A lei do Oeste

A candidatura conjunta de Torres Vedras e Alenquer permitiu a estas terras da região vitivinícola de Lisboa assegurar a distinção de Cidade Europeia do Vinho em 2018. Às portas de um dos destinos mais na moda a nível planetário, será que o enoturismo está a aproveitar a maré? Rumámos ao Oeste, em busca de respostas. […]

A candidatura conjunta de Torres Vedras e Alenquer permitiu a estas terras da região vitivinícola de Lisboa assegurar a distinção de Cidade Europeia do Vinho em 2018. Às portas de um dos destinos mais na moda a nível planetário, será que o enoturismo está a aproveitar a maré? Rumámos ao Oeste, em busca de respostas. E voltámos com um verdadeiro resumo do que é o Portugal do vinho. Generoso, complexo, profundamente humano. E ainda longe de cumprir todo o seu potencial.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Em 2017, Lisboa recebeu 4,94 milhões de turistas, quase dez por cada residente. Só em alojamento, estes visitantes gastaram no ano passado 1065 milhões de euros. Os números continuam a ser esmagadores e as perspectivas são de crescimento. Sim, a “invasão” continuou em 2018 e promete não dar tréguas. Com a Cidade Europeia do Vinho “sediada” em Torres Vedras e Alenquer, que distam escassas dezenas de quilómetros da capital, os horizontes parecem abrir-se para os operadores da região. Ainda mais após o lançamento, em Setembro, do Guia de Enoturismo destes dois municípios.
São 64 páginas, metade em português e a outra em inglês, onde se fala dos vinhos de Torres Vedras e Alenquer, fornecem-se indicações sobre as rotas do vinho e enumeram-se os produtores que recebem visitantes. Ao todo, são dez em Torres Vedras e 16 em Alenquer. É um número bastante razoável, mas que representa apenas uma fracção do universo vitivinícola destes dois municípios, ambos colocados no top-5 dos concelhos com mais vinha em território português, de acordo com números de 2014: Torres Vedras (5.126ha) aparece em terceiro lugar e Alenquer (4.886ha) em quinto, numa tabela liderada por Palmela (6.025ha).
Há muita vinha, há muito vinho e há muita vontade de fazer mais e melhor. Mas também ainda há muito caminho a percorrer, nomeadamente nesta vertente do enoturismo. Uma rápida consulta do Guia mostra que as casas com porta aberta são ainda as excepções: apenas a Quinta de Chocapalha e a Casa Santos Lima não solicitam marcação prévia (e, mesmo estes, mudam de registo ao fim-de-semana). Por todo o lado, a regra é receber mediante agendamento, ainda que em alguns casos os espontâneos acabem por ser acolhidos.
Ainda é pouco, para mais atendendo ao mercado potencial que se perfila na região (e na cidade de Lisboa, em particular). Para mais, a região de Lisboa é um excelente cenário para se absorver a realidade dos vinhos portugueses. Com o Atlântico perto e uma orografia intrincada, as terras que vão dos subúrbios da capital até à zona de Óbidos produzem vinhos completamente distintos ao virar de cada cumeada. Alenquer e Torres Vedras, por exemplo, estão lado a lado, mas a primeira é conhecida por ser terra de tintos, enquanto a segunda afirma os seus brancos. E, no entanto, há belos brancos em Alenquer e tintos de valor em Torres…
Se o vinho português é variado e complexo, Lisboa é o exemplo perfeito dessa riqueza. É neste Oeste que encontramos a expressão máxima da lei do terroir. Um mundo à espera de ser descoberto.

Quem chega à quinta do Anjo, a casa-sede da Quinta do Pinto, terém, de imediato, duas impressões: a força do tempo e a beleza do espaço. Para a primeira contribuem a traça nobre e antiga da casa, um palacete do século XVII; e a silhueta maciça dos eucaliptos que bordejam o pátio, três colossos seculares de troncos ciclópicos. A beleza do espaço vive também destas impressões fortes, mas assenta principalmente na harmonia das curvas do terreno, das linhas de vinha que sobem pelas encostas, nas fileiras de arvoredo que limitam as fracções, na paleta de cores que se espalha de ambos os lados da estrada.
São 120 hectares de propriedade, espalhados em forma de “8” com a casa no centro, que é também o ponto mais baixo. Subimos ao extremo da propriedade do lado sul, com o bloco maciço da serra de Montejunto dominando o horizonte, e percebemos facilmente a enorme diversidade de terrenos e exposições. A vinha ocupa mais de metade da área da propriedade (63ha) e as principais manchas estão viradas a sul, pontuadas por algumas construções para as quais já existem planos.
A quinta é um cenário privilegiado e há infra-estruturas encerram potencialidades para muito mais altos voos. Planos existem, uns em vias de concretização no curto/médio prazo, outras num horizonte temporal mais distante: transformar um depósito no alto da vertente norte em sala de provas; recuperar um complexo rústico de habitações para criar alojamentos (quatro quartos), aproveitar outras construções para dar corpo a um restaurante, reaproveitar a antiga cavalariça para loja (inauguração em breve), transformar a destilaria em espaço museológico…
Um destes dias, a Quinta do Pinto poderá ser um grande destino enoturístico. Mas o que lá está já vale bem a visita. A casa é de uma elegância distinta, com a particularidade (assumida pelo arquitecto no desenho original – do século XVII, ressalve-se) de o acesso à adega ser feito pela zona habitacional, onde pontificam vetustos salões com tectos em madeira, mobiliário clássico e belas pinturas nas paredes. Virados para o pátio exterior, em calçada portuguesa, há vários espaços para provar vinhos ou fazer refeições.
Lá dentro há belos mostos a cheirar a fruta, barricas de madeira, cubas de inox e grandes depósitos em cimento (com os nomes das crianças da família em painéis de azulejo). Mas viremos costas à azáfama das vindimas e concentremo-nos nesta vista, copo na mão e conversa fácil. O vento sopra nas folhas dos choupos e a luz de Setembro acaricia as vinhas. A vida é bela.

QUINTA DO PINTO
Quinta do Anjo, Aldeia Galega da Merceana, 2580-081 Alenquer
Tel : 919 100 800
Mail: quintadopinto@quintadopinto.pt
Web: www.quintadopinto.pt
A quinta recebe visitantes (mínimo duas pessoas) preferencialmente aos dias de semana, mediante marcação prévia. Há três programas distintos, todos envolvendo passeio pela propriedade, visita à adega com prova de amostras de cuba e posterior prova de vinhos. Os preços variam conforme o número de vinhos e os acompanhamentos (três vinhos, com pão e queijo – 25 euros por pessoa; quatro vinhos com pão, queijo e presunto – 30 euros; seis vinhos, com pão, queijo, presunto, frutos secos, salgados e tapas – 45 euros) e há descontos para grupos.

Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 3
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

Ali bem perto, aproximando-nos das vertentes de Montejunto, fica a Quinta do Monte d’Oiro, um espaço onde imperam a harmonia, a limpeza e a excelência das instalações. E dos vinhos, já agora. Não espanta o perfeccionismo: aqui está a mão de José Bento dos Santos, ilustre gastrónomo nacional e um homem conhecido pela sua atenção ao mínimo detalhe. Se não ficaram dúvidas de que há ambições de fazer crescer o enoturismo na Quinta do Pinto, aqui a estratégia também é clara: sem nunca virar costas às visitas privadas, o alvo preferencial são as entidades interessadas em organizar eventos corporativos.
Quando entramos, logo no terreiro contíguo à adega, uma escultura do próprio Bento dos Santos, intitulada “Terroir”, mostra placas de calcário sobrepostas a serem “espremidas” numa prensa sobre uma coluna de cobre – e esta é uma boa forma de lançar o tema do terroir. As vinhas lançam-se dali encosta abaixo e sobem na vertente oposta, até às linhas de arvoredo na crista – encontramos um bosque de nogueiras, sobreiros e até cedros-do-Bussaco, alguns carismaticamente curvados pela força dos ventos.
A variedade da paisagem e dos microclimas fica bem evidente até na toponímia: estamos na Ventosa, lá mais ao fundo fica a Abrigada… E estas brisas constantes são também parte da alquimia da quinta, com pouco a recear das humidades doentias e com probabilidade diminuta de noites demasiado quentes, que prejudicam a maturação lenta e gradual das uvas. Ao lado dos 20 hectares de vinha já existentes, foram agora (em 2017) plantados outros nove – e é extraordinário verificar a diferença de crescimento entre plantas da mesma casta e com a mesma idade, conforme os lotes de terreno em que estão implantados. É também por isso que na Quinta do Monte d’Oiro cada parcela é vindimada e vinificada em separado.
Percorremos a adega, o salão de refeições (com mesa de grandes dimensões e lareira, bem como uma sala de reuniões adjacente), entramos na sala de provas às escuras e só depois descobrimos a vista para as barricas, havemos depois de passar pela pequena loja junto ao estacionamento. Em todo o lado, limpeza e harmonia, a sensação de que tudo foi arranjado ao pormenor, mesmo se por ali passa gente a trabalhar. Todos os programas são por marcação e sem horários, mas em todos se garante atendimento personalizado e uma explicação detalhada dos vinhos e da filosofia que levou à sua criação. Quem aqui entra, sente-se especial.

QUINTA DO MONTE D’OIRO
Freixial de Cima, 2580-404 Ventosa, Alenquer
Tel : 263 766 060
Mail: geral@quintadomontedoiro.com
Web: www.quintadomontedoiro.com
A quinta está aberta aos dias úteis, entre as 9h e as 17h (sob consulta nos restantes dias) – ao fim-de-semana para um mínimo de 12 pessoas. A visita com prova de vinhos (incluindo sempre o Reserva tinto), acompanhada de tábua de queijos e enchidos regionais, custa 25 euros por pessoa (três vinhos), 35 euros (cinco vinhos) ou 60 euros (seis vinhos, incluindo edições limitadas/exclusivas – neste caso, mínimo de seis participantes).

