Um cheirinho de Inverno no Douro

A ameaça de chuva e as temperaturas a baixarem no termómetro não podem ser desculpa para adiar uma visita ao Douro. Desta vez, ficámos logo pela entrada da região, ali entre Lamego e a Régua. Paisagens de cortar a respiração, vinhos de eleição, gentes calorosas. E aquele cheirinho de Inverno que torna tudo especial.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Há qualquer coisa de mágico nestas paisagens quase irreais do vale do Douro. Faça sol ou faça chuva. Mas é como se a meteorologia austera do Inverno, com vento, frio, chuva ou nuvens que se roçam nos picos, fornecesse a este quadro a moldura austera e severa que realça ainda mais a sua beleza esmagadora. Sim, o mundo é sempre mais bonito e atraente com sol, mas o Douro não quer ser bonitinho. Basta-lhe ser o que é: uma maravilha da Natureza trabalhada pelo Homem até à insanidade.
Em tempos território quase intransponível, o vale da região vinhateira mais antiga do mundo está agora francamente acessível – e em nenhuma outra região essa evolução se torna mais óbvia do que aqui, junto à Régua, correctamente conhecida como a porta do Douro. A moderna rede de auto-estradas aproximou a cidade do Peso da Régua (nome que aglomera os das duas localidades que se agregaram: o Peso, na encosta; a Régua, mais recente, junto ao rio, sob a influência do caminho-de-ferro) das áreas urbanas do litoral. E daqui também depressa (e bem, que a estrada é uma delícia!) se chega ao Pinhão, ou a Vila Real, ou a Lamego. Outras terras ficam mais fora dos eixos rodoviários principais, mas é também dessa dureza, dessa exigência física e mental, que se faz o sortilégio do Douro…
Deambulámos por esta zona sem nunca perder a Régua de vista, ainda que dois dos nossos destinos se situem na margem esquerda do rio, em terras do concelho de Lamego. Ponte para lá, ponte para cá, sobre as águas do Douro que por esta altura correm com força, o mais fácil é depararmos com quintas e vinhas. Mas há mais para ver e sentir.
Na Régua, é imperativo visitar o Museu do Douro, onde, para além da exposição permanente “Douro: Matéria e Espírito”, há sempre novidades para conhecer. E, como o saber não ocupa espaço e o tempo aqui passa mais devagar, guarde um bocadinho para entrar no Solar do Vinho do Porto, onde, para além de ficar a conhecer melhor a história e os segredos deste néctar dos deuses, também pode simplesmente sentar-se a contemplar o rio e os barcos e pessoas que nele se afadigam.
Do outro lado do rio, a escassos quilómetros, fica Lamego, cidade milenar. A Sé de Lamego (1129), o castelo e o Santuário de Nossa Senhora dos Remédios destacam-se entre o património edificado, sendo que os dois últimos funcionam igualmente como miradouros privilegiados sobre a cidade e a região. A esbelta escadaria do santuário, com os seus 686 degraus, é também um bom desafio para os mais dados às proezas físicas…
Por estas paragens, aliás, há que estar sempre preparado para enfrentar desníveis, ou não estivéssemos na terra dos socalcos. E a nossa primeira visita leva-nos a um sítio onde se conseguiu um valioso compromisso arquitectónico entre a ocupação do espaço e o respeito pela paisagem.

Os edifícios antigos da Quinta do Vallado são ocre, num tom mais ou menos carregado conforme a chuva oxida ou não o ferro contido na tinta. E só isso já é uma maravilha. Ao lado, paredes cinzentas de xisto marcam a nova fase de construção, fundindo-se com a paisagem circundante. Quem olha de fora dificilmente poderá ter a noção dos espaços criados para dar forma a uma adega e um pequeno hotel.
A visita à adega leva-nos da zona de recepção das uvas, no piso superior, até ao passadiço metálico que paira sobre as cubas de inox, passando, de caminho, pelos lagares em granito. Percorremos de seguida uma escadaria em túnel, espreitamos a belíssima galeria das barricas, voltamos a descer até à loja e sala de provas, espreitamos o armazém de Vinho do Porto, com os seus grandes balseiros e barricas. Fala-se da região, dos vinhos e da história da casa, que pertenceu à mítica D. Antónia, a Ferreirinha, e ainda continua na família. É, portanto, uma empresa familiar, mas com uma dimensão que já a aponta a outros “campeonatos”… O Vallado faz cerca de 1,4 milhões de garrafas por ano e contabiliza 20.000 visitantes anuais, mesmo sem receber grupos com mais de 20 pessoas.
A localização, numa arriba sobre a margem esquerda do rio Corgo, ali mesmo à entrada do Peso da Régua, é apenas uma das explicações para este sucesso. Entre os outros contam-se a qualidade dos seus vinhos, a aposta feita no Enoturismo e a popularidade da casa, construída também graças a… José Mourinho. “Quando ele estava no Chelsea, os nossos vinhos foram escolhidos pelo clube. Éramos apenas um dos fornecedores, mas a imprensa entrou em delírio e isso deu-nos enorme visibilidade. Foi um clique!”, conta, com um sorriso, Francisco Ferreira, enólogo e membro da família proprietária do Vallado.
Descemos por um caminho empedrado e vamos conhecer o hotel, a funcionar com cinco quartos no edifício antigo desde 2005 e com outros oito, na ala nova, a partir de 2011. A beleza das construções e a forma harmoniosa como se relacionam com a encosta quase nos faz esquecer que estamos em patamares vertiginosamente equilibrados na paisagem. Há jardins, pomares, hortas, spa e ginásio no meio das laranjeiras, esplanadas, piscina e bar de apoio instalado num antigo balseiro. Isto cá fora. Lá dentro temos os quartos, salões com lareira, sala de refeições, biblioteca e um “honesty bar”, onde os clientes se servem e deixam o pagamento devido.

