Undated: A magia dos “sem data”

Quando se fala aqui em tendências do consumo, é bom que tenhamos em mente que estes vinhos sem data são um mero apontamento num mar de vinhos datados, aqueles que são mais comuns no mercado. Habituámo-nos a falar na data porque não há dois anos iguais e o vinho pode (mas nem sempre) espelhar as […]
Quando se fala aqui em tendências do consumo, é bom que tenhamos em mente que estes vinhos sem data são um mero apontamento num mar de vinhos datados, aqueles que são mais comuns no mercado. Habituámo-nos a falar na data porque não há dois anos iguais e o vinho pode (mas nem sempre) espelhar as características do ano ou da zona onde nasceu. Falamos, por isso, em vinhos (demasiado) maduros nos anos muito quentes, de vinhos frescos quando lhes sopra a brisa marítima, ou ainda de vinhos de elevada acidez decorrentes da altitude ou da exposição. Temos também de ter sempre presente que qualquer vinho, mesmo datado, pode incluir até 15% de vinho de outra colheita. Isto significa que o legislador teve o cuidado de prevenir qualquer situação extrema – climática ou outra – permitindo que o vinho possa ser melhorado e polido, juntando vinho de outra colheita nas percentagens previstas. Assim sendo, a tal “expressão máxima do terroir” só será possível se não houver lote, se o vinho for única e exclusivamente de um só ano. Esta atitude, que pode tomar contornos um pouco radicais se o produtor entrar na fileira dos fundamentalismos, é possível em vinhos de nicho, de muito baixa produção e oriundos de produtores que não têm de se preocupar com as contas. Já os outros, a esmagadora maioria que usufrui das facilidades concedidas pela lei, procura equilibrar os vinhos de um ano com 15% de outros que poderão ajudar na melhoria do lote final. Mas hoje queremos falar dos não datados, aqueles que não querem saber da data da colheita no rótulo. Estão preocupados com outras coisas.
Vinhos datados não são uma modernice. Existem desde o séc. XVIII e também em Portugal, com grande destaque para os vinhos generosos, os mais apreciados e os que chegaram até hoje. Após as demarcações do início do séc. XX e ainda antes de se demarcarem, a partir de 1979, as regiões, tal como as conhecemos hoje, já os vinhos eram datados. Era a época – até aos anos 90 – em que a marca se sobrepunha à região e a qualidade estava muitas vezes conotada com um designativo de qualidade muito apreciado na época: vinhos Garrafeira. E eles existiam em marcas que, todos sabemos, resultavam de lote de vinhos de várias regiões, com a Bairrada e o Dão a serem as mais procuradas.
Mas também existiam vinhos não datados que são os arquétipos daqueles que falamos neste texto. Algumas marcas emblemáticas, que tinham o carimbo da máxima qualidade e mais acarinhadas pelos consumidores, em boa verdade não eram datadas porque…usavam vinhos de várias colheitas. A intenção era, então, idêntica à de hoje: melhorar o lote final, num equilíbrio que seria difícil de encontrar no vinho de uma só colheita. O exemplo paradigmático era a marca José de Sousa Rosado Fernandes, com sede em Reguengos que, nos anos 60 e 70, raramente engarrafava com data: eram vinhos em que o enólogo procurava juntar várias colheitas para obter o estilo que pretendia. Em alguns casos decidia depois que data punha, nas garrafas ou, mais vulgarmente, apenas nas caixas.
Este novo estilo renasceu entre nós com o Branco Especial da Quinta dos Carvalhais, que surgiu no mercado em 2014. Os enólogos (Beatriz Cabral de Almeida e Manuel Vieira) usaram vinhos de três colheitas para, ainda que timidamente, colocarem no mercado um branco que desafiava tudo o que então existia. Por isso fizeram apenas 3000 garrafas quando actualmente, a 7ª edição, e já sem Manuel Vieira, contempla 14 733 exemplares. A evolução do preço é também a demonstração do apreço que o público mostrou: a primeira edição estava tabelada a €30, a actual vai em €70. Não há regra fixa mas, diz Beatriz, “tentamos fazer de dois em dois anos. Actualmente o lote junta vinhos de mais colheitas, e é desde sempre assente em três castas: Encruzado, Gouveio e Sémillon, mais alguma percentagem de parcelas de field blend. Talvez a diferença em relação às primeiras edições é que agora procuramos fazer os vinhos já com a intenção de os conservar longamente em barrica. Só no momento do lote final é que sai tudo da madeira.” A 8ª edição sairá em 2025.
Apenas um pormenor
Como se pode verificar pelo lote de vinhos que aqui sugerimos, existem mais versões em branco do que em tinto. A Wine & Soul lançou, em finais de 2020, um Guru NM, um branco não datado e muito aplaudido pela crítica. Jorge Borges informou-nos que está em preparação uma nova edição, a sair em 2026, mas os vinhos, para já, estão em madeira. Jorge não tem dúvidas: “são vinhos que são originais precisamente por integrarem as características dos vários anos e a produção, em virtude do longo estágio, sai caríssima, o dobro do que custa o normal Guru”. Replicar o modelo em tintos não está nos planos. Manuel Vieira, que integra a equipa de enologia dos Caminhos Cruzados (Dão), diz-nos que não há razão para não se fazer também em tintos. “A minha experiência anterior era com brancos e foi apenas por isso que aqui fizemos o Vinhas da Teixuga, que beneficia da grande qualidade do Encruzado da quinta”. Também o Kaputt é branco, mas o enólogo da empresa (actual Van Zeller Wine Collection), Álvaro Van Zeller, não descura a hipótese de se fazer no futuro um tinto com estas características. Reconhece que este tipo de vinho “será sempre para um nicho do mercado. O vinho final perde a personalidade que lhe adviria do ano em que nasceu e poucas pessoas poderão valorizar isso, tal como vinhos que resultam do lote de regiões diferentes têm de levar selo IVV, o que não é entendido, pelo consumidor, como apenas um pormenor”. Vinhos brancos existem em várias regiões, ou seja, não se trata de um mérito apenas desta ou aquela. É o trabalho de adega e o conceito que o enólogo possa ter que vai determinar a decisão.
Os tintos assumem, por vezes, um lado comemorativo: aconteceu com a 2ª edição do Memórias Alves de Sousa, lançado no mercado em 2024 e que comemora 30 anos de história, com vinhos da segunda década deste século. Comercializado em garrafa normal (a 1ª edição tinha sido apenas em magnum), fizeram-se 4000 exemplares. Domingos Alves de Sousa e o filho, Tiago, procuraram “repetir aqui o que se faz num Porto tawny, juntando vinhos de idades diferentes, uns em casco e outros em cuba. Não temos para já ideia de fazer isto com vinhos brancos; seria outro conceito bem diferente”, diz Domingos. Luís Louro, com o seu Monte Branco XX, está agora a comemorar duas décadas de história; já tinha feito outros com lote de colheitas, mas por razões “administrativas” saíram com data no rótulo.
O perfil comemorativo não é regra: o Falua Undated Cabernet Sauvignon é um tinto acabado de surgir no mercado que junta várias colheitas de vinho com origem na vinha do Convento e é muito surpreendente, porque nada no vinho sugere que não seja um vinho muito jovem. Mérito tripartido – da vinha, da casta e da enologia, a cargo de Antonina Barbosa, que não descarta a ideia de fazer também em branco: “é uma hipótese, mas teremos de lhe retirar o epíteto de Reserva exactamente porque a lei não autoriza designativos em vinhos de lote de várias colheitas”.
Estes são vinhos de experiência e os produtores sabem disso. Pode não ser fácil acertar no modelo à primeira, mas vale a pena experimentar, até porque dos Açores a Monção temos um enorme (!) país para poder surpreender e fazer nascer novos consumidores.
