QUINTA DO INFANTADO: Espírito inconformista com raízes na tradição

A energia e determinação parecem estar no sangue da família Roseira. Com origem em Covas do Douro, cada geração partilha destas qualidades. Isto sente-se em conversas com João Roseira, que representa a quinta geração e é absolutamente indissociável da Quinta do Infantado, onde fez a sua primeira vindima com apenas 6 anos de idade. Não […]
A energia e determinação parecem estar no sangue da família Roseira. Com origem em Covas do Douro, cada geração partilha destas qualidades. Isto sente-se em conversas com João Roseira, que representa a quinta geração e é absolutamente indissociável da Quinta do Infantado, onde fez a sua primeira vindima com apenas 6 anos de idade.
Não procura o mediatismo, mas não esconde as suas convicções. Impulsivo, irónico e directo, João Roseira por vezes passa, no meio vínico, por uma pessoa demasiado irreverente o que pode levar a pensar que os vinhos também assim sejam. Depois de provar mais de duas dezenas de vinhos Douro e Porto da Quinta do Infantado, incluindo colheitas mais antigas, não me restam dúvidas da seriedade e personalidade dos vinhos. Não apresentam defeitos e não são “freak”. Mais ainda: envelhecem bem. Provavelmente por isto, os DOC Douro, quer tintos quer brancos, não são lançados com pressa comercial, tendo o tempo de estágio necessário para mostrar o seu potencial e proporcionar uma prova consistente.
As duas primeiras gerações da família Roseira, nos séculos XVIII e XIX, eram lavradores e vendiam uvas. Em 1904, a história da família deu um passo significativo com a aquisição da propriedade que, desde 1816, pertencia ao infante D. Pedro e ficou conhecida como Quinta do Infantado. A partir desse momento, iniciou-se a produção de vinhos generosos, que eram vendidos a grandes casas do vinho do Porto. Mas a marca própria foi criada mais tarde e o grande impulsionador desta mudança revolucionária no Douro foi Luís Roseira que tanto lutou pelo direito de pequenos produtores poderem engarrafar e exportar os seus vinhos do Porto. João Roseira lembra-se perfeitamente do primeiro engarrafamento na quinta em 1979, dos três primeiros Porto – Ruby, Tawny e Tawny 20 anos. Isto abriu o caminho a outros pequenos produtores que lhes seguiram o exemplo nas décadas seguintes. Às vezes é necessário desafiar uma tradição para criar uma nova, ainda melhor.
Em 1996 iniciou-se a parceria com o enólogo duriense Luís Soares Duarte, que ainda continua a fazer parte do projecto como consultor. Vários ensaios marcam a viragem do século, sendo o primeiro tinto Douro produzido em 2001. A gama cresceu, mas os vinhos são vinificados da mesma forma: em lagar com pisa a pé, leveduras indígenas e estágio em barricas de carvalho francês, variando o tempo de estágio em função do vinho. Em 2015, à equipa de enologia juntou-se Álvaro Roseira, da 6ª geração da família.
Em torno de Covas do Douro
Os 46 hectares de vinha estão localizados na freguesia de Covas do Douro, dos quais 12 ha são cultivados em viticultura biológica certificada e 34 ha em produção integrada, privilegiando uma viticultura sustentável. Todas as vinhas são classificadas com letra A.
A vinha do Pousado, a mais nova da quinta, tem mais de 25 anos. Foi plantada em 1998 em modo de produção biológica, com castas brancas e tintas. Com exposição norte, em combinação com solos mais profundos, reflecte naturalmente numa maior acidez e, por consequência, frescura. As vinhas mais velhas são praticamente centenárias, como a vinha Serra de Baixo. O facto de as vinhas estarem plantadas em todas as exposições e altitudes que variam entre 150m e 350m permite uma maior precisão na construção de perfis dos vinhos. Os vinhos do Porto da Quinta do Infantado têm uma particularidade – parecem mais “secos” por conter menos açúcar residual – característica que ganha bastantes adeptos últimamente.
Em 2024 foi lançado um Porto muito especial, o tawny de 50 anos. É uma homenagem a Luís Roseira, um incansável defensor de causas que vivia o Douro profundamente. Neste contexto, o número 50 diz muito à família: Luís Roseira tinha 50 Anos no 25 de Abril de 1974 e teria 100 anos na comemoração de 50 anos de liberdade. Na realidade o vinho é muito mais velho, o que se percebe nitidamente na prova. Já na altura do primeiro tawny 20 anos, engarrafado em 1979, havia vinhos dos anos 50, 60 e anteriores, guardados em pipas. Não manipulado, não refrescado, nem retocado de alguma forma, o Quinta do Infantado Luís Roseira 50 anos tem o carácter intenso e avassalador, de uma concentração espantosa, com imensa personalidade. São apenas 200 garrafas numeradas, engarrafadas em outubro de 2024. Vendido exclusivamente em caixa de madeira integralmente produzida em Covas do Douro por Tiago Barros e Gustavo Roseira, sob design do arquitecto Miguel Figueira.
(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2025)
FOZ TUA: Costurar vinhos no Douro

O percurso entre Alijó e a foz do Tua faz-se estrada abaixo, percorrendo a serpenteante EN 212. Deixando para trás São Mamede de Ribatua, olhamos sobre o ombro esquerdo e somos engolidos pela impressionante beleza dos socalcos do Douro, esculpido a golpes de picareta e teimosia dos homens que transformaram uma região inóspita numa paisagem […]
O percurso entre Alijó e a foz do Tua faz-se estrada abaixo, percorrendo a serpenteante EN 212. Deixando para trás São Mamede de Ribatua, olhamos sobre o ombro esquerdo e somos engolidos pela impressionante beleza dos socalcos do Douro, esculpido a golpes de picareta e teimosia dos homens que transformaram uma região inóspita numa paisagem única no Mundo. Há muitos anos, João Fernandes percorria quase todos os fins de semana estas mesmas estradas em busca de um segundo “Shangri-La”. O primeiro, havia-o descoberto José António Ramos Pinto Rosas, na sua Quinta da Ervamoira muitos anos antes.
A paixão de apreciador foi algo conquistada há cerca de uma vintena de anos, quando, finalmente, começou a ter tempo para dedicar aos seus.
CRESCIMENTO EMPRESARIAL
De origens humildes, João Fernandes nasce numa família onde à mesa não havia fartura. Eram onze os irmãos que partilhavam uma casa e a infância era fidalguia que não lhes estava destinada. Olhando para trás, João sabia que só com ligeireza e muito trabalho havia de singrar na vida. Na sua Barcelos natal terminavam-se os poucos anos de estudo e só havia duas alternativas, arranjava-se trabalho na indústria têxtil ou emigrava-se para França, como alguns dos seus irmãos fizeram. A escola da vida ensinou-o bem, moldando-lhe a têmpera para percorrer todos os setores da indústria de confeção, onde, quando chegou a cargos de chefia, já dominava todo o processo de fio a pavio. A emancipação chega há 40 anos, quando, à semelhança de outros, cria a sua primeira empresa de confeção numa pequena garagem. O resto é uma história de crescimento empresarial, com alguns dissabores pelo meio, fruto das cíclicas crises do setor. Já chegou a empregar quase 200 pessoas nas suas empresas, mas hoje centra-se somente no setor têxtil de luxo, criando peças de vestuário para algumas das mais renomadas marcas mundiais.
A chegada ao mundo da produção de vinhos vem por estrada. A paixão de apreciador foi conquistada há cerca de uma vintena de anos quando, finalmente, começou a ter tempo para se dedicar aos seus. Os fins de semana faziam-se pelas curvas do Douro, iniciando uma busca de algo que apenas o seu interior compreendia. Ao longo dos anos, percorreu todas as pequenas aldeias do Baixo Corgo ao Douro Superior. Ganhou a confiança dos locais, que lhe abriam as suas portas e, tantas vezes, lhe davam a provar verdadeiros tesouros guardados em cascos centenários no escuro de adegas sem história. Será este vivenciar de perto o Douro profundo que faz crescer em si uma indómita vontade de ali ter um pedacinho de terra a que pudesse chamar sua, cultivando vinha, plantando laranjeiras e oliveiras, mas, sobretudo, e ainda timidamente, fazendo nascer um grande vinho duriense.
