tem peso para os decisores. Na hora da verdade, abandonam-nos.”

E como vês a ascensão do Avesso?

O Avesso tem pela frente os mesmos desafios do Loureiro, mas precisará de ainda mais tempo para se afirmar como casta e vinho, em Portugal e no mundo. Mas o potencial está todo lá. Se a sub-região de Baião fizesse parte, em termos de denominação de origem, da região do Douro, hoje toda a gente olharia para ela como o terroir de excelência dos brancos durienses…

©Hugo Pinheiro

O PERFIL DOS VINHOS VERDES 

Na região dos Vinhos Verdes coexistem vários estilos de vinho mas, de forma simplista, podíamos arrumá-los em dois perfis: “leve, doce, com gás, barato” e “intenso, frutado, seco, ambicioso”. Dois perfis que são, quase se pode dizer, dois modelos de negócio distintos ainda que possam ser complementares. Qual a melhor forma de gerir/organizar/comunicar uma região com estas características? 

Não é nada fácil gerir tudo isto, é verdade, pois em alguns mercados Vinho Verde é sinónimo de vinho barato. Nos mercados menos maduros, já senti que a região tem um tecto de preço. E a verdade é que nos últimos 30 anos tenho dispensado muito tempo a desconstruir alguns dos preconceitos e dogmas relativos ao Vinho Verde. 

De qualquer forma, a imagem dos Vinhos Verdes tem melhorado muito, e hoje já há a percepção, por parte dos conhecedores, de que é a grande região dos brancos de Portugal. Fazer chegar esta mensagem ao consumidor menos atento é uma questão de tempo e de investimentos de comunicação/marketing bem pensados, direccionados e executados.

São cada vez mais os Verdes de grande qualidade e ambição. No entanto, esse crescimento qualitativo tem sido quase sempre acompanhado pelo crescimento do teor alcoólico, para níveis (13%, 13,5%…) impensáveis há uma década. É inevitável? Ou é possível fazer um grande vinho Verde branco com 11% ou 11,5%?

Eu gosto dos Loureiro perto dos 12% de álcool e os Alvarinho entre os 12,5% a 13%. É possível, sem dúvida, fazer grandes brancos com 11% ou 11,5%, mas abaixo disso, nesta região dos Vinhos Verdes, dificilmente teremos um vinho equilibrado.

E o Verde tinto, que futuro?

Em Monção e Melgaço com viticultura de excelência e as castas Alvarelhão, Pedral e Verdelho Feijão, estou certo de que podemos fazer tintos finos, elegantes e com capacidade de envelhecimento. Na restante região dos Vinhos Verdes, não tenho experiência suficiente de vinhos tintos para poder emitir uma opinião bem fundamentada. Mas parece-me óbvio que o Verde tinto tem de encontrar um rumo e um perfil.

A ENOLOGIA

Como te defines enquanto enólogo?

Como enólogo sou um insatisfeito, ando sempre à procura da perfeição. E a perfeição, para mim, significa exprimir de forma autêntica e séria o chamado “terroir”. 

Em Monção e Melgaço, fazer um Alvarinho de perfil tropical (manga, maracujá) ou de perfil citrino (laranja, tangerina) é questão de viticultura ou enologia?

É viticultura e enologia. No respeitante à viticultura, excesso de vigor imprime tropicalidade, carácter que pode ser reforçado  na adega por alimentação azotada, baixas temperaturas de fermentação e leveduras próprias para este efeito. Confesso que me incomoda o excesso de tropicalidade, porque desvirtua o perfil muito nobre dos brancos Monção Melgaço. 

Este perfil que associa aromas de fruta branca com caroço, cítricos e, em alguns casos, florais, requere bom controle do vigor, regime hídrico que possibilite maturação lenta, bom microclima dos cachos sem exposição solar excessiva.

O ano de colheita é determinante e, em anos frescos sem stress hídrico, os solos franco-arenosos de encosta dão vinhos muito equilibrados com acidez vibrante e uma componente cítrica forte. Os solos sedimentares, ou seja, de zonas de menos altitude com grande capacidade de retenção para a água em anos quentes, dão vinhos frescos e concentrados com grande complexidade aromática. 

Na verdade, a interação viticultura/enologia é fundamental para perceber o potencial de qualidade e definir o perfil do vinho, sem contudo desvirtuar a expressão mais séria e genuína do Terroir.

