JUSTINO’S: De olhos no futuro sem esquecer a tradição
Se as (boas) tradições existem para se manter, as experimentações e inovação são formas de dinamizar o presente e projectar o futuro, até porque as condições sócio-económicas estão em constante mudança e é preciso acompanhar e, de certa forma, antecipar estas alterações. Foi o tema de conversa com o Director Geral e enólogo da casa, […]
Se as (boas) tradições existem para se manter, as experimentações e inovação são formas de dinamizar o presente e projectar o futuro, até porque as condições sócio-económicas estão em constante mudança e é preciso acompanhar e, de certa forma, antecipar estas alterações. Foi o tema de conversa com o Director Geral e enólogo da casa, Juan Teixeira e Nuno Duarte, que é responsável pelos seus vinhos tranquilos, Colheitas e Single Cask da Justinos, ao longo de dois dias de visitas à adega e às vinhas e das provas, onde a vertical de Frasqueiras foi absolutamente memorável.
A história da Justino’s começou numa pequena empresa familiar, fundada em 1870. Hoje, juntamente com Henriques & Henriques, integra um dos maiores grupos internacionais de bebidas, La Martiniquaise e, juntas, representam cerca de 60% de volume de produção e vendas dos vinhos da Madeira.
A Justino’s produz 1.400.000 garrafas anualmente, incluindo os vinhos não fortificados com os designativos DO Madeirense e IG Terras Madeirenses, onde também se enquadram os pequenos projectos de edições ultralimitadas, explorando determinadas parcelas e técnicas de vinificação. Neste âmbito, foram apresentados, em estreia absoluta, dois vinhos tranquilos com forte sentido do lugar.
Fanal é uma marca de 1935, cujo nome é inspirado num sítio de grande beleza paisagística – um planalto a mais de 1000 metros de altitude, muitas vezes coberto de nevoeiro, que transforma as figuras das árvores numa floresta encantada. Para a marca Fanal fazem vinhos provenientes das uvas (no caso dos vinhos tranquilos) ou dos cascos (no caso dos fortificados) das proximidades desta zona. Assim, as uvas de Sercial vêm da Fajã do Barro, Porto Moniz, onde a casta é plantada em espaldeira, com viticultura biológica praticada por um casal de viticultores em parceria com a Justino’s. Uma parte do lote estagiou em barrica semi-nova de 700 litros. Deste vinho, intenso e assento na acidez, foram produzidas apenas 1.266 garrafas.
A casta Listrão vem de dois viticultores do Porto Santo. É uma variedade muito cara, dada a quantidade mínima existente e a subida de procura. Na última vindima os preços chegaram a 4,20€/kg, que é praticamente o dobro de outras castas brancas, cujos preços rondam 2,40-2,50 €/kg. As uvas chegam refrigeradas do Porto Santo. Metade vão inteiras para prensa e outra metade faz maceração pelicular de seis horas para extrair algum aroma, pois a casta é bem neutra. Estagia em inox e em carvalho francês usado de 500 l. Resulta num vinho comedido na acidez, com um perfil delicado. Só foram produzidas 1.303 garrafas.
Os projectos mais arrojados vão para além do vinho: nos planos está o lançamento de rum estagiado em cascos de Verdelho e cerveja.
O investimento previsto também visa melhorias na parte de produção da adega e a construção de um novo armazém de barricas. No Funchal, ao pé do teleférico para a freguesia do Monte, será aberto um centro de visitas com uma sala de provas, uma garrafeira, um museu, um centro de formação e alojamento local. Está programado para abrir no final de 2025.
Juan Teixeira, director geral e enólogo da Justino’s, com Nuno Duarte, enólogo responsável pelos Vinhos Tranquilos, Vinhos Madeira Projects e Premium
A realidade insular
A realidade da viticultura na Madeira prende-se com a sua insularidade. Não se pode falar de um ano bom na Madeira… Tem de se especificar o sítio exacto onde foi… O minifúndio (O maior viticultor tem 10 ha, mas, normalmente, a área por viticultor não ultrapassa 0,3 ha) reflecte-se em múltiplas entregas, que chegam a ser duas mil por vindima, que dura da 3ª semana de Agosto à 2ª semana de Outubro. Dos 4 milhões de quilos de uva existente na Madeira, a Justino’s fica com 1,5 milhões.
Mas o número de viticultores está a diminuir a olhos vistos. Ainda em 2000 havia 2400. Agora são cerca de 1100. Os jovens não estão interessados nesta actividade e é extremamente importante fixar os viticultores no campo, para não abandonarem as vinhas.
Por outro lado, a viticultura agora é mais cuidada. Antigamente as empresas escolhiam a uva à porta da adega. Agora acompanham o produtor e escolhem o dia da vindima. A Justino’s trabalha com cerca de 700 viticultores, 50 dos quais acompanha por perto, ajudando a melhorar as suas práticas de viticultura.
Na adega, também antigamente, havia menos cuidados com os mostos porque o vinho, de qualquer forma, ia sofrer uma transformação. Agora procura-se que esteja analiticamente bem no momento de aguardentação. Por exemplo, as prensas pneumáticas vieram substituir as prensas contínuas, permitindo, logo na origem, obter o mosto de melhor qualidade.
Na Justino’s, os Madeira de castas brancas a partir de Colheita estagiam em canteiro sem maceração pelicular. Os vinhos feitos a partir das castas tintas (Tinta Negra e Complexa) podem ser vinificados com ou sem curtimenta, em função de se querer mais estrutura ou menos cor. Fazem estufa mais prolongada (quatro meses contra o mínimo obrigatório de três meses) e temperatura mais baixa (a 40-45˚C, sendo o limite máximo estabelecido de 50˚C), para ter uma evolução mais lenta e mais homogénea. O desafio hoje é conferir mais complexidade aos vinhos da Madeira de 3-5 anos, para os tornar mais apetecíveis para o consumidor, uma vez que, pelo preço, cumprem o papel de iniciação aos vinhos da Madeira. Quanto melhores forem, mais futuros apreciadores podem conquistar.
Para ter mais opções de composição de lotes, a empresa dispõe de 5.500 cascos de variadíssimas proveniências e capacidades. Quanto mais pequeno for, mais rápida é evolução. Por isto, os de
Por muita inovação que se faça, o melhor que a ilha da Madeira é capaz de produzir são os vinhos da Madeira de estágios prolongados. Não existe um apreciador de vinho que possa ficar indiferente perante este fenómeno.650 litros têm o tamanho ideal, explica Juan Teixeira. Neste momento 2,5 milhões de litros de vinho encontram-se em estágio.
Frasqueiras, os guardiões da tradição
Os Frasqueiras representam o expoente máximo da tradição dos Vinhos da Madeira, pela sua capacidade de superar o tempo e evoluir com ele infinitamente. Para um jornalista de vinhos, uma prova vertical de sete Frasqueiras do século passado, um por década, é muito mais do que um trabalho. É um prazer e privilégio. O Frasqueira mais antigo que a Justino’s guarda nas suas instalações é de 1933. A prova começou no 1934 e acabou no 1998, mostrando a interpretação do ano pela casta, lapidada pelo tempo.
Os Frasqueira
Esta categoria do vinho da Madeira é produzida a partir de uma única casta e de uma única colheita em anos excepcionais e envelhecido em cascos em canteiro sem estufagem, beneficiando de amplitudes térmicas criadas naturalmente, por um mínimo de 20 anos.
Embora sejam produzidos no mesmo ano, um Frasqueira é sempre um blend de barricas, porque o vinho evolui de forma diferente em função da dimensão e características do casco e da sua localização.
Os Frasqueira desenvolvem uma complexidade e profundidade únicas, com aromas intensos e sabores ricos. São vinhos à prova do tempo, indestrutíveis.
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)
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Justino’s
Fortificado/ Licoroso - 1934 -
Justino’s
Fortificado/ Licoroso - 1940 -
Justino’s
Fortificado/ Licoroso - 1954 -
Justino’s
Fortificado/ Licoroso - 1964 -
Justino’s
Fortificado/ Licoroso - 1978 -
Justino’s
Fortificado/ Licoroso - 1988 -
Justino’s
Fortificado/ Licoroso - 1998 -
Justino’s Fanal
Branco - 2022 -
Justino’s PXO
Branco - 2022
Grande Prova: A Bairrada em grande com barro, Baga e muito mais
A Bairrada raramente é a primeira paragem numa viagem de descoberta enófila pelas regiões do nosso país. Inicia-se pelos vinhos mais acessíveis e regiões mais sonantes e presentes no imaginário do consumidor e nas prateleiras das garrafeiras. A Bairrada revela-se aos enófilos com alguma maturidade. É uma das poucas regiões em Portugal (e no mundo) […]
A Bairrada raramente é a primeira paragem numa viagem de descoberta enófila pelas regiões do nosso país. Inicia-se pelos vinhos mais acessíveis e regiões mais sonantes e presentes no imaginário do consumidor e nas prateleiras das garrafeiras. A Bairrada revela-se aos enófilos com alguma maturidade.
É uma das poucas regiões em Portugal (e no mundo) que facilmente pode apresentar, para uma prova, um vasto conjunto de vinhos com mais de uma década de idade, com grande qualidade e personalidade marcante. Nesta prova tivemos vinhos de colheitas mais antigas, como 2016, 2015, 2014, 2012 e até Marquês de Marialva Confirmado Baga de 1995 da Adega Cooperativa de Cantanhede e Aleixo Grande Reserva de 1997 da Real Cave do Cedro, todos eles correntemente no mercado e em óptimo estado de saúde.
Dos 26 tintos, 16 eram exclusivamente de Baga, quatro da parceria de Baga e Touriga Nacional, e mais uns vinhos com castas estrangeiras, um lote com 96% Baga, 3% de Maria Gomes e 1% de Bical e um “rol” de oito castas não misturadas na mesma vinha, mas covinificadas, onde entram Baga, Castelão Nacional, Trincadeira, Bastardo, Sousão, Tinta Pinheira e Alfrocheiro.
E impressionante que os grandes vinhos da Bairrada de hoje sejam produzidos tanto pelas Caves históricas ou uma Adega cooperativa, quanto pelos produtores mais antigos e outros bem recentes, em estilos completamente distintos, desde os mais clássicos até aos mais modernos.
Bairrada de outrora, de hoje e de sempre
A história da vinha na Bairrada remonta ao aparecimento do homem nestas terras. Desde os tempos alto-medievais, há documentação que assinala a presença significativa da vitivinicultura na região, destacando a sua importância na vida e na economia local.
A proximidade de Coimbra e da região de Aveiro, aliada à relativa navegabilidade dos rios, permitiu à Bairrada desenvolver a sua agricultura e viver um período de prosperidade. Contudo, após o Tratado de Methuen, em 1703, o aumento descontrolado da plantação de vinhedos, em detrimento das áreas destinadas aos cereais, chamou a atenção do Marquês de Pombal. As medidas severas por ele decretadas incluíram o arranque das vinhas e a proibição de comercialização dos vinhos. Foi apenas no reinado de D. Maria I, a partir de 1777, que o plantio de cepas foi novamente autorizado.
Na segunda metade do século XIX, graças a alguns factores internos e externos (tendência para o consumo de vinhos menos alcoólicos e palhetes, prémios de vinhos da Bairrada nas exposições internacionais e a abertura de novos mercados no Brasil e países do Norte da Europa), a Bairrada afirmou-se como região e os seus vinhos ganharam identidade própria. E não podemos esquecer que, em 1890, foi iniciada, em Anadia, a produção dos primeiros vinhos espumantes, que se tornaram um ex-libris da Bairrada graças ao pioneirismo de Tavares da Silva.
Na década de 1920 começam a proliferar as Caves, que basicamente eram negociantes. Não possuindo vinha própria, compravam vinho feito, loteavam, estagiavam e comercializavam-no. Muitas destas caves continuam a fazer história na região, como as Caves São João, Caves do Solar de S. Domingos e Caves Messias, entre outras. Os anos 1950 foram marcados pela criação de várias adegas cooperativas, dos quais apenas sobreviveu, e com boa saúde, a Adega de Cantanhede.