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 3
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

Deixamos as terras de Alenquer e rumamos a Torres Vedras. Vamos conhecer um projecto com menos de uma década no mercado e que, no entanto, já se afirma como um dos produtores emblemáticos do concelho e mesmo da região lisboeta no seu todo. Criada em 2005, mas com actividade “a sério” apenas desde 2009, a AdegaMãe está incluída no grupo Riberalves (um dos protagonistas do comércio de bacalhau no mundo) e faz cerca de um milhão de garrafas por ano, com vinhas essencialmente de uva branca (22ha) junto ao edifício da adega (inaugurado em 2011) e de tinta (85ha) a uns meros dez quilómetros, a leste.
A adega foi inaugurada em 2011 e os pormenores de arquitectura cativam de imediato o olhar. Mas os seus pontos fortes são a sua funcionalidade (os tractores com uvas entram na adega para descarregar – um tubo colector de fumo é ligado ao escape, para impedir a acumulação de fumos) e a incrível paisagem que se estende aos seus pés. Da varanda dominamos uma panorâmica de mais de 180 graus sobre uma bacia coberta de vinhas (da AdegaMãe e dos seus vizinhos), que se estendem em suaves inclinações pelas encostas até às linhas de cumeeira da serra da Archeira, mesmo em frente.
Também aqui, a sudoeste de Torres Novas, a toponímia não deixa dúvidas: estamos na zona da Ventosa, sinónimo de frescas brisas marítimas que contribuem para limpar os frequentes nevoeiros matinais, a que os locais chamam “rocio”. Em linha recta, estamos a menos de 10km do mar e essa é uma influência clara nos vinhos da casa. O que vem mesmo a calhar quando o grande negócio da casa-mãe é peixe… No interior da adega, um barco de madeira que em tempos serviu no “Creoula”, o bacalhoeiro transformado em navio-escola, faz a ligação entre estes dois mundos.
Damos uma volta pela adega, com capacidade para 1,5 milhões de litros; visitamos a sala de barricas, a 14 metros de profundidade; entramos na sala de eventos, onde se podem sentar largas dezenas de pessoas; espreitamos a sala de provas, com mesas de tampos em mármore; descobrimos vários auditórios. Há aqui muita coisa para ver e a empresa (que recebeu em 2017, 10.000 pessoas para eventos, 3500 para visitas e um número não contabilizado para provas) ambiciona ser um destino cada vez mais completo. Na calha está um investimento de 150 mil euros que irá criar um espaço de petiscos. Mesmo a calhar, porque quem nunca provou os pastéis de bacalhau da AdegaMãe não sabe o que perde…

ADEGAMÃE
Quinta da Archeira, Estrada Municipal 554, Fernandinho, 2565-861 Ventosa, Torres Vedras
Tel: 261 950 100
Mail: geral@adegamae.pt
Web: www.adegamae.pt
GPS: +39º 02’ 55’’ N / -9º 17’ 45’’ W
O enoturismo e loja de vinhos estão abertos todos os dias (segunda a sábado, das 9h30 às 13h e das 14h às 18h30; domingos das 11h às 14h e das 14h às 18h). As visitas, com marcação prévia aconselhada, custam entre seis euros por pessoa (prova de um vinho) e 25 euros (prova de todos os vinhos disponíveis). Pelo meio há mais cinco opções. Pode ainda optar-se por um brunch, que fica por 25 euros por pessoa, com cinco vinhos na carta. Servem-se refeições mediante marcação, a 45 euros + IVA por pessoa (mínimo de oito pessoas ao almoço de segunda a sexta; mínimo de 20 participantes nos restantes dias e horários), com visita incluída.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

ESTAÇÃO DE SERVIÇO
No intrincado das estradas do Oeste, nem sempre é fácil decorar o caminho. Mas a profusão de restaurantes é garantia de que não haverá falta de combustível… Escolhemos três casas nesta região de Torres Vedras e Alenquer, duas que unem a tipicidade ao bom acolhimento e a terceira – Casta 85 – já com outras ambições gastronómicas.
ADEGA VILA VERDE – Estrada Nacional nº9, Aldeia Gavinha; 263 760 574
O SANTINHOS – Estrada Nacional nº8, Turcifal; 261 951 474
CASTA 85 – Calçada Francisco Carmo 31, Alenquer; 915 761 911

Edição nº18, Outubro 2018

Recantos do Dão

Há tanta coisa, e sempre tão diferente, para descobrir no Dão que cada incursão tem o sabor de uma aventura única. Desta vez, em três saborosas paragens, confirmamos toda a sedução de uma terra dura no contacto, mas generosa nas dádivas. Vinho e muito mais, de Carregal do Sal a Mortágua, passando por Viseu. TEXTO […]

Há tanta coisa, e sempre tão diferente, para descobrir no Dão que cada incursão tem o sabor de uma aventura única. Desta vez, em três saborosas paragens, confirmamos toda a sedução de uma terra dura no contacto, mas generosa nas dádivas. Vinho e muito mais, de Carregal do Sal a Mortágua, passando por Viseu.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Imaginemos um território de forma quase oval, um planalto delimitado por um anel de serras (Buçaco, Caramulo e Arada, a Oeste; Montemuro, Leomil e Lapa, a Norte; Estrela, a Sudeste; Açor, a Sul) e escavado por rios que correm de Nordeste para Sudoeste (Mondego, Dão e Alva, todos tributários da barragem da Aguieira) ou, na metade setentrional da região, de Leste para Oeste (Paiva e Vouga). Parece a descrição de uma fortaleza inexpugnável, mas esta é uma cidadela de portas abertas.
Resguardado da influência atlântica, o Dão é terra de meteorologia severa, com verões quentes e invernos frios, pedra de toque para gentes rijas e vinhos soberbos. Esta foi a segunda região demarcada de Portugal, em 1908 – e a primeira de vinhos não generosos, já que a do Douro foi criada para regulamentar o Vinho do Porto. Durante décadas, os vinhos do Dão, criados em planaltos e encostas invariavelmente enquadrados por floresta, estiveram no topo do prestígio nacional. Depois, perderam identidade, viram outras regiões conquistar protagonismo. Mas a chama nunca se apagou e os tempos mais recentes mostram uma região apostada em recuperar a alma e o prestígio.
Com uma gastronomia bem própria, abundante património histórico e uma paisagem cheia de contrastes e recantos mágicos, a “fortaleza” do Centro de Portugal está à espera de quem queira descobrir os seus encantos. E, numa altura em que o calor volta a apertar e ainda temos bem vivo na memória o horror dos fogos florestais, visitar esta região é também prestar um tributo solidário às suas gentes.

Oliveira do Conde é uma freguesia do concelho de Carregal do Sal com pouco mais de três mil habitantes, mas uma história pelo menos tão antiga quanto Portugal – recebeu foral de D. Dinis em 1286 – e uma série de edifícios que falam desse passado distinto. E é também terra de vinhos, com vários produtores ali sediados. Um deles é a Quinta das Marias, que resulta de um trajecto inverso ao que levou o nome do país aos quatro cantos do globo: aqui, a obra foi feita por um imigrante.
Peter Eckert, suíço, adquiriu a propriedade em 1991, então uns meros quatro hectares, dois dos quais de vinha, completamente ao abandono. A pouco e pouco, foi juntando parcelas ao seu núcleo original e neste momento são já 16 hectares de área total, com 12 de vinha. A primeira adega nasceu em 1995, a segunda foi inaugurada já no século XXI. Ficam uma de cada lado do terreiro de entrada, onde três mastros exibem as bandeiras de Portugal, da Suíça e de Oliveira do Conde. Uma tradição de sempre, aqui.
Um passeio pelas vinhas permite perceber como cada parcela tem características muito próprias – e essa é a inspiração para os vinhos da casa, sempre definidos tendo por base as uvas de cada parcela, que são vindimadas e vinificadas em separado, antes das decisões na adega. Há oliveiras e pinheiros sempre em linha de vista e lá ao fundo a surpresa de encontrar as ruínas de um antigo lagar, com as bacias em granito, as mós e os apoios das varas resistindo ao passar dos anos. O plano é transformar este local numa sala de provas. Promete.
O granito volta a surgir-nos nos lagares do edifício da adega original, hoje reservada para zona de estágio dos tintos e sala de barricas – a vinificação é feita ali em frente na adega mais recente, onde se organiza também o armazém, rotulagem e o espaço de loja para quem desejar adquirir os vinhos localmente. Mas é do outro lado que nos sentamos (ao balcão!) para provar os vinhos e ouvir as suas histórias.
Cá fora, à saída, procura-se uma sombra para o derradeiro relance pela paisagem. Estamos num planalto, a cerca de 300 metros de altitude, com o Mondego a correr a Sul e o Dão a Norte. No horizonte perfilam-se algumas das serras que vigiam este território: Açor, Gardunha, Estrela. Com um bocadinho de esforço, podemos perceber o volume cilíndrico da construção no alto da Torre. Quando há neve, funciona como um verdadeiro farol.

QUINTA DAS MARIAS
R. Portela, 34, Oliveira do Conde, 3430-364 Carregal do Sal
Tel: 935 807 031 / 964 828 669
Mail: eckert@sapo.pt / quintadasmarias@icloud.com
Web: www.quintadasmarias.com
GPS: 40.442634, -7.967985
A quinta está aberta a visitas das 9h às 12h e entre as 14h e as 17h, mas a flexibilidade é a palavra de ordem. Tanto nos horários como nos preços a praticar, sob consulta e dependente do número de participantes e dos vinhos a provar. Por razões logísticas, a dimensão dos grupos está limitada a 25 pessoas. O programa normal inclui visita às vinhas e à adega, seguida de prova.

Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 3
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17

Rumamos a Norte. Mas, indo nós a caminho de Viseu, havemos de parar antes de lá chegar… Junto à pequena localidade de Soutulho fica o Hotel Rural Quinta do Medronheiro, na margem oposta à do planalto de Viseu, confinando com um rio (o Pavia, afluente do Dão) que continua a lutar contra a poluição e em linha de vista com duas grandes vias rodoviárias (o IP3, em viaduto, e a A25). Pode um local tão “urbano” ser um paraíso bucólico de sossego e comunhão com a Natureza? Pode, pois. Porque houve quem soubesse criar as condições para que quem chega sinta que está a entrar num mundo diferente.
A propriedade tem 37 hectares e assenta a sua actividade em três vertentes principais: três hectares de vinha, um salão de eventos (situado no andar superior da adega, com vista panorâmica) e o hotel rural. Este acomoda 16 quartos em três edifícios contíguos, interligados por um delicioso labirinto de escadarias em pedra, canteiros ajardinados e telheiros de madeira. Ao fundo, a piscina. Lá dentro, o restaurante, que funciona apenas por marcação, para refeições e provas de vinhos.
Aqui a regra é o sossego. Sim, há bicicletas para quem queira dar uma volta e os passeios a pé são altamente recomendados, mas a ideia base é estarmos quietos. A ler, a beber um copo de vinho da casa (há tinto e dois espumantes e para breve estão prometidos um branco e um rosé, todos com enologia de Hugo Chaves), ou simplesmente a ver passar o tempo – de olhos abertos ou fechados…
Mas, por mais sedutora que seja a perspectiva de não fazer nada quando o calor aperta, há tanto para ver que seria pena não pôr os pés ao caminho. As vinhas, os jardins que ladeiam as quatro salas para casamentos e outras cerimónias, os carreiros junto aos prados e pelo meio do arvoredo (muitos medronheiros, nada comuns na região, mas que dão o nome ao local), os penedos de granito, a lagoa lá no alto, as vacas que por ali pastam e os três cavalos que passeiam pela propriedade em regime semi-selvagem.
Fomos encontrá-los junto ao rio. O Oloroso, veterano que até já deu nome a um dos vinhos da casa, a égua Violeta e o jovem Riscado pastam na zona mais fresca, junto às águas que correm por entre as pedras. Dois moinhos de água surpreendentemente bem conservados ilustram uma tradição local, mas estão desactivados e os planos de recuperação deste património ancestral esbarram na má qualidade das águas do rio. Pena, porque esta podia ser a paisagem perfeita.

HOTEL RURAL QUINTA DO MEDRONHEIRO
Quinta do Medronheiro, Soutulho, 3510-744 São Cipriano, Viseu
Tel: 232 952 300 / 968 817 437
Mail: geral@quintadomedronheiro.pt
Web: www.quintadomedronheiro.pt
GPS: 40º37’26.817’’N / 7º57’59.106’’W
O hotel funciona todos os dias do ano, com 16 quartos de diversas tipologias e preços que vão dos 80 euros (duplo standard) aos 115 euros (apartamento T1). Sob reserva, organizam-se jantares com sabores típicos da região (25 euros por pessoa, mais bebidas); as provas de vinhos, com lanche regional, custam 15 euros por pessoa.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2
Venda directa (máx. 3): –
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 18*

* Média ponderada; a filosofia do local não contempla a existência de loja.

E, por falar em paisagem, é impossível não nos arrepiarmos com o cenário que nos espera nas margens da barragem da Aguieira. Estamos a caminho de Mortágua e as cicatrizes do horrível incêndio de Outubro do ano passado acompanham-nos durante quilómetros, arrasando tudo de alto a baixo – não fossem os rebentos espontâneos de eucalipto, que já alcançam um bom metro de altura, e poderíamos imaginar-nos nas encostas de um vulcão…
Mas o fogo não chegou às suaves encostas de vinhas que nos levam até à adega da Quinta da Giesta, da empresa Boas Quintas, onde nos aguarda uma surpresa. Entramos na sala da loja e um ecrã gigante saúda: “A BOAS QUINTAS dá as boas-vindas à Revista Vinho Grandes Escolhas; Luís Francisco e Ricardo Palma Veiga.” São uns queridos, mas claro que isto é especial para jornalistas… Mas não, não é. Sempre que possível, é uma atenção reservada a quem visita esta quinta com vista para Mortágua.
Da loja saímos para a vinha, onde pontificam as castas tradicionais do Dão (Touriga Nacional e o Encruzado à cabeça), mas também outras, incluindo os primeiros pés de Arinto de Bucelas plantados na região – influência evidente do perfil generalista do homem-forte da casa, o enólogo Nuno Cancela de Abreu, que faz vinho em quase todo o país. Aqui e ali descortinamos ninhos em madeira e também caixas para os morcegos, que são os predadores naturais da traça da videira.
Entramos pela adega, moderna e equipada para fazer face às ambições de uma empresa que aponta este ano ao milhão de garrafas. Aqui não encontramos cave de barricas (essa fica na casa de família de Nuno Cancela de Abreu, no centro de Mortágua), mas somos conduzidos ao salão onde se realizam as provas. E é por esta altura que começam as “dificuldades”…
Porque embarcamos em duas enriquecedoras experiências: O Jogo dos Aromas e O Meu Vinho. Na primeira, é preciso identificar os aromas em vários vinhos, usando, para comparar, uma caixa com 88 (!) essências diferentes e uma cábula com as famílias de fragrâncias que podemos encontrar no vinho. O segundo é mais “mãos na massa”: depois de provarmos três castas a solo (Touriga Nacional, Alfrocheiro e Tinta Roriz), vamos compor o nosso próprio lote e engarrafá-lo. De caminho, se houver crianças no grupo, elas terão desenhado um rótulo. Isso e escrito uma carta para si próprios, que meterão numa garrafa com instruções para só a abrirem daí a cinco anos. Imaginação ao poder.

BOAS QUINTAS
R. Quinta da Gandarada, 14, 3450-335 Mortágua
Tel: 231 921 076 / 925 873 805
Mail: wines@boasquintas.com / rita.mendes@boasquintas.com
Web: www.boasquintas.com
Visitas das 10h às 12h e entre as 14h e as 18h, de segunda a sexta-feira, solicitando-se marcação antecipada com dois dias de antecedência. Visitantes sem marcação ou em horários diferentes e ao fim-de-semana ou feriados ficam sujeitos à disponibilidade da equipa. Há três níveis de prova de vinhos, com preços entre 4,5 euros e os 15 euros por pessoa. O Jogo dos Aromas fica por 20 euros por participante, com prémios por bom desempenho e prova de cinco vinhos; O Meu Vinho custa 25 euros por pessoa, incluindo prova de cinco vinhos e a garrafa criada na ocasião.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5ESTAÇÃO DE SERVIÇO
O Dão é uma manta de recantos e um puzzle de paisagens e experiências. Por isso, não se leve a mal que a nossa recomendação para abastecimento sólido contemple um leque vasto de boas mesas, noutras tantas localidades. E se nunca ouviu falar de lampantana, não deixe de visitar a última das propostas…
ZÉ PATACO – Rua do Comércio, 124, Canas de Senhorim; 232 671 121; restaurantezepataco@gmail.com
3 PIPOS – Rua St. Amaro, 966, Tonda, Tondela; 232 816 851; 3pipos@gmail.com
PALACE – Rua Paulo Emílio, 12, Viseu; 232 284 758; palace.viseu@gmail.com
ALDEIA SOL – Avenida do Reguengo, 281, Vila Meã, Mortágua; 231 929 127; aldeiasol@sapo.pt

Edição nº17, Setembro 2018

 

Do Tâmega ao Ave, em tons de Verde

Andámos pelo flanco sul da região dos Vinhos Verdes, entre vinhas que resistem aos avanços urbanísticos e outras que dominam paisagens quase intocadas. Do vale do Ave ao vale do Tâmega, de Santo Tirso e Vila Nova de Famalicão a Celorico de Basto, fica bem evidente toda a riqueza e variedade deste colorido cantinho de […]

Andámos pelo flanco sul da região dos Vinhos Verdes, entre vinhas que resistem aos avanços urbanísticos e outras que dominam paisagens quase intocadas. Do vale do Ave ao vale do Tâmega, de Santo Tirso e Vila Nova de Famalicão a Celorico de Basto, fica bem evidente toda a riqueza e variedade deste colorido cantinho de Portugal.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

A região dos Vinhos Verdes é extensa e multifacetada. E esta riqueza de paisagens, enquadramentos e vivências fica bem expressa nos seus vinhos, que estão a dar passos cada vez mais seguros para fugirem à imagem feita e padronizada do produto leve, com gás e sem grande personalidade, de pronto-a-beber. Basta olhar para a forma como diferentes castas se afirmam em cada um dos principais vales que cortam a região – Alvarinho no rio Minho, Loureiro no Cávado, Avesso no Ave… – para se ficar com uma boa noção de que isto de dizer “Verdes” e achar que se tirou a fotografia toda é (e nunca o chavão se aplicou com tanta propriedade) chão que já deu uvas.
Do aconchego do terroir de Monção e Melgaço a territórios já a sul do rio Douro (a região dos Verdes estende-se até Castelo de Paiva, Cinfães e Resende), e com interioridades a fazerem a ligação ao mais famoso dos nossos recantos vínicos, o Douro, passando de caminho por vales húmidos e férteis, enfrentamos um mosaico de experiências dificilmente replicáveis em tão curto espaço. A prova disso é a nossa viagem, que nos leva da cintura industrial do Porto (o concelho de Vila Nova de Famalicão é o terceiro maior exportador do país, depois de Lisboa e Palmela) aos recantos bucólicos de Celorico de Basto. E tudo começa, imagine-se, sob o signo da arquitectura de inspiração nórdica…
Sim, nórdica. E não é preciso ser-se especialista em arquitectura ou letrado em culturas boreais para se perceber de imediato que esta imensa estrutura em madeira é algo que nos acostumámos a ver nas paisagens do Norte da Europa, rodeadas de neve, e céus frios. Aqui é mais oliveiras, pinheiros e vinhas. Isto dentro de muros, porque lá fora é toda uma paisagem urbana e industrial que marca presença. Estamos na Adega Casa da Torre, em Louro, Vila Nova de Famalicão, num verdadeiro oásis de verde e água que brota e corre por todo o lado.
A tradição familiar na agricultura já leva umas boas oito décadas e esta propriedade em particular foi adquirida em 1977, então para gado e vinha, centrando-se mais tarde nesta segunda cultura. O século XXI trouxe a produção com marca própria e em 2009 nasceu a adega, este edifício imponente desenhado pelo arquitecto Carlos Castanheira e que dá corpo à paixão da família pela madeira. Um imenso telhado de duas abas assente em vigas titânicas emoldura a entrada, onde um tanque em pedra se enche de água e dois bancos escavados em troncos aguardam quem ali se queira refugiar do calor que teima em não chegar.
Escolhemos entrar pelas traseiras e o trajecto leva-nos ao longo do canal de água que corre paralelo à parede da adega, franqueando edifício em pedra e recantos ajardinados. Lá atrás, quase escondida pelo arvoredo, está a casa da família. Entramos na adega e logo o olhar acelera pelo passadiço central em madeira, que percorre o edifício lá no alto, de um extremo ao outro, até desembocar no escritório, um espaço que se projecta na fachada da adega, com uma parede envidraçada a oferecer vistas de arvoredo. Lá fora há vinhas rodeadas de arvoredo e até – extraordinário – uma sebe de azevinhos, plantada há 30 anos.
Descemos e estamos no espaço reservado às provas, em plena adega, uma mesa em pedra preta e um armário de madeira dominando o local. Mas há quem prefira andar uns metros e entrar no laboratório que desponta num dos cantos do pátio de entrada, que é, afinal, um antigo pipo reconvertido em espaço utilizável. Com o projecto paralelo Secret Spot, no Douro, a preparar-se para proporcionar dormidas na Quinta da Faísca, em Favaios, o enoturismo na Adega Casa da Torre ainda está a ganhar balanço. E até por isso (e pela beleza iconográfica do edifício, naturalmente), não surpreende que cerca de metade dos visitantes que aqui acorrem venham por causa da arquitectura. Mas esses também gostam de vinho.