O achamento dá-se em 2014, quando um telefonema o alerta para umas parcelas de vinha que estariam para venda na zona do Tua. A inquietude e uma certa aura mística levaram-no a pensar, ainda sem conhecer o local, que podia estar perante a oportunidade de uma vida. Foi o sexto sentido que tantas vezes o impulsionou nos negócios que o levou a não adiar a viagem de Barcelos ao Douro. A mesma EN 212 levou-o ao local onde era aguardado. Uma vista de sonho de vinhedos, plantados ainda durante os anos 80, que vão encontrar o Tua a abraçar o Douro. Pelo meio, ladeado por muros de xisto, um mar de laranjais e olival. Nesse dia descobriu que há beleza que vale todo o dinheiro do Mundo e, não olhando a tostões, apalavra o negócio concretizando-o rapidamente.
Com o encepamento distribuído pela trilogia mágica duriense – Touriga Nacional, Touriga Francesa e Tinta Roriz – a principal preocupação nestas parcelas é a concentração e a preservação do poderio da fruta.
A adega, edificada no século XIX, teve um passado ilustre. Nos primórdios, foi uma das muitas unidades de vinificação de vinho do Porto de D. Antónia Adelaide Ferreira.
A ADEGA DURIENSE
“E agora, o que fazemos com estas vinhas?”
A pergunta de reação ao impulso do industrial João Fernandes, surge do filho César, arquiteto de formação que, inicialmente, terá ficado com um ligeiro temor daquela compra. Nunca tinham feito um litro de vinho na vida e, agora, eram proprietários de mais de 3 hectares de vinhedos num local de exceção que, desde o século XVIII, produzia uvas para o vinho do Porto. A sorte e a fortuna bateram-lhes à porta quase de imediato. Se, no ano da aquisição, em 2014, a vinificação e estágio dos vinhos foram uma verdadeira aventura, com as uvas a serem transportadas para Valdigem (Baixo Corgo), sob coordenação da equipa de enologia de então, logo em 2015, é-lhes servida a possibilidade de adquirir à Sogrape uma adega a poucas centenas de metros das vinhas. Desativada desde os anos 90 e parcialmente em ruínas, a adega da Rua dos Ferroviários, paredes meias com a linha do Tua e vista sobre o Douro, parecia feita à medida das necessidades de vinificação da empresa Foz do Tua. Edificado no século XIX, o edifício teve um passado ilustre. Nos primórdios, foi uma das muitas unidades de vinificação de vinho do Porto de D. Antónia Adelaide Ferreira. De lá para cá, esteve nas mãos da Cockburn`s, Sandeman e terminou a sua vida ativa na posse da Sogrape, que a aliena à família Fernandes.
Com lagares de pedra no piso superior e grandes toneis no piso térreo, parcialmente em ruínas, a adega era agora uma tela em branco, ávida por ser delineada com arte e criatividade. Para César, ainda totalmente dedicado ao design e arquitetura de recuperação, o edifício era um daqueles desafios em que o ouro reluz sobre o azul.
Desenhar uma adega devidamente apetrechada e perfeitamente funcional foi conciliado com a preservação do edificado, ao qual se mantiveram todas as características da traça original, nomeadamente o travejamento das coberturas. O espaço foi maximizado com a demolição de cinco das sete cubas de cimento ali existentes, cada uma delas com capacidade de vinificação superior à produção atual do produtor. As cubas que se mantiveram foram transformadas em laboratório, cozinha e cafetaria. No piso superior permaneceram intactos os três lagares de pedra, um deles adaptado com aço inox e sistema de refrigeração das massas.
Por ora, a capacidade de vinificação não ultrapassa os 30 mil litros. Os tintos reinam, ou não fosse este o território por excelência para a produção de vinhos do Porto. Com o encepamento distribuído pela trilogia mágica duriense – Touriga Nacional, Touriga Francesa e Tinta Roriz – a principal preocupação nestas parcelas onde os verões fazem jus ao ditado “Nove meses de inverno, três de inferno”, é a concentração e a preservação do poderio da fruta. Convenhamos, criar vinhos de baixo teor alcoólico no Douro Superior é uma bizarria sem sentido!
DouTua, Foz Tua e o topo de gama Costureiro, são as marcas comercializadas pela empresa. O Costureiro tinto, cuja primeira edição nasce em 2016, surge de uma justa homenagem à tradição têxtil de Barcelos. É um vinho de memórias que apenas é lançado nos anos verdadeiramente excecionais, em que a conjugação dos elementos naturais e humanos (sim, aqui vive-se a escassez séria de mão de obra para trabalhar a vinha e a uva tem humores muito próprios, carecendo de ser vindimada no seu ponto perfeito, na hora ideal) proporcionam a criação de vinhos marcantes. Com a edição de 2018 a terminar o seu tempo de vida nos mercados, surge agora o 2019 que, como todos os vinhos respeitadores da sua origem, traduz todo o encanto do ano vitícola.
Não existindo castas brancas no encepamento da Foz do Tua, optou-se por trazê-las dos Altos. Ali, ao redor de Alijó, onde as vinhas se encontram nas cotas mais elevadas do Douro, entre os 600 e os 700 metros de atitude, celebraram-se acordos de cavalheiros com um número reduzido e muito confiável de viticultores, que fornecem Viosinho, Gouveio e também um pouco de Arinto, que compõem os lotes a partir dos quais se elaboram os DouTua e Foz Tua Reserva branco. Na forja, ou como quem diz, na barrica (carvalho francês com capacidade de 500 litros), encontra-se o futuro Costureiro branco, naquela que será a sua primeira edição, ainda sem data de comercialização.
FUTURO COM ENOTURISMO
A empatia de César Fernandes com a reabilitação e construção urbana fazem-no sonhar acordado com uma vertente mais ambiciosa de enoturismo, incluindo a construção de uma pequena unidade de alojamento, complementar à sua adega “boutique”. A linha do Tua traz ali o tão desejado turismo, cabendo uma fatia muito relevante aos viajantes internacionais. Com loja aberta e provas temáticas no programa de visitas, as boas intenções de expansão resvalam sempre nas dificuldades inerentes à escassez de mão de obra para trabalhos mais qualificados, seja para construção, seja para assessorar o enoturismo.
O Douro, ainda assim, é um verdadeiro diamante por lapidar, um gigante adormecido com potencial para ser um dos mais significativos e exclusivos destinos de Portugal. A família Fernandes e a Foz do Tua estão a fazer a sua parte para o acordar, criando vinhos que nos perpetuam a sua memória.
Nota: o autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.
(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2025)
Quinta das Chaquedas: Lote 5, do sonho à realidade

Quantos apreciadores de vinhos, mais ou menos exigentes com as suas escolhas, é que nunca pararam para pensar, nem que fosse apenas por um breve momento, na produção e comercialização do próprio vinho? Em boa verdade, quase todos já devem ter sonhados com uma vida mais próxima da natureza, desenvolvida a um ritmo mais lento, […]
Quantos apreciadores de vinhos, mais ou menos exigentes com as suas escolhas, é que nunca pararam para pensar, nem que fosse apenas por um breve momento, na produção e comercialização do próprio vinho? Em boa verdade, quase todos já devem ter sonhados com uma vida mais próxima da natureza, desenvolvida a um ritmo mais lento, capaz de nos fazer apreciar os prazeres verdadeiramente simples da observação da floração ou do processo de coloração dos bagos das uvas, já para não mencionar o momento de autêntica celebração familiar proporcionado pela vindima.