Na década de 1990, com o fim do mercado das ex-colónias e da saudade, os vinhos mais frutados e redondos do Alentejo, seguidos, pelos do Douro, com a sua potência e complexidade, por contraste com os vinhos tânicos e ácidos da Bairrada, conquistaram os consumidores. Foi neste período que surgiram os primeiros produtores-engarrafadores na região.
Os produtores com visão, como Luís Pato, Casa de Saima, Carlos Campolargo, Sidónio de Sousa, Mário Sérgio Nuno, da Quinta das Bágeiras, e João Póvoa (primeiro na Quinta de Baixo, depois na Kompassus) começaram a engarrafar com a marca própria e trouxeram a inovação necessária, tanto na vinha quanto na adega, para alterar o paradigma dos vinhos bairradinos.
Começou-se a fazer monda dos cachos que, naquela época, era considerada uma heresia, mas permitia controlar a produção. Outra alteração foi o desengace, que retirou os taninos mais duros. Hoje o uso de engaço pode variar em função do ano e do estilo do vinho que se pretende produzir. Luís Pato foi o primeiro a usar pipas de 650 litros ao contrário dos habituais tonéis velhos, o que tornou os vinhos mais polidos.
O renomado e carismático produtor dos vinhos do Porto e Douro, Dirk Niepoort, ao expandir os seus projectos à Bairrada, atraiu ainda mais atenção para a região. Hoje produz vinhos com o seu filho Daniel na Quinta de Baixo e faz parte do grupo “Baga Friends”.
Curiosamente, a nova geração dos produtores, que têm surgido nos últimos 10-15 anos, como Nuno do Ó e João Soares (V Puro) e Luís Gomes (Giz) adoram vinhas velhas e mostram a sua interpretação da Bairrada, valorizando a tradição e o legado vitícola da região.
O terroir da Bairrada
A Bairrada fica numa plataforma litoral de baixa altitude (entre os 40 e 120 metros), fortemente influenciada pelo Atlântico e limitada a leste pelos maciços do Bussaco e Caramulo. No sentido Norte-Sul situa-se entre as cidades Águeda e Coimbra e os rios Vouga e Mondego. Caracteriza-se por um clima ameno, com invernos suaves e verões moderados e alta humidade relativa ao longo do ano. Os dois/três meses mais secos no verão conferem ao clima uma nuance mediterrânica. A abertura para o oceano permite a entrada da nortada, que sopra regularmente durante o verão, especialmente à tarde, trazendo ar húmido do Atlântico para o interior. A frequente ocorrência de nevoeiros matinais origina a redução de insolação que, em combinação com as temperaturas amenas, facilita a proliferação dos fungos que dificultam a maturação das uvas, mas favorecem o desenvolvimento da sua componente aromática.
Enquanto no Douro e no Dão as variações no comportamento das videiras são principalmente atribuídas à exposição e altitude das vinhas, na Bairrada estas diferenças decorrem do solo. A Bairrada é um verdadeiro mosaico geológico, com solos que variam desde margas, argilas e calcário a areias. Se no lugar dos bairradinos fossem os franceses a explorar a região, cada pedaço de terra da Bairrada seria transformado em Premier Cru e Grand Cru, tanto para brancos quanto para tintos, como na Borgonha. Temos terroirs excepcionais, mas ainda nos falta o desenvolvimento de um conceito que permita classificá-los de acordo com a geologia e a tipologia dos solos.
Dos tempos idos, existe apenas a informação de que, no século XIX, existiam dois tipos de vinho: de Consumo, de qualidade inferior, e de Embarque, que eram os melhores, destinados à exportação. A melhor zona para os tintos de Embarque foi limitada, a Norte, por Horta, Tamengos e Aguim; a Nascente por Grada e Barrô; a Sul por Travassô, Lendiosa e Silvã e, a Poente, por Murtede, Escapães e Póvoa do Garção. Isto foi considerado nos primeiros contornos da Bairrada vitivinícola propostos, em 1867, por António Augusto de Aguiar.
A Bairrada fazia parte da Beira Litoral, que era uma sub-região das Beiras. Apesar do seu legado vitivinícola, só obteve o estatuto de denominação de origem em 1979. A DOC Bairrada insere-se na geograficamente mais vasta IG Beira Atlântico.
Encepamento – para além da Baga
No final do século XVIII, o encepamento da Bairrada era dominado por castas brancas. Esta realidade começou a mudar devido a vários factores. O primeiro foi o surgimento do oídio em 1852, que levou à preferência por castas mais resistentes à doença. Isto facilitou a disseminação da Baga, uma casta menos susceptível ao oídio e altamente produtiva, o que representava uma vantagem significativa para os viticultores da época. Mais tarde, a globalização também influenciou esta transformação, ampliando o leque de castas autorizadas na região.
No primeiro documento oficial de demarcação, os “direitos” da Baga eram vincados com 50% do total. As castas Castelão, Moreto e Tinta Pinheira também eram autorizadas, enquanto Alfrocheiro Preto, Bastardo, Preto de Mortágua (o nome antigo da Touriga Nacional), Trincadeira, Jaen e Água Santa não podiam exceder 20% do encepamento. Em 2003, entendeu-se que a abertura a outras castas iria ser benéfica para a região e na DO Bairrada foram autorizadas, em termos de tintas, algumas variedades nacionais (Aragonez, Tinta Barroca, Tinto Cão, Touriga Franca) e estrangeiras (Cabernet Sauvignon, Merlot, Pinot Noir, Petit Verdot e Syrah).
Simultaneamente, para preservar a tradição, foi introduzido o termo “Clássico” que, embora se refira ao mesmo território demarcado, limita as castas às tradicionais Baga, Camarate, Castelão, Jaen, Alfrocheiro e Touriga Nacional. Além disto, para que um vinho seja certificado como “Clássico”, deve cumprir requisitos adicionais: o rendimento não pode exceder 55 hl/ha (em comparação com os 80 hl/ha permitidos para outros vinhos tintos), e o vinho deve passar por um estágio mínimo de 30 meses, sendo 12 desses em garrafa (praticamente como um Garrafeira tinto).
A Camarate, também bastante cultivada na Bairrada, é conhecida localmente como Castelão (mas nada tem a ver com a Castelão “oficial”) e ainda Moreto, ou Moreto de Soure em Cantanhede. Carlos Campolargo considera-a “mais bairradina do que a Baga, que vem do Dão.” Luís Pato observa que a Camarate produz cachos e bagos grandes, o que originava altos rendimentos, dava muito sumo e suavizava os taninos da Baga. Paulo Nunes, o enólogo na Casa de Saima e com grande experiência no Dão, vê a casta como um componente de lote para os vinhos de entrada, pois confere uma fruta mais imediata, contrastando com a Baga, que tende a ser mais vegetal e austera. No entanto, a Camarate apresenta certos desafios devido ao seu vigor e sensibilidade ao oídio.
O Castelão, também conhecido como Periquita, Castelão Francês ou João de Santarém, tem uma expressão reduzida na Bairrada, onde é chamado de Trincadeira (e, de novo, nada tem a ver com a Trincadeira “oficial”…). Conta Luís Pato que o Castelão suavizava a Baga e acrescentava riqueza aromática, pois um bom Castelão cultivado nos solos arenosos pode ter um perfil semelhante ao da Baga, combinando características aromáticas com uma acidez vincada.
A Touriga Nacional, apesar de se adaptar bem a diversas condições, desperta sentimentos díspares na região. Segundo Paulo Nunes, a casta não apresenta aqui as camadas e a complexidade que exibe no Dão. Mário Sérgio Nuno salienta que a Touriga Nacional resiste melhor à podridão e mantém um equilíbrio ácido satisfatório, amadurecendo quase sempre antes da Baga. Luís Pato acrescenta que, quando plantada em solos argilo-calcários, a Touriga Nacional tende a perder acidez, como aconteceu em Ois de Bairro, na parcela Cândido, onde acabou por substituí-la pelo Cercial. No entanto, em solos argilo-arenosos, a Touriga Nacional mostra-se fantástica e, ao contrário da Baga, neste tipo de solo não corre o risco de entrar em desidratação e, com chuva, inchar e ter rupturas na película. O mestre também observa que, enquanto o rendimento da Baga não pode ultrapassar quatro tn/ha para entregar a qualidade, a Touriga Nacional pode oferecer bons resultados com rendimentos de oito a nove tn/ha. Basicamente, a Touriga Nacional na Bairrada é utilizada para arredondar os ângulos da Baga e contribuir com componente aromática, oferecendo vinhos com um apelo rápido.
Entretanto, a Aveleda, na sua Quinta de Aguieira, dá muito mais protagonismo à Touriga Nacional, plantada propositadamente após a aquisição da quinta em 1997. O responsável de enologia, Diogo Campilho, e o responsável de viticultura, Pedro Prata, contam que a propriedade está situada na parte norte da Bairrada, no concelho de Águeda, perto do rio Vouga. A Touriga foi plantada numa parcela mais quente, em solo de aluvião, em cima do calhau rolado, areia grosseira e alguma argila. Dá algum trabalho na vinha, não só pelo seu porte prostrado, como também pela necessidade de desfolhas e mondas, em função do estilo de vinho e dos anos vitícolas. Os nevoeiros são bem presentes, dada à proximidade do Atlântico e do rio. Há dias que só se dissipam por volta das duas da tarde. Nestas condições, neste extremo norte da Bairrada, dificilmente a Baga resistiria tão bem quanto a Touriga Nacional.
Castas de menos expressão
A Jaen tem mais expressão no Dão do que na Bairrada, onde, segundo Paulo Nunes, “não funciona, só se aproveita nos rosés” porque degrada os ácidos sem atingir maturações fenólicas. É uma casta muito sensível ao terroir e, na Bairrada, não é o lugar dela, embora faça parte das castas permitidas no Bairrada Clássico. Já o Alfrocheiro não tem muita expressão na Bairrada e, segundo a experiência de Paulo Nunes, é muito inconstante: há anos que funciona, outros que não, sem uma razão aparente. Na Casa de Saima deixaram de trabalhar com ela.
O Rufete, conhecido na Bairrada como Tinta Pinheira, pode não ser a melhor escolha para vinhos tintos, mas é excelente para a produção de rosés, segundo Paulo Prior, enólogo com a experiência de mais de 20 anos no sector, agora com responsabilidade na Global Wines. Quanto ao Bastardo, que amadurece extremamente cedo, Paulo comenta que a casta carece de expressão e ressalta: “Ninguém quer iniciar as vindimas a 10 de agosto…”
Entre as castas bairradinas consta também a Água Santa, um cruzamento entre Touriga Nacional e João de Santarém. Paulo Prior relata que esta casta foi criada nas décadas de 1960-70, numa época em que a grande parte do vinho produzido era destinado às ex-colónias, e havia uma demanda por vinhos de maturação mais rápida e perfil macio. A Água Santa é altamente produtiva, mas tem pouca cor e é extremamente susceptível ao oídio e míldio. Hoje, está praticamente abandonada. Embora possa ainda ser encontrada em vinhas velhas, ninguém a planta actualmente. Carlos Campolargo também menciona que, no início, tinha um talhão com Água Santa em São Mateus, mas acabou por reenxertar a vinha por falta de interesse na casta.
De uma forma ou de outra, as castas tintas, e também brancas presentes na Bairrada, são usadas com o propósito de limar as arestas da Baga. Há quem diga que, antigamente, “para três pés de Baga plantava-se um pé de Maria Gomes”, que aumentava grau, amaciava tanino e também ajudava a fixar a cor e conferir mais complexidade aromática.
