Quinta das Bágeiras Garrafeira: Um branco à frente do seu tempo

Nasceu em 2001 quando, em Portugal, ainda não se dava valor a brancos complexos e de guarda. Era, antes de existir, o branco que Mário Sérgio Nuno queria produzir, mas ainda não tinha. Hoje, 19 edições depois, é provavelmente o branco que todos queriam ter. Texto: Mariana Lopes Fotos: Anabela Trindade No início dos anos […]
Nasceu em 2001 quando, em Portugal, ainda não se dava valor a brancos complexos e de guarda. Era, antes de existir, o branco que Mário Sérgio Nuno queria produzir, mas ainda não tinha. Hoje, 19 edições depois, é provavelmente o branco que todos queriam ter.
Texto: Mariana Lopes
Fotos: Anabela Trindade
No início dos anos 2000, numa feira de vinhos em Lisboa, Mário Sérgio Nuno apresentou um branco, a medo, a David Lopes Ramos. Nesse mesmo evento, o jornalista e crítico de vinhos e gastronomia, orientou uma prova comentada de vinho com queijos e, igual a si próprio, fez algo que na altura era tudo menos convencional: deu a provar, mesmo no final da sessão e a uma sala cheia, um branco com queijo Nisa. Era o Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2001, a primeiríssima colheita. O produtor tinha estado durante toda a prova, no fundo da sala “à espera de levar porrada”, como o próprio diz, pois “não era um vinho compreendido pelas pessoas”. Mas todos os presentes adoraram. Era uma vez um branco proscrito e oprimido, 22 anos depois considerado com um dos melhores de Portugal.
Mário Sérgio Alves Nuno criou o projecto da Quinta das Bágeiras em 1989, pegando em todo o know-how aprendido com a sua família, que até então produzia vinho a granel para as caves da região. Juntando vinhas do seu avô paterno com outras do avô materno, perfazendo 12 hectares, fundou nesse ano, segundo o bairradino, a primeira empresa vinícola da Bairrada em mais de duas décadas.
“Bágeiras” era a vinha para onde o avô de Mário Sérgio, Fausto Nuno, costumava ir todos os dias trabalhar, montado na sua bicicleta “pasteleira”, hoje em exposição na adega que fica na aldeia da Fogueira, concelho de Anadia. “Lá vai o Fausto para a sua Quinta das Bágeiras”, dizia o povo, sem saber que viria, um dia, a dar o nome a um dos mais promissores produtores de vinho portugueses, no top da região da Bairrada.
Até hoje sempre com o apoio — na vinha, na adega e na vida — do seu pai Abel e mãe Maria do Céu, Mário Sérgio tem agora também ao seu lado o filho Frederico Nuno, de 25 anos, licenciado em Enologia pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e com estágio em empresas de diferentes tamanhos e conceitos, como Lusovini, Susana Esteban, Sogrape, Anselmo Mendes ou Barão de Vilar. Também ele aprendeu muito com o pai e os avós enquanto cresceu, lições preciosas dadas diariamente no campo e na adega. Muito chegado à sua família e à sua terra, é no meio destas — e das galinhas, gansos e faisões que cria junto à adega — que Frederico se sente bem e prospera. Há vários anos que vai, todos os dias, tomar o pequeno-almoço a casa dos avós paternos, também ali ao lado e, sempre que pode, amassa o pão que a avó coze no forno de lenha, mostrando que há, de facto, uma geração que volta a ter amor pelas coisas da aldeia e da agricultura. E já não era sem tempo.