Foste talvez o primeiro a fermentar Alvarinho em barrica, ainda nos anos 80. Como avalias hoje a relação dos Alvarinho de Monção e Melgaço com a barrica?

É uma relação perfeita que começa na vinha. Necessita de mostos com grande equilíbrio açúcar/ácido/taninos. Para isso, não chega ter a grande parcela, é necessário sobretudo colher os cachos de acordo com o seu posicionamento na videira, fazer mais do que uma vindima na mesma parcela. A escolha da madeira, a sua origem, dimensão, tosta e controlo do oxigénio são determinantes. Para mim, as temperaturas de fermentação jogam um papel decisivo no objetivo final, em que a madeira contribui para o equilíbrio e complexidade do vinho mas não o marca, deixando aromas discretos ou quase imperceptíveis. 

“Monção e Melgaço é terroir que, de uma forma própria e distinta, exprime vinhos brancos de primeira grandeza.”

Maceração pelicular, curtimenta, “orange wines”. O que tens experimentado nesta matéria?

Comecei em 1999 a estudar a curtimenta e em 2001 lancei um vinho Alvarinho de curtimenta total. Foi um fracasso porque pouca gente o entendeu. Foram necessários 15 anos para compreender este tipo de vinho, foi também importante o estudo das parcelas e, de entre estas, os cachos mais adequados. O meu vinho TEMPO é um exemplo disto. Já o Anselmo Mendes Curtimenta Alvarinho foi o aperfeiçoar da extracção selectiva, limitando a quantidade de polifenóis de modo a ter uma curtimenta “civilizada “. Considero que, no caso da casta Alvarinho, que tem uma relação elevada de sólidos/líquido, o estudo da curtimenta ainda está no seu início. 

E vinho “natural”, o que é?

Melhor do que dizer que o vinho é natural ou que se faz vinho natural é dizer como Pasteur: “o vinho é a mais sã das bebidas”. Sã é muito mais do que natural. Hoje, com boa viticultura e intervenção mínima na adega, conseguimos vinhos com teores de sulfitos muito abaixo do máximo autorizado para biológico. Portanto, o sulfuroso não é problema nem define a “naturalidade“ do vinho. O maior problema do vinho é ter uma molécula tóxica, o álcool. Mas sem álcool não há vinho. Por isso, há que beber com moderação para que o vinho continue a ser a mais sã das bebidas.

A ECONOMIA DO VINHO

Sei que uma das tuas preocupações é enquadrar a sustentabilidade económica na noção geral de sustentabilidade da vinha e do vinho. Deverão ser conceitos compatíveis, presumo…

Sem dúvida, altamente compatíveis. E mais do que isso: sem sustentabilidade económica não há sustentabilidade vitícola, ambiental ou outra.

No quadro em que vivemos, com vários canais de distribuição e consumo limitados por via do covid-19, podes elencar, de forma breve, as principais medidas que defendes para a recuperação do sector do vinho? 

Disse e escrevi logo em março as medidas que defendo: regulação da oferta pela via da destilação; apoio com parte a fundo perdido e parte a crédito, com carência de 2 anos, para investimento em capacidade de armazenamento; passar de 15% para 30% a introdução de uma colheita noutra sem esta perder o direito a data. Acresce a isto um compromisso de não baixar drasticamente o preço das uvas aos viticultores, correndo o perigo de perdermos património vitícola. 

Neste País as medidas são lentas e a agricultura não tem peso para os decisores. Os produtores tem sido contribuintes líquidos para a economia nacional e ilíquidos para o prestígio de Portugal. Na hora da verdade, abandonam-nos. Vamos certamente perder competitividade, pois os outros países produtores foram ajudados, não por Bruxelas mas pelos seus governos. Isto não é só falta de dinheiro: é incompetência para perceber quais são os sectores estratégicos para a economia do País. 

PRODUTOR EM MONÇÃO MELGAÇO 

O teu projecto enquanto produtor em Monção e Melgaço começou na vindima de 1998. Como foram esses tempos iniciais?

Tenho saudades desse tempo. Fazer vinho de uma forma completamente artesanal, literalmente metendo a mão na massa, é algo que hoje é quase irrepetível. Talvez agora no centro de experiências do Alvarinho, na Quinta da Torre, possamos reviver e repetir esses momentos. 