ADEGA CASA DA TORRE
Rua Dr. Carlos Araújo Chaves, nº 50, 4760-551 Louro, Vila Nova de Famalicão
Tel: 934 030 209
Mail: geral@adegacasadatorre.com
Web: www.adegacasadatorre.com
O enoturismo está numa fase de arranque e novidades poderão sempre aparecer a qualquer momento, beneficiando das sinergias a criar quando o projecto paralelo Secret Spot, no Douro, criar alojamento. Por enquanto, está disponível a visita à adega e vinhas com prova de vinhos no final. Os preços por pessoa variam entre 7,5 euros (prova de um vinho), 10 euros (dois vinhos) e 15 euros (três vinhos).
Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17
Paremos um pouco para apreciar a profunda mudança de cenário. O “crepitar” das águas vivas do Tâmega e a chilreada dos pássaros servem de fundo sonoro, agora mesmo abrilhantado pelo toque da “Avé Maria” numa igreja da outra margem. Das clareiras lisas passámos às vertigens verticais, precipitando o olhar desde o alto até ao mistério de um vale onde não conseguimos descortinar o rio. Estamos na Quinta das Escomoeiras, ali a dois passos da antiga estação ferroviária de Lourido, Celorico de Basto.
Da antiga linha de comboio, agora transfigurada em ecopista, chega-se à entrada da quinta por uma estrada mais do que secundária e que não se aconselha a quem sofra de vertigens. Mas aqui é tudo assim: o primeiro olhar através do portão chega a deixar-nos na dúvida sobre se chegamos ao sítio certo… Onde é que estão os nove quartos, as áreas comuns, a adega? A piscina, sim, essa brilha num azul romântico por entre o verde dos terraços, mas o resto…
O resto está lá, aninhado nas curvas de nível da encosta, que se precipita quase na vertical até ao Tâmega. É quase incompreensível, numa primeira impressão, abarcar a forma como tudo se equilibra neste anfiteatro natural. Leva o seu tempo, mas depois tudo vai fazendo sentido. A bebida de boas-vindas é um bom pretexto para pararmos um pouco e absorvemos a intensa magia do local. Casas de pedra, pátios, terraços, varandas, caminhos, relvados, telheiros de madeira, escadarias. E verde, muito verde.
Para além das videiras, algumas enormes, de desenvolvimento vertical e troncos maciços, há por aqui muito para desafiar até o botânico mais experimentado. A começar pela proliferação de orégãos, que mandaram às urtigas o seu temperamento mediterrânico e se instalaram nos muros e canteiros ao longo do caminho que leva ao complexo principal. São uns 50 metros a pé, ao longo dos quais, para além de passarmos por cima de uma plataforma feita com antigas sulipas do caminho-de-ferro, podemos contabilizar fetos, roseiras, hortênsias, alecrim, alfazema, sardinheiras; e cameleiras, oliveiras, pessegueiros, limoeiros, cerejeiras… E fiquemo-nos por aqui, porque a quinta garante que é lá em baixo, junto ao rio, que a Natureza é mais exuberante e preservada.
Fernando Fernandes, um antigo economista do Porto, demorou década e meia a reconstruir este local e agora alia o turismo à produção, em modo biológico, de vinhos e outros produtos agrícolas e derivados, como compotas e ervas, à venda na loja da quinta. Cerca de 90 por cento da clientela vem do estrangeiro. E escusam de trazer o stress na bagagem: aqui não há pequeno-almoço antes das 9h.

QUINTA DAS ESCOMOEIRAS
Quinta das Escomoeiras – Lourido, 4890-055 Arnoia – Celorico de Basto
Tel: 935 322 786 / 255 322 785
Mail: geral@quintadasescomoeiras.com
Web: www.quintadasescomoeiras.com
GPS: 41º20.668’N; 7º59.890’W
A adega está aberta a visitas, com prova de vinhos, todos os dias entre as 9h30 e as 13h e entre as 14h e as 19, de Abril a Outubro; de Novembro a Março os horários são 10h-13h e 14h-17h. No período de 16 de Dezembro a 31 de Janeiro solicita-se marcação antecipada. O preço dos quartos varia entre os 110 e os 150 euros na época alta (95/130 na época baixa). Na quinta pode fazer caminhadas pelas vinhas e paisagem circundante, passeios de bicicleta pela ecopista do Tâmega, tomar banho no rio ou na piscina (com sauna e banho turco), visitar os animais (incluindo uma burra de Miranda, a Julieta) ou marcar actividades externas como canyoning, rafting, parapente ou passeios em todo-o-terreno.
Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 18
Que os mais empedernidos citadinos não torçam o nariz ao que vão ler a seguir, mas tem o seu encanto estar à conversa debaixo de um carvalho enquanto os porcos comem à nossa volta. Os porcos, neste caso, são a Rosita e dois dos seus filhos, que cirandam pelo cercado e vêm comer à mão de quem já os conhece há algum tempo. Na Quinta de Gomariz podemos sempre esperar uma surpresa. Isso e atendimento personalizado.
É essa a filosofia do enoturismo nesta propriedade encravada entre Vila Nova de Famalicão e Santo Tirso (os 17 hectares de vinha dividem-se entre os dois concelhos), cujo projecto vínico data do início deste século. Em 2005, já com António Sousa ao leme da enologia, definiu-se a aposta nos brancos e são essas as castas que dominam a paisagem quase plana, com excelente exposição solar e rodeada de muros de pedra. Tintas, na quinta, são apenas três: Vinhão, Padeiro de Basto e Espadeiro, estas duas últimas vinificadas em rosé. Nos brancos dominam a Loureiro, Alvarinho, Avesso, Azal e Fernão Pires.
Ao todo, há aqui 27 castas, um número potenciado pela existência de várias filas de vinha experimental, onde crescem pés de plantas com nomes tão extraordinários como Lameiro, Esganoso de Lima, Branco Escola/Pintosa ou Cascal. E estrangeiras como, entre outras, a Branco Lexítimo, de Espanha. E o passeio pelas vinhas é também uma forma de ir conhecendo os animais da quinta, como os cães, as ovelhas, os gansos, as galinhas pretas. E os corvos, que são, dizem-nos, quem manda realmente aqui.
A Natureza mostra-se exuberante e as práticas da casa fazem por respeitar essa riqueza. Graças à instalação de painéis solares, a Quinta de Gomariz é auto-suficiente em termos energéticos e também de água. Com o pormenor curioso de o sistema de frio da adega (onde os vinhos são, religiosamente, guardados a 15ºC, para lhes dar “anos de vida”) precisar de funcionar com maior intensidade quando está calor e isso coincidir com os períodos de melhor desempenho dos painéis solares…
Cumprimos o percurso pela adega, que agrega espaços de construção moderna a um edifício em pedra de traça tradicional, e encerramos a visita na sala de provas, “vigiados” lá de fora pelos gansos e galinhas que vão cirandando pelo terreiro. Os vinhos falam-nos da relação com a terra e dos cuidados na adega. São, na sua elegância e profundidade, o melhor retrato desta quinta onde se respira tranquilidade e harmonia. E também uma mensagem indiscutível da excelência da região.