Um branco “como o avô fazia”
Antes de 2001, Mario Sérgio apenas fazia um vinho branco em inox, que considerava bom, mas que não lhe dava pica. Ainda não tinha um branco que lhe enchesse verdadeiramente as medidas, ao seu gosto, mais complexo e ambicioso. Entre desabafos, Rui Moura Alves, à data enólogo consultor da Quinta das Bágeiras — e figura muito importante para esta casa, sobretudo no início — chegou com a resposta: “fazemos um branco como o teu avô fazia, no tonel, e deixamo-lo mais tempo nas borras, o necessário até o vinho se mostrar pronto e estabilizar por ele próprio”.
O Garrafeira branco é um lote de Bical e Maria Gomes, de várias vinhas velhas, algumas centenárias, em solo argilo-calcário. A maioria são parcelas de castas tintas plantadas em “field blend” (misturadas na vinha), como ditou o encepamento dos anos 60 e 70 na região, com as brancas pelo meio, a forma que se arranjou na altura para conferir mais álcool e estrutura aos vinhos tintos.
Faz decantação por precipitação natural durante um dia ou um dia e meio, sensivelmente. De seguida, fermenta e estagia precisamente num tonel antigo já com centenas de usos — sempre o mesmo, o número 21, com 2500 litros de capacidade — de Setembro até Julho ou Agosto do ano seguinte, conforme a prontidão que o vinho mostra. “Com uma mangueira, tiramos o vinho do tonel para uma selha, daí para o inox e deste para as garrafas [cerca de 3 mil], onde fica um ano antes de sair para o mercado”, explica Mário Sérgio Nuno. “Fica sempre uma pequena quantidade no fundo do tonel, cerca de 50 litros, que utilizamos na produção de vinagre ou para atestos. O vinho é feito da mesma maneira desde a primeira colheita, só varia o ano”, desenvolve.
Quando as duas primeiras colheitas foram lançadas, o Garrafeira branco não tinha grande aceitação no mercado, e Mário Sérgio chegou a pensar que só ele é que gostava do vinho… ao ponto de decidir não produzir a colheita de 2003, a única que falta nesta prova vertical, por esse motivo. “A Câmara de Provadores da Bairrada tinha, inclusive, chumbado o 2002, e só à terceira é que o passou”, confessa Mário Sérgio. Mas, depois do sucesso da prova do David Lopes Ramos e ao ver a reacção positiva do público, o produtor resolveu apostar nele, sem interrupções, desde a colheita de 2004 até hoje. Agora lança a de 2020, a 19ª edição. Assim, David acabou por ser, depois do incentivo inicial de Rui Moura Alves, o grande encorajador do Quinta das Bágeiras Garrafeira branco. “Devo a existência deste vinho ao David Lopes Ramos, por me encorajar a continuar a fazê-lo”, afirma. Mário Sérgio bem disse, bastantes anos mais tarde nos Prémios Grandes Escolhas de 2018, no discurso após ter recebido o Troféu Singularidade, que “o verdadeiro segredo deste negócio é a teimosia, eu sou muito teimoso naquilo que faço”. E o Garrafeira branco foi também muito isso.
A Bairrada e os seus brancos
Há várias condições edafoclimáticas na Bairrada que fazem dela uma excelente região para produzir grandes vinhos brancos, apesar de ser bem mais conhecida, e valorizada, pelos tintos de Baga. “A minha ideia da Bairrada é que é uma região que pode produzir excelentes brancos e, além disso, é mais fácil fazer todos os anos um grande branco do que um grande tinto. A influência marítima, a acidez das uvas sempre altíssima, os solos argilo-calcários… tudo isto é ideal para os brancos na região”, explica Mário Sérgio.
O clima da Bairrada é atlântico temperado, com Invernos frios e chuvosos e Verões moderadamente quentes, pois são suavizados pelos ventos vindos do mar e pelas grandes amplitudes térmicas, sendo muito frequentes as noites frescas. É uma região sem barreiras orográficas a Oeste, o que facilita a referida influência marítima.
“Quando eu comecei no vinho, havia uma coisa que se dizia muito, que era ‘bebe-se branco quando não há tinto’. Os brancos sofreram muito, ao longo dos anos, deste preconceito. É uma questão cultural, o país, de modo geral, ainda dá mais importância aos vinhos tintos. Uma das razões por que, logo nos encepamentos iniciais, se plantaram mais castas tintas do que brancas. Eu, por exemplo, tenho vinhos brancos mais caros do que os tintos”, elucida o fundador da Quinta das Bágeiras.
“Há um nicho de consumidores para os brancos ambiciosos, sobretudo nestas quantidades mais baixas, que deve ser aproveitado”, continua. Em boa verdade, a Bairrada é uma região de minifúndio, de parcelas dispersas, com uma dimensão média de vinha que chega apenas no meio hectare. “O Garrafeira branco 2021 só venderemos em 2023, mas idealmente até seria só lançado em 2025. É nos brancos de guarda, para lançar mais tarde, ambiciosos e complexos que a Bairrada deve apostar”. E conclui: “Não temos dimensão para grande volume, e fazer brancos ‘fresquinhos e do ano’, embora perfeitamente legítimos, não é o futuro da região…”.
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Notas de Prova da Vertical:
18 B
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2019
Apenas num ano de colheita de diferença, ganhou nuances de orvalho matinal, sílex, leve raspa de toranja e toque de pólvora. Muito envolvente, sem nunca perder o nervo inicial, está ainda super novo e pujante. O grau nem se acusa, dada a elevada frescura natural. (15,5%)
18 C
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2018
Aqui, além da cremosidade e do querosene e pólvora expectáveis, tem já especiarias, como pimenta branca e açafrão, uma componente vegetal e sugestão de casca de laranja. Na boca mantém a acidez no topo e sobretudo uma enorme secura final, característica de quase todos os Bágeiras Garrafeira branco. (14%)
17,5 B
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2017
Floral, grafite, limão maduro, ligeiramente menos preciso e mais difuso nos aromas. Na boca, apesar de não dar o estalo de acidez que os outros dão, tem enorme frescura e cremosidade, delicadeza num conjunto muito bonito. (14,5%)
17,5 B
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2016
Bem delicado no aroma floral q.b., infusões tipo camomila e erva-príncipe, toranja madura. Na boca volta ao registo de óptima frescura ácida e precisão, nervo e juventude. Fica na boca e termina salino. (14%)
17,5 B
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2015
Muito expressivo e a atacar na pedra raspada e no querosene, bastante pólvora e sugestão calcária, pimenta branca. Na boca traz uma percepção de acidez um pouco mais baixa do que os outros, mas é elegante e delicado. (14%)
17 A
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2014
Floral e com fundo vegetal no nariz contido, com levíssima sugestão de pvc que lhe dá piada. Mais directo na boca e com menos corpo do que os anteriores, e ligeiramente mais diluído no conjunto. Provavelmente resultado das adversidades do ano 2014, que foi bastante chuvoso no momento em que não devia. (13,5%)
17,5 B
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2013
Este vai na direcção do exotismo, com bastante especiaria, casca de laranja, lima e sugestão de cardamomo. Na boca está bem vivo e harmonioso. (13,5%)
19 B
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2012
Pólvora, pederneira, muita flor e fruta, como nêspera e alperce, pimenta branca e leve caril de fundo, num nariz sublime. A untuosidade é impressionante, num conjunto de pendor vegetal, precisão superlativa e persistência quase infinita. O melhor da “nova geração” do Garrafeira branco. (14%)
18,5 B
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2011
Aqui parece que o vinho chegou à maturidade, qual adulto consciente e sereno na vida. Consolidado, bastante complexo e profundo no aroma, sério, com tudo no sítio. Na boca tem grande volume, estrutura fenomenal, tudo em harmonia, super longo, com imenso carácter e presença. Prima pelo perfil de tensão, secura e untuosidade óptimas. (14%)
18,5 B
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2010
Bastante flor do campo, ervas aromáticas, limão e pedra molhada no nariz muito bonito. Na boca é impactante porque parece um dos novos, com acidez no topo, imenso nervo e estrutura, sempre com cremosidade presente mas q.b. Impressionante também pelo equilíbrio e harmonia, sabor, secura e suculência. (13,5%)
18,5 B
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2009
Enorme complexidade de nariz, envolvência e mistério. Na boca explode em corpo e estrutura, altamente sumarento na fruta cítrica e branca, tenso, consolidado, com muita classe. Espectacular. (14,5%)
18,5 B
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2008
Querosene, grafite, pedra molhada, fruta de caroço madura, pimenta branca e folha de louro, no nariz complexo, para não variar. Com elevadíssima secura e elegância, e também nervo, é nele óbvia a longevidade em garrafa. (13,5%)
19,5 B
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2007
Enormíssima complexidade no aroma expressivo de sílex, pedra molhada, pimenta branca, grafite, pederneira… Na boca é todo impressionante pela gigante frescura, equilíbrio em todos os pontos, vivacidade, firmeza, enorme amplitude, crocância e prolongamento. A suavidade é de luxo e o vinho poderoso em simultâneo, um branco que não acaba, de classe mundial. (14%)
18,5 B
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2006
Muito mineral nas notas de sílex e querosene, flores brancas e sugestão de zest. Óptima cremosidade e estrutura ácida, super amplo e largo no palato, salino no final longo e nervoso. (14%)
18,5 B
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2005
Nariz com imenso querosene, pólvora, sugestão aborrachada no fundo, também casca de tangerina. Altamente equilibrado, com acidez cítrica gigante, mostrando o perfil mais cítrico de todos. Enorme te(n)são. (14%)
19,5 B
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2004
Chegamos mais uma vez ao topo dos Garrafeira branco. Este apresenta fruta cítrica cristalizada, pederneira, flores do campo, infusão de camomila, no nariz complexo e profundo. Na boca tem tensão enorme, é intenso nos sabores e tem salinidade no ponto, a deixar as glândulas salivares a pulsar de prazer. Espectacular, quase coage ao próximo copo, envolvente e muito, muito puro no conjunto. Não queremos sair dele, é monumental. (13%)
19 B
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2002
Aqui as flores do campo juntam-se ao mel fumado e à madeira antiga, também amêndoa torrada. Enorme classe e mineralidade, fumo finíssimo no nariz e na boca, imenso sabor e suculência, super largo, fica para sempre na boca, acidez enorme e equilibradíssima com a untuosidade sedutora. Grande branco. (13,5%)
20 B
Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2001
Acabamos em grande, parece de propósito, mas não é. Extremamente sério e complexo no nariz mineral, sensual, sem exuberâncias histriónicas, mas com um certo “quê” que adivinha grandiosidade. Na boca envolve-nos numa dança de precisão, finesse e classe, fantástica personalidade e carácter, presença imponente, ainda muito vivo e para durar. Não se podem escrever as coisas que apetece fazer com este vinho. Estrondoso e a mostrar, pela sua juventude, que o Garrafeira branco é quase eterno. (13,5%)
(Artigo publicado na edição de Julho 2022)
75 anos de Rei

