Grande Prova: O expoente do Alvarinho

PROVA ALVARINHO

Alvarinho é uma variedade ibérica. 70% das plantações mundiais da casta encontram-se em Espanha, predominantemente na Galiza, onde responde pelo nome Albariño, e mais de 20% ficam em Portugal. Tem alguma presença nos Estados Unidos (California, Oregon e Washington), Uruguai, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Desde 2019 é uma das variedades autorizadas na […]

Alvarinho é uma variedade ibérica. 70% das plantações mundiais da casta encontram-se em Espanha, predominantemente na Galiza, onde responde pelo nome Albariño, e mais de 20% ficam em Portugal. Tem alguma presença nos Estados Unidos (California, Oregon e Washington), Uruguai, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Desde 2019 é uma das variedades autorizadas na região de Bordeaux graças à sua capacidade de adaptação às diferentes condições climáticas, boa capacidade de retenção de acidez e perfil aromático de qualidade.
Em Portugal, é a 5ª casta branca mais plantada, correspondendo a 2% da área de vinha nacional (IVV). Embora comece a ganhar popularidade noutras regiões, desde o Douro ao Algarve, a sua maior expressão continua a ser na região do Minho, onde é a 3ª casta branca, representando mais de 15% da área plantada da região, a esmagadora maioria em Monção e Melgaço. O fim do uso exclusivo do Alvarinho no rótulo pela sub-região de Monção e Melgaço levou à criação de um selo próprio de certificação dentro da denominação de origem Vinho Verde. É caso único em Portugal.

Prova Alvarinho

Casta e região

As primeiras referências de Alvarinho relacionadas com a zona de Monção e Melgaço surgem em 1790, mas até à fama de hoje ainda havia muito caminho a percorrer. A investigação do engenheiro agrónomo Amândio Galhano nos anos 40 do século XX foi o primeiro passo à descoberta das qualidades da casta.
O primeiro rótulo de vinho Alvarinho foi da Casa de Rodas nos anos 20 do século passado. Esta propriedade histórica no concelho de Monção foi recentemente adquirida pela Symington Family Estates com o intuito de produzir vinhos da quinta.

Nos anos 40, já com expressão comercial, surgiu a marca Cepa Velha e no final dos anos 50 a marca Deu-la-Deu. Em 1976 chegou uma especialidade ao mercado – Alvarinho do Palácio da Brejoeira, também em Monção. Em 1982 Luís Cerdeira inicia a sua actividade em Melgaço com a marca Soalheiro e Anselmo Mendes em 1997, hoje duas referências incontornáveis na sub-região.

A sub-região de Monção e Melgaço representa um vale rodeado por montanhas, quer do lado de Espanha pela serra da Galiza, quer de Portugal pela serra de Gerês e Cabreira. Estas barreiras montanhosas oferecem a protecção dos ventos atlânticos e do Norte. É precisamente o que o Alvarinho gosta – estar perto do mar, mas não demasiado exposto. A amplitude térmica existente durante a maturação, caracterizada por dias quentes e noites frias contribui para a melhor síntese dos aromas e retenção da frescura.

Os solos são maioritariamente de origem granítica, mas variam ao longo do vale desde os solos de aluvião, mais profundos e mais pesados em Monção até os mais arenosos na encosta, havendo também zonas de calhau rolado, zonas com mais argila e uma faixa de xisto entre Monção e Melgaço. Anselmo Mendes considera a diversidade de solos um dos factores mais importantes no carácter do vinho.

Com cachos e bagos pequenos e uma película espessa, o Alvarinho produz pouco, na ordem dos 65 hl/ha. Muita película e pouca polpa resultam em rendimento mais baixo na prensagem em comparação com outras castas. Isto reflecte na regulamentação própria para o Alvarinho: de 100 kg de uvas só pode ser obtido 65 litros de mosto. Isto é menos 10 litros do que para outras castas na região pelo mesmo peso de uvas, o que encarece a produção. Já 1 kg de uva de Alvarinho também é mais caro, a oscilar à volta de 1 euro por quilo (sem contar com Colares e as ilhas, é a uva mais cara do país), enquanto as outras castas brancas regionais custam cerca de 35-45 cêntimos por quilo.