QUINTA DE GOMARIZ
Rua da Cerca, Landim – Famalicão
Tel: 252 891 144
Mail: info@quintadegomariz.com
Web: www.quintadegomariz.com
GPS: 41º22’32’’N / 8º27’22’’ O
A quinta está aberta para provas de segunda a sexta-feira, entre as 14h e as 16h30, e sábados das 10h30 às 12h30. Para outros horários solicita-se marcação prévia. Entre Setembro e Março, as visitas custam entre dois euros (época baixa) ou três euros (época alta) por pessoa (em alternativa: compras no valor de 15 euros). O preço sobe para quatro e cinco euros com prova de um vinho (ou compras de 20 ou 25 euros, conforme a época) e pode chegar aos sete/oito euros (ou compras no valor de 40 euros), quando a prova envolve quatro vinhos. Em épocas especiais (vindimas, Natal, Fim do Ano), será aplicado um tarifário diferente.
Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 3
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Se há uma dificuldade na tarefa de fazer uma lista de sugestões gastronómicas para quem visita o Minho, ela só poderá mesmo ser a da escolha. Quem visita estas paragens pode sempre contar com mesa farta e bom acolhimento, um pouco por todo o lado e nos mais diversos registos. Mas assumimos o desafio e deixamos aqui três belos postos de reabastecimento para humanos, cada um no seu estilo distinto (atmosfera mais familiar na Casa Sara Barracoa, ambiente mais distinto no Restaurante Quinta do Outeiro, tratamento informal no Restaurante Lage d’Água).
SARA BARRACOA – Praça D. Maria II, Vila Nova de Famalicão; 252 322 487
QUINTA DO OUTEIRO – Rua Outeiro de Baixo, nº 15, Amarante; 255 010 092 / 968 930 580 / 255 423 584; restaurantequintadoouteiro@gmail.com
LAGE D’ÁGUA – Avenida João Paulo II, nº 767, Rebordões, Santo Tirso; 252 858 630 / 914 200 008 / 914 251 220; lagedagua@gmail.com

Edição nº16, Agosto 2018

 

As melhores sombras de Beja

Assim à primeira vista, falar de Beja como terra de vinhos pode parecer estranho. Mas no “forno” de Portugal a cultura da vinha não é um capricho de insensatos nem uma missão impossível: há bons e grandes produtores de vinho. Com um foco muito especial no enoturismo. Talvez seja difícil encontrar em Portugal uma concentração […]

Assim à primeira vista, falar de Beja como terra de vinhos pode parecer estranho. Mas no “forno” de Portugal a cultura da vinha não é um capricho de insensatos nem uma missão impossível: há bons e grandes produtores de vinho. Com um foco muito especial no enoturismo. Talvez seja difícil encontrar em Portugal uma concentração de unidades de grande fôlego como a que descobrimos na cintura sul da capital do Baixo Alentejo.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Imaginemo-nos em Beja. De preferência à sombra, que o Verão está esquisito, mas não falha. Se apontarmos a sul, não precisamos de ir muito longe para encontrarmos pequenos paraísos onde o vinho marca o ritmo dos acontecimentos. Num raio de duas ou três dezenas de quilómetros, são várias as unidades de enoturismo que se afirmam como referência a nível nacional. É como se quem recebe fizesse questão de recompensar quem ali chega, longe das principais rotas turísticas e debaixo de um sol abrasador.
Nesta surtida por terras de estio, visitámos a Herdade da Mingorra, a Casa de Santa Vitória e a Herdade do Monte Novo e Figueirinha. Não terão, talvez, a notoriedade de alguns dos seus vizinhos, como a Herdade da Malhadinha Nova ou a Herdade dos Grous, mas os padrões de excelência impostos por estes enoturismos de elite estabelecem um padrão a que não se pode fugir, para se ser minimamente competitivo…
Ponto prévio à mesa: quando a equipa de reportagem da Grandes Escolhas se dirigiu a Beja, o Verão estava a dar os seus primeiros sinais de vida. Calorzinho já a rondar a barreira dos 30 graus, os primeiros escaldões do ano a darem sentido a uma paisagem que ganha a sua real dimensão quando o termómetro se anima. Nas terras onde se registou a mais alta temperatura de sempre em território português (47,4ºC na Amareleja, em 2003), o calor não é propriamente notícia, mas este ano de 2018 está a dar cabo de muitas ideias feitas…
Enfrentemos então o que o Verão tem para nos atirar contando com três bons aliados: as sombras que a Natureza e os humanos souberam criar, os planos de água onde podemos reequilibrar o termostato e os bons vinhos da região, pretexto ideal para fazer uma pausa e respirar o silêncio de uma terra imensa. A primeira paragem é na Herdade da Mingorra, onde tudo está preparado para alargar o leque de ofertas turísticas.]Um pequeno desvio do IC2 leva-nos até à Herdade da Mingorra, onde os 170 hectares de vinha acabam por nem ser a marca mais forte de uma paisagem onde encontramos oliveiras, sobreiros e – agora – também amendoeiras. Estamos a entrar numa propriedade com 1.400 hectares, na qual, além da agricultura, também a actividade cinegética (essencialmente, caça à perdiz, mas também javalis) sustenta a aposta turística. Aliás, surpresa, quando esperamos visitar uma unidade com visitas e provas de vinho, eis que encontramos um projecto já com alojamento em fase de afirmação!
A adega, situada num pequeno cabeço, a escassa distância do núcleo habitacional, funciona como pólo central da actividade agrícola e turística, concentrando os escritórios, o laboratório e todas as restantes unidades de apoio num edifício moderno e pensado para receber visitantes. Prova disso mesmo é a galeria metálica que permite dar a volta à adega lá pelo alto, enquanto ficamos a conhecer os processos de vinificação e a história dos vinhos da casa.
O aumento da produção, das actuais 900 mil garrafas/ano para umas expectáveis 1,3 milhões, impõe um alargamento do edifício e, com essa intervenção, ficam prometidas novidades também neste circuito turístico, nomeadamente o alargamento e enriquecimento do espaço da loja, que é também recepção. Já passámos pela cave de barricas e espreitámos a varanda panorâmica onde os visitantes se podem sentar para saborear um copo de vinho. A paragem seguinte fica a escassos 100 ou 200 metros de distância, mas há muito para falar durante o percurso.
Acontece que a Herdade da Mingorra há muito recebe grupos de caça e criou condições para que os visitantes pudessem pernoitar. Agora, a aposta é divulgar esta oferta e alargar o leque de visitantes que podem desfrutar desta funcionalidade. Ao todo, são quatro quartos independentes e mais dois (no espaço comum da casa de família) para quem cumpra o exclusivo programa Wine Experience. Para além dos quartos, mobilados em estilo rústico e com camas em ferro, os turistas têm ao seu dispor vários espaços comuns.
Sim, há uma sala de estar, uma cozinha e até um ginásio (!), mas o que se destaca é mesmo o belo pátio interior, enquadrado por um telheiro onde se fazem as refeições, cadeiras, mesas (cada uma com o seu guarda-sol) e um tanque de água tratada onde cabem todas as tentações de frescura. É por aqui que ficamos, de volta da mesa, dos petiscos e do vinho. As horas passam ao ritmo da conversa. Talvez soe a desculpa, mas está muito calor lá fora…

HERDADE DA MINGORRA
Herdade da Mingorra, 7800-761, Trindade, Beja
Tel: 284 952 004
Fax: 284 952 005
Mail: geral@mingorra.com
Web: www.mingorra.com
Solicita-se marcação com uma semana de antecedência para as visitas à adega com prova de vinhos, cujos preços variam entre os 17 euros por pessoa (três vinhos), os 24 euros (cinco vinhos + queijo) e os 30 euros (sete vinhos + aperitivos). A prova de seis vinhos com almoço, por 60 euros, exige um mínimo de seis participantes. O programa Wine Experience, que possibilita o contacto directo com os proprietários, tem um custo de 160 euros por pessoa (mínimo: seis participantes) e os alojamentos custam 90 (quarto single) ou 95 euros (duplo). O aluguer conjunto dos quatro quartos sai por 350 euros.
Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 3
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5
E, no entanto, é preciso seguir caminho. Não muito longo, mas rumo a uma realidade bastante diferente. Não na exuberância dos números, que agora sobem para um total de 1.620 hectares de propriedade e um milhão de garrafas/ano, mas sim na filosofia do projecto. Da exploração familiar para a unidade mais distintiva de um grande grupo hoteleiro, as diferenças são muitas, mas na Casa Santa Vitória, apesar do “peso” dos 81 quartos da unidade (Vila Galé Clube de Campo) com ela geminada, a actividade agrícola também é nuclear.
Com mais de 16.000 visitantes anuais, este é dos enoturismos alentejanos com maior movimento e se é verdade que a “colagem” a um hotel pode inflacionar os números, a verdade é que a adega e a propriedade têm todos os argumentos necessários para receber bem quem as visita. Esta é uma peça única no universo Vila Galé, grupo com três dezenas de unidades hoteleiras em Portugal e no estrangeiro, mas em breve terá companhia, quando a Quinta da Amendoeira, no Douro, for apresentada. Até lá, os vinhos do grupo são todos originários daqui – e uma parte significativa, mais de 30%, da produção, acaba por ser consumida internamente.
A adega, situada a menos de 50 metros do hotel, é espaçosa e desenhada a pensar nos visitantes (todos os corredores da área visitável são verdadeiras galerias), que podem começar a visita assistindo a um vídeo sobre o vinho – a sala onde é projectado tem janelas panorâmicas sobre a adega. E também se fazem aqui provas de azeite (há 150 hectares de olival e azeites da casa para descobrir). Depois de conhecer a adega e as caves (onde dezenas e dezenas de barricas abrigam a lenta alquimia do envelhecimento dos vinhos), saímos para um átrio mobilado com peças antigas e dirigimo-nos à loja para a prova de vinhos e petiscos.
Do outro lado do parque de estacionamento, há restaurantes, bares, quartos acolhedores, piscina, relvados, fontes, esplanadas, uma quinta pedagógica, courts de ténis, quartos ecológicos em tendas índias, picadeiro. À volta, terras agrícolas, com pomares, vinha e olival. Uma capela espreitando do outro lado do espelho de água da barragem do Roxo, onde se podem fazer passeios de caiaque. Do alto dos seus ninhos, as cegonhas presidem solenemente a esta paisagem que conjuga o melhor de dois mundos: o Alentejo rústico e o cosmopolitismo de um moderno hotel de família.[