Texto: Luís Lopes 15 de Maio é data de aniversário no Rei dos Leitões, já que terá sido nesse mesmo dia, em 1947, que o primeiro leitão ali assado mudou o destino de uma humilde taberna da Mealhada. O resto é história, feita de muitas estórias que contam o percurso de um dos mais notáveis […]
Texto: Luís Lopes
15 de Maio é data de aniversário no Rei dos Leitões, já que terá sido nesse mesmo dia, em 1947, que o primeiro leitão ali assado mudou o destino de uma humilde taberna da Mealhada. O resto é história, feita de muitas estórias que contam o percurso de um dos mais notáveis restaurantes de Portugal. O Rei comemorou ontem 75 anos de idade e está mais jovem do que nunca.

A revolução encetada por Licínia Ferreira e Paulo Rodrigues a partir de 2011, alterando e desenvolvendo todo o conceito deste restaurante, nunca está dada por terminada. Há sempre algo para mudar, processos para afinar na cozinha, na decoração, na sala, no serviço, na origem do produto, no modelo de negócio. Talvez por isso, o Rei dos Leitões continua a estar, intocável, no “top of mind” dos apreciadores da boa mesa, como referência de primeira grandeza.
Na celebração do 75º aniversário, Licínia e Paulo terão certamente recebido muitas prendas. Acredito, porém, que as incontáveis estrelas que clientes e amigos sobre eles despejam em cada visita, serão sempre a prenda mais festejada.
Casa do Canto lança 3 Barricas, um Arinto de edição limitada

A Casa do Canto — fundada em 1860, na região da Bairrada — acaba de apresentar o branco 3 Barricas Garrafeira Particular Arinto 2018. Este é um vinho de edição super-limitada, de 800 garrafas, cujas uvas têm origem na Vinha da Espertina, a parcela mais emblemática da casa. Em simultâneo, o produtor lança também as […]
A Casa do Canto — fundada em 1860, na região da Bairrada — acaba de apresentar o branco 3 Barricas Garrafeira Particular Arinto 2018. Este é um vinho de edição super-limitada, de 800 garrafas, cujas uvas têm origem na Vinha da Espertina, a parcela mais emblemática da casa. Em simultâneo, o produtor lança também as novas edições dos Casa do Canto Grande Reserva tinto 2016, um blend de Baga (80%) e Touriga Nacional, e Grande Reserva Branco 2017, de Arinto (80%) e Bical.

“A Casa assenta na convicção que a Bairrada é uma região particularmente apta a criar, em todas as colheitas, grandes vinhos brancos. Foi com base nessa premissa que desafiou a equipa de enologia liderada por Pedro Andrade a criar um branco de antologia, que exprimisse a potencialidade das uvas da Vinha da Espertina, a jóia da coroa dos cerca de 40 hectares de vinhas que a Casa do Canto possui”, justifica o produtor bairradino.
O Casa do Canto 3 Barricas Garrafeira Particular Arinto 2018 — que tem um p.v.p. de €65 e cuja imagem é da autoria da M&A Creative Agency — fez maceração pelicular pré-fermentativa e estagiou 12 meses em barricas de carvalho francês, das quais, no final deste estágio, se escolheram em prova cega as 3 melhores barricas, antes do novo estágio em garrafa, de pelo menos 12 meses.
Aqui Na Bairrada 2022 terá provas de vinhos raros e baptismo de balão