Dez anos depois, estavas a construir a nova adega…

Estava a construir uma nova adega e tomava conta da Quinta da Torre como arrendatário, iniciando a reestruturação das vinhas. Nesse mesmo ano, comecei também a reestruturar quintas no Vale do Lima onde hoje temos 70 hectares, dos quais 20 de Alvarinho e 50 de Loureiro. Em Monção e Melgaço estamos nos 50 hectares, com a maior mancha da casta Alvarinho num terroir que, de uma forma própria e distinta, exprime vinhos brancos de excelência. 

©Ricardo Palma Veiga

E por fim, o grande salto, com a compra da Quinta da Torre em 2016. Que importância tem esta propriedade no teu projecto e no futuro da empresa familiar?

A Quinta da Torre nos seus mais de 60 hectares já nos mostrou que pode originar vinhos diferenciados pelos seus distintos solos, ou melhor, texturas de solos. Vai-nos permitir controlar a produção e garantir autonomia para fazer os grandes vinhos. O controlo da viticultura associado a um terroir de excelência dá-nos esperança para encarar o futuro, tendo como objectivo criar vinhos de grande valor acrescentado.

Esta é uma Quinta com uma história que vem do século XIV e ligada desde sempre à produção de vinho. Possui mais de 1 quilómetro de frente de rio, com matas, levadas de água e moinhos. A casa senhorial tem três torres e capela. Toda a quinta faz parte de uma reserva ecológica onde a viticultura que praticamos está certificada de sustentável. 

“Melhor do que dizer que o vinho é natural ou que se faz vinho natural é dizer como Pasteur: ‘o vinho é a mais sã das bebidas’. Sã é muito mais do que natural.”

O que achas que podes conseguir de diferenciador, em termos de vinhos, com a Quinta da Torre?

Hoje, nas provas cegas, distinguimos com relativa facilidade os vinhos da Quinta da Torre de todos os outros que fazemos com uvas Alvarinho oriundas de outras zonas de Monção e Melgaço. Isto diz-nos que a quinta tem uma forte identidade. Os nossos vinhos superiores estão associados a parcelas distintas e estamos a construir um vinho que só sairá para o mercado com um mínimo de quatro anos de estágio. Num futuro próximo, ambicionamos fazer no centro de experiências vinhos de 8 parcelas distintas, para serem apenas vendidos no enoturismo.

ENÓFILO E GASTRÓNOMO

Quais os vinhos (ou tipo de vinhos) que mexem contigo?

Brancos da Borgonha e tintos do Vale do Rhone.

Diz-me três vinhos portugueses de que gostes muito e onde não tenhas qualquer intervenção.

Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa, um tinto do Douro. Quinta das Bágeiras Cercial, um branco da Bairrada. E Mouchão Tonel 3-4, um tinto do Alentejo.

E três vinhos do mundo?

O Chablis de François Raveneau; o Puligny-Montrachet de Domaine Leflaive; e o Côte Rotie Michel Ogier Belle Helene.

Sei que, quando podes, gostas de te agarrar aos tachos e ao fogão. O que gostas mais de cozinhar? E qual o prato preferido que não sabes fazer?

Gosto de cozinhar muitos pratos diferentes, todos eles da cozinha tradicional portuguesa. Por exemplo, nos arrozes, arroz de cabidela, arroz de lampreia (ou não fosse monçanense…) e arroz de pato. Também bacalhau à lagareiro e açorda de bacalhau, camarões al ajillo, robalo no forno. No capítulo das carnes, ensopado de borrego, favas com chouriço e costelas, cabrito assado no forno e carne de porco alentejana.

Quanto a um prato que aprecio muito e não sei fazer como gostaria, é fácil responder: pataniscas de bacalhau. Mas sei fazer o arroz de feijão…

Artigo da edição nº 39, Julho 2020

Sugestão: Loureiro, a rainha do Lima

São várias as castas de uva que proliferam no Minho. Umas são bem conhecidas de todos, aparecendo em lugar de destaque nos rótulos das garrafas. Outras, um pouco mais obscuras, são hoje apenas curiosidades ampelográficas. Das primeiras, destacamos a variedade Loureiro, para muitos a melhor casta da região dos Vinhos Verdes. TEXTO João Paulo Martins […]

São várias as castas de uva que proliferam no Minho. Umas são bem conhecidas de todos, aparecendo em lugar de destaque nos rótulos das garrafas. Outras, um pouco mais obscuras, são hoje apenas curiosidades ampelográficas. Das primeiras, destacamos a variedade Loureiro, para muitos a melhor casta da região dos Vinhos Verdes.