CASA SANTA VITÓRIA
Vila Galé Clube de Campo
Herdade da Figueirinha – Santa Vitória, 7800-730 Beja
Tel: 284 970 100 / 284 970 170 (adega)
Fax: 284 970 150 / 284 970 175 (adega)
Mail: campo@vilagale.com / campo.reservas@vilagale.com
Web: www.santavitoria.pt
GPS: N37º 53º ’20’ – W8º 01′ 14′
As provas de vinho custam quatro euros por pessoa (3 vinhos Versátil), 6€ (três vinhos Santa Vitória), 11€ (quatro vinhos Santa Vitória) e 23€ (quatro varietais Santa Vitória). Regularmente, há jantares vínicos (40€), os piqueniques custam 20 ou 35€ e o programa de actividades no hotel é vastíssimo, incluindo passeios de balão, jipe, moto4 ou bicicleta, tiro aos pratos, cavalos, ténis e badmington, canoagem e gaivotas, paintball…
Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 3
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 18
E, por falar nisso, na ligação entre tradição e modernidade, eis chegada a altura de deixar um alerta à Câmara Municipal de Lisboa, proprietária, e à Casa Santos Lima, entidade exploradora: o título de “vinha do aeroporto”, aplicado à exploração situada junto à rotunda do Relógio, na capital, pode muito bem ser contestado pela Herdade do Monte Novo e Figueirinha, cujas vinhas se estendem na planura contígua ao novo (e polémico) Aeroporto Internacional de Beja. Na verdade, entre a saída da aerogare e a entrada da adega, mediam umas meras centenas de metros de estrada…
O volume de produção é aqui semelhante aos dois destinos visitados anteriormente: a Herdade do Monte Novo e Figueirinha (com perto de 80 hectares de vinha, aqui e na zona da Vidigueira), produz um milhão de garrafas por ano. E também se afirma em outros produtos, como o azeite (200ha de olival) ou as amêndoas (30ha). Tudo fica bem visível quando subimos ao alto da torre metálica que integra o complexo do lagar, uma “aventura” não recomendável a quem sofra de vertigens, mas que proporciona uma vista fantástica sobre a herdade.
Não é por causa do aeroporto, cujo reduzido movimento (para sermos simpáticos) não potencia a localização privilegiada da propriedade, mas a ligação especial à Alemanha (entre 1967 e 1987, a Base Aérea nº11 foi ocupada em exclusivo pela Luftwaffe, que a usava para instrução) criou aqui raízes e os alemães são o principal (e esmagador) contingente de visitantes – cerca de 15.000 por ano. À sua espera encontram uma adega com muitas histórias para contar e uma característica muito especial: uma nascente no interior, que ajuda a refrescar as instalações.
Depois de passarmos pela loja e recepção, visitamos a zona de produção do azeite (outra semelhança com os dois projectos visitados neste roteiro é a valorização crescente da vertente turística desta cultura) e entramos depois na adega. Deparamos de imediato com cinco talhas (a mais antiga data de 1843), que em breve servirão para ensaiar o primeiro vinho de talha do produtor. A sala de barricas (há mais de 400 unidades), um salão com varanda capaz de albergar uma centena de pessoas e a sala de provas com janelas panorâmicas para a zona de vinificação são os espaços mais marcantes do complexo.
Provamos alguns vinhos dos depósitos e depois regressamos ao calorzinho de Junho e à luz forte que reinam cá fora. A atmosfera é informal e familiar – bem adequada a um projecto criado por avô e neto, em 1998. Há gente a trabalhar um pouco por todo o lado, os passarinhos cantam e um Airbus está estacionado na placa do aeroporto. Até pode parecer estranho, mas tudo se encaixa.[

HERDADE DO MONTE NOVO E FIGUEIRINHA
Herdade do Monte Novo e Figueirinha, 7800-740, São Brissos, Beja
Tel: 284 311 260
Fax: 284 311 269
Mail: adega@figueirinha.pt
Web: www.figueirinha.pt
GPS: N38º03.032 – W7º55.615
A herdade está aberta a visitas de segunda a sexta-feira entre as 9 e as 13h e das 14 às 18h; ao fim-de-semana, recomenda-se marcação. As visitas ao lagar e adega, com possibilidade de provas de vinhos do depósito, são livres. Caso os clientes queiram provar vinhos específicos, ou acompanhar com petiscos, será acordado um preço.

Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 3
Arquitectura (máx. 3): 2
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17

ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Com um roteiro muito curto em termos de quilometragem, concentrando-se na região sul de Beja, e uma cidade com tanto para conhecer, o mais lógico é concentrar os “reabastecimentos” sólidos e líquidos na capital de distrito. Ficam duas sugestões, uma mais típica e tradicional (A Pipa, no centro), a outra moderna e funcional (Espelho d’Água, no parque da cidade). Em comum, a atenção muito especial dedicada aos vinhos da região.
TABERNA A PIPA – Rua da Moeda, 8, Beja; 284 327 043 / 968 115 032
ESPELHO D’ÁGUA – Rua de Lisboa, Restaurante do Parque da Cidade, Beja; 284 325 103 / 966 427 113 / 917 553 487; espelho_dagua@sapo.pt

Edição nº15, Julho 2018

 

As muitas faces da Bairrada

A região da Bairrada caracteriza-se pela sua paisagem diversificada, vinhos especiais e gastronomia vibrante. Neste cantinho do país que se estende pelos distritos de Aveiro e Coimbra, há muito para descobrir e saborear – razão mais do que suficiente para nos fazermos à estrada. No roteiro, um museu, uma cave tradicional e uma adega moderna. […]

A região da Bairrada caracteriza-se pela sua paisagem diversificada, vinhos especiais e gastronomia vibrante. Neste cantinho do país que se estende pelos distritos de Aveiro e Coimbra, há muito para descobrir e saborear – razão mais do que suficiente para nos fazermos à estrada. No roteiro, um museu, uma cave tradicional e uma adega moderna. E alguns bons restaurantes, claro.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Há muito tempo que o Museu do Vinho Bairrada, na Anadia, se tornou um destino central para quem visita a região. O edifício de arquitectura moderna inaugurado em 2003 e as suas colecções (as temporárias, abertas a uma variedade de temáticas e autores; e a permanente, à volta do vinho) atraem uma média de 2.000 visitantes por mês e servem, muitas vezes, de porta de entrada para o universo vitivinícola da região. Foi também esse o caminho que escolhemos: chegámos à Bairrada e dirigimo-nos ao museu do seu vinho. E fizemo-lo antes do almoço, saliente-se, porque o leitão é muito bom, mas a Bairrada tem muito mais para oferecer…Situado bem no centro da cidade de Anadia, junto à Estação Vitivinícola e à vinha que une os dois edifícios, fazendo a ponte entre o passado e o futuro, o Museu do Vinho Bairrada alinha-se num volume esguio e elegante. No primeiro piso, o espaço do lobby de entrada cola-se ao espaço do auditório e a áreas de exposição, povoadas agora por obras de Júlio Resende (até ao final de Maio), que nos transportam aos lugares que influenciaram os seus traços. Chama-se “A Experiência do Lugar” e é um excelente exemplo de como o museu trabalha outras áreas que não apenas a que lhe está no nome – uma iniciativa recente são as “Quintas no Museu”, série de tertúlias à quinta-feira à noite com gente com história e histórias para contar. Em Junho, será a vez de Júlio Pereira. A entrada é livre.
É no andar inferior que o enoturista vai encontrar a temática do vinho e da vinha. Descemos ao longo de um átrio onde, em lugar de destaque, repousa um lagar com tanque de madeira e prensa de vara. E então encaramos um comprido corredor, com salas laterais que nos levam pelo “Percurso do Vinho”. Primeiro a sala “Vinha”, depois a “Vindima” e por aí fora… Em todos estes espaços, o testemunho físico dos objectos do passado é complementado com imagens do presente projectadas na parede. Nalgumas salas, painéis com linguagem pictográfica ajudam a passar a mensagem a quem tenha limitações cognitivas.
Lá mais para a frente entraremos no espaço dedicado ao espumante – que tem, como é natural, papel de protagonista no museu. Encontramos máquinas de meados do século XIX e outras da viragem para o século XX, testemunhando o carácter pioneiro dos primeiros produtores da Bairrada. Fora dos olhos do grande público, o centro de documentação do museu disponibiliza a consulta de documentos dessa era. Os primeiros rótulos da época anunciavam então o “Champagne Portuguez”.
Três colecções, já no final do percurso, chamam imediatamente a atenção. Uma, a Colecção Comandante José Rafeiro, é constituída por cerca de 250 tambuladeiras (recipiente para provar o vinho, agora em desuso) de prata. A segunda, a colecção de saca-rolhas da família Adolfo Roque, exibe centenas destes instrumentos, dos mais elaborados aos mais simples, em metal, plástico, madeira, marfim. Já foi considerada uma das melhores 50 do mundo. A terceira colecção ocupa duas salas e mostra-nos garrafas, rótulos e publicidade do passado da região. Ficamos a saber que o licor Junípera é “o melhor produto estomacal”. E que houve em tempos um vinho chamado Matateu.

MUSEU DO VINHO BAIRRADA
Av. Engenheiro Tavares da Silva, 3780-203 Anadia
Tel: 231 519 780
Mail: museuvinhobairrada.m.anadia@gmail.com; m.anadia.p.dias@gmail.com
Web: cm-anadia.pt/2014-04-02-16-11-20/museu-do-vinho-bairrada
O museu está aberto todos os dias excepto à segunda-feira (10h/13h e 14h/18h aos dias de semana; 11h/19h aos fins-de-semana e feriados). A entrada custa um euro. Para além da exposição permanente sobre o mundo do vinho, há mostras temporárias de artes e autores diversos, bem como um auditório para 80 pessoas, biblioteca, mediateca e um espaço para eventos, com capacidade para 100 pessoas no interior e mais 50 num pátio interior (aluguer: 300 euros/dia).