(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2025)
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Morgado de Oliveira
Branco - -
Monte Branco XX
Tinto - -
Titan of Douro Fragmentado Blend II
Tinto - -
Memórias Alves de Sousa
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Arinto dos Açores Sur Lies 3 colheitas
Branco - -
Kaputt 2ª edição
Branco - -
Vinhas da Teixuga
Branco - -
QM PATRIAM Nº 1
Branco - -
Quinta dos Carvalhais Branco Especial
Branco - -
Quinta do Regueiro Jurássico II
Branco - 2020 -
Guru NM
Branco -
Herdade da Mingorra: Nas terras da família Uva

Em pleno Baixo Alentejo, na casa rústica e acolhedora da Herdade da Mingorra, ao crepitar de uma grande lareira, viajámos pela história desta herdade na companhia dos seus quatro principais rostos – Henrique Uva, o patriarca e o fundador, as filhas Maria e Sofia e Pedro Hipólito, o director geral da empresa, que tem acompanhado […]
Em pleno Baixo Alentejo, na casa rústica e acolhedora da Herdade da Mingorra, ao crepitar de uma grande lareira, viajámos pela história desta herdade na companhia dos seus quatro principais rostos – Henrique Uva, o patriarca e o fundador, as filhas Maria e Sofia e Pedro Hipólito, o director geral da empresa, que tem acompanhado o projecto desde o início.
O sucesso da Herdade da Mingorra deve-se às decisões certas tomadas nos momentos cruciais e a uma adaptação constante às condições climáticas e do mercado. O essencial é aposta na uva própria, gestão inteligente de processos desde a vinha à rede comercial e a abertura à inovação a todos os níveis. Resumindo, não compram um quilo de uva e não têm um litro de vinho em excesso no armazém. E estamos a falar de uma produção superior a um milhão de garrafas, com qualidade e criatividade na abordagem.
20 anos de evolução
A aventura começou há 20 anos, quase na véspera de Natal de 2003, quando Henrique Uva apresentou a sua proposta, ambiciosa e desafiante, a Pedro Hipólito, à data responsável de produção na Adega de Redondo.
Naquela altura, Henrique Uva já tinha, na sua posse, uma propriedade, a 20 km de Beja, com 1400 hectares, que construiu adquirindo pequenas herdades quase contíguas, onde, para além de 125 ha de vinha, teve olival, amendoal e áreas florestais.
Nos anos 1990, a venda de uva era extremamente rentávelm com os preços a ultrapassar um euro por quilo. Na viragem do século, o mercado mudou e os preços foram reduzidos a menos da metade. Produzir o seu próprio vinho e construir uma marca foi a decisão que Henrique Uva tomou. Para a sua realização, precisava de uma adega com dimensão considerável e de uma pessoa competente para assegurar o projecto. A pessoa certa foi Pedro Hipólito, enólogo com imensa experiência na definição do layout, dimensionamento e gestão de adegas com esta ordem de grandeza. Talvez o maior desafio para Pedro foram os prazos: Henrique queria ter a adega pronta em agosto de 2004. E assim foi. A vindima decorreu na adega nova, perfeitamente funcional e bem dimensionada para as necessidades do projecto.
Quem está na produção de vinhos sabe perfeitamente que os primeiros anos nunca são fáceis. A Herdade da Mingorra tinha vinha e adega, mas a marca e o mercado ainda estavam por desenvolver. A conjuntura do mercado indicava o caminho mais fácil – foco na produção de vinho a granel que, naquela altura, era escasso. Mas Henrique queria afirmar-se e evoluir pela qualidade. A sensatez de não ir atrás da rentabilidade imediata “permitiu criar condições para perceber o que queremos e dar tempo para que as coisas evoluam” – relata Pedro Hipólito e acrescenta: “não podíamos pensar que iriamos vender cerca de um milhão de garrafas rapidamente”. Por isto foi estabelecido um plano: vender 20% de vinho engarrafado, para ir construindo o mercado e o resto a granel para rentabilizar o esforço, aumentando gradualmente a parte do vinho engarrafado com a marca própria até chegar aos 100%. Só conseguiram este objectivo em 2015.
O sucesso da Herdade da Mingorra deve-se às decisões certas tomadas nos momentos cruciais e a uma adaptação constante às condições climáticas e do mercado.
Aposta na uva própria
Uma das convicções de Henrique Uva, logo desde o início, foi trabalhar só com a uva própria. “Nós somos muito agricultores” – explica, e desta forma conseguem ter o controlo total da produção e manter a consistência ao longo dos anos.
O encepamento foi passo a passo adaptado ao projecto. É preciso lembrar que, no início dos anos 90, as vinhas plantavam-se para se vender uvas às adegas cooperativas e não para produzir vinhos de qualidade. Assim, no espaço de 20 anos reestruturaram quase 80% de vinha, um pouco por tentativa e erro, porque queriam criar a sua própria experiência e nem todas as castas corresponderam às expectativas. Gradualmente foram aumentando a presença de castas brancas. Em 2015 plantaram-se mais 45 hectares de vinha. Actualmente contam com 170 hectares, divididos em 87 parcelas, dos quais 40% são castas brancas e 60% tintas.
Através das castas regionais procuram expressar o carácter regional; as castas nacionais são bandeiras importantes dentro e fora do país; as castas internacionais fazem sentido no contexto de evolução de estilos, mas nem todas funcionam na região. Por exemplo, em 10 anos tiveram um Merlot muito bom e por duas vezes um Cabernet Sauvignon, castas que não vale a pena manter. “Hoje já estamos encaixados nas castas e no perfil com que nos identificamos”, dizem Henrique e Pedro, com satisfação.
Para além dos cuidados nas práticas culturais, estão atentos a práticas biotecnológicas inovadoras e implementam-nas na herdade para avaliar os resultados. O uso de leveduras inactivadas na vinha simula o ataque de fungos e estimula o metabolismo secundário das videiras, favorecendo a produção de compostos fenólicos como taninos e antocianas. É uma prática sustentável, que não só aumenta a resistência natural da planta, como melhora a qualidade do tanino e intensifica a cor do vinho. Experimentam também o ensombramento das vinhas mais expostas. Esta prática resulta em 3˚C de diferença de temperatura na copa da planta e em 10 dias de diferença na vindima.
Preferir funcionalidade à beleza
Na adega desenhada por Pedro Hipólito preferiu-se funcionalidade ao design. Os lagares e as cubas pequenas foram projectados para permitir o processamento separado de algumas parcelas, enquanto as cubas maiores foram dimensionadas como múltiplos das menores, possibilitando a junção de parcelas mais homogéneas.
Em 2022 ampliaram a adega e aumentaram a capacidade de recepção, para poder apanhar a uva na altura certa, mesmo que seja em simultâneo. O resultado é o salto qualitativo na gama de entrada. Para os vinhos de gamas mais altas existem barricas de 300 e 700 litros, com tosta escolhida para para não marcar muito o vinho, por um lado e, por outro, para não introduzir duros taninos elágicos. Têm também oito ânforas de cerâmica italianas de 600 litros.
A adega é autossuficiente em energia através dos paineis solares. O investimento recente, para além da ampliação de espaço, abrangeu a construção de um novo armazém de 1000 m2 para engarrafamento e produto acabado e aquisição de uma solução tecnológica extremamente inovadora, Winegrid, que combina sensores inteligentes e software para monitorizar em tempo real o processo de produção de vinhos. Os sensores são colocados dentro dos tanques, lagares ou barricas e recolhem dados essenciais, como densidade do mosto, temperatura, nível de líquido etc., que são enviados para uma plataforma digital, onde podem ser consultados por computador ou smartphone. O enólogo consegue assim acompanhar todo o processo de vinificação e reagir rapidamente quando necessário. A solução permite reduzir desperdícios, poupar na mão de obra e tornar o processo de vinificação mais preciso e eficiente.
Gamas bem definidas
Com a produção extensa, uma boa definição das gamas perceptível pelo consumidor, é indispensável. À gama de entrada é dado o nome Terras d’Uva, pelo feliz trocadilho do apelido e o fruto da videira. Mingorra engloba os Colheita e Reserva, crescendo agora para o Grande Reserva. Todas estas gamas são consistentes e coerentes. A linha “M” é reservada a criatividade e experiências, nela se enquadram os vinhos “fora da caixa”.
A casta duriense Tinto Cão, de maturação tardia e boa preservação de acidez, foi plantada na Herdade da Mingorra em 2009, na vinha da Horta. Não se enquadrou no perfil dos vinhos tintos, foi considerada um erro de casting e estava prestes a ser reenxertada, até ter sido experimentada no papel principal para um rosé ambicioso. E, nesta vertente, a casta conseguiu mostrar o seu potencial. Aguentou o estágio de seis meses em barricas novas de carvalho francês de 700 litros e beneficiou com ele, resultando num rosé sofisticado e encantador.