TEXTO João Paulo Martins

As castas de uva têm por vezes características enigmáticas. Uma delas é a diferente apetência que mostram em querer viajar. Temos em Portugal exemplos para todas as situações, desde variedades que evidenciam muitas virtudes em todos os locais para onde foram levadas, caso da Alvarinho, mas também a Verdelho, Arinto ou Roupeiro, até outras que se quedaram na zona de origem e não deram mostras de querer viajar muito. Recordamos aqui o caso paradigmático da Encruzado e da que hoje tratamos, a Loureiro. No que respeita a esta variedade emblemática dos Vinhos Verdes, foram feitas algumas tentativas de a levar para outras zonas. Recordamos aqui que ela já esteve plantada na Quinta dos Carvalhais, no Dão, onde chegou a integrar, por uma única vez, um branco feito de lote entre Bical e Loureiro, na colheita de 2000. À época enólogo nessa quinta do Dão, Manuel Vieira disse à Grandes Escolhas que a casta produzia muito, mesmo muito, mas que “originava mostos com teor ácido baixo”, o que contraria a ideia que temos dela. A ideia de arrancar a vinha foi decisão empresarial, mas, na verdade, o tal 2000 Bical/Loureiro, ainda em 2019 dava mostras de estar em grande forma. Também na zona de Setúbal se fizeram experiências com a Loureiro. Domingos Sores Franco, enólogo da casa José Maria da Fonseca, confirmou que a casta foi para ali levada, há muitas décadas, pelo seu tio António Soares Franco. Ainda hoje tem cerca de 2ha de Loureiro plantados na zona de Azeitão, destinando-se o mosto para o lote do Quinta de Camarate branco doce, um vinho que nada tem a ver com vinhos doces de colheita tardia, mas que Domingos nos confirma ser um enorme sucesso, do qual se produzem 25.000 litros por ano. “Noto-lhe aromas de grande qualidade que lembram os que se conseguem no Minho, mas aqui tem menos acidez, tem mesmo uma certa gordura e peso na boca que funcionam muito bem no branco doce, onde a juntamos com a casta Alvarinho”, disse.

Unicer.

Uma casta produtiva

O vale do rio Lima, o solar do Loureiro, é bem distinto em configuração dos vales do Minho ou do Douro, importantes rios que atravessam a região dos Vinhos Verdes. O vale do Lima é amplo e largo, deixando entrar a influência atlântica bem dentro de terra.

Como já escreveu João Afonso em reportagem publicada neste revista, “em termos orográficos podemos dividir a sub-região do Lima em três zonas distintas: a zona mais litoral e ventosa de Viana, com vale aberto e pouca montanha; uma zona intermédia de Ponte de Lima (de Geraz do Lima até Jolda e Gondufe) ainda de vale aberto, mais protegido da nortada e já com traços de montanha; e a zona interior de Ponte da Barca e Arcos de Valdevez com vale mais estreito, de perfil montanhoso e com alguma continentalidade a misturar-se com o clima marítimo.”

A casta Loureiro gosta de frio, mas não aprecia vento. Segundo Anselmo Mendes, “prefere zonas mais abrigadas para evitar partir as varas e é exigente na gestão da sebe para que a vinha possa respirar. Produz bem, mas não convém deixar ir muito além das 10 ton/hectare para não perder carácter.” Esta produtividade, que se pode considerar normal na região do Verdes está, no entanto, muito acima do que encontramos noutras zonas do país, nomeadamente na vizinha região do Douro. José Luis Moreira da Siva é enólogo na quinta dos Murças (Douro) e, por via da aquisição por parte do Esporão da Quinta do Ameal, ficou também responsável pela viticultura e enologia desta propriedade minhota. As diferenças não podiam ser maiores, “é que estou a lidar com produções por hectare que são cinco vezes superiores às do Douro, com terrenos muito mais férteis e também muito mais propícios às doenças e pragas da vinha e tudo isso é um grande desafio”. José Luis confirma que apesar dessa pressão das doenças, é no Minho mais fácil assegurar uma produção regular, com solos ricos e água com fartura. A Quinta do Ameal esteve durante algum tempo certificada como bio, mas, foi-nos confirmada, essa certificação foi abandonada. O enólogo foi pragmático: “estamos a seguir tratamentos e práticas bio, mas se houver um ataque a sério avançamos com tratamentos químicos; não faz sentido perder a produção por falta de tratamentos. Estou de resto convencido que enquanto no Douro é mais fácil a certificação bio, aqui nos Verdes tenho muito mais dúvidas”.