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): *
Venda directa (máx. 3): *
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 3
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5*
* Nota ponderada. A filosofia do espaço não contempla estas actividades.A devoção especial ao espumante criou na Bairrada um tipo muito especial de instalações vinícolas, as caves. A sua história já teve altos e baixos – muitas destas casas não resistiram ao desaparecimento dos mercados das ex-colónias e desapareceram no último quartel do século XX, mas outras deram a volta e souberam renascer, adaptando-se às novas realidades. Um destes casos está ali bem perto da Anadia, na localidade de Ferreiros. Um longo edifício cor-de-rosa sinaliza que chegámos às Caves do Solar de São Domingos.
A entrada, discreta, faz-se por uma escadaria que leva a um pequeno pátio interior e, daí, à loja. A seguir, descemos para um salão onde se alinham uma centena de grandes barricas de 650 litros (há mais 500 na cave), guardiãs das aguardentes que envelhecem. Ao meio, uma mesa, num dos topos, duas salas com garrafas – são memórias da casa (uma delas, a Garrafeira Abílio Santos, homenageia um antigo colaborador com mais de 50 anos de empresa, que ainda visita as instalações de quando em vez). Uma escadaria abre caminho para as caves e é por aí que seguimos.
Os visitantes são recebidos na sala de cima e ficam a conhecer a história da casa (as instalações foram remodeladas em 1986, após um severo incêndio), mas é nas caves que encontramos a essência da Bairrada. Longas galerias “decoradas” com fungos pendurados do tecto e das paredes, o esqueleto de um antigo elevador de garrafas de corrente metálica, salas pequenas, um túnel amplo que em breve será preenchido com as garrafas que tilintam noutra zona, na linha de enchimento. E, claro, vinho, muito vinho – nestas caves repousam cerca de dois milhões de garrafas.
Num dos extremos, um túnel muito baixinho foi escavado à mão, para dar acesso a outra galeria, 12 metros abaixo do solo. Ainda são visíveis nas paredes as marcas da picareta, agora ornadas de gotículas de água que cristalizam em formas suaves. É preciso baixarmo-nos bastante para passar por aqui – muitos visitantes são mesmo desaconselhados de o fazer – e a explicação é simultaneamente pragmática e anedótica: quando o construtor perguntou de que altura deveria fazer o túnel, disseram-lhe para o fazer da altura de um homem. E ele fez, da sua altura…
Da atmosfera mágica e temperatura constante das caves para o espaço dos andares superiores. Passámos, entretanto, pelo armazém e entramos no edifício principal, onde encontramos os salões de eventos. Mesas enormes, peças de alambique, máquinas antigas, pés de vide – estamos na sala Bairrada. No andar de cima está outra sala, ainda maior, com janelas amplas e espaço para mais de uma centena de convivas. É aqui que abrimos uma garrafa de espumante e provamos uma das aguardentes da casa. Ao olhar para o tecto, percebemos que estamos na sala Baga. Bairrada de cima a baixo.

CAVES DO SOLAR DE SÃO DOMINGOS
R. Elpídio Martins Semedo, 42, 3780-473 Anadia
Tel: 231 519 680
Mail: info@cavesaodomingos.com
Web: www.cavesaodomingos.com
De segunda a sexta-feira, há dois horários fixos de visita (11h e 15h – encerra para almoço entre as 12 e as 14h); outros horários e sábado, solicita-se marcação antecipada. Há quatro programas de visita e prova (Momentos Moderados, Tranquilos, raros e Deliciosos), com preços que variam entre os 7,5 e os 27,5 euros, conforme os vinhos e os petiscos de acompanhamento. O programa Momentos Intensos inclui refeição quente e fica por 45 euros por pessoa – os jantares não podem prolongar-se para lá das 24h. O programa Roteiro Vitivinícola da Bairrada, com actividades em várias quintas, visita às caves e almoço custa 75 euros por pessoa.
Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

De dia, a adega da Quinta do Encontro é bonita e, situada num ponto alto sobre uma confluência de estradas, constitui um verdadeiro marco na paisagem. Mas à noite fica ainda melhor. Mesmo que a meteorologia obrigue a esperar pacientemente por uma aberta sem chuva até se poder enquadrar este conjunto de linhas suavizadas e matizadas pelas luzes interiores e exteriores. Havemos de voltar na manhã do dia seguinte, para a conhecer mais em pormenor.
A quinta foi comprada em 2000 pela então Dão Sul, agora Global Wines e, embora a sua reduzida dimensão (apenas 4 hectares) não lhe permita assumir grande protagonismo num grupo que produz vinho em seis regiões portuguesas e no Brasil, a verdade é que a construção da adega (iniciada em 2005 e com inauguração em 2007) trouxe a esta propriedade da Bairrada uma relevância muito especial. O projecto, do arquitecto Pedro Mateus, emula o movimento circular do vinho num copo, com rampas circulares ascendentes e descendentes em redor de uma adega central.
Em 2017, passaram por aqui umas dez mil pessoas, metade das quais cumpriram a visita à adega (que é gratuita) – as outras são visitantes que apenas passam pela loja ou se dirigem ao restaurante para refeições que podem ser de degustação ou de filosofia mais executiva (aos almoços, de semana). De uma forma ou de outra, todas são atraídas pela silhueta circular do edifício e pela forma simultaneamente harmoniosa e imponente como domina a paisagem em redor.
Uma paisagem que, diga-se, fica muito enriquecida pelas vinhas de dois outros produtores, Campolargo e Colinas de S. Lourenço, cujas instalações se situam nas proximidades. São estas vinhas que compõem o cenário quando subimos à galeria exterior e estendemos o olhar em volta. E há muito para ver: nos dias sem nuvens, a silhueta da serra da Estrela mostra-se ao longe, mais perto temos o Caramulo, ondulações suaves nas proximidades, bosques, matas e vinhas.
Lá em cima, uma sala multifunções está disponível para eventos. Cá em baixo, na cave, as barricas e as garrafas de espumante alinham-se numa galeria circular em volta da adega, com dois conjuntos semi-circulares de cubas de alumínio. O andar do meio, térreo, é composto pela recepção e loja – onde uma bela lareira central fornece um toque de conforto familiar a um ambiente moderno e luminoso – e ainda pelo restaurante, muito popular entre as gentes locais e chamariz para os turistas nas épocas altas.
Na Quinta do Encontro, como se o nome tivesse sido escolhido por isso mesmo, deparamo-nos com uma amostra bem alargada do portefólio da Global Wines, cujo epicentro se situa no Dão. Mas manda a tradição da casa que o vinho servido a quem bate à porta, mesmo que não seja possível efectuar a visita, seja um espumante local. Ou não estivéssemos na Bairrada…

QUINTA DO ENCONTRO
São Lourenço do Bairro, 3780-907 Anadia
Tel: 231 527 155
Mail: enoturismo@quintadoencontro.pt
Web: www.globalwines.pt/enoturismo
A adega está aberta a visitas, mas apenas mediante marcação – a boa notícia é que a entrada não é paga e quem entra pode sempre saborear uma flute de espumante. O restaurante está aberto de terça a sábado para almoço e jantar (12h/15h, 19h/22h) e aos domingos para almoço (12h/16h); encerra à segunda-feira. Organizam-se eventos com preços sob consulta.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17
Para qualquer português que goste de sentar à mesa, Bairrada é sinónimo de leitão assado. Mas há muito mais na gastronomia bairradina para nos proporcionar o devido reabastecimento nas estações de serviço para humanos. Aqui ficam três sugestões: um restaurante centrado no leitão (Mugasa), outro que partiu do pequeno reco para criar uma oferta ampla e requintada (Rei dos Leitões), e um terceiro que assenta os seus trunfos nos produtos do mar (Magnun’s & Co). Em qualquer deles, é pecado não pedir um espumante da região para acompanhar a comida.
MUGASA – Largo da Feira, Fogueira, Sangalhos; 234 741 061
REI DOS LEITÕES – EN1 Av. Restauração, Nº 17, Mealhada; 231 202 093
MAGNUN’S & CO – Av. Floresta 120, Mealhada; 960 024 268

Edição nº13, Maio 2018

 

O Vale no topo do mundo vinícola

Edição nº11, Março 2018 Napa Valley Desde a primeira vinha plantada com fins comerciais, em 1858, que Napa Valley amadurece num plano superior. Passou pela filoxera, pela Lei Seca e pela Grande Depressão. A recuperação destes reveses gerou uma das regiões vinícolas e enoturísticas mais distintas e lucrativas à face da Terra. TEXTO Marco Cerdeira […]

Edição nº11, Março 2018

Napa Valley

Desde a primeira vinha plantada com fins comerciais, em 1858, que Napa Valley amadurece num plano superior. Passou pela filoxera, pela Lei Seca e pela Grande Depressão. A recuperação destes reveses gerou uma das regiões vinícolas e enoturísticas mais distintas e lucrativas à face da Terra.

TEXTO Marco Cerdeira Pereira
FOTOS Marco Cerdeira Pereira e Sara Wong

Tenha em mente que estamos a abordar uma zona realmente virtuosa dos EUA. Outro vale, o de Silicon, e as suas incontáveis multinacionais multimilionárias situam-se a meros 150 quilómetros para sul. Adaptado à área ideal em termos geológicos e meteorológicos, o vizinho Napa Valley provou-se prodigioso a condizer.
O momento da confirmação foi uma prova de olhos vendados do Paris Wine Tasting de 1976. Vários rótulos franceses há muito reputados estavam em competição. Quatro deles, Chardonnay, foram batidos pelo vencedor Chateau Montelena Chardonnay de Calistoga. Dois outros Chardonnay dos EUA ficaram nos quatro primeiros lugares. Já o Cabernet Sauvignon Stag’s Leap Wine Cellars derrotou quatro contendentes franceses. Com este resultado, os vinhos dos Estados Unidos conquistaram também um respeito mundial que não mais viriam a perder. Boa parte do mérito pertenceu ao privilegiado Napa Valley.
O solo deste vale californiano ascende de forma suave desde o nível do mar do oceano Pacífico, a Oeste, aos meros 110 metros do sopé do Monte Santa Helena. Delimitam-no uma tal de cordilheira Mayacamas e a, a Leste, a vertente setentrional das Montanhas Vacas. Para sul, esse mesmo solo é feito de sedimentos acumulados por sucessivos avanços e recuos de uma baía baptizada San Pablo. A Norte, inclui uma boa percentagem de lava e cinza legadas pela mesma actividade vulcânica que produziu os outeiros comedidos no âmago da região.
Sem surpresa, a meteorologia de Napa Valley varia consoante a morfologia do terreno e das influências geográficas complementares. O lado Sul é aberto ao oceano e mais fresco durante a época de crescimento das uvas. A secção norte, fechada pelo terreno, é muito mais quente. O Leste, apartado das tempestades invernais pelas montanhas e colinas do Oeste, prova-se mais árido. E toda esta diversidade meteorológica, orológica e de composição de solos de Napa há muito que proporciona aos bons enólogos uma base criativa inesgotável.
Em Napa Valley, a produção comercial de vinho pioneira teve início em 1858, às mãos de John Patchett. Várias adegas familiares aproveitaram a boleia. As primeiras medalhas de ouro foram conquistados pela adega Inglewook, hoje propriedade de Francis Ford Coppola e família. Era a única na região dedicada a produzir vinhos estilo Bordeaux. Arrecadou as medalhas na Feira Mundial de Paris de 1889. Daí em diante, mesmo se a casta mais disseminada se mantinha a Zinfandel, a produção vinícola de qualidade pegou de estaca no vale.
No final do século XIX, as adegas eram já 140. Dessas produtoras, hoje seculares, várias continuam a maturar os seus vinhos: Charles Krug, Mayacamas, Beringer, Beaulieu, Markham Vineyeards e outras. E isto apesar de os tempos que se seguiram lhes terem reservado uma sequência de sérios revezes.
Na aurora do século XX, a filoxera destruiu muitas das vinhas. A Lei Seca (Proibição) de 1920 encerrou as adegas que não conseguiram justificar a sua actividade com uma falsa produção de vinho sacramental. A fechar uma era catastrófica, a Grande Depressão instalou-se nos EUA e atrasou ainda mais o desenvolvimento vinícola da região.