Outra novidade nesta gama foi um vinho licoroso, feito de Touriga Nacional e Sousão que estagiou em seis cascos de Cognac. Notavelmente menos doce, não tendo muita concentração, funciona bem com esta doçura reduzida o que o torna numa escolha acertada para quem não é muito guloso.
Mais uma novidade absoluta, já na gama principal, é o Mingorra Grande Reserva 2020, feito a partir de uma única parcela, o Talhão 86. Esta área de dois hectares, com solo de xisto e algum calcário, foi plantada em 2017 com sete castas misturadas, escolhidas entre regionais, nacionais e internacionais: Alicante Bouschet, Castelão, Tinta Miúda, Touriga Franca, Syrah, Petit Verdot e Petite Sirah. Tiveram em conta o ponto de maturação das variedades para conseguir a vindima mais homogénea possível.
O famoso talhão 25 e o Vinhas da Ira
Com a aquisição da Herdade dos Pelados, vieram umas parcelas antigas, plantadas em 1978. As vinhas não se encontravam no melhor estado, “agronomicamente era um desastre”. O talhão 14 acabou por ser abandonado, mas o talhão 25 tinha outrora muita fama. É o resultado da selecção massal de uma vinha mãe da Vidigueira. Chamava-se Talhão de Alfrocheiro e, no início, fez muita confusão, porque quando a uva chegava à adega era óbvio que não se tratava só desta casta. Via-se, pelos mostos, que havia lá muita uva tintureira. Quando, em 2004, fizeram um levantamento genético da vinha, foram identificadas 12 variedades misturadas, onde 54% era o Alicante Bouschet, 30% Aragonez e 7% Alfrocheiro, que eram as mais representativas. Também tem Tinta Grossa, Castelão, Moreto e Trincadeira, entre outras. Este talhão de dois hectares origina, desde 2004, o ex-líbris da casa – o Vinhas da Ira. Produzido apenas em anos de excelência, quando a vinha mostra o seu carácter na plenitude, o vinho pode ser considerado um dos clássicos do Alentejo actual.
Vindima-se tudo junto e o Alicante Bouschet serve de referência para a definição da data de colheita. Dá três lagares de três toneladas. Mas às vezes o último lagar não faz parte do lote final, pois alberga uvas vindimadas um pouco mais tarde, que não mostram o nível pretendido da frescura. A meio de fermentação, vai para uma cuba troncocónica e depois de maceração prolongada, estagia 18 meses em barricas novas de 300 litros, de diferentes tanoarias.
Tivemos oportunidade de fazer uma mini vertical esta referência, com excelentes resultados. Aqui deixo as notas de prova – 2009 – Granada com laivos acastanhados; mostra evolução com compotas, notas de carne, um apontamento de ferrugem, certa secura, tanino muito macio e frescura evidente (17,5). 2011 – Concentrado na cor; cereja preta carnuda, esmagada, alcatrão e notas resinosas, louro, tomilho e especiaria; belíssimo na harmonia de conjunto, poderoso, cheio de vida, polido, harmonioso, tanino maduro e redondo, textura de veludo e novamente frescura (18,5); 2014 – Opaco, uma ligeira redução no nariz que se esvanece à medida que o vinho vai abrindo no copo, azeitona preta, café, muita frescura a destacar-se, menos corpo, tanino polido, louro e notas de carne e especiaria no final persistente (18); 2017 – Aroma harmonioso, com fruta pura a lembrar amora e cereja, nuances de eucalipto e mentol; tanino firme, com garra mas sem ferir, concentração sem peso e com frescura, tanino fino e final bem projectado (18,5); 2018 – Especiaria e fruta madura destacam-se no nariz, como a ameixa; elegante e fino, com imensa frescura, guloso e não demasiado encorpado, com muita vida pela frente (18,5). Chegámos a provar também o futuro Vinhas da Ira 2020 que já se mostrava muito bem, rico na fruta preta e vermelha a destacar amora e framboesa, um toque floral e terroso, sedoso na textura e com óptimo polimento. Só será lançado em meados de 2025 e, até, lá continua a repousar em cave. Aqui, ninguém tem pressa.
(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2025)
Horácio Simões: E viva a diferença

A Casa Agrícola Horácio Simões iniciou a sua actividade em 1910 e resultou da partilha de terras e empresas pelo bisavô da geração actual, José Carvalho Simões, pelos três filhos que queriam trabalhar em vitivinicultura: Horácio, Dinis e Virgílio. Foram, assim, criadas três casas agrícolas, com áreas bem definidas para comercialização dos seus vinhos. Lisboa, […]
A Casa Agrícola Horácio Simões iniciou a sua actividade em 1910 e resultou da partilha de terras e empresas pelo bisavô da geração actual, José Carvalho Simões, pelos três filhos que queriam trabalhar em vitivinicultura: Horácio, Dinis e Virgílio. Foram, assim, criadas três casas agrícolas, com áreas bem definidas para comercialização dos seus vinhos. Lisboa, Sul do Tejo e Sul da Península de Setúbal. A Horácio, o fundador da casa agrícola com o seu nome, calhou a segunda.
Mas há registos anteriores da actividade da família, quando José Carvalho Simões produzia uva e vinho por sua conta e risco, numa época em que era tradição produzir as uvas, transformá-las em vinhos e comercializá-los. Mas como Luís Simões, 45 anos, membro da quarta geração da família e enólogo da casa gosta de salientar, a prática agrícola do seu ancestral, e dos outros agricultores da região, incluía mais do que apenas a produção de vinho, numa época em que era necessário produzir frutas, legumes, carne e leite para as famílias sobreviverem.
Quando o fundador desta casa iniciou a sua actividade, o escoamento dos vinhos era feito em tabernas. Por isso, foi montando várias em diversas localidades do seu território, e desafiando os filhos dos seus empregados mais antigos para as gerir. “Iam vendendo o vinho e abatendo a conta do investimento feito pelo Horácio no estabelecimento, que acabava por passar para as suas mãos após alguns anos”, conta Pedro Simões, 50 anos, também membro da quarta geração da família e responsável pela viticultura e comercialização da empresa. Era uma forma antiga de fazer este negócio, que se manteve durante muitos anos, até ao fecho da última taberna montada pelo bisavô, a da Baixa da Banheira, apenas há um par de anos.
Nas vinhas da empresa estão plantadas as variedades brancas Rabo de Ovelha e Boal do Barreiro, tintas Castelão e Bastardo e Moscatel de Setúbal, Moscatel Roxo, algumas com mais de 100 anos
Dos barris para vinho engarrafado
Há cerca de 30 anos, a empresa deixou de vender vinho a granel e barris para passar a comercializá-lo engarrafado. Foi na altura em que Pedro e Luís começaram a trabalhar na empresa, que já só comercializava vinho em barris e charutos de madeira de 50 e 30 litros. “Qualquer um de nós dois ainda carregámos alguns, até em sítios bem complicados onde tínhamos clientes, como as escarpas de Sesimbra”, conta Pedro Simões.
Com o aproximar do fim do consumo de vinho nas tabernas, Pedro e Luis decidiram mudar para a venda de vinho em garrafa, porque sabiam que não teriam capacidade para competir com as grandes casas, que já eram especialistas na venda de vinhos em garrafão e noutros formatos de comercialização a granel. “Tivémos, desde logo, a visão de evoluir para o engarrafado”, salienta Luís. Para além disso, apostaram na produção e comercialização de vinhos com denominação de origem, em vez de entrarem primeiro com vinhos de mesa no mercado. “Acreditámos que tínhamos possibilidade, com as nossas vinhas e as nossas uvas, de produzir algo distinto que nos fizesse diferenciar no mercado como produtor de vinhos da região”, explica Pedro Simões.
Primeiro lançaram um regional tinto e branco, mais um Moscatel branco e Roxo. “E, a partir daí, o nosso trabalho foi sendo feito com base na nossa crença de que, apostando num trabalho sério e diferenciador, iriamos ter boa receptividade do mercado”, diz o irmão mais velho. Estavam, afinal, a seguir o conselho que o avô lhes tinha transmitido para a sua vida, para “não dependerem nem fazerem como os outros”.