Relativamente às castas estrangeiras, parece que já tiveram o seu auge. Houve quem as plantasse por moda e quem o fizesse por convicção. Os últimos continuam a fazer um bom trabalho com elas, como é o caso de Carlos Campolargo. Sempre achou que, na Bairrada, existem condições climáticas semelhantes a Bordeaux, pela influência atlântica. Embora na Bairrada o oceano esteja mais perto, em compensação tem mais horas de sol e as típicas castas bordalesas na Bairrada amadurecem bem sem experienciar o calor em demasia. Desde cedo apostou no Cabernet Sauvignon e no Merlot. Mais tarde plantou Petit Verdot. Normalmente utiliza estas castas para blends, com excepção de Petit Verdot, que em alguns anos sai como monovarietal. Carlos Campolargo dá um exemplo: se adicionar 15% de Touriga Nacional à Baga, a primeira marca muito o vinho, enquanto o Merlot não tem este efeito supressor. “É uva perfeita. No início de Setembro já está pronta, antes das chuvas”. Também foi pioneiro em lotear Pinot Noir e Baga ainda em 2000, porque as duas castas se desenvolvem na mesma direcção. Luís Pato corrobora esta opinião, confirmando que se juntar Pinot Noir à Baga, ninguém nota. No início, Luís Pato também experimentou trabalhar com Cabernet Sauvignon para facilitar a venda de Baga no mercado dos Estados Unidos, Mas depois abandonou esta ideia, após ter concluído que não é através do Cabernet que a Bairrada vai construir a sua identidade nos mercados estrangeiros.
Paulo Prior considera o Merlot uma casta essencial, destacando a sua viticultura fácil e maturação precoce. Diferente da Baga, que tem um porte mais retumbante, o Merlot cresce de forma direita e pode-se vindimar logo após as uvas brancas. Paulo também observa que o Merlot e a Baga funcionam bem juntos, criando uma combinação harmoniosa. Já o Cabernet Sauvignon atua como “sal e pimenta” no blend, adicionando um toque extra.
A saga da Baga
Embora originária do Dão, e parecendo que a união entre a Baga e a Bairrada fosse por conveniência, esta acabou por evoluir para uma relação profunda e duradoura.
No século XIX, António Augusto de Aguiar descreveu a Baga como “uma casta de qualidade inferior”, reconhecendo, porém, que “podia tirar-se dela mais algum partido se fosse vindimada no tarde, mas, como isto não sucede, quase sempre entra para o lagar sem estar bem madura”. Entretanto, Cincinnato da Costa, no seu “O Portugal Vinícola”, de 1900, referia-se à Baga, dizendo que “são notáveis os seus vinhos tintos de magnífica coloração, bem equilibrados e de qualidades muito apreciáveis para o comércio de exportação, pela sua solidez e fácil conservação”, acrescentando que a casta era “muito apreciada pela viva cor e forte adstringência que dá aos vinhos”.
O grande calcanhar da Baga é a sua susceptibilidade à podridão. Com os seus cachos compactos, “como nem uma pinha” e película bastante fina, na Bairrada, com a alta humidade e pluviosidade que torna a região num resort para a Botrytis, quase que se poderia pensar que não há hipótese de fazer grandes vinhos. Percebe-se, assim, o abandono da casta e a antiga “crença” de que só há grandes tintos na Bairrada uma vez por década.
Luís Pato, Mário Sérgio e Paulo Nunes estão de acordo com a ausência de sentido nesse pressuposto. É óbvio que ocorrem anos muito difíceis, que levam a perdas significativas de produção (como, por exemplo, este ano, devido ao míldio). No entanto, uma viticultura adequada, a começar por clones e porta-enxertos certos, gestão da parede vegetativa e mondas qualitativas, pode combater ou atenuar as adversidades de um ano mais complicado. Antigamente era impossível convencer o viticultor a fazer três vindimas na mesma vinha. Agora, com outro entendimento e dedicação, é possível gerir bem a vindima e não culpar sempre a casta ou São Pedro. Mário Sérgio salienta que a casta se afirmou por si, com resultados evidentes: “de norte a sul da região voltou-se a aderir à Baga e, quem já tinha retirado “Baga” dos rótulos, voltou a colocá-lo em letra grossa”.
Por muitos desafios que a casta e a região apresentem mutuamente, a Baga é e sempre será a variedade identitária da Bairrada. É um dos binómios mais fortes no mundo vitivinícola português. Os grandes vinhos da Bairrada podem não ser feitos exclusivamente de Baga, mas os grandes vinhos de Baga (quase) só podem ser da Bairrada.
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)
Os vinhos apresentados não estão por ordem de classificação
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Principal
Tinto - 2012 -
Monte Cascas Vinha do Quinto
Tinto - 2016 -
Messias
Tinto - 2015 -
Marquês de Marialva Confirmado 28 anos
Tinto - 1995 -
Frei João
Tinto - 2018 -
Encontro 1
Tinto - 2014 -
Bacalhôa Vinha da Dona
Tinto - 2018 -
Sidónio de Sousa Vinho D’Autor
Tinto - 2015 -
Quinta de Foz de Arouce Vinhas Velhas de Santa Maria
Tinto - 2019 -
Quinta das Bágeiras Avô Fausto
Tinto - 2021
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Quinta da Lagoa Velha Singular
Tinto - 2017 -
Ó 21 Baga Baby
Tinto - 2023 -
Quinta D’Aguieira
Tinto - 2020 -
Nelson Neves
Tinto - 2017 -
Milheiro Selas
Tinto - 2015 -
Rama Tributo O Pinguinhas
Tinto - 2015 -
Primavera
Tinto - 2015 -
Casa do Canto
Tinto - 2017 -
Campolargo Rol de Coisas Antigas
Tinto - 2019 -
Aleixo
Tinto - 1997
Louis Roederer: O champanhe em família
A visita foi organizada pela Ramos Pinto. tudo começou com um almoço em Paris, numa brasserie bem perto da torre Eiffel. Momento de abertura das actividades que seriam, durante dois dias, regadas a champanhe, a rosés da Provence e tintos de Bordéus. Pas mal, como diriam os franceses… Quando visitamos a casa da família em […]
A visita foi organizada pela Ramos Pinto. tudo começou com um almoço em Paris, numa brasserie bem perto da torre Eiffel. Momento de abertura das actividades que seriam, durante dois dias, regadas a champanhe, a rosés da Provence e tintos de Bordéus. Pas mal, como diriam os franceses…
Quando visitamos a casa da família em Reims mostram-nos um mapa onde estão localizadas as diferentes parcelas de vinha que entram nos lotes dos vinhos da empresa, que mostra uma manta de retalhos, de numa região bem grande, onde vemos assinaladas, com uma leve cor alaranjada, as parcelas de vinha da casa. Muitas parcelas? Nem por isso. Apenas 420! Um número assim tão elevado coloca-nos de imediato perante uma dúvida séria: como é que se gere esta miríade de parcelas, como é que se faz a vindima no ponto certo em cada parcela, enfim, como é que tudo isto se organiza? A Roederer, que adquiriu, em 2006 o Château Pichon Longueville Comtesse de Lallande, em Bordéus, confronta-se com duas abordagens completamente distintas: em Bordéus temos a área da vinha toda bem delimitada e contínua e, em Champagne, o que mais existem são pequenas parcelas e não vinhas contínuas. Ainda assim falamos de 250 ha de vinhas próprias, com idades que vão até aos 80 anos. Isto corresponde a 70% das necessidades de uva da empresa, o que quer dizer que, na boa tradição local, se mantêm contratos com muitos lavradores da região.
Jean-Baptiste Lécaillon é chef de cave da Louis Roederer e mentor da criação da enorme colecção de clones e variedades da empresa, para assegurar a continuação das inovações para gerações futuras.
Vintages das mesmas parcelas
A história é antiga e remonta a 1776. Mas foi em 1833 que Louis Roederer herdou a gerência da casa. Em 1830, por cada 10 garrafas em cave só duas eram vendidas porque oito, entretanto, explodiam devido à pressão excessiva no interior da garrafa. A solução para este problema foi encontrada por Jean-Baptiste François, farmacêutico de profissão, que inventou, em 1836, o medidor de açúcar que passou a indicar, com precisão, a quantidade de açúcar que se deveria adicionar ao vinho-base, precisamente para evitar que, por excesso de refermentação, as garrafas explodissem.
Comprou, em 1845, muitas parcelas (15 ha) em zonas mais tarde classificadas como Grand Cru. No entanto, tão importante como isso, fez questão de ter as suas próprias vinhas em vez de comprar só as uvas, como era hábito em meados do séc. XIX. O seu herdeiro, Louis Roederer II manteve a política de aquisição de parcelas, partindo da ideia que um grande vinho depende sempre de um grande solo. Desde então todos os vintages da Roederer têm origem em vinhas próprias e, em alguns casos, (como a cuvée Cristal) usam sempre as mesmas parcelas com pelo menos 20 anos de idade, para que as raízes cheguem ao giz. Até atingir essa idade as uvas serão usadas para fazer vin de reserve.
Assim se foi percebendo a diversidade dos Cru, das castas, das parcelas, dos terroirs diferentes e esse estudo não mais parou até hoje. A 1ª edição do branco Cristal data de 1876 e o mercado russo – para onde se tinha iniciado a exportação em 1870 – passou a ser, junto com os Estados Unidos, o principal foco da exportação da casa francesa. Cristal é, desde então, uma cuvée de prestígio reconhecida em todo o mundo.
Por volta de 1920, Léon Olry-Roederer criou um champagne que juntava vinhos de vários anos, com o objectivo de manter o perfil ano após ano. Nasceu assim a cuvée Brut Premier. Quando morreu, a viúva Camille assegurou a gestão, a partir de 1932, numa época especialmente difícil porque a empresa tinha cerca de 25 anos de stocks de vinhos por vender.
A delimitação da região teve lugar em 1927, ou seja, bem antes da grande vaga de criação de Appéllations Contrôlées francesas, levada a cabo no final dos anos 30. O que aconteceu foi que, coincidindo com a delimitação da região, se vivia uma crise tremenda em Champagne: fim do mercado russo, como consequência da Revolução Bolchevique; fim do mercado americano por via da Lei Seca e falta generalizada de dinheiro suscitada pela crise financeira de 1929. Como quadro desanimador não poderia ser pior, mas foi também o momento oportuno de adquirir muitas parcelas, então vendidas a preços irrisórios. A Roederer conseguiu assim adquirir mais vinhas em zonas de excelência na Montagne de Reims, Côte des Blancs e Vallée de la Marne.
Os homens fazem o vinho mas as leveduras é que fazem o Champagne!
Conhecer a terra, palmo a palmo
O neto de Camille, Jean-Claude Rouzaud, enólogo e agrónomo, expandiu e cultivou mais vinhas. Esteve à frente da empresa cerca de 30 anos e ganhou a alcunha de Rei de Champagne, com gestão ponderada, sempre com um pé na vinha e um “tu cá, tu lá” com os fornecedores. Promoveu ainda aquisições meticulosas como a casa de Champagne Deutz e a Ramos Pinto, esta em 1990. Actualmente é Frédéric Rouzaud a 7ª geração à frente da empresa. Além do foco na zona de Champagne, a Roederer tem forte presença na zona francesa da Provence, onde detém o Domaine Ott, com três propriedades que perfazem 300.000 garrafas.
Desde finais do século passado que a agricultura Roederer se pretende biológica e com práticas biodinâmicas. Desde 2000 que a “nova” filosofia, que assenta no cuidado parcela a parcela, trabalhada em função do solo específico, tem dado os seus frutos e, dos 250 ha são já 135 que têm certificação bio. Pratica-se uma agricultura regenerativa e selecção massal das varas para novas plantações. Este trabalho da vinha tem merecido toda a atenção da equipa técnica, onde se destaca Jean-Baptiste Lécaillon, chef de Cave e mentor da criação da enorme colecção de clones e variedades, para assegurar a continuação das inovações para gerações futuras. A selecção massal ganhou muito protagonismo nos finais dos anos 90, com a consequente preocupação com a variabilidade genética. Em todo este trabalho há uma componente, digamos, “espiritual”: uma cruzada pelo gosto, pela perfeição e pela autenticidade.
Todos sabemos que a agricultura bio não é totalmente limpa ou isenta de químicos e que alguns metais pesados como o cobre estão longe de serem amigos do ambiente. Aqui faz-se o possível, com a certeza. “Usamos em tratamentos 3 kg cobre por ano; no tempo dos nossos pais usavam 4 kg em cada tratamento”, dizem-nos. A estatística também ajuda: em agricultura bio perdem anualmente 5 a 10% da produção, em ciclos de 20 anos mas, em anos bons, ganham 15%, sobretudo nas vinhas velhas que entram no Cristal, terras calcárias de giz.