O evento Aqui Na Bairrada 2022 — organizado pela Comissão Vitivinícola da Bairrada, com a Rota da Bairrada e o Município de Anadia — vai ter lugar no fim-de-semana de 7 e 8 de Maio, no Pavilhão de Desportos de Anadia, e agora apresenta novidades para a edição deste ano. O Aqui na Bairrada é […]
O evento Aqui Na Bairrada 2022 — organizado pela Comissão Vitivinícola da Bairrada, com a Rota da Bairrada e o Município de Anadia — vai ter lugar no fim-de-semana de 7 e 8 de Maio, no Pavilhão de Desportos de Anadia, e agora apresenta novidades para a edição deste ano.
O Aqui na Bairrada é a maior mostra de vinhos e sabores da região. Desta vez, conta com 35 produtores de vinho e 12 espaços dedicados às iguarias regionais, das salgadas às doces. Há também um espaço com mesas, mas a maioria dos produtos pode ser adquirida e levada para casa. À semelhança da edição anterior, haverá um espaço dedicado aos mais novos, onde estes poderão vestir a “pele” de exploradores da Bairrada. O acesso ao evento e ao espaço infantil é livre, sendo que os adultos que quiserem provar vinhos têm que adquirir o copo oficial do evento, no valor de €3.
Uma das grandes novidades deste ano é o Bairrada em Privado, espaço nobre do Aqui na Bairrada 2022, onde os enófilos vão ter o privilégio de provar vinhos raros. Com hora marcada, sommelier de serviço e por apenas €15, os visitantes podem degustar três vinhos em ambiente intimista, para uma prova focada, com duração de 15 a 20 minutos. A cada dia, vão estar disponíveis nove vinhos, distribuídos por três horários e duas rondas. A inscrição é obrigatória e feita na recepção do evento, até uma hora antes de cada prova.
Em paralelo, e com lugar no Museu do Vinho Bairrada, paredes-meias com as instalações da Comissão Vitivinícola da Bairrada, a organização do Aqui na Bairrada vai promover duas Provas Comentadas. Sob o mote “10 Anos, 10 Vinhos”, uma de brancos e espumantes (no dia 7, às 17h30) e outra de rosados e tintos (dia 8), estes dois momentos assinalam o 10º aniversário da actual direção da CVB, desde então liderada por Pedro Soares. Caberá ao crítico de vinhos, e director editorial da Grandes Escolhas, Luís Ramos Lopes, fazer uma retrospetiva vínica e uma pequena resenha histórica. Cada prova custa €25 e a compra do acesso é feita no evento, até uma hora antes do seu início. Vai haver transporte do Pavilhão de Desportos para o Museu e vice-versa, mediante inscrição (gratuita) e disponibilidade.
Outra novidade é o Baptismo de Balão, que vai estar instalado na parte exterior do edifício para deleite do mais pequenos e dos adultos, entre as 18h00 e as 21h00. A inscrição é feita no local, e está sujeita a disponibilidade. Custa €2 por adulto, e é grátis para crianças até aos 12 anos.
O programa completo do Aqui Na Bairrada 2022:
AQUI NA BAIRRADA – Beber e Saborear – 2022
Local: Pavilhão de Desportos de Anadia, em Montouro, 3780-243 Anadia
Datas e Horários: 7 e 8 de Maio de 2022, das 15h00 às 21h00
Entrada: Livre
Copo Oficial: €3
Programa (igual ao Sábado e Domingo):
15h00 – Abertura
Mostra de vinhos e sabores da região (até às 21h00)
Espaço infantil (até às 21h00)
16h00 – Bairrada em Privado – Prova de Vinhos Raros – Seleção A
16h30 – Bairrada em Privado – Prova de Vinhos Raros – Seleção B
17h30 – Bairrada em Privado – Prova de Vinhos Raros – Seleção C
17h30 – Prova Comentada ‘10 Anos, 10 Vinhos: Espumantes e Brancos’ (Sábado)
Prova Comentada ‘10 Anos, 10 Vinhos: Rosados e Tintos’ (Domingo)
Estas provas acontecem no Museu do Vinho Bairrada
18h00 – Batismos de balão, na zona exterior do Pavilhão (até às 21h00)
18h30 – Bairrada em Privado – Prova de Vinhos Raros – Seleção A
19h00 – Bairrada em Privado – Prova de Vinhos Raros – Seleção B
19h30 – Bairrada em Privado – Prova de Vinhos Raros – Seleção C
21h00 – Encerramento
Bacalhôa celebra 100 anos

Ao longo do ano de 2022, a Bacalhôa Vinhos de Portugal irá realizar um conjunto de iniciativas direccionadas a profissionais e consumidores, celebrando o 100 º aniversário daquela que é uma das maiores e mais dinâmicas empresas do sector do vinho em Portugal. A história da Bacalhôa Vinhos de Portugal iniciou-se em 1922, com a […]
Ao longo do ano de 2022, a Bacalhôa Vinhos de Portugal irá realizar um conjunto de iniciativas direccionadas a profissionais e consumidores, celebrando o 100 º aniversário daquela que é uma das maiores e mais dinâmicas empresas do sector do vinho em Portugal.
A história da Bacalhôa Vinhos de Portugal iniciou-se em 1922, com a fundação da firma João Pires & Filhos, empresa vocacionada para a comercialização a granel de vinhos por si produzidos a partir de uvas compradas na Península de Setúbal.
No final dos anos 70, a empresa deu início a uma nova fase da sua história, marcada pela aposta na vinha e nas marcas próprias e, sobretudo, pelo extraordinário dinamismo e pioneirismo, com a produção de vinhos assentes em conceitos, perfis e técnicas nunca antes experimentados no nosso país. Assim nasceram marcas de grande singularidade e notoriedade, como Quinta da Bacalhôa, Catarina, Cova da Ursa Chardonnay ou JP, entre muitas outras.
Um novo ciclo de crescimento e consolidação teve lugar a partir de 1998, com a compra da empresa por parte da família Berardo e, nos anos seguintes, a aquisição das emblemáticas Quinta da Bacalhôa, em Azeitão, Quinta do Carmo, em Estremoz, e Aliança, em Sangalhos, integradas depois no grupo Bacalhôa-Vinhos de Portugal, assim designado a partir de 2005.

Este ciclo ficou igualmente marcado por uma aposta no enoturismo. O Bacalhôa Buddha Eden, no Bombarral, o Aliança Underground Museum, em Sangalhos, o Palácio da Bacalhôa e a Adega Museu, em Azeitão, a Quinta do Carmo e o Museu Berardo Estremoz, nesta cidade alentejana, são referências nesta área.
Segundo comunicado da empresa, no ano em que celebra o seu centenário e inicia um novo ciclo, “o principal desafio é a implementação e consolidação do Projecto de Produção Sustentável iniciado em 2020. Acreditamos firmemente na enorme mais-valia da sustentabilidade, de forma transversal à nossa actividade.”
Não faltam, sem dúvida, motivos para comemorar 100 anos de uma vida empresarial associada a uma história feita de pioneirismo, criatividade e sucesso comercial. A Bacalhôa-Vinhos de Portugal anunciou que, ao longo de 2022, irá “celebrar o seu centenário com profissionais e apreciadores, através de diversos eventos e iniciativas, onde a cultura, a arte, a paixão e o vinho terão sempre lugar de destaque”.
Caves São João adquiridas por novos sócios

No passado mês de Fevereiro de 2022, a Caves São João – Sociedade dos Vinhos Irmãos Unidos, Lda — uma das mais antigas empresas da Bairrada, e a casa de espumantes mais antiga ainda em actividade, da região — foi adquirida por novos sócios: Fernando Sapinho, Nuno Ramos, Mário Mateus, Mário Vigário, Enrique Castiblanco e […]
No passado mês de Fevereiro de 2022, a Caves São João – Sociedade dos Vinhos Irmãos Unidos, Lda — uma das mais antigas empresas da Bairrada, e a casa de espumantes mais antiga ainda em actividade, da região — foi adquirida por novos sócios: Fernando Sapinho, Nuno Ramos, Mário Mateus, Mário Vigário, Enrique Castiblanco e Paulo Morgado. Da família fundadora, mantém-se uma parte representada por Rita Palma e por José Palma.
Segundo o comunicado enviado à imprensa pelas Caves São João, os novos sócios formam “um conjunto de amigos e empresários que partilham uma grande paixão pelo mundo dos vinhos e pela Bairrada”. O comunicado refere, ainda: “Todos nós acreditamos, proprietários novos e históricos, que a Bairrada será cada vez mais uma referência nas regiões vitivinícolas, quer a nível nacional, quer a nível internacional”.
Na estratégia para esta nova fase das Caves São João, serão mantidos os corpos gerentes, com destaque para Célia Aves, e os consultores de enologia e viticultura, José Carvalheira e António Selas, respectivamente. Também a restante equipa se manterá no projecto, integrando a aposta “nos vinhos antigos, nos espumantes, na Quinta do Poço do Lobo e nas marcas de referência Frei João (Bairrada) e Porta dos Cavaleiros (Dão)”, diz a São João.
Evento “Aqui na Bairrada” regressa em Maio