O trabalho que fizeram, incluindo a forma como foram contactando e abrindo portas, andando acima e abaixo do país, abrindo muitas garrafas, foi originando a aceitação do mercado, mesmo em zonas menos tradicionais para o consumo de Moscatel, como o norte do país. Hoje é, segundo Pedro Simões, o melhor mercado deste tipo de vinhos da empresa.
O que é a Casa Horácio Simões?
Sediada na Quinta do Anjo, onde tem a sua adega e espaço de enoturismo, a empresa tem cerca de 30 hectares de vinha própria e adquire uvas de mais 30 ha a parceiros. “É uma realidade muito de minifúndio, em que a nossa maior parcela tem quatro hectares e a mais pequena meio hectare”, conta Pedro Simões, acrescentando que todas ficam em volta da Quinta do Anjo, no sopé da Serra do Louro, o que influencia o caracter distinto dos vinhos que a empresa tem no mercado.
Actualmente, a empresa exporta 30% da sua produção para destinos como o Brasil, Estados Unidos e praticamente para todos os países da Europa, mas apenas para estabelecimentos do canal Horeca e garrafeiras. Em Portugal, os vinhos são distribuídos pela Decante Vinhos.
O sucesso dos moscatéis
“Se há 20 anos alguém me perguntasse se vendia uma garrafa de Moscatel no Porto, dizia que eram malucos, porque não conseguia vender uma garrafa de Santarém para cima naquela altura”, afirma, salientando que o sucesso dos moscatéis não foi acompanhado, com a mesma intensidade, pelo dos vinhos tranquilos. “Hoje temos alguma dificuldade em mostrar que a Horácio Simões não é só Moscatel de Setúbal”, conta Luís Simões, explicando que o sucesso dos seus moscatéis se deve, também, à aposta da empresa na sua diferenciação, através do lançamento de referências produzidas com “novas forma de vinificação” e de terroirs diversos.
Até aí os consumidores conheciam o produto, mas não sabiam que a sua origem podia diferenciar as suas características e que uma forma diferente de vinificar se podia sentir no produto final. “Essa maneira de abordar a comunicação dos moscatéis foi a primeira forma de diferenciação da Casa Agrícola Horácio Simões”, revela Luís, acrescentando que a procura de inovações e a experimentação foi-lhes transmitida e incentivada pelo avô, Horácio Simões. E começou, há 30 anos, com a produção e comercialização de vinhos de castas internacionais engarrafados. Mas quando Pedro deu a provar o seu primeiro Castelão/Syrah, e lhe responderam que o vinho era muito bom, mas havia vários produtores com vinhos ainda melhores daquelas castas, decidiu não vinificar mais variedades internacionais na sua casa e apostar na produção e comercialização de vinhos de castas regionais, como forma de diferenciar a casa no mercado. Como é evidente, este processo implicou a procura dessas variedades, o seu estudo e o desenvolvimento de produtos com base nelas. “E mesmo que já tenha havido concorrentes que tenham lançado, depois, vinhos das mesmas castas, nós fomos os primeiros a fazê-lo”, diz Pedro Simões.
Há cerca de 30 anos, a empresa deixou de vender vinho a granel e barris para passar a comercializá-lo engarrafado
Os ensinamentos dos antigos
Foi o que aconteceu com os vinhos brancos da casta Boal, que estava plantada no meio das vinhas de Castelão da família. Depois de seleccionada, foi feito um estudo para conhecer melhor as suas características no campo, definir o seu maneio mais adequado e perceber as características dos vinhos que origina. O objectivo era “produzir, com base nela, um Reserva ou um Grande Reserva branco, um vinho diferenciador para a região produzido com uma casta regional”, conta Pedro Simões, acrescentando que a aposta na casta começou em 2007, mas o processo apenas terminou em 2020, com o reconhecimento do vinho pelo mercado.
Foi também com base em trabalho moroso que começaram a ser feitos vinhos com base no Bastardo e na Rabo de Ovelha, variedade cujos bagos gostava de comer quando ia com o avô à vinha. “Desde esse tempo que pensei em fazer um vinho da casta”, revela Pedro, acrescentando que todo o trabalho desenvolvido desde que a geração actual assumiu os destinos da casa está assente na mesma filosofia das gerações anteriores, de “fazer diferente, melhor”. “A sabedoria das gerações anteriores, que não tinham estudos, era suficiente para produzirem vinhos diferenciadores”, diz Luís Simões, acrescentando que os seus ancestrais sabiam, por exemplo, que “fazia sentido ter, numa vinha velha, castas brancas e tintas misturadas”.
Ensinamentos como estes, que lhes foram transmitidos pelas gerações anteriores e não pelos livros que foi estudando, contribuem, de forma significativa, para a forma como as coisas são feitas nesta casa agrícola. “O nosso caminho passa pelo uso de tudo o que aprendemos com os anteriores membros da casa e dos conhecimentos actuais para tirar o melhor de cada colheita”, acrescenta Pedro Simões, salientando que é isso que ambos querem engarrafar: uma vinha e um ano agrícola.
Os efeitos do tempo
Nas vinhas da empresa estão plantadas as variedades brancas Rabo de Ovelha e Boal do Barreiro, tintas Castelão e Bastardo e Moscatel de Setúbal, Moscatel Roxo, algumas com mais de 100 anos. Nestas, as vindimas seguem o ritmo de colheitas de sempre. “O aquecimento global pouco tem influenciado as datas de vindima”, conta Luís Simões. “O que os nossos registos nos dizem é que o Castelão está maduro a 15 de Setembro, mas pode ser a 14, 16 ou 18, variações tão pouco significativas, que nos demonstram que as datas de vindima se têm mantido ao longo do tempo”, acrescenta.
A primeira a ser colhida é sempre Moscatel Roxo, quando está no estado de maturação perfeito para a produção de licoroso. “Quando estava misturado com outras castas na vinha, as uvas quase nunca eram colhidas por serem as primeiras a amadurecer, e a ser comidas por pássaros e insectos”, conta Luis Simões. Mas não é o que acontece hoje. Seguem-se, após algum período de paragem, as brancas Boal e Rabo de Ovelha e, depois, o Castelão e o Bastardo, que é vindimado em duas fases. “Primeiro, em Agosto, quando tem 11 a 11,5% de álcool, para o tinto, e, em Setembro, para a produção de licoroso”, explica Pedro, acrescentando que a maior parte das vindimas de uma parte das castas foi antecipada em relação ao período tradicional, logo a seguir à Festa da Moita em honra de Nossa Senhora da Boa Viagem, em Setembro. “Aquilo que conhecemos sobre as castas de ciclos mais pequenos, mais temporãs, levou-nos a antecipar vindimas e os períodos de tempo em que decorrem para aproveitar aquilo que cada casta, e cada vinha, pode dar, para o tipo de vinho para aquilo que pretendemos produzir”, explica acrescentando que a sua adega está actualmente preparada para ir trabalhando e parando entre vindimas.
(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2025)
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Horácio Simões Heritage
Fortificado/ Licoroso - 2008 -
Horácio Simões Heritage
Fortificado/ Licoroso - 2013 -
Horácio Simões
Tinto - 2022 -
Horácio Simões Old School Signature Tonel Centenário
Tinto - 2019 -
Horácio Simões Old School Signature
Tinto - 2021 -
Horácio Simões Old School Signature
Branco - 2021 -
Horácio Simões Reserva
Branco - 2022
Vintage 1994: 30 anos de boa memória

No ano de 1843, a cidade de Londres, ao acordar da modorra noturna, deparou-se com uma publicação anónima que apresentou um título invulgarmente longo, quando comparado com a métrica jornalística atual: A Word Or Two on Port Wine! Showing How, and Why, it is Adulterated, and Affording Some Means of Detecting Its Adulterations. Curiosamente, a […]
No ano de 1843, a cidade de Londres, ao acordar da modorra noturna, deparou-se com uma publicação anónima que apresentou um título invulgarmente longo, quando comparado com a métrica jornalística atual: A Word Or Two on Port Wine! Showing How, and Why, it is Adulterated, and Affording Some Means of Detecting Its Adulterations. Curiosamente, a única referência à sua intrigante autoria também se encontrou na primeira página: By one residing in Portugal for eleven years. Este folheto, cuja autoria terá sido, mais tarde, atribuída ao barão de Forrester, foi a faísca que acabou por incendiar uma enorme polémica genuinamente internacional sobre as práticas de vinificação da altura, tendo por pano de fundo uma aguda crise comercial.