Estas reflexões, verdadeiramente romanceadas do mundo do vinho, esbarram na fria e inquieta realidade dos compromissos diários e dos objetivos anuais que nos fazem esquecer ou adiar para um amanhã, que tarde ou nunca chegará. Resta respirar fundo, suster a respiração e mergulhar na férrea agenda da vida real.
Ainda assim, de vez em quando, há quem persiga o sonho e comute uma existência bem estabelecida e melhor remunerada pela devoradora incerteza do lançamento de um projeto vínico de raiz, capaz de revitalizar uma antiga vontade familiar. Foi exatamente o que aconteceu a Ana Castro, que desenvolvia uma sólida carreira na área da advocacia em Vila Nova de Gaia e ao marido Francisco Narciso, coronel do exército português.
Assim, no ano de 1999, Ana e Francisco embarcaram num sonho comum e compraram a Quinta da Cascalheira, no vale do Rio Torto, com cerca de oito hectares. “Foi o primeiro passo do culminar da vontade familiar de estarmos juntos: marido, mulher e filhos”, referiu Ana Castro no evento de apresentação dos seus vinhos.
A propriedade tinha a particularidade de integrar uma vinha pré-filoxérica denominada Tiroliro, a que se juntou, mais tarde, uma outra designada Ferradura. Eram pouco produtivas e careciam de um acompanhamento especial e continuado. Assim, dois anos depois, Ana Castro e a filha, com cinco anos, mudaram-se de armas e bagagens para a Quinta, para melhor acompanhar os trabalhos aí desenvolvidos.
A criação das Chaquedas
Pouco tempo depois, em 2003, fortaleceram o sonho ao comprarem uma nova propriedade em Santa Marta de Penaguião, renomeada Quinta das Chaquedas “em honra ao meu avô, que detinha uma propriedade homónima na histórica praia da Madalena, em Vila Nova de Gaia”, contou Ana Castro.
No decurso dos três anos seguintes o casal reuniu finalmente os cinco elementos familiares e, com ânimo renovado, reconstruiram a casa principal e edificaram uma adega e um espaço para desenvolver enoturismo.
Tal como centenas de famílias na multicentenária região do Douro, as primeiras produções foram vendidas a outras marcas mais sonantes. Neste caso particular foi celebrado um contrato com a Taylor’s “prevendo o acompanhamento na viticultura por um trio de luxo constituído por António Magalhães, David Guimarães e Carlos Rodrigues, que ainda hoje nos acompanham”, disse Ana Castro.Com passar dos anos, o projeto familiar sonhou dar mais um passo, “o lançamento de vinhos de nicho com uma marca própria e imagem distinta”. Assim, o projeto vínico familiar cunhou a marca Chaquedas, em 2010, e lançou no mercado o primeiro vinho tinto, ao qual se juntaram outras referências nos anos subsequentes.
No entanto, como salientou Ana Castro, “o mercado não acolhia facilmente o nome Chaquedas e tivemos de criar, em 2016, uma nova marca capaz de reunir os valores e imagem da família. E assim surgiu o nome Lote 5, que significa a união de uma família de cinco elementos”.
Nesta nova fase do projeto, a família realizou uma aposta ainda mais forte. Manteve o trio de viticultura e juntou o trabalho de Miguel Freitas que, nas palavras de Ana Castro “desenvolveu um trabalho de imagem muito criativo e identificador da família”. Contratou ainda a consultoria do enólogo Jorge Alves, com vasta experiência em projetos durienses.
Nos anos subsequentes, a família ampliou a área de plantação com a compra de 24 hectares dispersos pelo Vale do Rio Torto e outras localizações na sub-região do Cima Corgo, o que permitiu o alargamento do portefólio, com o aparecimento de novas referências, incluindo vinhos tintos, brancos e um rosé. No entanto, como referiu Ana Castro “esta expansão teve sempre a ideia de fazer vinhos de nicho bem feitos e muito acima da média”.
Este projeto familiar, desenvolvido na região do Douro, mostra bem que ainda há lugar para concretizar o velho sonho de produtor de vinhos de qualidade, desde que este esteja num local autêntico, com vinhas únicas e intervenientes relevantes.
(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2025)
Quinta do Ataíde: A nova estrela da Vilariça

A Vilariça tem de tudo para nos fazer felizes. Aqui é o vinho, ali o azeite mas também as frutas, os produtos da horta, as amêndoas. Ninguém passa fome e está mesmo autorizado a “embebedar-se” com a paisagem, tranquilizadora e cada vez mais amiga do ambiente, proliferando por aqui as vinhas em modo bio. Para […]
A Vilariça tem de tudo para nos fazer felizes. Aqui é o vinho, ali o azeite mas também as frutas, os produtos da horta, as amêndoas. Ninguém passa fome e está mesmo autorizado a “embebedar-se” com a paisagem, tranquilizadora e cada vez mais amiga do ambiente, proliferando por aqui as vinhas em modo bio.
Para se saber onde fica a Vilariça há várias maneiras. Pode-se, por exemplo, dizer que não é muito longe de Torre de Moncorvo, local mítico de peregrinação gastronómica para os amantes da carne, já que ir à Taberna do Carró é como ir a Fátima: há que ir, dê por onde der! Não come carne? Ali também há bons produtos hortícolas, frutícolas e frutos secos. Ok, então a Vilariça é um vale onde se chega via A4 e IP2, a caminho do Pocinho.
Esta era zona conhecida por ser uma planície em plena zona montanhosa, resultado de uma falha geológica. Tal como acontece com outras zonas muito marcadas por falhas geológicas (como a Alsácia, por exemplo), os solos estão “embrulhados e encavalitados” uns nos outros, originando que, na mesma parcela de vinha, se possam encontrar tipos diferentes e consequente desenvolvimento desigual das cepas, umas a produzir muito bem, ao lado de outras de produção diminuta. Podemos assim falar de micro-terroirs, algo que deixa muitas mentes de winefreaks em estado de excitação máxima.
Negócio a explorar
Nos anos 80 e, sobretudo 90, a Vilariça suscitou muito interesse de vários produtores, que ali reconheceram virtudes para a produção de vinhos Douro. Estávamos na época em que estavam a dar os primeiros passos, o mesmo período que levou várias empresas do vinho do Porto a perceberem que era uma área de negócio por explorar, uma vez que a região do Douro era rica de castas e vinhos que, por falta de benefício (o direito de produzir Porto), tinham um destino incerto. A Vilariça foi também uma das zonas onde a Cockburn’s, que era nos anos 80 um dos gigantes do vinho do Porto, lançou um programa de plantio em larga escala da casta Touriga Nacional. Pode mesmo dizer-se que foi dali que se expandiu, inicialmente para o restante Douro e, depois, para todo o país.
A família Symington adquiriu a Quinta do Ataíde em 2006 e, em 2014, plantou um campo ampelográfico com 53 castas, procurando assim saber o potencial das diferentes variedades face aos novos tempos de alterações climáticas. Aos poucos, algumas das parcelas vizinhas foram sendo adquiridas e incorporadas na Quinta do Ataíde. É também por isso que é difícil a Symington responder à simples pergunta: “quantas quintas têm?” Acontece que no Douro se chama muitas vezes “quinta” a uma parcela, uma vinha, na maior parte das vezes sem casa e/ou adega. Diga-se, como exemplo, que hoje, quando falamos da Quinta do Ataíde, estamos a falar dos 80 ha originais da propriedade, a que depois temos de acrescentar as áreas de vinha das parcelas Assares, Canada, Carrascal e Macieira que perfazem os actuais 112,4 ha de vinha, dos quais 80 em modo biológico. Quanto à pergunta “quantas quintas”, é provável que a resposta ainda se mantenha quando este texto vir a luz do dia, 27, mas onde se contam algumas das parcelas atrás referidas! Quintas de toda a família, algumas da própria empresa e outras que pertencem a membros da família, que entregam as uvas à empresa. Temos vindo a assistir ao crescimento enorme do património da empresa e o consulado de Paul Symington como CEO – entre 2003 e 2018 – foi especialmente prolífico, com a área de vinha a aumentar 482 ha nesse período. Temos, assim, que o “universo” Symington em termos de vinha está como segue: Douro (1,043 ha), Alentejo (41,5 ha), Monção & Melgaço (27,5 ha). A área efectiva de vinha plantada situa-se nos 1,112 hectares.