Em linha com a retoma dos eventos presenciais, a Comissão Vitivinícola da Bairrada traz de volta, a 7 e 8 de Maio deste ano, o “Aqui na Bairrada”. Depois de dois anos de interregno, a segunda edição deste evento com entrada livre promete “celebrar os vinhos, a gastronomia e a cultura bairradina”, em Anadia, no […]
Em linha com a retoma dos eventos presenciais, a Comissão Vitivinícola da Bairrada traz de volta, a 7 e 8 de Maio deste ano, o “Aqui na Bairrada”. Depois de dois anos de interregno, a segunda edição deste evento com entrada livre promete “celebrar os vinhos, a gastronomia e a cultura bairradina”, em Anadia, no Pavilhão de Desportos.
Assim, a Comissão Vitivinícola da Bairrada desafia, de novo, os produtores da região demarcada a pôr à prova os seus vinhos, desde grandes referências aos seus mais recentes rótulos. Entre espumantes, brancos, rosés e tintos – todos com certificação de Denominação de Origem Bairrada ou IG Beira Atlântico – o visitante poderá degustar livremente os vinhos presentes, adquirindo o copo Bairrada, por 3 euros. Haverá também destaque para a gastronomia regional, onde o leitão será rei, acompanhado do famoso pão da Mealhada e de outras iguarias, algumas doces.
Além da Comissão Vitivinícola, o “Aqui na Bairrada” é organizado pela Rota da Bairrada e pelo Município de Anadia, com o apoio do Turismo do Centro de Portugal e do Instituto da Vinha e do Vinho.
Luís Pato e Mário Sérgio Nuno: Os amigos da Baga

Há 20 anos, a esmagadora maioria das empresas e produtores apontava a Baga como a razão principal da perda de mercado da Bairrada. Dezenas de variedades entraram então na denominação de origem e a Baga perdeu a posição dominante. Hoje, no entanto, ganhou estatuto de nobreza, é crescentemente utilizada nos vinhos mais cotados da Bairrada […]
Há 20 anos, a esmagadora maioria das empresas e produtores apontava a Baga como a razão principal da perda de mercado da Bairrada. Dezenas de variedades entraram então na denominação de origem e a Baga perdeu a posição dominante. Hoje, no entanto, ganhou estatuto de nobreza, é crescentemente utilizada nos vinhos mais cotados da Bairrada e experimentada fora da região. Globalmente, que motivos encontram para esta alteração na forma de encarar a Baga por parte de produtores e consumidores?
LP – Para responder a isso é preciso contextualizar o momento que se vivia há pouco mais de duas décadas. Logo após a sua demarcação, em 1979, a Bairrada passou a rivalizar com o Dão como as duas mais importantes regiões de vinhos. Uma marca como Frei João era encontrada em todo o lado. Mas o vinho de Baga era fornecido às empresas engarrafadoras pelas cooperativas, que pagavam em grau/quilo. E a cepa de Baga dá bastante uva, pelo que os produtores produziam o máximo possível. E depois, havia outra desvantagem: o vinho tinto era duro, ácido, era preciso esperar por ele, o tinto de Baga não se vendia jovem. O mercado passou a procurar menos Bairrada e as maiores empresas da região apostaram na introdução de castas estrangeiras como a “salvação” do negócio.
Pessoalmente, nunca me incomodei muito com isso. Sempre achei que, independentemente do que cada um plantasse, a economia, o mercado, se encarregaria de resolver o assunto e definir qual o melhor caminho. E a verdade é que resolveu. Hoje estamos a voltar à Baga, como casta diferenciadora e como casta que acrescenta valor. A razão para o retorno à Baga? Aí, sem puxar a brasa à minha sardinha, acredito que os Baga Friends foram os principais responsáveis, individualmente e enquanto organização. O outro impulso para a mudança de atitude em relação à Baga, foi quando se descobriu que a casta podia originar espumantes de grande qualidade.
MSN – Desde que me iniciei como produtor que assisto e participo em colóquios e debates sobre a região e é verdade que a Baga era apontada por muitas das maiores empresas e cooperativas como a desgraça da Bairrada. Algo que nunca entendi, embora reconheça que nós todos, enquanto produtores, tivemos uma quota de responsabilidade na quebra de confiança da região relativamente à Baga. Primeiro, num determinado período, houve uma reestruturação vitícola que se apoiou em enxertos pouco adequados à casta, demasiado produtivos. Por outro lado, a instalação da Sogrape na região, no final dos anos 70, com adega vinificação para rosé (sobretudo), e a pagar bem as uvas, levou os pequenos produtores a entregar a colheita, deixando de vinificar para vender a granel às caves. Muita da melhor Baga desapareceu aí.
LP – Lembro-me que, para esses debates, a Comissão Vitivinícola trouxe grandes nomes da viticultura e enologia francesa, que depois de estudarem as vinhas e os vinhos concluíam, invariavelmente, que a Baga era o caminho. Mas os locais achavam que não, diziam que os franceses não queriam que plantássemos Cabernet e Merlot para evitar a concorrência que lhe iríamos fazer! (risos)