Para o barão, no seguimento da muito famosa colheita de 1820 que apresentou vinhos invulgarmente “cheios, doces e saborosos”, foi desenvolvido um novo sistema de vinificação de encontro aos incontáveis pedidos dos consumidores e dos negociantes pela regularidade deste perfil. O argumento fundamental de Forrester era desconcertantemente simples e avassalador: “raras vezes se podia obter puro um tal vinho, sendo mui raras tão boas estações, recorreu-se à adulteração (…) a fim de produzir coisa que o imitasse (…); e os esforços entre muitos dos exportadores tendiam a que cada um exportasse vinho mais doce, encorpado e de mais cor que o do seu vizinho”. Na sua opinião, a adulteração dos vinhos estava ligada ao crescente uso de jeropiga, baga de sabugueiro e ao uso crescente de aguardente na fermentação, após a fermentação, no momento do carregamento para Vila Nova de Gaia e na ocasião do embarque para Inglaterra. Estes procedimentos, segundo o barão, estavam na génese da crise comercial verificada desde o início da década de quarenta. Forrester defendia precisamente o inverso, ou seja, o fabrico de vinhos “puros”, “secos”, “preparados com bastante fermentação” e com “pouca ou nenhuma aguardente”.
Pouco tempo depois surgiu um novo folheto, igualmente publicado de forma anónima, em Londres, que tentou refutar todas as considerações do primeiro. No seguimento, no Porto, em apoio ao folheto inicial foi difundida uma carta, através do Periódico dos Pobres do Porto, assinada por “um velho lavrador do Douro” na qual dava sustentabilidade total aos argumentos de Forrester. Os detratores do barão acusaram-no de provocar o descrédito do vinho do Porto e contrapunham que a aguardentação convinha ao aperfeiçoamento do produto para atender às solicitações do mercado e resistir à viagem para as ilhas britânicas.
Ainda assim, era no Douro que o Barão de Forrester tinha uma das suas maiores aliadas nesta causa, tratava-se da família Ferreira que, nesta altura, já granjeava uma enorme reputação no mercado dos vinhos. Curiosamente, estes mantinham inteligentemente uma dupla política comercial. Por um lado, existem registos revelando a venda de vinhos retintos e encorpados, a pedido expresso dos exportadores. Por outro lado, os melhores vinhos, provenientes da Quinta do Vesúvio, continuavam a produzir-se com muito menos aguardentação.
Apesar dos esforços do Barão de Forrester e dos seus apoiantes, o que acabou por prevalecer foi o denominado “gosto inglês” que deu preferência a vinhos retintos, fortes, encorpados e, acima de tudo, doces. A preferência por esse perfil característico acabou por ser cristalizada e assumida como a norma na categoria dos vinhos do Porto Vintage. Atualmente, o perfil destes vinhos foi vertido em forma de lei determinando o vinho do Porto Vintage como “…proveniente de uma só vindima, retinto e encorpado…”.
A masterclasse “Os 30 anos do Porto Vintage 1994” foi conduzida por Paulo Russel-Pinto um dos especialistas do IVDP
Uma inesquecível masterclass
Esta colheita é um excelente exemplo do triunfo e herança do “gosto inglês”, mas poucas atingiram a pontuação e o estrelato internacional dos vinhos do Porto Vintage do ano de 1994.
A estratosférica pontuação atribuída por uma das principais revistas mundiais de crítica de vinhos (100 pontos a dois Vintage de 1994: Taylor’s e Fonseca), fez renascer o desejo pelo vinho do Porto no mercado norte-americano e mundial. Por cá, o Vintage foi descoberto pelos consumidores e transformado em produto de moda. Desta forma, as vendas das categorias especiais de vinho do Porto atingiram, na altura, novo pico de venda e um sucesso estrondoso. Muitos dos operadores esgotaram rapidamente as alocações do Vintage de 1994 programadas, muitas delas em apenas três meses, e com preços bem interessantes.
O segredo do sucesso desta colheita esteve relacionado com as condições climátericas ocorridas. Apesar do pobre início, a época de desenvolvimento das uvas foi razoável, com tempo seco, apenas interrompido por reduzidos períodos de chuva. Esta conjuntura redundou numa vindima uniforme e extraordinária e em vinhos que, 30 anos depois, nos envolvem os sentidos.
Isso mesmo comprovámos na atmosfera intimista do Salão Nobre do Instituto dos Vinhos do Porto e Douro, palco de uma das comemorações mais aguardadas do “Port Wine Day”: a masterclass “Os 30 anos do Porto Vintage 1994”. Esta foi conduzida por Paulo Russell-Pinto, um dos especialistas do instituto, e contou com a presença dos enólogos das empresas representadas. A plateia era constituída por várias classes de profissionais da fileira do mundo do vinho nacional e por alguns jornalistas. Paulo Russel-Pinto fez desfilar oito vinhos de empresas sobejamente reconhecidas pelos mercados nacionais e internacionais: Cálem, Churchill’s, Dow’s, Poças, Quinta do Noval, Ramos Pinto, Rozès e Taylor’s.
O Cálem Vintage 1994, apresentado por Carlos Alves, exibiu ainda uma cor rubi bastante intensa e opaca com as notas de fruta vermelha madura ainda bem marcadas. No palato, os taninos bem marcados, juntamente com a fruta bem madura conferiam uma prova intensa e prazerosa. Um exemplar ainda bastante jovem denotando equilíbrio entre álcool, acidez e açúcar. (19,5 pontos).
A uma das casas mais recentes na produção de vinho Porto coube a apresentação do Churchill´s Vintage 1994 proveniente de vinhas com mais de 50 anos de idade apresentou uma coloração levemente acastanhada evidenciando aromas a frutos secos, marmelada e alguma fruta vermelha. De perfil seco, fresco e de recorte muito fino, revelou uma faceta elegante. Um dos mais evoluídos em prova. (18,5).
Do universo Symington foi apresentado um vinho cujas uvas foram provenientes da Quinta do Bonfim (Cima Corgo) e da Quinta da Senhora da Ribeira (Douro Superior). Estas resultaram no Dow’s Vintage 2014, que se mostrou ainda retinto e opaco com aromas bem marcados a fruta vermelha compotada, especiarias e alcaçuz. Boa intensidade e equilíbrio entra a doçura e acidez. Ainda jovem e com boa capacidade de guarda. (19).
A batuta de Jorge Manuel Pintão, bisneto do fundador, concebeu o Poças Vintage 2014 de cor levemente acastanhada denotando aromas a pinho, frutos secos, mentol, tabaco e alguma fruta vermelha. O tanino firme e a acidez marcada conferem alguma intensidade e nervo à fruta compotada. Está num excelente momento para ser bebido. (18,5).
A Quinta do Noval, situada no vale Mendiz, apresentou um vinho que resultou da primeira colheita com a gerência do grupo internacional Axa-Milésimes, o Noval Vintage 2014 produzido com uvas provenientes de uma colina apenas, entre os 200 e os 400 metros de altitude. Opaco e retinto marcado por aromas balsâmicos, fruta preta e cacau. Muito persistente, intenso compaginando doçura e acidez com galhardia. (19).
Os Single Quinta são uma categoria menos conhecida pelo consumidor comum e representam a singularidade de um território com bastantes cambiantes. Desta forma foi apresentado, pela mão da Ramos Pinto, o Quinta da Ervamoira Vintage 1994 de cor bastante intensa, brilhante e rubi aparentando apenas uma leve evolução. Grande intensidade de aromas com destaque para a fruta madura, tabaco e algum balsâmico. No palato revelou fruta madura fresca e menta envolvidos por um tanino bem presente. Grande intensidade e volume. Um dos melhores em prova. (19,5).
O Rozès Vintage 1994 mostrou uma coloração menos intensa e acastanhada evidenciando aromas a marmelada e frutos secos. De perfil mais doce e concentração média, revelando estar a atravessar um período menos intenso. (18).