Além das clássicas Chardonnay e Pinot Noir, a empresa tem também entre 3 e 4% de Pinot Meunier que é usado, juntamente com uvas adquiridas a lavradores, nos vinhos de entrada de gama. Quando se torna necessário arrancar uma vinha velha, a terra fica em pousio por quatro anos. Depois planta-se a nova vinha com garfos da colecção da casa e é preciso esperar mais quatro anos para começar a produzir. Um trabalho de paciência. A casa tem três centros espalhados na região onde estão as prensas e, assim, à adega já chega só o mosto.
A Cuvée Cristal nasceu em 1876, mas a versão em rosé só foi produzida na vindima de 1974
Da precisão nasce a excelência
Este cuidado com cada parcela estende-se depois à vinificação, também ela parcelar. As leveduras usadas são o mais neutras possível, por forma a respeitarem a regra de ouro da região: os homens fazem o vinho mas as leveduras é que fazem o Champagne! As uvas – no caso da Pinot Noir estamos a falar de um rendimento de 45 hl/ha – são vinificadas no estado “básico”, ou seja, com as carências ou excessos que a parcela pode gerar, mas que identificam perfeitamente as características da vinha. É depois o blend que tudo vai corrigir. Assim se percebe também a importância capital que a arte do blend tem na produção de champanhe.
Se atendermos a que a Roederer “assina” três milhões de garrafas, podemos perceber a complicação do trabalho de enologia. A minúcia deste trabalho levou ao desenvolvimento de uma técnica chamada de “infusão”. O próprio nome, de reminiscências japónicas, utiliza, com a casta Pinot Noir, o mesmo método que se usa para o chá. Da própria casa chega-nos a explicação: “significa uma imersão a frio dos Pinot Noirs durante 5 a 7 dias sem qualquer extracção mecânica. O resultado é a libertação total dos precursores aromáticos e da textura carnuda contidos nas peles do Pinot Noir, mas uma extracção mínima dos taninos. No final do estágio a frio, adicionamos alguns mostos de Chardonnay para dar frescura e acidez. Esta adição de Chardonnay antes da fermentação alcoólica permite que os aromas se tornem mais precisos e elegantes. Após a fermentação alcoólica, obtém-se um vinho de cor clara, com muitos perfumes de pétalas e uma textura suave e aveludada!” Esta técnica apenas é usada para champanhes millesimé e a cor pode apresentar por isso diferenças em cada edição, em função da infusão, que nunca dá resultados exactamente iguais.
Após 100 anos de Cristal feito com Chardonnay, surgiu o Cristal rosé, criado por Jean-Claude Rouzaud. Nasceu na colheita de 1974, é um lote de Pinot Noir de Aÿ, Chardonnay de Avize e Le Mesnil-sur-Oger e comemora este ano os seus 50 anos. Usa as uvas de vinhas mais velhas, de onde é também possível fazer uma selecção massal. O Cristal rosé é actualmente o produto mais luxuoso da casa. A qualidade é, em nossa opinião, estratosférica e daí a classificação que atribuímos. Lamentando que ela não possa ir além dos 20 valores, na escala usada na Grandes Escolhas…
Recentemente a cuvée Brut Premier foi substituída pela Collection, que incorpora vinhos de muitas colheitas e uvas adquiridas a lavradores. A ideia que presidiu à criação da Collection foi a de adaptar o vinho, em cada ano, em função das alterações climáticas; assim, ao contrário do anterior Brut Premier, este Collection é sempre diferente em cada ano. Daí também a numeração que ajuda a perceber de que lote falamos. No lote aqui provado entram as três castas, com predominância da Chardonnay. É sempre bom recordar que a região é dominada por pequenos lavradores. Cerca de 90% das uvas de toda a região vêm de lavradores; as grandes casas apenas detêm 10% das vinhas. Por outro lado, as inúmeras adegas cooperativas (e muitas delas apenas fazem mosto), representam 20% da produção. O tempo e a História estabeleceram a regra que hoje se mantém: os lavradores cuidam das uvas e fazem a vindima (manual); as empresas fazem o resto! E a Roederer faz três milhões de garrafas/ano que, aos preços que se imaginam, é caso para dizer: é só fazer as contas!
Nos 6 km de caves repousam alguns milhões de garrafas, esperando pacientemente que o tempo faça o seu papel. Mas na Roederer a paciência não falta, “o tempo é o nosso parceiro”, como nos disse Jean-Baptiste Lécaillon.
(Artigo publicado na edição de Agosto de 2024)
Barbeito: O mundo de Ricardo Diogo
Pedi para o Ricardo repetir a resposta e ele persistiu: “sim, são mesmo onze novos vinhos”! Ricardo é Ricardo Diogo Vasconcelos de Freitas, líder da empresa Vinhos Barbeiro, fundada pelo seu avô há quase 80 anos, e onze são as novidades vínicas acabadas de lançar neste ano. Se para o universo de Vinhos da Madeira […]
Pedi para o Ricardo repetir a resposta e ele persistiu: “sim, são mesmo onze novos vinhos”! Ricardo é Ricardo Diogo Vasconcelos de Freitas, líder da empresa Vinhos Barbeiro, fundada pelo seu avô há quase 80 anos, e onze são as novidades vínicas acabadas de lançar neste ano. Se para o universo de Vinhos da Madeira lançar onze vinhos novos num único ano é já um feito para qualquer empresa, para a Barbeito, que se especializou, quanto aos seus topos de gama, em vinhos de verdadeiro nicho, é um feito ainda maior! Por isso não hesitei e fiz-me a caminho que, no caso, significa voar até à ilha da Madeira…
Por motivos diversos, sou um daqueles continentais que já foi há Madeira bem mais do que uma dezena de vezes. Isso, longe de me trazer alguma vantagem na prova dos seus magníficos vinhos, faz-me, isso sim, escrever sobre ilha de forma saudosa. Com efeito, e apesar da expansão imobiliária um pouco por todo o seu território (sobretudo em redor da cidade do Funchal, crescentemente mais metropolitana), aterro sempre na Madeira com a saudade reconfortante do seu clima ameno e da abundante vegetação. A propósito do clima, e uma vez que na Madeira as amplitudes térmicas são baixas durante todo o ciclo vegetativo, deve-se sobretudo aos solos de origem basáltica com pH baixo a produção de vinhos com elevada acidez e longevidade. Algumas castas, como o Sercial, ajudam nesse perfil também, o mesmo se dizendo quanto ao baixo álcool com que se vindima na ilha, muitas vezes abaixo dos 10%.
Não há outro lugar no país com paisagens tão repletas de inclinações dramáticas preenchidas por plantações verdejantes, ora de vinha, ora de banana, ora até, cada vez mais parece-me, de cana de açúcar. Pouca gente o sabe, e tenho sempre dificuldade em convencer os meus amigos continentais desse facto, mas a verdade é que, na Madeira, não há dia em que não se veja uma, ou muitas, manchas de vinhas no horizonte. Estão (quase) por toda a parte, ainda que associadas discretamente na paisagem verde da flora copiosa, apenas interrompida por estradas (invariavelmente a subir e a descer) ou aldeias mais ou menos isoladas. E basta olhar para essas vinhas, para concluir que os sistemas de condução mais utilizados são a latada ou pérgola, e a espaldeira. O cultivo da vinha é, efetivamente, muito disperso na Madeira, com as várias geografias locais a contribuírem para diferentes terroirs. É disso bom exemplo o facto de ouvirmos, todos os dias, que na costa sul ou norte, em redor desta ou daquela aldeia ou fajã ou praia, é melhor uma ou outra casta, uma ou outra exposição, etc. Mas o facto de a vinha se encontrar dispersa e presente em quase toda a ilha não significa que a área agrícola total seja significativa, bem pelo contrário, sendo que a pressão imobiliária e turística piora a situação. Falamos sempre de parcelas de pequena dimensão, quase sempre em “poios”, que são socalcos construídos de forma a contrariar o declive acentuado das encostas e a permitir a sua utilização agrícola. Naturalmente, a orografia montanhosa do território resulta na quase impossibilidade de recurso à mecanização, pelo que a maioria das práticas agrícolas (vindimas, podas, intervenções em verde) são efetuadas ainda manualmente.
Talvez por isso, a vinha tem uma implementação claramente familiar, com muitas famílias a produzir uvas, entre outros frutos. Também encontramos muitas adegas familiares e até pequenos armazéns de estágio de vinhos junto a casas particulares, geralmente cobertos por telhados de zinco e com as pipas, encimadas umas nas outras, suportadas na base por pedra de canteiro (daí o nome Canteiro que se atribui ao método mais nobre de evolução dos Vinhos da Madeira, sendo o método da estufagem para vinhos mais novos). A empresa Barbeito, a que nos dedicamos neste texto, utiliza alguns destes armazéns familiares para envelhecer os seus cascos (quase sempre barricas entre os 200 e os 500 litros), em diferentes localizações e altitudes na ilha.
Um percurso impressionante
A Madeira dispõe atualmente de menos de uma dúzia de produtores (já foram mais de 30 em meados do século passado), que processam cerca de 90% da uva da ilha, sendo o restante para consumo local. Em quase todos os casos, as casas produtoras compram uva, não sendo, até há bem pouco tempo, comum que uma casa de Vinho da Madeira fosse proprietária de vinhedos próprios com significativa dimensão. Nos últimos anos, parte destes produtores, inclusivamente alguns clássicos, foram sendo adquiridos por empresas maiores, em muitos casos estrangeiras e até multinacionais, o que espelha o prestígio do Vinho da Madeira, ainda que o seu consumo se tenha alterado de mais generalizado para mais ocasional, à semelhança de todos os generosos. Grande parte do Vinho da Madeira é ainda exportado, cerca de 80%, sendo os principais mercados europeus a França, Alemanha, Reino Unido, Bélgica e Suíça, e fora da Europa os EUA e o Japão (não por acaso, o capital social da Barbeito tem uma participação há várias décadas de um conglomerado japonês). O vinho não exportado é quase todo consumido na região, grande parte pelos muitos turistas que anualmente visitam a ilha.
Nesse lote de produtores clássicos, a Barbeito tem um lugar muito especial. Com efeito, a trajetória da empresa Barbeito nos últimos 20 anos tem sido impressionante, não só ao nível da qualidade dos seus vinhos, mas também da projeção nacional internacional dos mesmos. Isso deveu-se a vários fatores, sendo os principais a aposta de Ricardo em vinhos especiais, em muitos casos recorrendo a vinhos únicos estagiados em garrafões, e o perfil mais fresco e vibrante que todos os vinhos com sua assinatura têm. Voltando um pouco atrás no texto, é altura para confidenciar que Ricardo licenciou-se em História e deu aulas da disciplina, ainda que por pouco tempo. Teve uma garrafeira (que deixou saudades) no Funchal, a ‘Diogo’s’ que funcionava (ainda existe apenas online) ainda como um pequeno museu do vinho. Começou na empresa ao lado da mãe em 89 e, a acompanhar as vindimas, a partir de 1993 assumindo progressivamente a área de preparação dos vinhos, o que implicava já o loteamento final dos néctares à sua disposição. Alguns anos volvidos e sucede naturalmente à sua mãe, ascendendo a presidente do conselho de gerência da empresa e aí se mantém como a face mais visível, e a mais dinâmica dizemos nós, deste magnifico produtor.
De facto, desde o início, Ricardo implementou um estilo novo na sua empresa. Ainda que, no início, o tenha feito de forma pouco consciente (era o seu gosto e não um perfil estilizado), a verdade é que, ao longos dos anos, os consumidores de Vinho da Madeira foram habituados a um perfil mais seco e fresco sempre que provavam e bebiam uma garrafa de Barbeito. De tal modo que estou convencido até que esse perfil menos doce e mais vibrante, de que Ricardo tanto gosta, “fez escola” na região e contagiou positivamente algumas das restantes casas de Vinho da Madeira. Basta provar comparativamente os vinhos que a “concorrência” lança atualmente, e os que lançava há 10 ou 15 anos, para comprovarmos esta minha intuição. Hoje, como dantes, continuam soberbos; mas estão hoje menos doces.