MSN – No entanto, já desde os anos 80 e 90 havia produtores a fazer vinhos de Baga de excelente qualidade. Deixando de lado o caso do Luís e o meu, refiro, entre outros, Casa de Saima, Sidónio de Sousa, Gonçalves Faria, Quinta da Dôna. Isso deveria ser indicador mais do que suficiente de que afinal era possível fazer coisas muito boas com Baga, bastava trabalhá-la na vinha para produzir qualidade e não quantidade. É claro que era muito mais fácil colocar uma vinha a produzir Merlot em quantidade e de forma consistente. Mas isso não nos traria valorização nem futuro. No fundo, sempre faltou uma visão estratégica para a região.
O que mudou? Estou de acordo com o Luís, os Baga Friends foram determinantes na viragem, não porque tenham feito realizações ou eventos especialmente importantes, mas porque deram um sinal de confiança para quem cá estava. E foram (e são) individualmente, exemplos de sucesso com Baga, mostrando que é com esta casta que podemos valorizar economicamente a região.
Como se comporta a Baga na vinha, quais os seus principais defeitos e virtudes?
LP – O principal problema da Baga é o excesso de produção, sobretudo quando enxertada em bacelos vigorosos ou plantada em locais menos adequados. Mas uma coisa é a produção da Baga para tinto, outra é para espumante. Quando utilizada para espumante, a produção “ideal” é completamente diferente. Dez toneladas/hectare, para espumante, não é nada de mais, antes pelo contrário. Mas para fazer um Baga de superior qualidade já não serve.
Para os detractores da Baga, a pior característica da uva é o facto de ter a película fina e apodrecer facilmente com a chuva na altura da vindima, a partir da segunda quinzena de setembro, que é quando está madura. E tudo piora se estiver plantada em terrenos de areia, onde as videiras, carentes, se “embebedam de água”, absorvendo de imediato as primeiras chuvas. Já na argila e calcário, as raízes levam vários dias até receberem a água. Por acaso, neste aspecto, o aquecimento global, até tem ajudado, hoje a chuva no equinócio é mais rara. Mas, mais uma vez, quando se pensa em Baga para fazer espumante, esse problema nem existe, pois as uvas são colhidas muito mais cedo. A maior virtude vitícola da Baga é ser muito resistente ao oídio e ao míldio. É uma casta muito bem adaptada a esta região, foi formatada pela natureza, está aqui há séculos…
MSN – Para mim é inquestionável que a Baga tem um comportamento completamente diferente no argilo-calcário e na areia. A Baga é uma casta de argilo-calcário, de preferência de encosta ou meia-encosta, para não ter problemas de excesso de humidade. Mas muitos desses terrenos foram abandonados por serem difíceis de mecanizar. No início da década de 90, quando veio dinheiro para a vinha, muita gente abandonou a Baga dos terrenos mais complicados de trabalhar e plantou-a nas zonas baixas de areia. Um erro tremendo. Mas isso também se explica pela pequena propriedade, dispersa por muitas parcelas. As pessoas não faziam só vinha, tinham batata, milho. Possuiam um único tractor que servia para tudo, mas não conseguia entrar nas encostas de barro…
Para além da resistência às doenças, uma grande vantagem da Baga, quando plantada nos solos certos, de argila e calcário, é que dificilmente tem problemas de stress hídrico, mesmo nos anos mais secos e quentes. E a Baga resiste muito bem ao escaldão.