Para o final estava guardada a estrela do dia, provada em formato magnum, o que lhe conferiu impacto adicional. Tratou-se do Taylor’s Vintage 1994 de coloração bastante intensa e aromas ainda bastante fechados, mas bem marcados a fruta vermelha e preta. No palato mostrou bastante intensidade, fruta fresca e mentol. O tanino bem marcado e o perfil ainda fechado conferem um tempo de guarda bastante confortável. Um grande Vintage. (20).
As implicações tardias de um folheto
Na altura em que foram lançados e nos anos subsequentes, os Vintage de 1994 foram elevados ao pináculo superior do estrelato mediático nacional e internacional. Concomitantemente, a região do Douro aproveitando um enorme manancial vínico com 300 anos, transformou-se de forma definitiva.
Na década de noventa, atravessou uma época verdadeiramente dourada, Dirk Niepoort faz, em 1990, duas pipas de vinho para consumo e, em 1991, foi lançado, com enorme sucesso comercial, o Duas Quintas. Durante essa década muitas das marcas que hoje são incontornáveis na região (Quinta da Gaivosa, Quinta do Crasto, Quinta Vale D. Maria, Chryseia, Quinta do Vale Meão ou Quinta do Vallado) viram a luz do dia. Foi o ressurgimento definitivo dos “vinhos secos” a que o barão de Forrester se referia em 1843…
Ainda assim, esta fantástica prova de vinhos relembra, mais uma vez, com veemência e elegância, o triunfo da tradição dos vinhos do Porto Vintage. A história do Douro e dos seus vinhos é muito longa e envolta em muitos meandros…e ainda bem.
(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2024)
Altas Quintas: Um regresso em grande

A Altas Quintas é uma marca alentejana bem conhecida e apreciada, estabelecida em 2004. Pertencia à família de João Lourenço que, em 2017, vendeu a propriedade (vinhas e adega) à Symington Family Estates, ficando com a marca e os stocks de vinho. Assim, manteve a actividade de viticultor e produtor de vinhos, embora numa escala […]
A Altas Quintas é uma marca alentejana bem conhecida e apreciada, estabelecida em 2004. Pertencia à família de João Lourenço que, em 2017, vendeu a propriedade (vinhas e adega) à Symington Family Estates, ficando com a marca e os stocks de vinho. Assim, manteve a actividade de viticultor e produtor de vinhos, embora numa escala menor, adquirindo a Herdade do Porto da Boga, localizada igualmente nas encostas da Serra de São Mamede. No entanto, por motivos de saúde, teve de abandonar esta actividade. Como António Ventura acompanhava a família neste projecto vitivinícola desde 2009, foi a ele que recorreram para lhes ajudar na venda da propriedade. E o enólogo sabia quem seria a pessoa ideal para dar continuidade ao projecto.
Vontade de investir
Recuando alguns anos (António Ventura já conta com mais de quatro décadas de carreira), houve um rapazinho que fez três vindimas com ele na Adega da Vermelha, na região de Lisboa. Este jovem chamava-se Ricardo Machado que, após a experiência dura da vindima, ficou “com o bichinho” do vinho. O facto de ter viticultores na família, desde o seu bisavô, também contribuiu para esta paixão e António Ventura tornou-se no seu mentor em tudo relacionado com vinhos. Ricardo formou-se em Engenharia de Gestão do Território e o seu rumo profissional levou-o para fora do país. Regressou há poucos anos como empresário de sucesso, viajado, com experiência internacional e contactos no mundo inteiro, mas sobretudo com vontade de investir em projectos no seu país natal.
Aconteceu como nos filmes, com duas linhas do enredo a desenvolverem-se de forma independente até se cruzarem num determinado momento, a partir do qual a história toma um novo rumo. António Ventura falou ao Ricardo Machado na possibilidade de adquirir o projecto Altas Quintas. Visitaram a propriedade e o empresário decidiu avançar com a sua aquisição, o que aconteceu no outono do ano passado.
Para além de António Ventura na qualidade de consultor, juntou-se, ao projecto, o enólogo Tiago Correia como responsável de produção, a contar com o apoio do enólogo-residente, Diogo Vieira. Todo o acompanhamento da vinha está à responsabilidade do viticólogo José Luís Marmelo, profundo conhecedor das vinhas e terroir de Portalegre.
A herdade compreende 156 hectares de área, dos quais 27 hectares de vinha (e mais cinco hectares em breve) na encosta da Serra de São Mamede. Ali, a Altas Quintas pratica uma viticultura regenerativa e de protecção integrada, deixando de mobilizar o solo, fazendo coberturas melhoradoras. Tudo isto para levar o melhor do terroir, preservando-o para o futuro. Ao mesmo tempo, a empresa faz parcerias com produtores que têm boas parcelas em locais especiais e acompanham-nos continuadamente, desde a poda até à vindima. Desta forma, a Altas Quintas tem acesso a uvas em todos os distintos terroirs da Serra de São Mamede (orgulhando-se de ser a única empresa a consegui-lo), em altitudes e exposições diferentes. Na adega, bem equipada, tiveram de expandir a área de vinificação de brancos e planeiam aumentar o espaço de estágio em barricas e talhas. Tudo isto para conseguir vinificar, em separado, todas as diferentes parcelas e assim avaliar o potencial de cada terroir.
A mente irrequieta de Ricardo Machado e a sua grande capacidade de identificar oportunidades de negócio, bem como a abertura para estabelecer parcerias e unir esforços para o bem comum, prometem muitas novidades, algumas tradicionais, outras mais arrojadas, nos próximos anos. Já começaram a produzir os vinhos kosher (quatro referências, cerca de 30 mil garrafas), porque claramente há mercado para isto, sobretudo nos EUA. Nos seus planos está igualmente fazer uma espécie de “vinho romano” adoçado com mel, outrora chamado mulsum.
Muitos projectos em marcha
E há mais ideias em carteira. Ricardo Machado tem outra propriedade, de grande dimensão, na região da Beira Alta, a Herdade de Vale Feitoso, com 7300 hectares, onde está a apostar na exploração florestal, pecuária e cinegética, neste último caso desenvolvendo uma indústria de tratamento e comercialização da carne de caça (veados, gamos e javalis, sobretudo) para lojas e restaurantes mais sofisticados. Nesta propriedade também irão plantar vinha, que poderá ir até 100 hectares. E dois hotéis em Monfortinho complementam a oferta e abrem uma vertente turística. Outro projecto em desenvolvimento fica nos Açores, mais precisamente na Ilha de São Jorge, em dois hectares de vinha na Fajã do Cavalete. E, obviamente, haverá algo na região de Lisboa, junto às origens de Ricardo Machado, local onde, com o seu pai, possui já 100 hectares de vinha. “Estou a divertir-me imenso com estes projectos”, confessa, com um sorriso, Ricardo. “Muita gente pergunta porque fui investir no interior. Mas em Altas Quintas e em Vale Feitoso eu não me sinto no interior, afastado de tudo. Estou próximo de Lisboa e de Madrid, no centro da Ibéria”, remata.
Para promover a visibilidade da marca, a Altas Quintas patrocinou já a Porsche Cup C6 Bank, que teve lugar em Portugal, no autódromo do Estoril, em Junho deste ano. E, em Setembro passado, três vinhos Altas Quintas acompanharam o jantar anual de uma das mais antigas e prestigiadas sociedades gastronómicas do Reino Unido, fundada em 1899, a Réunion des Gastronomes. É a primeira vez, desde a fundação da sociedade, que os vinhos tranquilos portugueses acompanham este jantar.