Vinhos únicos e irrepetíveis
A par do estilo mais seco, Ricardo incutiu, na sua empresa, uma espécie de irrequietação positiva, uma necessidade de lançar vinhos novos e diferentes, algo que, no Continente, podemos encontrar noutras personagens vínicas como Dirk Niepoort, Anselmo Mendes, e, mais recentemente, António Maçanita, entre alguns outros. No caso de Ricardo, em vez de juntar vários lotes para criar um lote maior de algumas dezenas de milhares de litros, a sua preferência sempre foi produzir vinhos únicos, por vezes irrepetíveis. O seu gosto por História, e as recordações de ver a sua mãe a trabalhar na empresa, fazem com que Ricardo não dispense o contacto pessoal frequente com dezenas de viticultores, mesmo com aqueles com quem não colabora, e até com produtores e proprietários antigos de casas de vinho que, por esta ou aquela razão, já não comercializam. É disso bom exemplo a colaboração ativa com a família Eugénio Fernandes, cujas vinhas e adega ficam no Seixal, defronte da praia mais bonita e visitada do norte da ilha. Com efeito, tal adega (são famosos os Verdelhos e os Serciais antigos) fica a meras dezenas de metros da praia, algum comum na Madeira, mas sem que nenhum dos milhares de turistas que por lá veraneiam imaginem que tal seja possível. O mesmo sucede, agora no sul, na mítica Fajã dos Padres, uma língua de terra estreita, toda literalmente a beira-mar, no final de uma falésia vertical de 250 metros. Nesse pequeno território, entre mangas e peras-abacate (e lagartos!), crescem algumas videiras de Malvasia Cândida, uma das mais antigas da região e que só ali existem, há gerações ao cuidado da família Vilhena de Mendonça, que vinifica um pouco de vinho. As restantes uvas, quando existem (há anos de pouquíssima produção) ficam para Ricardo vinificar com mestria um dos seus vinhos mais excitantes e mais limitados. Como se denota do que venho escrevendo, percorrer a Madeira com Ricardo ao lado é ir parando, aqui e ali, para conversar com viticultores e visitar adegas antigas. Melhor é impossível.
No dia a dia, a atividade de Ricardo é, desde há muitos anos, fazer lotes de vinhos. Por dia, e não foi a primeira que o constatamos, Ricardo analisa e prepara entre 15 a 20 lotes. Ora está a aproximar-se de uma versão final em que trabalha há várias semanas, ora está a refrescar alguns lotes, sempre diagnosticando em que fase da evolução cada barrica e casco se encontram. No fundo, é como se estivesse diariamente a estudar e criar várias peças de um puzzle, para que um dia as venha a utilizar. Pode tratar-se de um trabalho por vezes solitário, encontrar-se, todos os dias, em sala de prova, sobretudo na definição e decisão dos lotes finais. Por um lado, é verdade que, após décadas de laboro, esse trabalho isolado de Ricardo acabou por ter a vantagem de revelar, aos consumidores, o gosto pessoal do seu criador. Porém, há já algum tempo que Ricardo tinha compreendido que beneficiaria de um parceiro constante e habitual na sala de prova. Não por acaso, aliás, Ricardo sempre procurou colaborações: fez dois lotes com Dirk Niepoort e, mais recentemente um vinho com Susana Esteban (este provado abaixo no texto), tendo no passado participado com Rita Marques no desenho de um Vinho do Porto. Ora, esse parceiro surgiu na pessoa de Sérgio Marques, madeirense de gema, sommelier de formação, com passagem por restaurantes de elevado gabarito, nacionais (caso do ‘Il Gallo d’Oro’, no Hotel Porto Bay, com duas estrelas Michelin) e internacionais. Provador nato, é ainda grande conhecedor, e colecionador, de vinhos Madeira, tendo sido, até há bem pouco tempo, o responsável pela loja de vinhos da Blandy’s (o ‘Wine Lodge’). Sobre a participação e intervenção de Sérgio, Ricardo não tem dúvidas: tem sido fundamental na definição dos últimos vinhos da Barbeito, enriquecendo a decisão final dos lotes pela troca de experiências e pontos e vista que, sendo diferentes, são convergentes.
E, efetivamente, isso mesmo constatámos mais uma vez, inclusivamente na sala de prova. Ricardo e Sérgio falam uma mesma linguagem, gostam de perfis muito parecidos, mas nem sempre coincidem totalmente. Quando isso acontece, ou quando reconhecem que o ponto de vista do outro é valido e beneficia o lote final, surge magia! Os 11 vinhos agora lançados são o reflexo dessa magia.
Nota: o autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
(Artigo publicado na edição de Agosto de 2024)
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Barbeito Projecto MEF
Fortificado/ Licoroso - 1978 -
Barbeito Projecto MEF
Fortificado/ Licoroso - 1994 -
Barbeito O Americano
Fortificado/ Licoroso - -
Barbeito O Engenheiro
Fortificado/ Licoroso - -
Barbeito Ribeiro Real Lote 2
Fortificado/ Licoroso - -
Barbeito
Fortificado/ Licoroso - -
Barbeito
Fortificado/ Licoroso - -
Barbeito Rainwater Lote Especial
Fortificado/ Licoroso - -
Barbeito Single Harvest
Fortificado/ Licoroso - 2011 -
Barbeito Casco Único
Fortificado/ Licoroso - 2007 -
Barbeito Curtimenta
Fortificado/ Licoroso -
CARCAVELOS VILLA OEIRAS: O renascer de um ícone
O projecto Villa Oeiras é muito mais do que uma iniciativa de produção de vinhos de Carcavelos, uma das mais pequenas regiões vitivinícolas de Portugal. É, sobretudo, uma iniciativa de recuperação de um património único, que se poderia ter perdido se a Câmara de Oeiras não se tivesse envolvido nisso. De outra forma, seria quase […]
O projecto Villa Oeiras é muito mais do que uma iniciativa de produção de vinhos de Carcavelos, uma das mais pequenas regiões vitivinícolas de Portugal. É, sobretudo, uma iniciativa de recuperação de um património único, que se poderia ter perdido se a Câmara de Oeiras não se tivesse envolvido nisso. De outra forma, seria quase impossível impedir o avanço imobiliário sobre os espaços ainda livres deste concelho e de Cascais, onde a denominação está inserida. Como salienta o seu coordenador, Alexandre Lisboa, a autarquia está envolvida nesta iniciativa, “porque é de recuperação de um património de vitivinicultura, paisagístico e cultural, de uma região onde a Vitis vinifera, a videira europeia, está presente desde a última glaciação”. Acrescenta que é ali “cultivada há mais de dois mil anos e há relatos sobre os seus vinhos com 500 anos”.
A região aguentou a devastação causada pelo míldio, oídio e filoxera, que ocorreu em todo o país, recuperando e voltando a lançar vinhos com reconhecimento nos mercados nacional e internacional depois do início do século XX. Mas não conseguiu lutar contra o crescimento urbano sem a intervenção do estado, neste caso das Câmaras de Oeiras e Cascais, que reservaram, nos seus territórios, zonas que estão agora protegidas para a produção de Vinho de Carcavelos. Isso tem contribuído para o crescimento da área de vinha na região para os mais de 30 hectares actuais, e para a garantia que esta não vai colapsar.
Vinhas quase urbanas
Quando o projecto Villa Oeiras começou, existiam 12 hectares de vinha em produção em toda a denominação, divididos por cinco quintas diferentes. Eram microparcelas inseridas nas Quintas da Samarra, dos Pesos, Mosteiro de Santa Maria do Mar e na Estação Agronómica de Oeiras, a Quinta do Marquês do Pombal. “Era o que existia nos anos 80, mas hoje em dia há muito mais”, avança Alexandre Lisboa. Só a da Quinta do Marquês do Pombal, aquela que é gerida pela Câmara de Oeiras, tem 20 hectares, de um total de 33 que compõem toda a vinha que dá origem ao vinho de Carcavelos.
Mas, segundo o responsável, a região poderá chegar aos 41 hectares de vinha nos próximos anos, se todos os direitos de plantação forem usados. Claro que isto corresponde a um quintalinho em relação a toda a região de Lisboa, onde estão também inseridas as denominações históricas de Bucelas, a maior, e Colares, que tem actualmente cerca de 40 hectares de vinha.
Carcavelos inclui entre outros, para além da Câmara de Oeiras, a Câmara de Cascais, que começou a produzir vinhos há três anos na Quinta do Mosteiro de Santa Maria do Mar, a Quinta dos Pesos, que não está a produzir mas ainda está a engarrafar, a Quinta da Samarra, que tem 1,9 hectares, a Quinta de Valverde, que plantou dois hectares e o ex-chefe de cozinha Vitor Claro e a Adega de Belém, que compram uvas na Quinta da Ribeira e vinificam na Adega do Casal Manteiga, da Câmara de Oeiras. “São essencialmente vinhos de uvas tintas, que são transformadas na nossa adega”, conta Alexandre Lisboa, acrescentando que a sua autarquia cede as instalações porque quer que a região seja saudável e continue a produzir vinhos durante muitos mais anos. “Para que isso aconteça, abrimos as portas da nossa adega a outros produtores, para que possam transformar aqui as suas uvas e produzir Carcavelos, já que esta é a única adega a funcionar na região”, acrescenta.
Em busca do conhecimento
Em 2006, quando começou o envolvimento da Câmara de Oeiras na recuperação do património vitivinícola de Carcavelos, havia apenas um produtor, apesar de haver registo de produção todos os anos, mesmo que apenas de coisas muito pequenas, de mil, dois mil litros de vinho. “A sensação que existia e que me foi passada por todos os players da região na altura, era que não valia a pena produzir vinho de Carcavelos, já que as pessoas nem sabiam se o vinho era, ou não, bom”, conta o responsável do projecto. E é, com algum entusiasmo, que relata que apenas encontrou duas referências quando fez a primeira pesquisa no Google sobre o vinho de Carcavelos, ou seja, que não havia nada de consistente sobre o tema em 2006, quando a Câmara de Oeiras se envolveu neste projecto e que hoje “há milhares”. Na altura, aquilo que se sabia sobre os Carcavelos vinha da prova de vinhos antigos, como os da Quinta do Barão dos anos 50, ou da Quinta da Alagoa dos anos 20. “Ainda há pouco tempo provei um de 1906, um vinho extraordinário”, revela Alexandre Lisboa.
Era, pois, premente recuperar este património. A iniciativa nasceu dessa necessidade, com a visão “de produzir um vinho de Carcavelos baseado na excelência e em processos produtivos de excelência, que seja uma referência nacional e internacional de qualidade”. Foi isto que ficou escrito, em 2006, no documento base naquele que é hoje o projecto Villa Oeiras. Afinal, já que era necessário recuperar um património vitivinícola único, “o melhor era ter, como objectivo, fazer o melhor Carcavelos do mundo”, defende o responsável.
Mas isso não era possível de concretizar sem conhecimento. Por isso, os responsáveis pegaram em todo o saber que tinha sido adquirido, desde os anos 80 do século passado até 2006, pela Estação Agronómica Nacional, como base para o desenvolvimento do projecto.
Era preciso aprender a fazer o vinho de Carcavelos. Mas também definir quais as características que deveria ter o vinho acabado de fermentar, qual a aguardente mais apropriada para parar o processo, e como é que os vinhos deviam saber e cheirar quando acabados de fortificar. Foram essas as perguntas que Alexandre Lisboa fez a Estrela Carvalho, a responsável pelo projecto dos vinhos de Carcavelos desde a década de 80, as mesmas que ela tinha feito quando começou a fazer os vinhos de Carcavelos, já que pouco se sabia sobre estes temas na altura. Apenas estavam definidos os aromas e sabores dos vinhos antigos, os que tinham sido engarrafados há muito, “através das provas que foram sendo feitas de referências da Quinta do Barão, dos Pesos, da Alagoa e do Paulo Jorge”. Ou seja, não havia nada escrito em relação à prova de vinho novo e não se sabia nada sobre as características dos vinhos acabados de fermentar, e à medida que evoluíam com o tempo. Por isso, houve que investigar e experimentar, para encontrar a fórmula mais correcta para produzir o vinho de Carcavelos.