O trabalho efectuado ao nível do apuramento dos clones de Baga foi importante para vocês ou, quando plantam uma nova vinha de Baga, preferem confiar na reprodução das melhores cepas das vinhas antigas?
MSN – As duas situações são importantes. Ao longo dos últimos anos, nas vinhas que originam os meus melhores vinhos, tenho feito uma seleção das melhores videiras, para tirar varas e enxertar nas vinhas novas. São cepas que conheço, sei o que dali vai sair. Mas a Estação Vitivinícola da Bairrada tem feito um óptimo trabalho de selecção clonal que eu tenho usado também em algumas plantações. Eu trabalho com algum empirismo, a experiência é importante para mim, mas respeito muito a ciência, não há evolução sem ciência.
LP – A selecção clonal é fundamental para a Baga. E dou um exemplo. Em 1990 plantei a vinha da Quinta do Moinho. E verifiquei que as uvas eram muito mais regulares em termos de maturação, muito mais homogéneas no cacho, do que antes. A história de que a Baga amadurecia mal era também devida a não se ter feito um trabalho de selecção clonal. Infelizmente, nessa época, a Estação Vitivinícola, em vez de trabalhar para melhorar a Baga, seleccionando os melhores clones, por imposição dos agentes económicos entreteve-se a estudar e plantar Cabernet Sauvignon… Quando resolveu apostar na Baga o resultado foi imediato. Sou fiel adepto da selecção clonal, mas não devemos ter só um clone à disposição, devemos poder escolher entre clones mais ou menos produtivos, com bago mais pequeno ou cacho menos fechado, etc.
MSN – Para a região evoluir, é crucial haver um estudo rigoroso sobre a Baga e, nomeadamente, sobre a maturação. Porque o resto, ela tem tudo: cor, corpo, tanino, acidez. Se for feita uma selecção no sentido de obter clones com maturação um pouco mais precoce, para fugir às chuvas, será o ideal. É que ainda há muita vinha de má qualidade na Bairrada. E as pessoas que tem vinhas más de Baga, acham que o problema é da casta, não acreditam que ela pode ser excelente com os clones certos nos locais certos.
Esse é um trabalho que a Estação Vitivinícola deveria desenvolver, orientando os viticultores para clones adequados ao seu modelo de negócio, clones adequados a vinhos tintos e clones adequados a espumantes, estes necessariamente mais produtivos.
O Luis foi o primeiro produtor em Portugal a mencionar as vinhas velhas na rotulagem como elemento diferenciador. Também o Mário Sérgio, desde há muito, comunica as vinhas velhas como mais valia qualitativa em alguns dos seus vinhos. As vinhas velhas da Bairrada, onde a Baga se destaca, fazem realmente a diferença? E porquê?
LP – As vinhas velhas fazem diferença. Primeiro, produzem menos. Depois, são conduzidas num sistema típico da Bairrada, amparadas numa estaca, em que ficam em três dimensões com os cachos dispersos e arejados. Agora, com a mecanização, já ficam em duas dimensões, mais apertadas e por vezes com os cachos sobrepostos. E finalmente, as raízes são mais profundas o que lhes proporciona um superior nível de resiliência. Por exemplo, na Vinha Barrosa as cepas são muito velhas e nos anos de calor extremo ela quase não sente nada…
MSN – Eu acredito que, na vinha velha, o enraizamento profundo é mesmo o factor qualitativo mais importante. É que nem sempre a vinha velha produz pouco… Como o Luís já referiu, há muitos exemplos de vinhas velhas plantadas com porta enxertos que fomentam o vigor e a produção, e que originam fruta de baixa qualidade. Por isso, eu prefiro, de longe, uma vinha nova (15, 20 anos) plantada num local de excelência do que uma vinha velha mal concebida e no local errado. O local, o terroir, é o fundamental.
Como caracterizam, então, o terroir ideal para a Baga?
LP – Em poucas palavras, meia-encosta, solo argilo-calcário e exposição este-sul-poente. A exposição norte é para vinhos brancos.
MSN – Eu também procuro sempre a exposição sul-poente. Da experiência que eu tenho, a Baga de argilo-calcário sofre pouco com o calor, não tem problema em estar virada para o sol. Por vezes, mesmo nas épocas mais secas, basta levantarmos umas pedras na vinha e encontramos humidade…
E, na Bairrada, onde estão, em vosso entender, esses locais de excelência?
LP – Para mim, as melhores zonas da Bairrada para fazer grandes tintos de Baga são Silvã, Enxofães, Murtede, Ventosa, Óis, Ancas e também, a zona já a caminho do Luso, Vacariça.
MSN – Os meus locais preferidos são muito coincidentes com os do Luís, acrescentando aí Barcouço, Pisão, e, mais a sul, Ourentã, Cordinhã e Souselas, que originam um estilo de Baga diferente daquele que nós produzimos aqui. Mas dentro destas zonas, há de tudo. Em Ancas, por exemplo, de um lado da estrada temos areia, do outro existe barro. No Pisão, temos aquelas encostas cheias de argilo-calcário, mas também zonas cobertas de areia de pinhal. A heterogeneidade de solos é enorme.
Falemos de adega e de vinho. Aos 72 anos de idade, Luis é desde há décadas apontado como revolucionário. E Mário Sérgio, ainda que mais jovem (54), ganhou notoriedade como conservador/clássico. Apesar dos vossos conceitos e vinhos serem bem distintos chegam aos mesmos consumidores e são valorizados no mercado por essa assinatura de identidade. Em termos de Baga e Bairrada, o que é ser revolucionário ou rebelde, o que é ser clássico ou conservador? Ou colocando as coisas de forma mais simples, como gostam de trabalhar a Baga na adega?
LP – Logo que comecei a trabalhar em vinhos procurei levá-los para fora da região e do país. E percebi que muitos consumidores, gostando dos vinhos, os achavam algo adstringentes e difíceis, só amaciando com a idade. Aí, a minha “rebeldia” foi procurar perceber como tornar a Baga mais redonda e apreciada desde cedo. Eu fazia uma quantidade grande de vinho tinto e não podia esperar dez anos para o vender. Fazendo a monda de cachos para antecipar a maturação fenólica, utilizando o desengace (tirar o lenho do cacho antes da fermentação), com controlo de temperatura, a minha preocupação foi sempre fazer os vinhos mais elegantes. Mas sempre com Baga, não com Merlot! Aí sou um tradicionalista como o Mário! Há dois anos um crítico internacional disse-me que os vinhos que agora faço são tão redondos e elegantes que já não vão durar o mesmo que antes. E eu respondi-lhe que sim, tem razão, agora só vão durar 30 anos e não 40. Mas para mim chega, já cá não estarei! (risos)
MSN – Eu tenho uma dimensão muito menor do que o Luís [28 para 55 hectares de vinha] e trabalho também por isso de maneira diferente. Basicamente, quando comecei a engarrafar, na colheita de 1987, prossegui o trabalho dos meus avós na adega que eles mesmo fizeram. A dimensão é muito importante aqui, determina tudo. E apesar de os meus vinhos serem mais difíceis para os consumidores que os provam pela primeira vez, a minha dimensão permite-me ir ao encontro dos apreciadores que os valorizam precisamente por isso. Acredito que há mercado para todos os estilos, desde que o vinho seja de qualidade. O meu classicismo vem assim de aproveitar o que já havia: manter os lagares, manter o engaço, utilizar para estágio os grandes e velhos tonéis de madeira. Madeira nova, ali não entra! (risos)
Fazem vinhos de Baga há muitos anos e, naturalmente, a experiência e as exigências de qualidade, levam à evolução. Quais foram as principais mudanças que fizeram na vossa forma de trabalhar a Baga?
MSN – No meu caso, claramente, a grande mudança foi feita na viticultura, sobretudo com a monda de cachos. Ainda tive a sorte de trabalhar dez anos com o meu avô, que me ensinou muito, mas quando comecei a deitar cachos para o chão fui quase excomungado. A monda permitiu uma maturação muito mais regular e acabou com aquela história de “em cada década há dois bons anos de Baga”. Os cuidados na vinha fizeram, na Quinta das Bágeiras, a grande diferença. Depois, o facto de termos um alambique para fazer aguardente e, a partir de determinada altura, termos começado a produzir espumante rosé, permitiram fazer duas ou três passagens na vinha em cada vindima, deixando apenas a melhor Baga para os tintos. De resto, em termos de vinificação, houve muito poucas alterações no processo de vinificação desde 1987. Talvez, a utilização de barricas velhas borgonhesas para o estágio do Pai Abel tinto seja a mais relevante. Claro, fomos aprimorando um ou outro detalhe, mas nada de mais.
LP – Quando comei a fazer o vinho em casa da minha sogra, era em lagares. Em 1980 fui a Bordéus e fiquei fascinado com a remontagem mecânica. O pessoal que trabalhava na adega era mais velho do que eu sou hoje e era complicado e até perigoso andarem em cima do lagar. Fiz então os primeiros vinhos em cuba, ainda com engaço. Na vindima de 1985 comecei a desengaçar. Depois, em 1988 iniciei as fermentações com controlo de temperatura. Em 1989, começaram as experiências de monda (apesar dos professores de viticultura serem, na época, contra a monda…) que só ficaram afinadas em 1995. A partir de 2001, comecei utilizar os cachos da monda para fazer espumante branco de uvas tintas. Hoje, os meus tintos são feitos com cepas que tiveram 50 a 70% de monda.
MSN – Para fazer um tinto a sério, a Baga tem de produzir pouco. Por isso, os Bairrada de Baga só podem ser caros…