Voltando aos vinhos agora apresentados à imprensa. O espumante Viúva Le Cocq Reserva 2020 é feito de Verdelho, com estágio 18 meses antes de dégorgement. O Altas Quintas branco de 2023 é composto por Verdelho e Arinto em partes iguais, provenientes de vinha plantada a 600 metros de altitude. O estágio decorreu em barricas de carvalho francês durante seis meses. O lote do Altas Quintas Reserva branco de 2022 é composto pelas mesmas castas, mas o Verdelho entra com 60%. A fermentação teve lugar em barricas de carvalho francês, onde permaneceu por mais quatro meses, continuando depois nas cubas de inox. Já o Altas Quintas tinto 2022 resulta de um lote de Touriga Nacional (60%), Syrah (20%) e Alicante Bouschet (20%). Após maceração pré-fermentativa a frio durante 24 horas, a fermentação decorreu em pequenos lagares de 5 Ton, com pisa e delestage. O estágio posterior durou 12 meses em barricas de carvalho francês e depois em garrafa, antes de sair para o mercado. Para o Altas Quintas Reserva 2020 entrou Alicante Bouschet, com 50%, Touriga Nacional, com 30% e Syrah, com 20%. A maceração pré-fermentativa foi mais longa, durante 48 horas. A fermentação também decorreu em pequenos lagares de inox com delestage diária e depois ainda uma maceração pós-fermentativa durante três meses. O estágio em barrica contou com 16 meses e mais em garrafa. Para mais tarde ficou a apresentação dos topos de gama da casa, o Reserva-Do e o Obsessão.
A influência da altitude e do carácter da Serra de São Mamede sente-se claramente nestes vinhos, assegurando a sua frescura e o potencial de guarda. Altas Quintas, agora na versão 3.0, está de volta, e em grande.
(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2024)
Valle de Passos: O renascer de uma marca

O concelho de Valpaços localiza-se no distrito de Vila Real, em Trás-os-Montes, a leste da serra da Padrela, entre os rios Torto e Caldo. Com 31 freguesias e aproximadamente 15.000 habitantes, possui uma altitude média de 600 metros, o que contribui para a produção de vinhos com elevada frescura e mineralidade, fruto também dos seus […]
O concelho de Valpaços localiza-se no distrito de Vila Real, em Trás-os-Montes, a leste da serra da Padrela, entre os rios Torto e Caldo. Com 31 freguesias e aproximadamente 15.000 habitantes, possui uma altitude média de 600 metros, o que contribui para a produção de vinhos com elevada frescura e mineralidade, fruto também dos seus solos graníticos.
A agricultura é uma das principais atividades económicas do concelho. O azeite, a batata, a castanha, o trigo, a fruta e claro, o vinho, são as principais produções agrícolas, sendo também importante a criação de gado. A cultura da vinha e do vinho, para além da importância histórica, assume também uma excecional importância social e económica, pela variedade e relevo das atividades que lhe estão ligadas. O nome de Valpaços, segundo alguns historiadores, é um derivado precisamente do vinho produzido neste vale durante o período Romano, denominado “vinho passum”, que seria um dos grandes vinhos do Império Romano. Daí o nome de vale passum, depois vale passos, hoje Valpaços. Curiosidades históricas que reforçam a aposta do grupo na região, “com o objetivo de fazê-la crescer de uma forma profissional e sustentada, associando o vinho aos enchidos e gastronomia”, reforça o administrador Álvaro Lopes.
A identidade da região
Tudo se iniciou em 2017 com a aquisição da Quinta Dona Adelaide, sala de eventos, ainda hoje palco para esse efeito, que será rebatizada Quinta Valle de Passos, concluindo assim o rebranding. Em paralelo é construído o hotel, cuja abertura coincide com a pandemia, em 2020. A compra da marca Valle de Passos e o lançamento dos primeiros vinhos culmina com a tão aguardada afirmação da presença do grupo Terras & Terroir na região de Trás-os-Montes. “Não conseguimos comprar a quinta e as uvas, mas ficámos com a marca Valle de Passos, identitária da região”, realça Álvaro Lopes. Na calha está previsto, junto ao Olive Nature, a construção de uma adega (neste momento as uvas são vinificadas em Montalegre) e a plantação de vinha própria. Para a criação dos vinhos Valle de Passos foi escolhido o enólogo Francisco Gonçalves, um dos técnicos que melhor conhece os terroirs e as castas de Trás-os-Montes, cuja vasta experiência na região é por demais reconhecida. “Queremos pegar no que é nosso e transportá-lo para a garrafa. Mostrar a identidade da região, pautando pela diferenciação através da utilização das castas que fazem parte dessa mesma identidade”, salienta o enólogo.
A Tinta Amarela e a responsabilidade social
Os vinhos são produzidos a partir de uvas adquiridas a viticultores selecionados. São cerca de 10 hectares de vinha, com predominância de Tinta Amarela, alguma Touriga Nacional e Tinta Roriz, enquanto a uva branca provém da freguesia de Carrazedo de Montenegro. A preocupação social é latente, pois trata-se de uma região com baixo rendimento económico, que vive da agricultura e tem muita dificuldade em escoar as uvas. “Pagamos melhor as uvas e ajudamos a alimentar famílias, comprando-as a quem não tem quem as compre”, conta-nos Hugo Fonseca, diretor de produção do grupo. Os primeiros quatro vinhos produzidos têm, por isso, matéria-prima de qualidade, tratada com carinho por quem é da região, com a casta Tinta Amarela como porta-estandarte. É a base de dois tintos e um rosé. O branco é feito de Gouveio, Arinto e Viosinho. “A Tinta, plantada em altitude e nestes solos, permite criar vinhos concentrados, mas simultaneamente leves, com enorme frescura”, destaca o enólogo Francisco Gonçalves. São quatro vinhos de uma boa estreia, que mostram o terroir. “Queremos que sejam vinhos daqui. Tal como os outros que produzimos noutros locais do país, é muito importante que falem o lugar. Esta região está pouco explorada, tem um elevado potencial e somos o primeiro grande grupo a apostar a sério em Trás-os-Montes”, refere Daniel Campos, diretor comercial do grupo. São vinhos gastronómicos, muito frescos, que acompanharam de forma brilhante o almoço preparado com mestria pelo chefe Adão Costa, harmonizando-os com uma seleção de iguarias transmontanas. “É muito importante apresentar qualidade nos vinhos entrada de gama. A base é fundamental para o cliente ficar agradado e querer experimentar novas referências”, remata Álvaro Lopes. E nós concordamos.
Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2024)
Monte Xisto: Nicolau de Almeida, tudo em família

O nome Nicolau de Almeida carrega uma grande história, como sabemos. A associação com o criador do Barca Velha é óbvia, mas o nome é bem mais antigo e remonta ao séc. XIX, quando havia uma empresa de Vinho do Porto, criada em 1870 e inscrita como exportadora em 1907, com o nome de A. […]
O nome Nicolau de Almeida carrega uma grande história, como sabemos. A associação com o criador do Barca Velha é óbvia, mas o nome é bem mais antigo e remonta ao séc. XIX, quando havia uma empresa de Vinho do Porto, criada em 1870 e inscrita como exportadora em 1907, com o nome de A. Nicolau de Almeida e Co.. A empresa foi posteriormente vendida à Real Companhia Velha e oficialmente extinta em 1973.
Na sede actual da empresa familiar que João criou com os filhos – Mafalda, Mateus e João -, em Gaia, estão expostos alguns rótulos dessa empresa de Porto, imagens deliciosas de uma estética que fez época no sector e teve, nos materiais de promoção da Ramos Pinto, um excelente exemplo.
Peso da história
Mas a família não carrega só o peso da história. Também carrega o peso das jóias, só que estas não estavam em exposição nas instalações que visitámos. Expliquemo-nos.
Duas famílias de vinho cruzaram-se quando Maria José Ramos Pinto Rosas casou com Fernando Moreira Pais Nicolau de Almeida, pais de João Nicolau de Almeida. O ramo Rosas vinha de uma tradição de ourives e sobressai o nome de José Rosas (pai de Maria José, avô de João) que, após estudos em Londres, regressou a Portugal em 1903 e interessou-se pela tradição da filigrana portuguesa aplicadas em esmaltes. Foi-lhe confiada a recuperação das jóias da Coroa em 1942. Em 1919 comprou e recuperou a Casa de Ronfe, em Lousada, onde nasceu o Verde que hoje provámos. A quinta de Ronfe está no ramo Rosas, primos, mas são os Nicolau de Almeida que fazem e comercializam o vinho.