Entre a plantação das primeiras vinhas na Estação Agronómica, em 1985, e 2006, quando a Câmara de Oeiras assumiu o projecto, fez-se muita investigação e experimentação com aguardentes de origens e qualidade diferentes. Nos Villa Oeiras é só usada aguardente vínica da Lourinhã, e, para Alexandre Lisboa, é apenas essencial a sua qualidade.
Saber esperar pelo vinho
Quando a câmara se envolveu no projecto foi necessário comprar pipas novas. “E fizemos isto porquê?”, interroga-se Alexandre Lisboa, explicando que não havia, naquela altura, qualquer estudo sobre o comportamento de madeiras em vinhos fortificados desta região. “E não podíamos perder a oportunidade de o fazer”, afirma. E, assim, os primeiros vinhos foram estagiados em madeiras de carvalho francês Limousin e Allier, carvalho nacional e castanho, com tosta média e forte. Como é evidente, ficaram marcados pela madeira e eram muito pouco apelativos no início, o que obrigou a espera prolongada e muitas provas para se ir avaliando a sua evolução, não só para se saber que tipo de vinhos originavam cada um destes tipos de madeira, mas também para identificar o período mínimo de estágio para o seu lançamento. Isso levou ao adiamento do lançamento de vinhos, mas, em paralelo, à aquisição de conhecimento sobre a melhor forma de fazer e envelhecer vinhos de Carcavelos, primeiro brancos e, algum tempo mais tarde, também tintos, porque o processo destes foi mais difícil de definir.
Depois de descoberto, de novo, o processo que dá origem à produção do vinho de Carcavelos, era necessário comunicar a região e os seus vinhos, não só para criar apetência no mercado, mas também para envolver mais produtores, como tem estado a acontecer. Primeiro foram publicitados os vinhos em cartazes por todo o concelho de Oeiras. Depois, foram feitas feiras temáticas como o “Há Prova em Algés”, que, este ano, já vai na 10ª edição, e outras.
“Temos também participado em feiras de vinhos um pouco por todo o país, de uma forma quase institucional, e concorrido em várias competições”, revela Alexandre Lisboa. Em 2021, a revista Grandes Escolhas classificou o Colheita Tinto 2009 como o Melhor Fortificado português, a par de dois vinhos do Porto, um Tawny 40 anos e um Vintage 2018. Classificações como estas também contribuíram para o projecto marcar posição no mercado e “para o reconhecimento da excelência do trabalho feito até hoje”. Segundo Alexandre Macedo, todos os anos o Villa Oeiras vende cerca de 50 mil garrafas, número que deverá crescer com o aumento da área de vinha. São vendidas em Portugal e exportadas para 15 países, sobretudo para os Estados Unidos, Brasil, Espanha e Reino Unido.
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)
20 anos de Santa Cristina
Ao completar 60 anos de idade, o empresário António Pinto entendeu que era tempo de encontrar um espaço agrícola de lazer onde pudesse reunir a família e os amigos. A sua esposa, Rosa Maria Pinto, foi decisiva na escolha de Celorico de Basto e da vertente vitivinícola, herdando de seu pai, viticultor, algumas parcelas de […]
Ao completar 60 anos de idade, o empresário António Pinto entendeu que era tempo de encontrar um espaço agrícola de lazer onde pudesse reunir a família e os amigos. A sua esposa, Rosa Maria Pinto, foi decisiva na escolha de Celorico de Basto e da vertente vitivinícola, herdando de seu pai, viticultor, algumas parcelas de vinha e a paixão pelo vinho.
António Pinto não queria, no entanto, mais um Vinho Verde comum. Pretendia um produto de qualidade elevada e de que se pudesse orgulhar. Com o objectivo de fazer bem feito e mente, recorreu ao enólogo Jorge Sousa Pinto, profissional de primeira linha, com provas dadas na região. A história é contada por este último em poucas palavras: “Quando conversei com o senhor António Pinto, em plena vindima de 2004, gostei muito do projecto e do seu empenho e disse-lhe que ia ajudar no que fosse preciso. Pensava eu que era para começar no ano seguinte. Afinal era para começar a trabalhar no dia seguinte, às sete da manhã já lá estava, na cave da sua residência, a receber uvas…”
A coisa, entretanto, foi ganhando outra escala e condições. Em 2008 começaram a fazer espumante, em 2013 construiu-se uma adega moderna, com tudo o que é preciso. A “brincadeira” de António Pinto transformou-se em 50 hectares de vinha, com mais de 400 mil litros produzidos em cada ano. “Nunca pensei que isto tomasse a dimensão que tomou”, confessa António Pinto. Entretanto, a sua filha Mónica Pinto tomou a direcção do projecto, assumindo a gestão e coordenação de toda uma equipa profissional dedicada ao negócio vitivinícola. Negócio que tem vindo a crescer de ano para ano.
A Quinta de Santa Cristina situa-se no coração de Basto, sub-região dos Vinhos Verdes. Entre vinha e floresta são cerca de 60 hectares, na margem direita do rio Tâmega, um espaço rodeado pelas serras de Fafe, Marão, Alvão e Cabreira, convidando ao sossego e harmonia entre vinhos e natureza. Na verdade, e como é habitual no modelo de minifúndio minhoto, o nome Santa Cristina serve de chapéu a diferentes propriedades, dispersas por três concelhos: Celorico de Basto, Cabeceiras de Basto e Ribeira de Pena. Assim, a Quinta de Santa Cristina propriamente dita, dispõe de 8 hectares de vinha, plantada com castas brancas e tintas: Alvarinho, Fernão Pires, Sauvignon Blanc, Espadeiro, Trajadura e Padeiro de Basto. A quinta da Capela são 5 hectares, com Trajadura, Avesso e Batoca. Na Tecla estão 3,5 hectares, com Alvarinho e Chardonnay, enquanto Fermil representa 2,3 hectares exclusivamente plantados com Arinto. Juntam-se, a estas, mais três quintas (as de maior dimensão) num total de sete: quinta de Salgueiros são 11 hectares, plantados com Trajadura, Loureiro, Azal e Padeiro de Basto; quinta de Agúnchos tem 10 hectares de Arinto, Alvarinho, Vinhão e Fernão Pires; e quinta de Parada, outros 10 hectares, com Arinto, Alvarinho, Azal e Loureiro. Todas estas vinhas encontram-se assentes no típico solo granítico da região, variando as altitudes (dos 200 metros de Fermil aos 500 metros de Salgueiros, com a média a rondar os 350 metros) e a exposição solar, ainda que esta seja maioritariamente Nascente/Sul. A cintura de serras de que acima falámos protege dos ventos marítimos mais agrestes, dando a esta região atlântica alguma influência continental.
Mónica Pinto, com os pais António e Rosa Maria, gere o dia da dia da empresa.
Batoca faz diferença
De entre a multitude de castas plantadas é de destacar a Batoca, uma casta autóctone e praticamente limitada à sub-região de Basto. Casta muito produtiva, encontrava-se sobretudo nas antigas ramadas, mas tem a vantagem, segundo Jorge Sousa Pinto, de oxidar lentamente e crescer na garrafa. Para o enólogo, a Batoca representa uma parte importante da herança vitivinícola local. “Ao longo do tempo, esta casta foi sendo esquecida e tornando-se quase extinta”, refere. “A Quinta de Santa Cristina dedicou-se à sua recuperação e preservação, e orgulhamo-nos de ser o único produtor a engarrafar esta variedade em separado.” De qualquer forma, do total plantado, 30% é Alvarinho, seguindo-se, por ordem de grandeza, Arinto, Trajadura e Loureiro. Tendo em vista os resultados alcançados por cada casta e os objectivos pretendidos, a enologia identificou já um excesso de Trajadura, que vai substituída, sobretudo, por Avesso e Arinto.
Em termos de modelo vitivinícola, foi adoptado o Sistema de Produção Integrada e Global, implicando seguir determinadas regras e boas práticas agrícolas, priorizando a preservação ambiental, a segurança e o bem-estar dos trabalhadores, a gestão de resíduos e a segurança alimentar. A título de exemplo, Jorge Sousa Pinto aponta a recuperação dos resíduos da poda, triturados e deixados no campo como matéria orgânica, reforçando o compromisso da quinta com práticas sustentáveis. A adega, construída de raiz em 2013, tem uma capacidade instalada para um milhão de litros, vinificando actualmente menos de metade, entre brancos, tintos, rosés e espumantes. Para além das incontornáveis cubas inox e sistemas de frio, Jorge Sousa Pinto e o enólogo residente, Bernardino Magalhães, contam com dois lagares de granito (com controle de temperatura) para a pisa e fermentação dos tintos mais clássicos, uma área de fermentação e estágio em barrica e ainda uma outra dedicada aos espumantes, que começaram a ser produzidos em 2008. A ideia é a marca Quinta de Santa Cristina aparecer unicamente em referências que signifiquem valor acrescentado. Diz António Pinto: “Queremos experimentar, testar, perceber o consumidor e só depois lançar no mercado um vinho que faça a diferença. Fazer bom e barato não é objectivo.” Corroborando a afirmação, é significativo que, desde 2023, todos os vinhos da Quinta de Santa Cristina, mesmo os considerados “entrada de gama”, sejam engarrafados sem qualquer adição de gás ou açúcar.
Verdes de garrafeira
Mais significativo ainda, o lançamento da linha Cave, que tem, como propósito, introduzir valor e mostrar, a quem ainda duvida, que os Vinhos Verdes podem ser grandes brancos, vinhos que ultrapassam a prova do tempo. Ao contrário de outros produtores da região que relançam agora vinhos que já estiveram no mercado há alguns anos, os vinhos da linha Cave assentam num conceito distinto. “São especificamente feitos para crescer em garrafa e lançar com dois ou três anos de idade. Não são vinhos que ficaram para trás”, acentua Jorge Sousa Pinto. Assim, todos os anos chegarão ao mercado vinhos varietais ou de lote baseados neste modelo. E há vinhos que vão esperar dois anos e outros esperam três, quatro, cinco ou mesmo seis anos, o que diz bem da confiança do enólogo e da capacidade de António e Mónica Pinto esperar pelo retorno do investimento.
Os vinhos da Quinta de Santa Cristina estão, sobretudo, no canal Horeca. A exportação representa já 40% do negócio, com mercados como Alemanha, Inglaterra, Polónia, Holanda, Suíça, Suécia e, mais recentemente, EUA e Japão, na linha da frente.
Desde 2015 que um dos focos da empresa tem sido o enoturismo, cujo espaço foi alvo de grande reformulação em 2020, com novas infra-estruturas (incluindo cozinha industrial) e um renovado programa dos espaços arquitectónicos, criando três ambientes que interligam vinhas e adega, um espaço multiusos com capacidade para 150 pessoas, um wine-bar e uma ampla loja. Para além das provas e da experiência gastronómica, os visitantes podem desfrutar de um vasto programa de actividades, incluindo visitas às vinhas (a pé, bicicleta ou TT), adega e cave, criação de lotes, e piqueniques na vinha ou nos jardins, aproveitando a paisagem natural.
Duas décadas transformaram a Quinta de Santa Cristina de espaço privado de lazer a ambicioso produtor de Vinho Verde, uma casa que conjuga como poucos três factores fundamentais: escala, qualidade e diferença. Uma importante mais-valia para uma região que tem cada vez mais coisas boas para nos mostrar.