QUINTA DO VALLADO
Vilarinho dos Freires, 5050-364 – Peso da Régua
Tel: 254 323 147, 254 318 081 (hotel e enoturismo)
Mail: reservas@quintadovallado.com; enoturismo@quintadovallado.com
Web: www.quintadovallado.com
GPS: 41º 09’ 44.5’’ N 07º 45’ 58.2’’ W
A adega está aberta todo o ano, com quatro horários de visita: 11h e 14h45 (em inglês); 12h e 15h45 (em português). A visita custa 17,50 euros por pessoa, a duração é de 1h30 e o programa inclui prova de vinhos (brancos, tintos e Porto). Mediante marcação, estão disponíveis provas e visitas privadas, workshops, almoços e jantares vínicos. No hotel, os preços oscilam entre os 150 (quarto standard) e os 210 euros (suíte) por noite, na época baixa; e entre os 190 e os 265 euros, na época alta. O hotel tem 13 quartos e dispõe de piscina e spa, disponibilizando ainda programas de passeios pedestres, de bicicleta, barco ou jipe, sessões de pesca no rio, piqueniques ou aulas de cozinha tradicional.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 18,5

Após um almoço que nos faz sonhar com o Verão (apenas porque, no Vallado, o salão de refeições tem à frente um pátio panorâmico com uma generosa mesa – imperdível com bom tempo), é tempo de atravessar o rio e subir a encosta sul, para chegarmos ao Wine Hotel da Quinta de Casaldronho. Aqui, a recuperação dos antigos edifícios ainda prossegue na adega e armazém, mas, um pouco mais abaixo, o hotel está em pleno funcionamento.
Abriu em 2014 e já há planos para alargar o projecto com a construção de seis mega-suítes para o segmento luxo. Brasil e EUA, com Suíça e Alemanha em plano secundário, são os principais países de origem dos hóspedes – quase 70 por cento são estrangeiros. Com bar, restaurante, piscina na cobertura, esplanadas e quartos muito bem equipados, esta é uma unidade moderna de qualidade. Mas é talvez nos detalhes que reside o seu extra de encanto.
Para começar (e acabar, e continuar, e respirar, e sonhar…), a paisagem. Do terreiro sobre o rio espraiamos o olhar pelo vale do Douro, o casario da Régua à esquerda, enquadrada pela silhueta maciça do Marão em pano de fundo; à direita o cabeço altivo do miradouro de São Leonardo de Galafura, que tanto inspirou Miguel Torga. Vinhas e muros desenham padrões nas encostas, manchas de mato e olival quebram as linhas hipnóticas dos socalcos. Pena terem colocado um poste de alta tensão logo abaixo do hotel – mas a verdade é que, ao cabo de alguns minutos, deixamos de reparar nele e focamo-nos no que interessa. Para quem quiser explorar as redondezas, há percursos pedestres marcados e bicicletas eléctricas à disposição.
Mas falemos também da pedra circular que faz de braseiro no exterior, dos dois gatos (na zona do hotel) e três cães (lá para cima, na adega) que recebem os visitantes, das ruínas bem aproveitadas para espaços comuns a céu aberto, da capela mesmo ali ao lado, dos muros de xisto. E dos vinhos, feitos – em completo antagonismo com o espírito moderno do hotel – sem recurso a qualquer maquinaria, numa busca assumida pela diferença e pela autenticidade.
A história desta quinta é notável. Pertenceu a Egas Moniz, tutor de D. Afonso Henriques, e, antes de passar para as mãos da actual família de proprietários (em 1850), foi de uma D. Sofia, de quem reza a tradição ter escondido um tesouro nas suas terras. Durante as obras, os mirones juntaram-se para ver se as escavações traziam à luz do dia o famoso tesouro. Nada feito. Mas bastaria terem levantado os olhos do chão para o verem… na forma desta paisagem grandiosa e implacável.