Vinho e Clark Gable

A Beringer Vineyards foi a primeira adega a reagir. Convidou os participantes na Golden Gate International Exhibition a visitar a sua propriedade e, ao mesmo tempo, uma série de vedetas de Hollywood, em que se incluiu o carismático Clark Gable. Esta acção promocional de 1939 é, ainda hoje, considerada a origem do turismo ennológico que sustenta parte da economia de Napa Valley. Daí em diante e sobretudo após a II Guerra Mundial, várias personalidades contribuíram para o estrelato que esta região vinícola ostenta: Timothy Christian, da Christian Brothers; ou o hoje icónico Robert Mondavi, que se separou da adega da família Charles Krug Estate e fundou a sua própria em Oakville.
Nos anos 80 – já no rescaldo do sucesso surpreendente do Judgement of Paris, como ficou também conhecido o emblemático Paris Wine Tasting – uma praga moderna de filoxera assolou o vale. Foi o pretexto de que precisavam cerca de três quartos dos proprietários para dotarem as suas vinhas de castas mais bem adaptadas aos cerca de trinta solos distintos e ao clima da região. Essa reacção e o facto de, a partir do ano 2000, empresas norte-americanas e internacionais de monta terem começado a comprar pequenas adegas, vinhas e marcas propulsionou o desenvolvimento ímpar de Napa Valley.
Nos dias que correm, o Napa Valley alberga cerca de 475 adegas e, destas, 95% são familiares. Em Napa, 700 produtores distintos cultivam diversas castas que dão origem a mais de 1000 marcas de vinho. Entre as castas destacam-se Cabernet Sauvignon (47 por cento da área), Chardonnay (15%), Merlot (11%), Pinot Noir (6%), Sauvignon Blanc (6%) e Zinfandel (3%). Os vinicultores, por sua vez, dividem-se por 16 sub-regiões que ocupam 17.500 hectares (175 km2) de vinhas. Muitos deles criam os seus vinhos como parte dessas sub-regiões específicas ou, em alternativa, resultado de uma mixagem de uvas cultivadas em diferentes sub-regiões do vale e das vertentes que o delimitam. Por norma, quando empregam uvas de duas ou mais sub-regiões, usam a denominação Napa County, em vez da mais abrangente Napa Valley AVA (Área Viticultural Americana).
A quantidade de combinações entre os terroirs peculiares do vale com cada uma das suas envolventes meteorológicas e climáticas e as castas usadas gera uma miríade de possíveis acentuações, aquilo a que o escritor Matt Kramer chamou de “somewherenesses” (lugaridades) vinícolas que cada “rótulo” de Napa Valley contém e que revela ao apreciador. Se concordarmos em considerar a Cabernet Sauvignon a casta-rainha de Napa Valley e a isolarmos em diversos lugares, de cada um deles desvendaremos vinhos saborosos, apimentados e defumados, se provenientes de vinhas das zonas mais montanhosas como o Stag’s Leap District e a Howell Mountain; ou opulentos, frutados, com tons de amora e de moca, se oriundos das terras mais baixas do vale.

Cabernet, Merlot, Chardonnay…

Os Cabernet Sauvignon mais prodigiosos de Napa Valley são tão bons ou melhores do que os vinhos sublimes de Bordéus. Se ainda tiver dúvidas, prove, por exemplo, os seguintes: Inglenook Rutherford Rubicon 2012, Cain Five Spring Mountain 2011, Spring Mountain Vineyard 2010, Laura Zahtila Vineyards 2007, Corison Cabernet Sauvignon 2006.
Merlot é a segunda casta tinta do vale. Como as restantes, beneficia da diversidade local dos solos e das práticas de cultivo evoluídas. Por si só, esta casta dá origem a alguns vinhos leves, encorpados e repletos de textura, que, snobismos vinícolas à parte, são aptos a acompanhar refeições como qualquer Cabernet Sauvignon faria. É o caso, por exemplo, do Cakebread Cellars 2013, o Duckhorn Vineyard 2013 e o Ridge Estate Merlot 2013.
Quanto aos brancos, o Chardonnay é de longe o predominante. Foi tornado famoso por enólogos que, mesmo partindo de fortes traços pessoais, confluíram numa direcção: restrição do carvalho, do açúcar e da manteiga por forma a deixar as frutas (principalmente os citrinos) resplandecerem em vinhos perfeitos para refeições. Entre os bons exemplos contam-se: Grgich Hills Estate 2013 Paris Tasting Commemorative. O’Shaughnessy Estate Winery 2014, Clos Pegase 2014 Mitsuko’s Vineyard Los Carneros, Anderson’s Conn Valley Vineyards 2013.
Esta diversidade e excelência vinícola e a tradição e dinâmica turística conseguida desde o convite a Clark Gable levaram a outra expressão de sucesso. Quase 4,5 milhões de pessoas visitam Napa Valley todos os anos. O vale destaca-se, assim, como um dos destinos californianos mais populares, com uma indústria turística que gerou, em 2016, quase dois mil milhões de euros de lucro.
Quase 90% do vinho produzido nos EUA tem origem na Califórnia. Cerca de um terço desta percentagem avassaladora são vinhos com origem em Napa Valley. Cinquenta por cento dos vinhos californianos que custam mais de 15 dólares são de Napa Valley. O retorno médio de uma tonelada das uvas de Napa Valley é de 3600 dólares, enquanto que a região dos Estados Unidos que se segue, a vizinha Sonoma, só atinge os 2200. Uma única garrafa de Screaming Eagle Cabernet Sauvignon pode custar para cima de 2000 dólares.
Sem surpresa, em 2016, a indústria vinícola do vale chegou a um impacto financeiro local de 13 mil milhões dólares. No que diz respeito ao P.I.B dos E.U.A., esse impacto ultrapassou os 50 mil milhões de dólares. O vinho e o enoturismo de Napa dão emprego a 46.000 pessoas só no vale. Em termos nacionais, o número passa os 300.000 empregos.
A reputação superior conquistada ao longo do tempo por esta zona demarcada dos Estados Unidos justifica sem mácula o valor incrível a que ascendeu e a reputação superior dos seus rótulos.

GUIA DE VIAGEM

Como ir

Pode viajar para São Francisco com a Star Alliance www.staralliance.com numa combinação de voos da TAP www.flytap.com e da American Airlines www.aa.com via Londres e Chicago. Os preços começam nos 900 euros. De Frisco, uma hora de carro é suficiente para chegar a Napa Valley.

Onde Ficar

Napa Valley está dotado de cerca de 70 hotéis, resorts, pousadas e B&B. Não espere do vale o mesmo acesso democrático às adegas e ao alojamento que as regiões vinícolas australianas concedem aos visitantes.

Sugerimos-lhe:

Sem Olhar a Gastos:
Calistoga Ranch (Auberge Resort)
www.calistogaranch.aubergeresorts.com
Intermédio:
Carneros Resort & SPA
www.carnerosresort.com
Mais Acessível:
Craftsman Inn
www.craftsmaninn.com

Adegas a Não Perder

Algumas das mais famosas – Mondavi (robertmondaviwinery.com),Opus One (opusonewinery.com), Beringer (beringer.com) e Beaulieu Vineyards (bvwines.com) foram adquiridas por enormes grupos empresariais e tornaram-se mais comerciais e provavelmente demasiado procuradas.
Outras adegas – como a Frogsleap Winery (frogsleap.com) propuseram-se a desenvolver vinhas sustentáveis e produzem os seus vinhos de forma orgânica e com recurso apenas a energia solar.
Ou – caso da cliffledevineyars (cliffledevineyars.com) – combinam vinho e arte e complementam a oferta da sua adega com galerias de arte moderna e jardins com esculturas.
A de Francis Ford Coppola (www.francisfordcoppolawinery.com) é procurada pela curiosidade do visitante de ficar a conhecer o universo vinícola do realizador.
À parte das adegas, pode, ainda, explorar as diversas sub-regiões de Napa Valley a bordo do histórico Napa Valley Wine Train.
www.winetrain.com

INFORMAÇÕES ÚTEIS

Documentos

Para viajar para os Estados Unidos é necessário pedir e obter uma ESTA (Electronic System for Travel Authorization), o que pode ser feito através do site www.esta.cbp.dhs.gov. Além disso, o passaporte deve ser electrónico e ter uma validade superior a 6 meses.

Moeda

Dólar dos Estados Unidos (USA) – 1 dólar vale actualmente 0,73 euros. A maior parte dos estabelecimentos aceita pagamentos com cartão de crédito.

Indicativo

001 (para os Estados Unidos) + 707 (região de Napa Valley)

Quando ir

Qualquer altura do ano é boa para visitar a região. O estado da Califórnia, no geral, tem um clima temperado e, na zona de Napa Valley, em específico, o clima é de tipo mediterrânico.

MAIS INFORMAÇÕES

Embaixada dos EUA em Portugal
Embaixada dos E.U.A.
Avenida das Forças Armadas
1600-081 Lisboa
Tel.: + 351 21 7273300
Email: lisbonweb@state.gov

Turismo da Região de Napa Valley
www.visitnapavalley.com