Mas a Baga não serve só para tintos. Como avaliam o desempenho da casta no espumante e nos rosés?
LP – Na Bairrada podemos produzir uvas de Baga para espumante muito mais baratas do que para um tinto. Assim, em minha opinião, o espumante de Baga pode alavancar o negócio de vinho da Bairrada em todo o mundo. Desde que os agentes económicos não pensem que vender espumante é vender aos preços miseráveis que encontramos no nosso mercado…
O Baga em espumante é uma categoria fantástica para colocar, sobretudo, no mercado externo. Porque lá fora pagam melhor do que cá aquele nível de qualidade. De qualquer forma, mesmo por cá, o espumante Baga já tem um preço médio acima do espumante Bairrada feito de uvas brancas. E tem mais carácter. Assim, eu vejo o espumante Baga como o produto que vai espalhar o nome da casta e a sua origem. É no espumante Baga que vamos conseguir fazer volume, criar massa crítica. Depois, os grandes tintos serão a cereja no topo do bolo.
MSN – Eu utilizo apenas 5 ou 10% de Baga no meu espumante branco de entrada de gama. Todos os outros espumantes brancos Bágeiras são “blanc de blancs”, só uva branca, porque acredito que a Bairrada tem condições extraordinárias para fazer vinhos brancos e bases para espumantes brancos. Por isso, quando penso na Baga em espumante, penso em rosé. Acho que é aí que ela pode expressar melhor as suas qualidades, em termos de fruta e complexidade. Mas ressalvo que, na Quinta das Bágeiras, não temos ainda um histórico que me permita ser definitivo sobre isto. Vamos continuar a experimentar, claro, mas a minha grande aposta com a Baga é o vinho tinto, primeiro, e o espumante rosé, depois.
O grupo Baga Friends foi criado em 2008 com o objectivo de criar um núcleo duro que ajudasse a promover a região e a casta. Como avaliam os resultados obtidos?
LP – Os resultados são visíveis. Acho que os Baga Friends conseguiram inverter a imagem da Baga na região, levámos os outros produtores a reconhecer que afinal a Baga identificava a Bairrada. Hoje, todos querem ter um vinho de Baga.
MSN – Os Baga Friends são, acima de tudo, um exemplo. Assim como eu vi o Luís Pato a fazer monda e resolvi experimentar e avaliar os resultados, também os produtores da região viram este grupo de produtores, com preços médios bem acima dos seus, conquistar notoriedade no mercado nacional e internacional com vinhos de Baga. E acho que mesmo sem fazer muita coisa, porque nós não fizemos muitos eventos ou acções de comunicação, os Baga Friends acabaram por mudar o modo da Bairrada encarar a Baga. E a mudança veio através do seu exemplo individual e colectivo, isso é incontornável.
LP – Até o sucesso do espumante Baga-Bairrada junto dos agentes económicos e consumidores beneficiou da notoriedade que os Baga Friends trouxeram à casta…
Como sabem, desde 2002, numa garrafa que ostenta a denominação de origem Bairrada pode estar um vinho de uma enorme variedade de castas nacionais e internacionais. Nestas condições, qual a melhor forma de destacar e comunicar a identidade da Baga e da região?
LP – Com tanta casta, eu nem sei como uma câmara de provadores regional consegue detectar se é Bairrada ou não… O Bairrada é Merlot, Syrah, Petit Verdot, Baga, Cabernet? Se juntarmos a isto o facto de a Baga, hoje, significar talvez menos na vinha da Bairrada do que as outras castas tintas juntas, pode estar aí a explicação para o meu vinho mais puro de Baga, o Pé Franco plantado em solos de argila e calcário, ter reprovado na câmara de provadores. E não por questões analíticas, por não cheirar a Baga! A enormidade de castas que foi admitida para DOC teve como consequência que um vinho de Baga hoje não é reconhecido pelos provadores regionais.
Quer isso dizer que, por um lado, temos uma maior notoriedade da casta Baga, mas por outro, uma perda de identidade regional devido às muitas castas exógenas admitidas?
LP – Exactamente, sem dúvida alguma.
MSN – Não devia ter acontecido. Até porque a Bairrada tem o que muito poucas regiões têm: a possibilidade de produzir, comunicar e vender várias categorias de produto: espumante, branco, tinto… Não consigo entender porque é que um produtor da Bairrada, sobretudo se for de pequena dimensão, aposta em vinhos elementares de Cabernet, Syrah ou Merlot. Onde vai fazer a diferença? Ainda se for misturado com Baga… Não sou fundamentalista quanto aos varietais de Baga, até porque sabemos que a Bairrada, tradicionalmente, tem outras castas misturadas na vinha, Jaen, Tinta Pinheira, Castelão, Bastardo, etc. Mas comunicar a sua identidade, nesta região, através de uma casta estrangeira? Não percebo.
É possível fazer marcas de volume, na Bairrada, em torno da Baga, ou as características da casta e da região, nomeadamente o minifúndio, tornam isso muito difícil?
LP – É difícil fazer tintos de grande volume na região. A Bairrada vitícola é pequena (bem menor do que era há 15 anos) e os custos de produção da Baga são elevados.
MSN – Na década de 80, as Caves de São João vendiam 600 mil garrafas de Frei João de muito bom nível. O Frei João era uma grande marca associada a uma grande consistência de qualidade. Só que, entretanto, boa parte das vinhas que o sustentavam desapareceram ou foram plantadas outras castas. Hoje, seria impossível fazer Baga de qualidade naquela quantidade. Também por isso, acredito que os tintos de Baga na Bairrada devem ser vinhos especiais, vinhos cuidados e valorizados pela qualidade, carácter e identidade regional.
Há quem diga que, internacionalmente, Baga é mais conhecida que Bairrada, e o Luís Pato até tem alguma “culpa” no assunto. Isso é bom ou mau?
LP – Eu acho que é bom. É que, apesar de poder existir noutras regiões, a Baga é praticamente indissociável de Bairrada. Portanto, quando se fala de Baga, fala-se quase sempre de Bairrada. E a casta tem uma enorme vantagem internacional: é mais fácil de identificar do que a região e é muito simples de pronunciar em qualquer língua. É uma boa marca.
MSN – Nós não temos só Baga na região. Temos outras castas tintas e temos, acima de tudo, vinhos brancos de nível mundial. Mas a Baga é a nossa casta identitária e devemos associar sempre a casta à região. É o mesmo que o Alvarinho. Hoje planta-se Alvarinho em todo o país, mas para o consumidor português, Alvarinho é Monção e Melgaço. E a Bairrada ainda tem a sorte de a Baga ser menos adaptável do que o Alvarinho, viaja pior para outras regiões. Também há Pinot em muito sítio, mas Pinot a sério é Borgonha. Por isso, bem trabalhada, a Baga pode abrir caminho para comunicar a Bairrada e os outros grandes vinhos que aqui fazemos.
Por último, exceptuando os vinhos de ambos, que tintos de Baga escolhem para a vossa mesa?
LP – Os outros vinhos dos Baga Friends (Sidónio de Sousa, Quinta de Baixo, Filipa Pato e Quinta da Vacariça), e também Outrora, Vadio, Kompassus…
MSN – Acho que estamos sintonizados nas escolhas (risos). Mas dentro do estilo que eu mais gosto, acho que se destacam Sidónio de Sousa, Kompassus, Filipa Pato e Outrora.
(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2021)