Uma adega para DOC Douro
Até à construção da adega que iniciou a laboração nesta vindima, a Symington tinha toda a produção dos vinhos DOC Douro na Quinta do Sol. O crescimento da procura dos vinhos Douro obrigou à decisão da construção desta nova adega. Ainda que o Porto continue a ser o responsável pela maior fatia da facturação da empresa, a verdade é que, se em 2009 os vinhos tranquilos apenas representavam 1% da facturação, em 2023 essa percentagem subiu para 14%. E se juntarmos os vinhos Douro com os do Alentejo, o que se verifica é que actualmente se está a produzir 24 vezes mais do que em 2010 e, nos últimos cinco anos, a facturação (Douro e Alentejo) cresceu 50%, situando-se agora nos 13 milhões de euros. No peso global da facturação da Symington, nos anos de declaração clássica de Vintage ou das edições especiais de Porto, podem os valores ter variações significativas, aumentando então o peso do vinho do Porto.
Nesta nova adega são então elaborados os vinhos Quinta do Ataíde e Vinha do Arco (num total de 36.000 garrafas), Quinta do Vesúvio (132.000 garrafas) e Altano Bio. No total falamos de 760.000 garrafas.
No Vesúvio mantêm-se os lagares com pisa a pé para a produção de vinho do Porto. Esses lagares “à antiga”, mandados fazer por Dona Antónia Adelaide Ferreira, são mesmo os únicos que a Symington mantém em funcionamento. E todo o Porto Quinta do Vesúvio é ali feito. Todas as outras quintas que têm vinificação – Cavadinha, Bomfim, Senhora da Ribeira, Malvedos e Quinta do Sol (esta para os Porto “correntes”) usam lagares robóticos. A gama Altano é a que representa maior volume, com 1.754.400 garrafas.
A Touriga Nacional é a rainha da Vilariça, ocupando 38% da área de vinha. Lá longe, em 1995, a Symington teria uns cinco ou seis hectares desta casta. Como nos diz Pedro Correia, enólogo, “eram os tempos em que dominava a Touriga Francesa e a Tinta Barroca nos encepamentos e, mesmo a Alicante Bouschet, que aqui na Vilariça já tem 21 ha, era uma casta que só existia nas vinhas velhas e pouco mais”.
Na visita à adega torna-se óbvio que há uma sensação de orgulho no trabalho feito. Charles Symington, que coordena a equipa de produção, disse, por várias vezes que o que mais lhe agradava era que tudo tinha sido feito “in the house”, como que a dizer “com a prata da casa”.
Ensombrada pela pandemia, com os materiais a falharem, os prazos a estenderem-se e os orçamentos a terem de ser constantemente refeitos, a adega conseguiu estar totalmente operacional para a vindima de 2023, com todas as valências para se poder considerar uma adega modelo pelos princípios da sustentabilidade. Com as placas fotovoltaicas “o edifício produz mais energia do que consome. Só na vindima é que precisamos de comprar”, revela o arquitecto Luis Loureiro, responsável pelo desenho da obra. Também há utilização intensiva da gravidade, sem recurso a bombas e mangueiras; resíduos tratados e águas residuais usadas para rega de jardins; orientação da adega com muitos dos equipamentos de apoio a serem colocados no exterior, junto às paredes viradas a norte; uma rede de fibra de coco onde trepadeiras irão crescer e “tapar” todos os equipamentos; cobertura vegetal da adega e preocupação com todo o arranjo exterior que, “dentro de três anos, mostrará tudo o que tivemos em mente”, como nos confirmou o arquitecto.
A produção em bio é muito exigente em procedimentos dentro da adega porque todo o equipamento tem de ser alocado apenas para os vinhos bio, desde as caixas de transporte das uvas até às cubas. Charles está consciente que a produção em bio exige muito mais intervenção na vinha (com prejuízos em termos de pegada de carbono) e estão a equacionar o uso de drones para a pulverização, algo que é tema ainda em desenvolvimento, mas que poderá ser uma excelente opção de futuro. Uma coisa é certa: “visitámos muitas adegas lá fora e não temos qualquer dúvida em dizer que aqui incorporámos todo o know how e todos os detalhes que fomos recolhendo das experiências nas nossas adegas; temos o que de melhor a ciência e a prática aconselham em termos de equipamento e funcionamento da adega”. O sorriso na cara da Charles diz tudo…
Por aqui vindima-se à mão e à máquina e há duas câmaras frigoríficas para recepção das uvas. “Com as que chegaram no dia anterior podemos começar bem cedo a vinificar, enquanto as uvas que vão chegando vão enchendo a outra câmara, já que só serão processadas no dia seguinte”, lembra Pedro Correia. Todo este trabalho continua a ter um quê de experimental: barricas de tanoarias diferentes para estágio, tostas diversas, madeiras de florestas distintas, uso de cimentos que facilitam a micro-oxigenação.
À volta da adega é um mar de vinhas quase todas pertencentes à família Symington. A quinta produz dois vinhos: Quinta do Ataíde, um tinto que resulta de um blend de castas e o Quinta do Ataíde Vinha do Arco, um varietal de Touriga Nacional. Foram alguns dos tintos da Vinha do Arco de provámos, todos eles ainda em comercialização pela empresa. A produção varia entre 12 e 18 000 garrafas. Os próximos a serem colocados no mercado, em 2025, serão os tintos de 2018 e 19, já com nova imagem. Concluída a vindima de 2024, ficámos a saber que tudo correu sobre rodas. Melhor ainda, que há vinhos muito bons. Como diria o actor: what else?
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2024)
São José do Barrilário: Dois vinhos e uma janela aberta para o Douro

A história da Quinta São José do Barrilário começa oficialmente em 1747, quando foi reconhecida como tal. Reza a lenda que, há muitos anos, ainda antes dessa data, um dos trabalhadores da quinta, ao lavar um dos barris, caiu acidentalmente dentro dele e rolou até ao ribeiro. Quando finalmente parou, agradeceu a São José, o […]
A história da Quinta São José do Barrilário começa oficialmente em 1747, quando foi reconhecida como tal. Reza a lenda que, há muitos anos, ainda antes dessa data, um dos trabalhadores da quinta, ao lavar um dos barris, caiu acidentalmente dentro dele e rolou até ao ribeiro. Quando finalmente parou, agradeceu a São José, o santo padroeiro da capela. Assim nasceu a Quinta São José do Barrilário e, em homenagem a esse acontecimento, todo o hotel foi inspirado nos barris de vinho.
Chegados ao Douro Wine Hotel & Spa fomos recebidos pelos administradores Maria do Céu Gonçalves e Álvaro Lopes, que nos proporcionaram uma visita guiada pelo espaço, que conjuga tradição com sofisticação, com um olhar na sustentabilidade. Adquirida pelo Grupo Terras & Terroir em 2017, a quinta, localizada em Armamar foi alvo, de um profundo e dedicado processo de revitalização, reabrindo ao público em agosto de 2024.
O projeto, com assinatura do arquiteto Henrique Gouveia Pinto, envolveu a construção de um hotel de cinco estrelas, o Douro Wine Hotel & Spa, com 31 unidades de alojamento (27 quartos e quatro suites, com áreas entre os 28 e os 50 metros quadrados), infinity pool exterior, Spa panorâmico, restaurante e loja de vinhos, assim como a reconversão da casa, a recuperação da capela dedicada a São José e o lançamento da marca de vinhos São José do Barrilário.