Estamos então perante uma família desprendida, pouco apegada às pedras preciosas, mais preocupada com as preciosidades que da quinta do Monte Xisto, em Foz Côa, poderiam fazer nascer. O projecto começou do zero. A quinta era “virgem”, sem vinha e sem prévia utilização. Ali se decidiu plantar vinha e o projecto começou, e bem, tacteando, com quantidades moderadas que era preciso mostrar e o crescimento só foi ditado pela aceitação da marca no mercado. Deveria ser sempre assim, mas sabemos todos que há quem tenha outra visão, chamar-lhe-íamos a “mania das grandezas”, e se abalance num voo sem rede que, por norma, acaba mal. Aqui começaram com 3000 garrafas de Monte Xisto, depois subiram para as 5000 e estabilizaram a produção, dependendo da colheita, entre as 8 e 10 000 garrafas. No plantio não se procurou fazer diferente, antes mostrar que, também aqui, algumas castas clássicas poderiam dar bons resultados, como a Touriga Nacional e a Touriga Francesa, acrescidas de Sousão. A espinha dorsal do vinho assenta, desde o início na Touriga Nacional, sempre com uma percentagem entre os 50 e 60% do lote.
Qualidade consistente
O facto de a vinha estar no Douro Superior tem vantagens. Desde logo o ambiente seco é inibidor das doenças da vinhas, como oídio e também o míldio, e o clima tende a gerar uvas de qualidade praticamente todos os anos. Cicadela sempre houve, e vão-na tratando preventivamente com infusões e, para já, estão a ter bons resultados. É, assim, em virtude das condições climáticas, que a marca não teve qualquer interrupção desde que nasceu, em 2011. A prova mostrou que há, de facto, uma constância de qualidade, o perfil tende a ser muito semelhante, ainda que se possa notar aqui dois momentos importantes. Por um lado, a primeira colheita (2011) revelou um estilo mais evoluído, com os licorados a começarem a marcar terreno. Nada que impeça uma boa prova agora, mas a dizer-nos que a guarda prolongada em cave pode ser desaconselhada. Por outro, a mudança do estágio, das barricas para os foudres, marca claramente uma pequena nuance no estilo, com a madeira a perceber-se mais bem integrada no vinho desde que os depósitos maiores começaram a ser usados, a partir da colheita de 2019. O vinho ganhou um ar mais sério e misterioso, mas com um perfeito equilíbrio na boca.
Mais recentemente plantaram cepas de branco, com a aposta na Rabigato, de há muito uma casta apadrinhada por Mateus desde os tempos em que esteve ligado ao projecto Xistos Altos. As uvas destinam-se ao futuro Órbita branco. Plantaram também mais Tinta Francisca e Tinto Cão para a marca Oriente. A Tinto Cão era muito acarinhada pelo pai João quando, ainda na Ramos Pinto, se aventurou a fazer um Douro tinto apenas com a Tinto Cão, corria o ano de 1981. Nunca foi comercializado mas, como se vê, o “bichinho” ficou lá.
Grande harmonia
A grande conclusão da vertical que fizemos não deixa dúvidas: enorme consistência de estilo e qualidade, um modelo encontrado que agora urge preservar. Diria que, à parte o 2011, todos os vinhos estão a dar excelente prova, com uma grande harmonia de aromas e sabores. Um prazer que não depende da idade.
Aproveitámos o momento para provar um Verde que tem origem numa quinta do ramo Rosas da família, em Lousada, e que tem como objectivo chegar um dia às 20.000 garrafas. Tem a originalidade de ser um varietal de Trajadura, casta pouco vista a solo, mas João sempre lhe apreciou o equilíbrio e a acidez mais moderada, até porque, como nos disse, “nunca gostei daquela acidez cortante dos Vinhos Verdes”. Por isso este branco faz maloláctica, uma prática muito pouco habitual na região. O rótulo reproduz o de 1935, em exposição nas instalações de Gaia.
Para completar a prova, ainda tivemos direito a um Porto branco seco que a empresa produz, com baixa graduação. Estava bem mais interessante do que da primeira vez que o tínhamos provado.
Um projecto de família, com os pés assentes no Douro e sala de visitas em Gaia porque, como se sabe, produzir bem é preciso, mas ainda mais necessário é vender e tornar a qualidade percebida pelo consumidor. Parece simples, mas é bem complicado.
(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2024)
Monte d’Oiro com marcas novas

O projecto foi iniciado por José Bento dos Santos e, na altura, ninguém o referenciava como estando ligado à produção vinhos. De facto, a ligação era mais emocional e gastronómica, uma vez que era comprador habitual de vinhos, sobretudo franceses, e a sua longa experiência entre tachos e fornos ajudavam, depois, a que os vinhos […]
O projecto foi iniciado por José Bento dos Santos e, na altura, ninguém o referenciava como estando ligado à produção vinhos. De facto, a ligação era mais emocional e gastronómica, uma vez que era comprador habitual de vinhos, sobretudo franceses, e a sua longa experiência entre tachos e fornos ajudavam, depois, a que os vinhos ganhassem mais esplendor com a sofisticação culinária que praticava. A quinta foi adquirida em 1987 e, com pequena área de vinha e objectivos ainda incertos, estudou-se o terreno, consultou-se quem sabia, analisaram-se castas e estilos e conseguiu-se chegar ao primeiro vinho, em 1997. Fechou-se assim o primeiro ciclo da história da quinta. Na primeira vindima participou o filho, Francisco, no mesmo ano em que entrou para a faculdade, ajudando o pai na quinta, mas sem qualquer intuito de vir a ser o continuador.
De 1997 a 2007 abriu-se um novo ciclo, com a construção da adega, houve um sucesso óbvio junto da crítica e dos consumidores, continuando a fase da experimentação. A ligação ao célebre produtor do Rhône, Michel Chapoutier, e a Grégory Viennois, abre um novo ciclo a partir de 2007. Planta-se muito mais vinha, inicia-se a experimentação em bio e Francisco vê-se cada vez mais envolvido. Houve um clic? Houve sim, como nos contou.
Quando foi pai e por via da profissão da mulher ser freelancer e não ter licença de parto, Francisco teve direito a cinco meses de licença, o que o levou a ter mais empenho na quinta, também porque Sophie Mrejen (Directora de marketing) também estava de licença de parto. A passagem do testemunho de pai em filho foi natural e óbvia e Francisco ficou a tempo inteiro a partir de 2012.
Fica sempre a pergunta: a passagem a bio valeu a pena? Há diferenças significativas? Francisco não tem dúvidas sobre a valia do método, pela maior resistência das plantas às adversidades climáticas. Mas alerta que isso só é possível porque tem alguém que passa todo o dia nas vinhas, controlando tudo o que se passa. Reconhece o mérito do bio mas, também diz, “é impossível marcar uma reunião com o João Duarte (o homem da viticultura), já que ele nunca está no escritório…”.
Actualmente estão a entrar na quarta década, agora com 30 ha de vinha, o que levou também a que se alargasse o portefólio para entrar na distribuição moderna: há agora a marca Monte d’Oiro, onde pontificam castas nacionais, o que se tornou importante, sobretudo nos mercados externos, e uma nova marca, Oiro, com uma pepita no rótulo, que podem ser varietais, com uvas das vinhas mais novas. A nova coqueluche é o Cabernet Franc e, diz Francisco, “não têm conta as garrafas desta casta que provámos de todo o mundo para perceber o que era e o que deveríamos fazer, claro, com a Graça Gonçalves, a nossa enóloga. O meu pai também participou nessa fase, que foi muito entusiasmante”.
Em termos de mercados externos, a China é um dos principais destinos do Reserva tinto. “Chegam a ir 15 000 garrafas de uma vez”, mas o vinho está um pouco por todo o lado, com a Mistral (Brasil) a ser a importadora mais antiga. Mas também tem vinho nos EUA, Canadá, Suíça. Hoje ainda se estão a lamber as feridas causadas pelo COVID 19, com perdas brutais na facturação. Mas a recuperação está em marcha. O ex-libris da casa? Continua a ser o Syrah do Monte d’Oiro Reserva, “apesar de não ser uma casta portuguesa”. Ao contrário de muitas vozes reprovadoras noutras regiões, aqui continua-se também a apostar na Tinta Roriz, a tal variedade que tem tanto de enigmática e maravilhosa, como de traiçoeira. E Francisco arrependeu-se da decisão de abandonar o trabalho que tinha nas águas de Portugal? “Nem pensar, nem me vejo a fazer outra coisa. Adoro este trabalho”, responde. Isto para o pai, confesso melómano, deverá ser (dizermos nós) música celestial…
(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2024)