Polivalente na adega

Na adega, a Loureiro mostra-se polivalente. Na Quinta do Ameal sempre se usou uma vinificação diferenciada, ora em inox ora em barricas usadas, praticando abundantemente a bâtonnage, mesmo no inox. Essa prática pode ser fundamental sobretudo se se pretende fazer um Loureiro que dure 20 anos na garrafa. No Ameal sempre existiu a preocupação de mostrar a longevidade da casta Loureiro, a única plantada na quinta e inúmeras provas confirmam amplamente que o tempo está muito mais ao lado da casta do que em tempos se pensava. Anselmo Mendes diz-nos que, “com o tempo, os aromas transformam-se e surgem algumas notas terpénicas que, essas sim, fazem lembrar o Riesling do Mosela”. No entanto, salienta ainda, “existem vários clones de interesse desigual, alguns originam vinhos com notas de Moscatel, mas eu prefiro uns clones que fazem vinhos mais discretos, mas que evoluem bem com o tempo”.

Quinta de Gomariz.

Além da fermentação em inox e barrica (mais usada do que nova), no Ameal estão a fazer-se ensaios com ovos e túlipas de cimento. E trabalhar com teores alcoólicos na casa dos 11,5% de “chega perfeitamente, não precisamos de mais”, confirma Moreira da Silva.

Mesmo nas outras sub-regiões dos Verdes onde a Loureiro entra em lote com outras variedades, os resultados são compensadores. É boa a ligação com a casta Arinto e está em desuso o lote com a Trajadura, uma variedade que recolhe cada vez menos adeptos. Como nos diz Anselmo Mendes, “em tempos era usada para fazer baixar a acidez do Alvarinho, mas hoje já se usa menos”. E em Valença, bem perto da zona de Monção e Melgaço, mas fora da sub-região, a casta Loureiro dá resultados muito interessantes.

Tal como acontece noutras sub-regiões dos Vinho Verdes, o Vale do Lima é a pátria da casta Loureiro, é ali sem dúvida que melhor se expressa e também a casta que melhor expressa as virtudes daquele terroir. Já na sub-região do Sousa impera a Arinto, em Baião a Avesso, exemplos que nos mostram que, embora viajantes, as castas encontram por vezes razões de sobra para não saírem de onde estão. 

 

SABIA QUE…
Loureiro, uma variedade das terras frias

A casta Loureiro é, do ponto de vista económico, a variedade mais importante da região dos Vinhos Verdes. É no vale do rio Lima que ela melhor mostra as suas virtudes. Casta produtiva, gosta sobretudo de zonas onde se faça ainda sentir a influência atlântica, contribuindo com elevada acidez para os mostos. Por esta razão é aqui, na sub-região do Lima, que melhores resultados origina. As zonas mais interiores, de Basto até Baião e Amarante já não lhe convêm porque perde rapidamente a acidez, característica marcante desta casta. Gera vinhos de teor alcoólico médio, mas muito aromáticos, razão pela qual é muito procurada pelos viticultores. Também presente nas Rias Baixas tem aí, no entanto, um peso muito residual, uma vez que a região é quase monocultura de Alvarinho. Apesar de gerar boas produções, não se pode deixar produzir demais porque depois perde aromas. Prefere solos férteis e abundância de água, mostrando muitas dificuldades para enfrentar o stress hídrico. Existem vários clones certificados desta casta sendo mais cotado o que gera o cacho com bagos pequenos e coloração dourada. Segundo informação da CVR dos Vinhos Verdes, existem 189 marcas válidas de vinhos varietais de Loureiro, correspondendo a 111 engarrafadores. Até aos anos 80 do século passado não existiam no mercado vinhos varietais de Loureiro e foi então nessa década que surgiram os primeiros varietais de Loureiro, da Adega Cooperativa Ponte de Lima e de alguns produtores engarrafadores, como a Quinta de S. Cláudio, Casa dos Cunhas ou Quinta do Luou.

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