Herança e sustentabilidade
O respeito pela história da Quinta São José do Barrilário é comprovado com a recuperação da casa senhorial, convertida em palco privilegiado para a realização de eventos, e da capela dedicada a São José, verdadeiramente um dos ex-libris da propriedade.
A oferta é diversificada e focada na sustentabilidade, com uma cuidadosa seleção de materiais que refletem a autenticidade, a tradição e a profunda ligação com a região do Douro, enquanto proporcionam conforto e sofisticação aos hóspedes: “Acreditamos que o Douro ainda tem muito para crescer, que tem potencial para desenvolver a sua proposta de valor. Pretendemos contribuir para essa evolução com uma oferta de qualidade superior, dentro do segmento de luxo, apostando num hotel de cinco estrelas que tem uma vista fantástica sobre o rio Douro, e na revitalização das estruturas já existentes na Quinta, cumprindo a missão do grupo, de valorizar o património de Portugal”, frisa a administração do Grupo Terras & Terroir”.
Apenas a título de exemplo, é possível degustar mel na propriedade, proveniente de 10 colmeias já instaladas que, no futuro, farão parte da oferta diferenciada de serviços disponíveis, pois está prevista a construção de um apiário que poderá ser visitado pelos hóspedes. A breve prazo, o mel colhido será também comercializado pelo grupo Terras & Terroir. O mesmo se passa com o azeite obtido das 400 oliveiras do olival da propriedade ou o pomar em crescimento, ofertas verdadeiramente diferenciadas para quem procura luxo e diversificação na região duriense.

Um terroir de eleição
Após a visita à propriedade, foi tempo de provar os novos reserva São José do Barrilário – um branco e um tinto. As garrafas apresentam o logotipo da quinta, inspirado na iconografia da Companhia de Jesus, também conhecida como Ordem dos Jesuítas, exibindo três pregos estilizados que representam os usados na crucificação de Cristo. O rótulo com relevo evidencia igualmente os losangos perpetuados na capela do século XVIII, dedicada a São José, que foi restaurada.
A Quinta São José do Barrilário perfaz um total de 28 hectares, dos quais 15 são de vinha, 11 dos quais com idades compreendidas entre os 25 e os 50 anos, três hectares com cerca de cinco anos e um hectare com cerca de dois anos. Predominância, nas variedades tintas, para a Touriga Nacional, Tinta Roriz, Touriga Franca e Tinta Barroca nas vinhas mais velhas, e Tinto Cão e Sousão nas vinhas novas. As uvas para o branco, maioritariamente de Gouveio e Viosinho provêm de uma vinha localizada em altitude, em Carrazeda de Ansiães, no Douro Superior.
“O facto de estarmos localizados numa encosta exposta a nascente implica menos sol após o meio-dia, resultando numa maturação equilibrada, sem calor excessivo, produzindo vinhos tintos muito frescos, com boa acidez. Nos brancos, a altitude da vinha localizada no Douro Superior é determinante para a sua frescura”, refere Hugo Fonseca, diretor de Produção do Grupo Terras & Terroir.
Os vinhos – 4500 garrafas de branco e 6600 garrafas de tinto – são produzidos em Lamego, a curta distância, no centro de vinificação da Quinta da Pacheca, com a assinatura da dupla de enólogos da principal unidade do Grupo Terras & Terroir: Maria de Serpa Pimentel e João Silva e Sousa. Será sempre uma produção limitada, focada na qualidade, estando na forja apenas mais um tinto, um Grande Reserva a sair em breve.
Para a dupla de enólogos o objetivo foi criar vinhos “com longevidade em garrafa” e cujo mote é “frescura, frescura, frescura”. Pudemos comprová-lo na prova efetuada e posteriormente à mesa, ao almoço, no restaurante do hotel, com o traço distintivo da carta criada pelo chef Luís Guedes.
Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2024)
Grande Prova: Douro Superlativo

Já não imaginamos o Douro sem os vinhos “de mesa” (não como categoria, mas para os distinguir dos fortificados e espumantes). Longe vão os tempos quando os “vinhos de pasto” ou “vinhos de consumo” serviam apenas para o consumo caseiro ou para providenciar o pessoal de trabalho agrícola. Em 1982 foi reconhecida a Denominação de […]
Já não imaginamos o Douro sem os vinhos “de mesa” (não como categoria, mas para os distinguir dos fortificados e espumantes). Longe vão os tempos quando os “vinhos de pasto” ou “vinhos de consumo” serviam apenas para o consumo caseiro ou para providenciar o pessoal de trabalho agrícola. Em 1982 foi reconhecida a Denominação de Origem Controlada Douro, o que mudou o estatuto destes vinhos e abriu o caminho para a afirmação da região como também produtor de grandes vinhos tintos, primeiro, e brancos, mais tarde. Os primeiros Barca Velha, produzidos antes desta altura eram simplesmente “vinho tinto de mesa”. E havia outros exemplos, muitos dos quais continuam a sua existência, embora não sejam hoje tão conhecidos como na altura, pois milhares de marcas surgiram, entretanto.
As Caves Vale do Rodo (reunião de várias adegas cooperativas) em 1959 lançou um vinho tinto com marca Cabeça de Burro. A Quinta do Côtto nos anos 60 e 70 produzia alguns vinhos monovarietais, o que era verdadeiramente inovador na altura e nos anos 80, os vinhos desta quinta granjearam merecida fama, sobretudo o Quinta do Côtto Grande Escolha, estagiado em madeira nova, também pouco comum naquela época. Nesta prova essa referência mostrou-se em belíssima forma.
Mas tudo isto eram ainda casos esporádicos. O despertar do gigante começou a partir dos anos 90 e na viragem do milénio. Alguns grandes grupos internacionais reconheceram o potencial do Douro, investindo em propriedades durienses. O grupo Roederer adquiriu a Ramos Pinto em 1990 e nesta colheita também foi criado o Duas Quintas. A AXA Millésimes investiu na famosa Quinta do Noval em 1993 e o primeiro DOC Douro foi da colheita de 2004. O Grupo Vranken Pommery Monopole em 1997 comprou a Rozès.
Esta época coincide com uma nova geração de enólogos e produtores, bem formados, talentosos e ambiciosos, como Jorge Moreira, Francisco Olazabal, Jorge Borges, Sandra Tavares da Silva, Manuel Lobo, Francisco Ferreira e Tiago Alves de Sousa entre outros. Surgem projectos da Quinta do Vale Meão, Poeira, Quinta do Vallado, Wine&Soul. As empresas produtoras do Vinho do Porto começam a fazer as suas experiências nos vinhos de mesa, como a Symington Family Estates, fazendo uma parceria com Bruno Prats, formando a Prats&Symington que apresenta o Chryseia 2000, o vinho ambicioso com um polimento típico de escola de Bordeaux. E a partir de colheita de 2007, na Quinta do Vesúvio, adquirida pela Symington Family Estates em 1989, começam a nascer vinhos DOC Douro para além dos vinhos do Porto.
Ao longo dos 25-30 anos de existência dos DOC Douro, os produtores tiveram uma boa dose de aprendizagem, aperfeiçoando as formas de trabalhar a vinha, de vinificar as uvas, no uso de barrica (cada vez com mais parcimónia e em função de casta, da vinha e do ano). Foi uma afinação contínua e hoje os vinhos do Douro têm uma qualidade geral altíssima, os melhores deles impressionam pela sua finesse e carácter, mesmo variando em estilo. Deixando à parte as questões de carácter político e social e, focando, exclusivamente na prova de mais de 40 vinhos, podemos afirmar que são realmente grandes vinhos em qualquer parte do mundo.
Segundo o IVDP, a produção do vinho DOC Douro foi, em 2023, de 72.431.045 litros, quase igual de vinho do Porto, que foi de 72.436.084 litros.