(Artigo publicado na edição de Agosto de 2024)
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Quinta de Santa Cristina Cave
Tinto - 2019 -
Quinta de Santa Cristina Cave
Branco - 2020 -
Quinta de Santa Cristina Cave
Branco - 2020 -
Quinta de Santa Cristina Cave
Branco - 2020 -
Quinta de Santa Cristina
Espumante - 2017 -
Quinta de Santa Cristina
Espumante - 2020 -
Quinta de Santa Cristina
Tinto - 2022 -
Quinta de Santa Cristina
Rosé - 2022 -
Quinta de Santa Cristina
Branco - 2020 -
Quinta de Santa Cristina
Branco - 2022 -
Quinta de Santa Cristina
Branco - 2023 -
Quinta de Santa Cristina
Branco - 2023 -
Quinta de Santa Cristina
Branco - 2023 -
Quinta de Santa Cristina
Branco - 2023 -
Quinta de Santa Cristina
Branco - 2023 -
Quinta de Santa Cristina
Branco - 2023 -
Quinta de Santa Cristina
Branco - 2023
Ilha de Santa Maria: O renascimento de uma paisagem vinhateira única
Não é difícil a alguém apaixonar-se pela paisagem de vinhas da Ilha de Santa Maria, nos Açores. Esta primeira visita, que decorreu num tempo especial para a ilha e as suas pessoas, quando foram apresentados publicamente os sua primeiros vinhos, lançados depois de muitos anos em que a sua produção chegou praticamente a zero, foi […]
Não é difícil a alguém apaixonar-se pela paisagem de vinhas da Ilha de Santa Maria, nos Açores. Esta primeira visita, que decorreu num tempo especial para a ilha e as suas pessoas, quando foram apresentados publicamente os sua primeiros vinhos, lançados depois de muitos anos em que a sua produção chegou praticamente a zero, foi surpreendentemente positiva.
A vitivinicultura faz parte da história da ilha desde o seu povoamento, há mais de 500 anos. Inicialmente o Verdelho era a casta mais abundante e a produção de uva e vinho destinava-se ao autoconsumo, para subsistência dos seus habitantes. “Foi, também, a forma de aproveitar os terrenos marginais de encosta da ilha”, conta Duarte Moreira, presidente da Agromariensecoop – Cooperativa de Produtos Agro-Pecuários da Ilha de Santa Maria.
Segundo Rui Andrade, 44 anos, vogal na direcção da Agromariensecoop, e um estudioso da história da viticultura da ilha, “os primeiros povoadores trouxeram com eles vinho, com certeza, porque é uma bebida enraizada na cultura e tradições portuguesas”. Conta, também, que está comprovado que a estrutura das vinhas actuais já existiam há mais de 400 anos e que a sua produção era já significativa, servindo provavelmente também para abastecer os barcos que aportavam na costa da Ilha de Santa Maria onde ficava a capital dos Açores nessa época, porque era nela onde estava o capitão donatário de todas elas. A actividade vitivinícola da época é atestada pelos diversos lagares rupestres da ilha, escavados na rocha.
Quem é Duarte Moreira?
Natural da Ilha de Santa Maria, Duarte Moreira, 58 anos, é o presidente da Agromariensecoop. Descendente de uma família de agricultores, cresceu no mundo rural até frequentar Universidade dos Açores na Ilha Terceira, onde se licenciou em Engenharia Zootécnica. Regressou depois à sua ilha natal para integrar o serviço de Desenvolvimento Agrário secretaria da Agricultura dos Açores. Em 1996 passou a chefe de Divisão do serviço, onde esteve até 2008, sempre ligado à parte técnica e bovinicultura de carne, em conjunto com a gestão do serviço. Entretanto geriu também a empresa de família, a Quinta das Quatro Canadas, com o irmão, que se dedica à bovinicultura de carne, que vendeu há cinco. Desde 2008 é o presidente da Agromariensecoop, cuja actividade inclui, entre outros, o abate de bovinos de carne, a transformação de produtos locais em doces e compotas, principalmente de meloa, que é certificada, mas também de mel e, agora, a produção de vinho.
Trabalho duro
A descoberta da história da produção vitivinícola da ilha até ao seu quase desaparecimento, cerca dos anos sessenta do século passado, devido sobretudo a condições sociais e económicas, é aliciante. O trabalho na vinha era e ainda é duro, hercúleo e certamente penoso devido às dificuldades de acesso aos currais de encosta onde se desenvolvem as vinhas, à baixa produtividade de cada pé, em cada curraleta, ao seu difícil maneio, vindima e transporte das uvas colhidas, ladeira abaixo, para serem transportadas depois, muitas vezes de barco até Vila do Porto, porque não até meados do século passado não havia outra forma de o fazer, devido à dificuldade de acesso por terra.
A produção de vinho chegou a ser enviada para outras ilhas do arquipélago, o continente e outros países há alguns séculos. Mas o aparecimento de pragas como a filoxera e doenças como o míldio e o oídio originaram o desaparecimento das variedades de videira europeia no final do século 19, princípio de 20, e a sua substituição por produtores directos vindos do continente americano, como o Isabella e o Jacquez, “que produziam tanto que as pessoas se esqueceram da videira europeia”, conta Duarte Moreira. Entretanto, como o vinho de cheiro de Santa Maria tinha qualidade e a produção era excedentária, era vendido também para S. Miguel para ser misturado com o desta ilha, “para lhe dar mais cor e grau”. Mas esse negócio foi decaindo no século passado até que, em meados dos anos 60, o vinho passou a ser feito apenas por algumas habitantes da ilha para autoconsumo e a ter má qualidade. “Era intragável”, afirma Duarte Moreira. Com o tempo, as pessoas desaprenderam de tratar das vinhas, de fazer o vinho e perdeu-se o conhecimento tradicional.
Projecto de recuperação
Em 2021, a Agromariensecoop foi desafiada a integrar o projecto de recuperação da paisagem vitivinícola da Ilha de Santa Maria, com o objectivo de criar condições para receber as uvas, transformá-las e produzir vinhos. Depois de algum tempo de estudo, o projecto de investigação e desenvolvimento em meio empresarial Santa Maria Wine Lab, que teve início em 2022, com cubas pequenas e material apenas para investigação e experimentação, deu origem aos vinhos apresentados publicamente agora, que foram produzidos sob a responsabilidade do enólogo residente da cooperativa, João Letras. “O projecto também serviu para transmitir conhecimento aos viticultores porque, sem eles, não podia ser desenvolvido”, explica Duarte Moreira, acrescentando que o pagamento das uvas é feito de forma a envolvê-los na produção de vinhos da ilha e incentivá-los a empenhar-se na recuperação da sua paisagem vitivinícola ancestral, que se estava a perder. “O objectivo, para a além de ter mais um produto que contribua para a economia da ilha, é tentar recuperar uma paisagem que inclui um património histórico edificado único, feito por gerações com um esforço heróico, que faz parte da cultura da ilha e poderá gerar também mais valias a nível do enoturismo, com visitas às vinhas e à adega, onde poderão provar o vinho produzir a partir das vinhas das encostas das ilha”, explica Duarte Moreira, acrescentando que o negócio do vinho também pode ser interessante para a cooperativa, por aportar mais um sector de produção ao seu negócio, diversificando fontes de receita essenciais à economia de num meio tão pequeno como o da ilha.
Actualmente estão envolvidos no projecto mais de 30 viticultores, mas o potencial é superior. Só nas baias da Maia e de S. Lourenço, as duas paisagens protegidas da vinha na ilha, há cerca de 80 hectares de vinha e, no total da ilha, falando apenas nas baías tradicionais, cerca de 120 hectares. A produção média por hectare actual anda no quilo de uva por pé, para as castas nobres. Mas poderá crescer com uma viticultura mais profissional. Hoje é o enólogo João Letras que faz o acompanhamento no campo, mas a cooperativa pretende contratar mais um engenheiro agrónomo ou agrícola para apoiar os viticultores. “É fundamental essa ajuda, porque as pessoas deixaram de fazer o maneio da vinha que esteve praticamente abandonada e precisam de reaprender”, defende Duarte Moreira, acrescentando que têm sido já desenvolvidas acções de formação com técnicos da ilha e de fora.
Uma das grandes dificuldades ao desenvolvimento deste projecto é a mão de obra, já que é extremamente difícil trabalhar nas vinhas das baías de Santa Maria, e a sua mecanização ainda está longe de ser alcançada, apesar de o desenvolvimento da tecnologia ser constante e já haver a hipótese de utilizar drones para tratamentos fitossanitários. Mas como as vinhas precisam de mão de obra e na ilha não há capacidade de resposta, “provavelmente terá de ser recrutada mão de obra noutras origens”, como já acontece em Portugal Continental.
Vinhos com personalidade
Desde o início do processo de recuperação do património e da tradição vitivinícola de Santa Maria, todo o projecto de desenvolvimento do Santa Maria Wine Lab, para a transformação das primeiras uvas, estudo dos vinhos produzidos e lançamento dos primeiros três vinhos certificados, um branco de uvas tintas, um monocasta de Verdelho, desde sempre a casta mais tradicional da ilha, e um rosé feito com base em quatro castas tintas, todos frescos e elegantes, delicados, com o perfil mineral e alguma salinidade comum aos vinhos de outras ilhas açorianas, por vezes com alguma pederneira mas também com fruta delicada, mostram que o trabalho feito de recuperação dos vinhedos tradicionais da ilha, alcantilados em currais em algumas das suas encostas viradas para o Oceano Atlântico, até agora resultou e teve sucesso. Mas ainda há muito a fazer para recuperar as suas vinhas tradicionais, cerca de 120 hectares, plantando mais área, para produzir um maior volume de uvas e garantir o fornecimento anual de vinhos, para que a ilha consiga responder às solicitações futuras dos mercados, que irão surgir em relação aos vinhos de Santa Maria.
Para já, a Agromariensecoop, que tomou em mãos o projecto e o seu desenvolvimento, com o apoio do Governo Regional Açoriano, tem envolvido agricultores incentivando-os a produzir uvas, quando muitos tinham deixado de o fazer, para depois as transformar em vinho com o apoio de João Letras. Alentejano chegado há pouco mais de um ano à ilha, está muito empenhado no conhecimento das suas tradições vitivinícolas ancestrais e no desenvolvimento deste projecto. O seu principal desafio, desde que iniciou o projecto tem sido a viticultura, porque as vinhas ficam em declive e são de acesso difícil, é preciso ensinar e garantir que todas as operações de maneio da vinha são feitas, e ainda há problemas climáticos como a salga, que decorre quando os ventos que sopram do mar transportam e depositam água salgada sobre as plantas, o que pode originar a perda de produção se não chover nas 24 horas seguintes. Já “a produção de vinho é simples: é mostrar aquilo que a uva tem”, explica, de forma clara e simples, João Letras.
Quem é João Letras?
Com 31 anos, o enólogo da Agromariensecoop licenciado em Bioquímica e mestre em Viticultura e Enologia pela Universidade de Évora, fez também uma pós-graduação em Segurança Alimentar na sua Faculdade de Medicina Veterinária para complementar as áreas de viticultura e enologia. Fez vários estágios de vindima, onde passou pela Herdade das Mouras, Casa Relvas, Dona Maria e Fundação Abreu Calado, onde se iniciou como enólogo residente antes de se mudar para a Herdade da Comporta, onde trabalhou três anos antes de surgir o desafio do projecto das vinhas e vinhos de Santa Maria, que quis abraçar. Diz que decidiu mudar, porque achou que estava com a idade certa para abraçar o desafio de produzir vinhos atlânticos, que sempre tinha tido vontade de fazer e porque a vitivinicultura da Ilha de Santa Maria era um “diamante em bruto” que podia moldar à sua maneira.
Novo roteiro de enoturismo
Para já, o enólogo, tem usado os seus conhecimentos de viticultura e enologia para produzir vinhos com qualidade, distintos, a expressar não só as características das ilhas, mas também um terroir que é realmente único, por incluir uma paisagem moldada por mãos humanas ao longo de séculos, nas encostas da ilha de Santa Maria. Pelo menos pela mostra dos vinhos lançados quando lá estive, durante uma festa que decorreu na presença do secretário Regional da Agricultura dos Açores, António Ventura e de algumas dezenas de pessoas mais, envolvidos no projeto, ou não, no Ponta Negra, o único restaurante da Baía de S. Lourenço, uma daquelas onde o património vitícola já se encontra em franca recuperação, em conjunto com a da Maia.
A Ilha de Santa Maria produz sobretudo bovinos de carne para venda em vivo ou em carcaça, tem a sua produção de mel certificada, tal como a sua meloa e um queijo de ovelha de pasta semimole que vale mesmo a pena experimentar. Bom peixe, restaurantes que sabem preparar comida bem cozinhada, e para todas as carteiras, diversos caminhos pedestres marcados para quem gosta de caminhar são algumas das ofertas de uma ilha que prepara agora a sua oferta de enoturismo, já que o futuro está já ali, a acrescentar às rotas de natureza de terra e mar já existentes, que incluem a observação de cetáceos e jamantas, entre outros.