QUINTA DE CASALDRONHO WINE HOTEL
EN 313 Valdigem, 5100-829 Lamego
Tel: 254 318 331
Mail: info@quintadecasaldronho.com
Web: www.quintadecasaldronho.com
GPS: 41° 8’39.88″N / 7°45’18.12″W
O hotel dispõe de 18 quartos e duas suítes, com preços que oscilam entre os 94 (quarto duplo) e os 166 euros (suíte), na época baixa; e entre os 114 e os 195 euros na época alta. O restaurante está aberto para jantares todos os dias da semana. Para além de uma piscina na cobertura e esplanadas panorâmicas, a quinta tem percursos pedestres marcados, há bicicletas eléctricas e podem agendar-se provas de vinhos. Junto da recepção é possível obter aconselhamento e marcar outras actividades, desde passeios de barco a visitas a quintas da região. A adega da quinta está em remodelação para albergar uma loja e receber visitas.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2
Venda directa (máx. 3): *
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5*
*nota ponderada; a filosofia do local não contempla ainda a existência de loja.

Ali bem perto, na Quinta das Brôlhas, na vila de Valdigem, tudo muda. Continuamos a um saltinho do rio, mas o que marca a paisagem são as escarpas rochosas em redor, o anel de casario e os terrenos planos e férteis no centro da bacia natural, onde encontramos as vinhas, sim, mas também hortas, árvores de fruto e jardins. Há vários tanques e fontes, a água corre num murmúrio tranquilizador. Isto é Douro, mas parece que estamos no Minho.
Não é uma quinta junto a uma localidade; é uma terra à volta da quinta. “Brolhas” pode ser sinónimo de mulher feia, de uma técnica de escultura usada na região ou da fase em que as vinhas começam a despontar depois da hibernação do Inverno. Fiquemo-nos por esta última, que parece a mais adequada. A Quinta das Brôlhas tem um total de 18 hectares de vinha, mas só uma parte fica aqui, neste terreno plano rodeado de casas e estradas; as outras espalham-se pelas encostas em redor.
Quem passa pelo discreto portão, situado na rua principal de Valdigem, entra num mundo diferente e cada vez mais raro nos nossos dias. Estamos numa propriedade agrícola, cujos donos moram fora e que é gerida pelos caseiros. Não há aqui circuitos enoturísticos marcados nem adegas de arquitectura moderna; respira-se, em contrapartida, uma atmosfera do que é simples e genuíno. É claro que na adega – onde várias pessoas se abastecem para as festas – notamos os depósitos em cimento, as cubas de inox e também os balseiros de madeira, ao lado de lagares em granito. Só que o melhor está cá fora.
Neste ar frio do Inverno, não se pode dizer que o silêncio é total. Nada disso. Ouvem-se carros a passar ao longe, ruídos das casas que vemos ao fundo, uma ou outra voz. E a água que corre nos tanques, e os pássaros que esvoaçam entre as árvores, e o miar dos gatos que se abrigam dentro de uma sebe. Tudo junto, lá está, dá-nos a sensação de termos viajado no tempo e no espaço, para uma dimensão apaziguadora de coisas simples.
Os olhos também têm muito para assimilar. As casas em pedra tão parecidas com os solares minhotos, a capela, a estranha fonte semi-afundada com a estátua de Santo António, as edificações secundárias que são alugadas a turistas (uma delas ocupada agora em permanência; sobra outra, com piscina e uma varanda muito sedutora), o verde das hortas, os planos de água, os jardins. Pormenor poucas vezes visto: algumas das sebes de buxo limitam, não roseirais ou outras plantas ornamentais, mas sim vinhas! Apanhamos uma tangerina da árvore. É doce e está fresquinha.

QUINTA DAS BRÔLHAS
Rua das Brolhas, 5100-831 Valdigem
Tel: 213 960 044, 254 331 756, 934 242 943 (visitas e provas)
Mail: geral@quintadasbrolhas.com
Web: www.quintadasbrolhas.com
A quinta, que fica a 12km de Lamego e a cerca de 3km da Régua, tem duas casas para alojamento rural, embora a sua disponibilidade esteja restrita: uma já está alugada para o ano inteiro, a outra costuma ser ocupada por clientes de uma agência britânica entre a Páscoa e o final do Verão. Tem quatro suítes, duas salas, cozinha e grande varanda coberta com vista para as vinhas, bem como piscina exterior; preço de aluguer sob consulta. As visitas à propriedade e provas (3 vinhos e azeite) carecem de marcação prévia, mas o preço (10 euros) é sempre deduzido na compra de vinhos ou azeites.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Com o Douro sempre em pano de fundo e a certeza de bons vinhos para compor a refeição, comer bem é um imperativo quando se visitam estas paragens. Escolhemos três propostas com níveis de preços e oferta gastronómica diferentes. Mais tradicional o Cacho d’Oiro, mais moderno o SUS Douro, mais elaborado o DOC. Bom apetite!
CACHO D’OIRO – Rua Branca Martinho, Peso da Régua; 254 321 455, 963 121 120 / reservas@restaurantecachodoiro.pt
SUS DOURO – Rua José Vasques Osório, Loja C1 | Loja C1, Peso da Régua; 254 336 052, 967 966 567 / info@susdouro.com
DOC – Estrada Nacional 222, Folgosa; 254 858 123, 910 014 040 / doc@ruipaula.com

Edição nº21, Janeiro 2019

 

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