Excelência nas três sub-regiões
Embora as condições edafo-climáticas variem à medida que nos afastamos do litoral e aproximamos da fronteira com Espanha, em todas as três sub-regiões se fazem grandes vinhos.
O Baixo Corgo é a sub-região mais ocidental e próxima do oceano Atlântico, embora não sofra influência directa devido à protecção da Serra do Marão, que bloqueia grande parte dos ventos frios e húmidos. O clima é mais ameno e com maior índice de precipitação em comparação com as outras sub-regiões do Douro. Os vinhos tendem a ter teor alcoólico moderado e maior acidez. Se antigamente ter vinhas nesta sub-região se considerava menos prestigiante, agora, com os efeitos do aquecimento global, é cada vez mais procurada pela sua maior frescura. Temos aqui belíssimos exemplos como o Vallado Vinha da Granja e Vinha da Coroa, Quinta do Côtto e Quinta da Gaivosa, de Alves de Sousa.
O Cima Corgo, situado no centro da região do Douro, ao redor de Pinhão, é mais seco e quente que o Baixo Corgo e com menor precipitação. O clima favorece vinhos complexos e intensos. Saem desta sub-região vinhos incríveis como o Quinta da Manoella VV, Poeira, Quinta do Crasto, Quinta do Noval, Quinta da Romaneira, Quinta de La Rosa e Quinta das Carvalhas da Real Companhia Velha, só para dar alguns exemplos.
O Douro Superior é a sub-região mais próxima da fronteira com a Espanha, sendo a mais distante do Atlântico. Tem o clima mais continental entre as três regiões, com verões muito quentes e secos e invernos rigorosos e secos também. Recebe pouca chuva, e a aridez é um factor distintivo. Produz vinhos muito concentrados, potentes e encorpados, de grande estrutura e às vezes teor alcoólico elevado. A sub-região é responsável por muitos nomes sonantes, como Quinta do Vale Meão, Quinta da Leda (Sogrape), Quinta do Vesúvio (Symington), Quinta da Ervamoira (Ramos Pinto) e Quinta Vale D. Maria (Aveleda).
Vinhas, castas e tendências
De acordo com os dados recentes do IVDP, a vinha na região do Douro ocupa mais de 43.000 ha, com a maior parte na sub-região de Cima Corgo, onde estão plantados mais de 20.000 ha. Cerca de 13.000 ha encontram-se no Baixo Corgo e cerca de 10.000 ha ficam no Douro Superior.
O lote “moderno” duriense baseia-se na tríade de Touriga Nacional, Touriga Francesa (designação mais rigorosa do que Touriga Franca, sendo cada vez mais utilizada pelos produtores) e Tinta Roriz.
Seria difícil de subestimar a importância da Touriga Francesa no Douro, onde é a espinha dorsal dos lotes quer nos vinhos do Porto quer nos vinhos Douro. É por isso que é a casta mais plantada na região, representando 28,1% da área da vinha. Está perfeitamente adaptada à região, tem uma película mais espessa, a folha é mais rugosa, o que permite aguentar melhor o stress hídrico e térmico. Aos vinhos confere dimensão, estrutura e aromas finos, embora menos exuberantes que os da Touriga Nacional. Esta representa 11,6% de área plantada e está em crescimento. Exige algum cuidado na vinha com a exposição solar para evitar que as folhas de base sequem e que fique com aromas sobremaduros. É muito flexível na adega e confere frescura, elegância e também alguma estrutura aos vinhos para além de contribuir com a complexidade aromática. Juntas, estas duas castas fazem uma base consistente de muitos vinhos durienses, incluindo os topos de gama.
A Tinta Roriz, embora esteja muito presente nas plantações, ocupando 15,5% da área, não é consensual e nos vinhos de topo de gama, salvo raras excepções, entra em proporções mais modestas. É muito dependente do terroir, tem taninos bastante agressivos, peca por falta de acidez, é muito produtiva e por isso nem sempre amadurece bem.
A Tinta Barroca, embora represente 6,6% das plantações, está em decréscimo. É utilizada mais para os vinhos do Porto, sobretudo para os Tawny, enquanto que para os vinhos Douro falta-lhe o equilíbrio. É uma casta precoce, rapidamente acumula açúcar e perde acidez e, então, para os vinhos de topo o seu uso é reduzido, a menos que esteja presente nas vinhas velhas, mas ali é outra história.
A Tinto Cão, embora não ultrapasse 1% de plantação, está a ganhar importância pelas suas qualidades enológicas. É o oposto da Tinta Barroca, sendo uma casta muito tardia, de ciclo longo. Preserva bem a acidez, tem tanino notável, produz vinhos com frescura e algum potencial de envelhecimento. Nos lotes contribui com acidez. A par da Tinto Cão, também muitas vezes entra a Sousão para temperar o lote com a frescura.
A Alicante Bouschet também presente nas vinhas velhas no Douro, não tem muita expressão, mas ultimamente tem ganho alguns adeptos. “É precoce no Douro Superior, amadurece bem, tem alguma rusticidade, mas menos do que o Sousão” – define a casta Francisco Ferreira, director de produção da Quinta do Vallado.
Vinhas Velhas, património e expressão do Douro
Verdadeiramente fascinante no Douro são as vinhas velhas. A Quinta do Crasto foi a primeira a introduzir o conceito Vinhas Velhas no rótulo, nos anos 90, e foi ainda mais longe, produzindo dois vinhos de vinhas centenárias, as famosas Vinha da Ponte e Vinha Maria Teresa (desde a colheita de 1998). Para esta nossa prova veio o Quinta do Crasto Vinha da Ponte, originado de apenas 1,96 hectares de vinha que supera os 100 anos.
Em 2020, o IVDP regulamentou a menção “Vinhas Velhas” no rótulo, considerando as vinhas com mais de 40 anos (idade média das videiras mais velhas da parcela), plantadas com densidade de pelo menos 5.000 cepas por hectare (com tolerância de 30% para falhas – videiras mortas – e excepção das parcelas com armação pré-filoxérica, com menor densidade). Para justificar a menção, o vinhedo tem de apresentar um mínimo de 4 castas, devendo 3 delas representar um mínimo de 25% do total. O rendimento por hectare não pode exceder 50% do máximo fixado anualmente para DOC Douro.
Mas não basta colocar no rótulo “Vinhas Velhas” para que o vinho passe a ter uma qualidade superior. As vinhas velhas não trazem benefício só por serem velhas ou por se tratar de uma mistura de castas. São boas quando estão no local certo, a composição é boa, quem as plantou fez bem o seu trabalho e as vinhas são bem mantidas ao longo do tempo. Por outras palavras, as vinhas velhas são boas se já o eram quando novas.
As vinhas velhas têm algumas características importantes. As raízes são bem desenvolvidas o que permite a planta chegar à água e aos nutrientes vitais para o seu metabolismo e aguentar o stress hídrico com relativo conforto. Os seus troncos grossos acumulam carboidratos, criando assim as reservas energéticas que a planta utiliza durante períodos de maior necessidade como fonte de energia. Outra característica das vinhas velhas é a produção baixa, por vezes apenas 300-500 g por planta, o que permite a videira amadurecer os cachos com muita concentração e equilíbrio (numa vinha nova isto consegue-se com uma monda em verde).
Entretanto as vinhas velhas dão muito trabalho aos produtores. Primeiro, são pouco rentáveis em termos de produção. Segundo, a sua manutenção ao longo do tempo exige decisões estratégicas a serem colocadas em prática. À medida que as vinhas velhas vão envelhecendo, algumas videiras morrem e aí o produtor opta, ou por substituição das videiras mortas (muitas vezes com a mesma casta), ou por deixar como está, assumindo que a produção vai diminuindo ainda mais, mas assim não é desvirtuada a composição e a idade da vinha. “Não quero fazer de uma vinha velha uma vinha nova” – explica Francisco Ferreira. E acrescenta que a retancha (a tal substituição das videiras mortas) também não é fácil nas vinhas velhas porque as raízes das videiras antigas são muito desenvolvidas, ocupam praticamente todo o espaço subterrâneo e o enraizamento de uma videira nova é difícil.