“Estamos a desenvolver, já para este verão, um projecto de roteiro turístico que irá envolver as empresas locais que desenvolvem este tipo de ofertas, com visita à adega e prova de vinhos e uma pequena prova complementar de enchidos e queijos da ilha de Santa Maria”, conta Duarte Moreira. Uma primeira rota, ainda em projecto para ser concretizado, deverá contribuir para aumentar o afluxo de turistas a Santa Maria e juntar o útil, a produção de vinhos de qualidade, para assegurar o pagamento das uvas aos agricultores e remunerá-los da forma adequada, ao agradável que é o aumento de receitas da ilha, com a futura venda dos seus vinhos, também nos mercados externos, e do aumento das receitas com os turistas que irão, a partir de agora, visitar também a ilha motivados pelo seu património vitícola e pela qualidade dos seus vinhos.
(Artigo publicado na edição de Julho de 2024)
Adega Mayor: Do avô Rui à neta Rita
Quando se troca correspondência com alguém da Adega Mayor (e presumo que em todo o Grupo Nabeiro seja igual), recebemos sempre um mail de resposta e onde se lê no fim: Obrigado Sr. Rui, em letras grandes e negras para que não restem dúvidas de quem foi e continua a ser o inspirador do projecto. […]
Quando se troca correspondência com alguém da Adega Mayor (e presumo que em todo o Grupo Nabeiro seja igual), recebemos sempre um mail de resposta e onde se lê no fim: Obrigado Sr. Rui, em letras grandes e negras para que não restem dúvidas de quem foi e continua a ser o inspirador do projecto. Rui Nabeiro, que faleceu em 2023, foi a figura tutelar que sempre se notabilizou pela forma, muito especial, diga-se, como conduziu os negócios e como se relacionava com todos os trabalhadores, sempre de sorriso na cara. Conta-se que, quando tinha de vir a Lisboa de carro, nunca usava a auto-estrada, preferindo vir por estradas secundárias onde podia ir parando para falar com os seus clientes. A empresa editou mesmo um pequeno livro onde se lêem frases habitualmente ditas pelo Comendador e que nos ensinam que a vida é bem mais fácil de levar e mais agradável se formos generosos, simpáticos e amigos dos que connosco colaboram. Com demasiada frequência somos confrontados com gente que, como se conclui rapidamente, não leu, não sabe da existência e não está interessada na forma como Rui Nabeiro conduziu a vida e chegou a rico. É pena…
A Adega Mayor é um projecto de viticultura e enologia integrado no Grupo Nabeiro. Os vinhos geraram, em 2023, um volume de negócios de 7,39 milhões de euros, mas esse valor apenas representa uma pequena percentagem dos 500 milhões de facturação do grupo Nabeiro, no mesmo período. O vinho é, assim, um complemento pequeno de um projecto enorme que também inclui negócios na distribuição e imobiliário, entre outros.
A produção de vinhos iniciou-se antes da adega estar concluída e Paulo Laureano foi o primeiro enólogo responsável. As primeiras marcas a surgir foram Monte Mayor e Reserva do Comendador, em 2002. Hoje a Adega, dirigida por Rita Nabeiro (neta do fundador) tem 10 marcas no mercado, algumas delas com vários vinhos sob o mesmo chapéu, como é o caso dos monocasta. Um breve passeio pelas vinhas permitiu perceber a filosofia que está subjacente à faina vitícola. Francisco Pessoa dirige a equipa do campo e enquadra todo o trabalho agrícola numa visão de respeito pelo ambiente, pelos solos e pelo equilíbrio que é pretendido numa perspectiva de sustentabilidade. O caminho para uma certificação bio não é fácil e a própria vinha tem de se ir adaptando. E, neste processo, umas castas reagem melhor que outras. Por exemplo, foi uma luta tentar “domar” a casta Galego Dourado, muito famosa na região de Carcavelos e já utilizada em algumas outras regiões (como Setúbal, por exemplo). Francisco Pessoa confessa que, ao fim de alguns anos, conseguiram “finalmente perceber a casta e rentabilizá-la do ponto de vista enológico; mas foi uma luta!” Está a ser feita a zonagem e, em algumas parcelas, esse trabalho já está terminado, o que permite conhecer melhor a interacção casta/solo. A vinha, como se sabe, é empresa a céu aberto e as possibilidades do ciclo vegetativo correr mal são enormes, a começar nas doenças, as clássicas míldio e oídio, os insectos (cicadela, cochonilha) e as doenças do lenho, as que muitas dores de cabeça trazem aos lavradores e para as quais os argumentos de luta são fracos, como é o caso da esca (uma doença que ataca a cepa).
Castas muito diversas
A vinha tem rega instalada, um instrumento que pode ser fundamental em épocas de alterações climáticas. Tudo se complica mais quando o objectivo é apontar para uma certificação bio, mas, o que tem acontecido de positivo, é que as próprias empresas de produtos para a agricultura estão a trabalhar em alternativas aos clássicos insecticidas e é provável que, a médio prazo, seja possível uma viticultura mais amiga do ambiente e eficaz. Desde 2015 que o Grupo Nabeiro integra o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo e o tema é aqui levado muito a sério, com todos os resíduos da empresa a serem preparados para futura reciclagem ou transporte para fora da quinta por empresa certificada.
As dúvidas neste momento já não existem. Por aqui as fichas todas estão colocadas no Arinto e Verdelho nos brancos e na Touriga Nacional e Alicante Bouschet nos tintos. Mas há outras que se portam bem, como a Syrah (o factor da consistência de produção e qualidade é também aqui referido), mas também a Touriga Franca e a Petit Syrah, uma variedade que está aqui desde o início do projecto.
Menos surpreendente é ouvir dizer que a Trincadeira é uma casta muito caprichosa, uma opinião que percorre quase toda a região, capaz do melhor e do pior, dependente do clima, da rega, da gestão da canópia. Não é para a amadores, está bom de ver. O que é bom de ouvir é a afirmação de Rita Nabeiro que “vamos voltar em força à casta Castelão; para já temos quatro hectares, mas vamos aumentar a área, até porque ela gera vinhos que se enquadram melhor no panorama actual, que pede vinhos mais leves e menos concentrados; ora a Castelão tem isso tudo”.
Jogando com um conjunto de castas muito alargado, a colecção dos vinhos varietais vai estar sujeita à qualidade dos vinhos, colheita após colheita. Por aqui o que não faltam são castas que poderão originar vinhos varietais: Touriga Nacional, Verdelho, Pinot Noir, Viognier, Trincadeira, Alfrocheiro, Sangiovese, Viosinho, Gouveio, Moscatel Galego Roxo, Merlot e Arinto, a que há a acrescentar a Syrah, Petit Syrah, Aragonez, Castelão, Roupeiro, Antão Vaz, Sercial, Alvarinho, Cabernet Sauvignon, Pinot Gris e Alicante Bouschet.
Na adega há projectos que poderão um dia ser concretizados, como os vinhos de talha, mas “a sério”, como salienta o enólogo Carlos Rodrigues.
De Campo Maior à Serra de São Mamede
A adega, localizada numa zona plana, pontilhada por leves ondulações de terreno, está rodeada de vinhas, com uma grande diversidade de solos. O tempo que levam de trabalho no campo, foi permitindo perceber melhor o comportamento das castas, a sua melhor localização e a adaptação a uma agricultura que se encaminha para uma certificação biológica que, como nos informaram, é um objectivo para se concluir em 2026. Entre vinhas próprias em diferentes herdades e parcelas arrendadas falamos, então, de 120 ha de vinhas em produção. Em Portalegre, na serra de São Mamede, adquirem-se uvas a produtores locais.
Na adega há projectos que poderão um dia ser concretizados, como os vinhos de talha, mas “a sério” como nos referem os dois enólogos que tomam conta da adega, Carlos Rodrigues e Soraya De La Flor, espanhola que vem da vizinha Badajoz para aqui trabalhar. A capacidade instalada é de cerca de 310.000 litros de branco e rosé e podem vinificar 160 toneladas de uvas tintas de cada vez. No ano de 2023 a produção total aproximou-se dos 850.000 litros em todas as gamas. Como as tais talhas “a sério” ainda não estão por cá, a vinificação segue os parâmetros normais entre inox e estágio em barrica. O parque de barricas atinge as 650, mantendo-se este número estável, entre compra de novas e a saída das barricas mais velhas.
As vinhas da serra de São Mamede estão na base dos vinhos da marca Altitude. Beneficiando de um clima próprio, mais fresco, e com o privilégio de trabalhar com inúmeras castas nas vinhas velhas, os vinhos são por isso bem diferentes dos que se produzem em Campo Maior. Não necessariamente melhores, mas seguramente mais personalizados e mais originais. Desta forma, a regra por aqui parece mesmo ser o não haver regas fixas e “vamos acompanhando as vinhas e os vinhos e decidimos depois, conforme a qualidade; uns vão para lotes e outros poderão originar vinhos varietais”, como nos disse Rita Nabeiro.
É também essa ideia de inovação que levou à criação da colecção Esquissos (que outros poderiam chamar Ensaios ou Projectos por serem vinhos de ensaio e experimentação), que incorporará vinhos considerados fora da produção normal da casa. Neste caso foi um palhete ou, como diria o actor António Silva no filme O Páteo das Cantigas, “um tinto apalhetado” que junta 30% de uva branca à restante uva tinta, com castas misturadas e, daí, o designativo, bem divertido, de se apelidar Tudo ao Molho. Para os próximos Esquissos já há candidatos e vamos esperar sempre algo surpreendente.
Vinho, azeite e turismo
A gama Maestro apenas se produz em magnum. Diz-nos Rita que “aqui estamos a falar em vinhos monocasta que exprimem o melhor que por aqui se faz, sempre num registo de alta qualidade”. Esta série começou por ser editada em 2020 e as castas escolhidas desde então foram a Galego Dourado, Petit Verdot, Chardonnay, Encruzado e a Rabigato, sempre com um PVP de €70. No mercado está agora o vinho feito com Rabigato, mas tivemos oportunidade de provar também o Encruzado que, apesar de estar já em ruptura de stock, se mostrou de altíssimo gabarito, revelando toda a capacidade da casta para gerar vinhos de grande intensidade gastronómica, o que foi amplamente comprovado.
O portefólio está assim muito alargado, com algumas marcas eliminadas (Solista) e outras que têm vindo a surgir. Da entrada de gama – Caiado – até ao topo – Adega Mayor Pai Chão, o leque é imenso e está à disposição dos visitantes na loja da adega. Além do vinho, o azeite é parte importante da oferta mas o peso do enoturismo ainda poderá crescer: 7000 foi o número de visitantes em 2023.
Com 91% das vendas na restauração e um preço médio de €6 por garrafa, a Adega Mayor também aposta na exportação, sobretudo nos quatro mercados preferenciais: Angola, Luxemburgo, Brasil e Dinamarca.
Em Campo Maior, a herança e o projecto idealizado por Rui Nabeiro está em boas mãos. No ar não há “cheirinho” a café, mas o ambiente está por aqui muito bem preservado: cheira a campo, a ervas, a terra e a flores. Não precisamos de mais.
(Artigo publicado na edição de Julho de 2024)
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Adega Mayor Maestro
Branco - 2021 -
Adega Mayor Altitude Reserva do Comendador
Tinto - 2021 -
Adega Mayor Altitude Reserva do Comendador
Branco - 2022 -
Adega Mayor Bio Selecção
Tinto - 2021 -
Adega Mayor Bio Selecção
Rosé - 2022 -
Adega Mayor
Tinto - 2020 -
Adega Mayor Esquissos Tudo ao Molho
N/a - 2021 -
Adega Mayor
Tinto - 2011 -
Adega Mayor
Tinto - 2020 -
Adega Mayor
Tinto - 2021 -
Adega Mayor
Branco - 2022 -
Adega Mayor
Branco - 2022 -
Adega Mayor
Branco - 2022