A preparação da vindima numa vinha velha é outra “dor de cabeça”. A heterogeneidade natural dificulta a definição da data de vindima. Muitos enólogos concordam que a avaliação analítica das amostras com 20-30 castas nem sempre reflecte a realidade e tem uma significativa margem de erro. Carlos Agrellos, enólogo da Quinta do Noval e da Quinta da Romaneira, conta que para definir a data de vindima nas vinhas velhas, se foca nas 4-5 castas que são mais populosas. “Tem de se olhar de cima para a vinha e ir provar os bagos nas zonas mais críticas”. Manuel Lobo, responsável pelos vinhos da Quinta do Crasto, concorda que “é preciso uma sensibilidade muito grande para não perder o equilíbrio”. A empresa tem na equipa uma pessoa responsável só para acompanhar as parcelas antigas. A selecção rigorosa no tapete de escolha também faz parte, para retirar as uvas sobremaduras. A vindima das vinhas velhas na Quinta do Crasto é praticamente uma operação cirúrgica em que os próprios directores de enologia e viticultura lideram um pequeno grupo de experientes trabalhadores para colher à mão apenas as uvas que atingiram o nível ideal de maturação.
Entretanto, não basta colher as uvas das vinhas velhas para conseguir fazer grandes vinhos, a sua abordagem enológica também exige uma sensibilidade quanto à extracção e ao uso de barrica. Muitas vezes as vinhas velhas não têm uma estrutura poderosa devido a castas mais delicadas na sua composição e uso de barricas novas, neste caso, pode desvirtuar a personalidade da vinha, marcando demasiado.
Carlos Agrellos conta que fermentam em inox, só com remontagens suaves e na prensagem separam a fracção de prensa e depois avaliam: caso o mosto de gota não tenha estrutura suficiente para ir para à barrica, acrescentam o mosto de prensa. Conhecer a composição das vinhas velhas é fundamental porque vai ter impacto na vinificação. Por exemplo, Francisco Ferreira relata que na Vinha da Coroa entre as 20 castas, a Tinta Roriz corresponde a 50%. Neste caso optam por uma extracção mais cuidada, enquanto no caso da Vinha da Granja, plantada em 1929, esta questão não se põe, porque entre as 32 castas, as maioritárias são Tinta Roriz 19%, Tinta Amarela 19%, Touriga Francesa 18%, Touriga Nacional 8% e Moreto 7%.
Os vinhos a partir das vinhas velhas, quando bem feitos, são absolutamente fascinantes, transmitem uma forte identidade que se reconhece em provas sucessivas colheita após colheita, uma complexidade mais entrelaçada, a lembrar uma pintura de pinceladas muito finas.
Por isto a preservação das grandes vinhas velhas do Douro é quase uma questão de honra. É um património insubstituível. Imaginem o mundo sem os vinhos Maria Teresa, Vinha da Ponte, Vinha da Granja, Vinha da Coroa, Pintas, Quinta da Manoella e outros. O panorama do Douro seria incompleto. E este património merece ser preservado e valorizado.
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2024)
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Quinta do Castro do Saião
Tinto - 2020 -
Quinta das Carvalhas
Tinto - 2020 -
Quinta da Romaneira
Tinto - 2018 -
Quanta Terra Manifesto
Tinto - 2018 -
Obóe Som de Barrica
Tinto - 2019 -
La Rosa
Tinto - 2021 -
Quinta do Vale Meão
Tinto - 2021 -
Quinta do Crasto Vinha da Ponte
Tinto - 2018 -
Quinta de Ervamoira
Tinto - 2021 -
Chryseia
Tinto - 2020
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Duorum
Tinto - 2021 -
Bela Luz
Tinto - 2022 -
Andreza
Tinto - 2021 -
Titan of Douro Fragmentado Blend II
Tinto - -
Quinta Vale D. Maria Vinha da Francisca
Tinto - 2021 -
Quinta do Vesúvio
Tinto - 2019 -
Quinta do Portal Auru
Tinto - 2019 -
Quinta do Noval
Tinto - 2022 -
Quinta do Monte Xisto
Tinto - 2021 -
Quinta do Côtto
Tinto - 2020
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Dona Matilde
Tinto - 2020 -
Costureiro
Tinto - 2018 -
Cortes do Reguengo
Tinto - 2019 -
Cadão
Tinto - 2018 -
Quinta dos Frades
Tinto - 2016 -
Quanta do Pessegueiro Plenitude
Tinto - 2022 -
Quinta da Leda
Tinto - 2021 -
Quinta da Extrema Edição III
Tinto - 2017 -
Lavradores de Feitoria Três Bagos
Tinto - 2019 -
Herédias
Tinto - 2020
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Vallegre
Tinto - 2021 -
Casa Velha
Tinto - 2021 -
Arribas do Côa
Tinto - 2013 -
Santos da Casa Fazem Milagres
Tinto - 2020 -
Quinta dos Quatro Ventos
Tinto - 2017 -
Quinta de São Luiz
Tinto - 2019 -
Quinta da Rede
Tinto - 2017 -
Quinta da Pedra Alta
Tinto - 2021 -
Poças Vinha do Cerro
Tinto - 2022 -
H.O Achado
Tinto - 2019
Quanta Terra: 25 anos festejados em grande

Sem terra e sem uma adega convencional, Quanta Terra é uma parceria em busca do seu vinho perfeito e uma marca que provoca a emoção no consumidor. O projecto começou em 1999, fruto da cumplicidade profissional de Celso Pereira e Jorge Alves, que se conheceram nas Caves Transmontanas no início dos anos 1990. Conhecendo o […]
Sem terra e sem uma adega convencional, Quanta Terra é uma parceria em busca do seu vinho perfeito e uma marca que provoca a emoção no consumidor. O projecto começou em 1999, fruto da cumplicidade profissional de Celso Pereira e Jorge Alves, que se conheceram nas Caves Transmontanas no início dos anos 1990. Conhecendo o Douro como a palma das suas mãos, definiram desde logo as zonas da proveniência das uvas para garantir a qualidade dos vinhos: para os tintos, vale do Tua, e para brancos e rosés as terras de altitude 600-700 metros com solos de transição para o granito, no planalto de Alijó, onde mesmo em anos quentes conseguem maturações equilibradas e uvas com frescura natural. As ligações duradoras com os viticultores que lhes fornecem as uvas, desde o início do projecto, asseguram a matéria prima de qualidade sem ter necessidade de adquirir as vinhas. O importante é acompanhá-los e pagar bem as uvas.
A “adega” da Quanta Terra, inserida numa antiga destilaria da Casa do Douro, recuperada em colaboração com o arquitecto Carlos Santelmo é algo único. De layout pouco habitual, o espaço, para além de acomodar uma cave de barricas, está transformado num ambiente museológico dedicado à história do Douro e serve de palco a exposições artísticas temporárias. A vinificação propriamente dita é feita nas adegas dos seus parceiros de outros projectos vitivinícolas.
Olhando para o seu percurso de 25 anos na Quanta Terra, os enólogos consideram que o importante foi saber “evoluir improvisando”. “Criámos perfis de vinhos e validámos com as vendas no mercado”, permanecendo numa dinâmica criativa.
Mas parece que os dois também gostam de provocar o mercado de vez em quando. No mundo, onde os restaurantes nem aceitam um vinho branco de há dois anos, onde o consumidor procura vinhos fáceis e frutados, lançar um branco com estágio de vários anos em barrica é de loucos. Mas quem conhece Jorge Alves e Celso Pereira, sabe que isto faz parte do ADN do projecto. O estágio prolongado exige paciência, implica o investimento em barricas e o empate do capital, e ainda obriga a lidar com a volatilidade das tendências do mercado. O factor incerteza também tem a ver com o próprio vinho, pois durante um estágio de muitos anos nunca se sabe ao certo que perfil o tempo vai esculpir no final. Ao provar o Gold Edition 2017 com quase sete anos em barrica e o Family Edition 2007 com 14, percebe-se porque às vezes vale a pena ir até ao limite.
O primeiro Gold Edition foi da colheita 2011, da qual houve duas barricas que ficaram para trás, não propositadamente. O resultado motivou a repetição da experiência em anos bons, em que a qualidade esperada justifique um estágio prolongado. “Sentimos que o mercado pode ter apetência para estes vinhos diferenciados”.
O Family Edition foi ainda mais longe. Começou em 2007 como uma base de espumante que, por decisão interna, ia ficando em barricas novas de 225 litros. Passados 14 anos e ao contrário do que se pode pensar, não está marcado pela barrica, pois o vinho ia concentrando e a barrica ia envelhecendo com o vinho e acabou por integrar completamente. O resultado, com mais de 8 g/l de acidez e um pH baixíssimo, oferece, ao mesmo tempo, o sabor e a textura para envolver a estrutura acídica e trazer à prova um vinho cheio de vida e personalidade. Decidiram lançá-lo no aniversário dos 25 anos. É uma edição única, com apenas 670 garrafas.
Outra novidade é o espumante Quanta Terra Éclat feito de Pinot Noir proveniente da zona de Lamego. Quase que apetece dizer: “até que enfim!”. Sendo Celso Pereira o reconhecido Senhor das Bolhas, espanta-me como é que aguentaram 25 anos sem se meter na produção de espumantes. Mas aqui vai!
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)
Romaneira: A diversidade do Douro numa só quinta

Aparentemente e ao longe, a região do Douro é marcada por uma forte unidade geográfica, social, económica e cultural, na qual a vinha e o vinho são os elementos comuns e agregadores. No entanto, à medida que nos aproximamos dos seus meandros, socalcos e patamares, descobrimos que o território é bastante heterogéneo. As realidades sub-regionais […]
Aparentemente e ao longe, a região do Douro é marcada por uma forte unidade geográfica, social, económica e cultural, na qual a vinha e o vinho são os elementos comuns e agregadores. No entanto, à medida que nos aproximamos dos seus meandros, socalcos e patamares, descobrimos que o território é bastante heterogéneo. As realidades sub-regionais mostram-se bastante díspares relativamente ao clima, relevo, paisagem, povoamento, modos de produção e, acima de tudo, nas dimensões dos vinhedos.
No ano de 2023, segundo as estatísticas do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP), a região demarcada era composta por 95851 parcelas de vinha, de geometria muito variável, perfazendo um total de 43813 hectares que, por sua vez, foram explorados por 18655 entidades registadas. Numa primeira aproximação estatística, cada parcela seria composta por uma média que rondaria cerca de meio hectare. Do mesmo modo percebemos que cada entidade explorou aproximadamente cinco parcelas perfazendo um pouco mais de dois hectares. O que corresponde a dois campos de futebol com as medidas oficiais, aproximadamente.
Numa análise mais fina e articulada percebemos claramente uma realidade muito mais complexa e variável. Os números publicados na página on-line do IVDP, referentes ao ano de 2023, revelam que as parcelas entre meio e um décimo de hectare perfazem cerca de 20,5% do total da área da região.
No entanto, a maioria das parcelas, 37412, que correspondem a 39% do total, apresentam uma área inferior ou igual a um décimo de hectare, ou seja, uma grande parte das frações de vinha apresentam uma área menor ou igual, e em alguns casos muito menor, a uma grande área de um campo de futebol. Ainda assim, estas parcelas apenas representam cerca de 4% do total geral de hectares de vinha. Do outro lado do espectro da análise encontramos apenas 26 parcelas com uma área igual ou superior a 20 hectares, o que corresponde a 0,02% das parcelas e a 1,6% do total de hectares.
Nos antípodas do Douro
Nos antípodas da fragmentação do território e bem no coração do Cima Corgo encontramos a Quinta da Romaneira, uma das maiores propriedades da região, com um total de 412 hectares dispondo de três quilómetros de frente no rio Douro.
As vinhas, totalizando 86 hectares, estão plantadas em socalcos nas escarpadas encostas da propriedade. Tal como referiu Carlos Agrellos, o enólogo consultor, “esta imensa vastidão de vinhedo, pelos parâmetros durienses, encontra-se dispersa por muitos vales e promontórios, o que origina diversos microclimas em função das inúmeras variações de altitude e exposições solares”.
No entanto, a Quinta da Romaneira nem sempre teve estas dimensões, lembra Carlos Agrellos: “na altura das demarcações Pombalinas, já existiam parcelas de vinhas, bem como algumas das Quintas que passariam a fazer parte da Romaneira. No entanto, foi apenas na década de 40 do século passado que ocorreu a grande aquisição de várias quintas vizinhas, o que fez da Romaneira uma propriedade extremamente grande e rara pelos padrões do Douro”. Curiosamente, muitas das parcelas de vinha continuam a ostentar o nome das anteriores propriedades, adquiridas para criar o projeto tal como ele existe hoje: Liceiras, Carrapata, Malhadal, Barca, Bairral e Pulga, são alguns dos exemplos.
Desde 2004, data em que Christian Seely reuniu um grupo de investidores para concretizar a aquisição da Quinta da Romaneira, tem beneficiado de uma renovação, reconstrução e replantação muito extensa. Ainda assim, como referiu Carlos Agrellos, “só oito anos mais tarde, após André Esteves se ter tornado o acionista principal, é que a Quinta consolidou a sua posição entre os produtores de elite de vinhos e revelou todo o potencial de grandeza do seu terroir histórico”.
Os novos vinhos do Douro e Porto
Os diversos vinhos da Quinta da Romaneira são muito específicos e provêm de pequenas parcelas individuais ou de várias localizações particulares da Quinta. Esta opção, “reflete a complexidade e diversidade de toda a vinha. Todos os nossos vinhos são feitos exclusivamente de uvas das nossas vinhas, uma característica distintiva dos vinhos da Quinta da Romaneira”, disse Carlos Agrellos.
Um dos pontos de interesse desta apresentação também esteve ligado à reformulação gráfica levada a cabo. Assim, diversas gamas de vinhos foram repensadas e redesenhados os rótulos, refletindo a precisão quanto às origens individuais de cada vinho. Nas palavras de Carlos Agrellos, “cada vinho produzido na Romaneira tem agora um rótulo com uma imagem gravada que reflete a identidade do vinho e o local de proveniência das uvas que o fazem”.
A apresentação dos novos vinhos brancos e do rosé decorreu sob a batuta do ano 2023 que, nas palavras de Carlos Agrellos “ficou marcado por uma mudança significativa em relação aos quatro anos anteriores caracterizados por temperaturas elevadas e escassas produções, estes fatores garantiram que as vinhas cresceram sem as limitações da carência de água e por isso obtivemos uvas de alta qualidade, permitindo a criação de vinhos excecionais”.
Estes vinhos, para além de apresentarem uma nova roupagem, revelam os distintos microclimas da Quinta e as técnicas enológicas utilizadas nas diferentes castas brancas (Gouveio, Viosinho, Boal e Rabigato) e tintas (Touriga Nacional, Touriga Francesa, Tinta Roriz e Tinto Cão).
Por fim, foram apresentadas as novidades relacionadas com o vinho do Porto, a primeira um Tawny 20 anos envelhecido durante duas décadas em pequenas barricas de carvalho com 640 litros de capacidade. Este, nas palavras de Carlos Agrellos, “incorpora todas as características de um clássico Tawny premium”. A segunda novidade foi um vinho do Porto Vintage vinificado em lagares de inox, que “além de todas as vantagens tradicionais da pisa a pé para o vinho do Porto, também beneficia da capacidade técnica de os aquecer e arrefecer”, referiu ainda Carlos Agrellos.
Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)