A película grossa do Alvarinho contém muitos precursores aromáticos e polifenóis (o índice de polifenóis totais é mais alto do que em muitas castas tintas), daí a estrutura e algum final amargo no vinho. “É por isto que a casta é boa para curtimenta e ganha mais cor com o estágio” – explica Anselmo Mendes.
Os aromas do Alvarinho podem variar desde marmelo e pêssego, notas de fruta citrina doce, fruta tropical (maracujá e por vezes, líchia). Notas florais de laranjeira e violeta e de frutos secos (avelã, noz) também são comuns, podendo desenvolver nuances de mel com evolução. Mas o seu perfil e composição aromática variam muito em função da zona de plantação e da abordagem enológica.
É comum associar a casta aos aromas tropicais, mas isto tem mais a ver com a tecnologia de produção. “O ADN da casta não é este”, – defende Anselmo Mendes que praticamente “respira Alvarinho” desde 1987, quando começou a trabalhar a casta em casa dos seus pais.

É preciso perceber de onde vêm os aromas. Se fermentar em inox a temperaturas muito baixas, o vinho é mais propenso a ganhar a tal tropicalidade exuberante. Se fermentar com temperaturas mais altas, revelam-se mais os aromas varietais e citrinos e o estágio em madeira confere outra dimensão e complexidade.

Uva multifacetada

Nem todas as castas conseguem brilhar no palco sozinhas. Os vinhos monovarietais por vezes são limitativos, mas claramente, não é o caso do Alvarinho. É como um actor com grande capacidade de representação, capaz de interpretar papeis mais diversos e corresponder a abordagens enológicas por vezes contraditórias.
Alvarinho e barrica é uma parceria relativamente recente. Anselmo Mendes começou a fazer ensaios de fermentação em madeira com as uvas da família nos finais do século passado. O primeiro Alvarinho “comercial” em barrica nasceu na Provam, sob marca Vinhas Antigas de 1995.

Márcio Lopes, que em 2010 começou o seu projecto Pequenos Rebentos, prefere barricas usadas de 225 e 500 litros, com mais de 8 anos e também usa balseiros de castanho porque “tiram o que está a mais, o carácter mais directo da casta”. E experimenta abordagens, como a curtimenta e estágio com flor. Luís Seabra no seu projecto Granito Cru prefere madeiras de maior capacidade, usa toneis de 3.000, 2.000 e 1.000 litros.

Entretanto, o estágio em barricas novas não parece que seja uma boa solução para o Alvarinho. “Uma casta de perfil aromático intenso com madeira nova fica desorganizada” – resume Miguel Queimado, enólogo e produtor da Vale dos Ares. Relativamente à fermentação também há abordagens diferentes, mas normalmente para obter vinhos mais complexos e sérios, a temperatura de fermentação anda pelos 20˚C.

Anselmo Mendes e Márcio Lopes fazem bâtonnage com borras totais, obtendo assim mais complexidade e estrutura a longo prazo. No início o vinho até pode parecer mais reduzido e vegetal, mas passado um ano em barrica, ganha complexidade, fica limpo e fino de aromas.

Luís Seabra fermenta com leveduras indígenas, mas sem bâtonnage. Acha que os seus vinhos já têm muito volume. Depois da fermentação não adiciona sulfuroso propositadamente para permitir a fermentação maloláctica (é assim que se fazia Alvarinhos na Galiza antigamente). Não se preocupa com eventual descida de acidez, em contrapartida o vinho fica mais estável e, se vindimar na altura certa, tem acidez suficiente, diz. Engarrafa sempre passado dois Invernos para estabilizar naturalmente. Desta forma “o vinho nasce já mais velho, mas isto também o protege futuramente”. Miguel Queimado também engarrafa com um ano em barrica e mais dois em garrafa.

É pena que a pressão comercial force alguns produtores, por vezes conta vontade, a lançarem Alvarinho ambiciosos na Primavera seguinte à vindima. Os vinhos chegam ao mercado ainda com algum sulfuroso sensível, a cobrir a expressão de fruta e levam mais alguns meses até equilibrar tudo. Porque numa coisa produtores e consumidores estão de acordo: é com o tempo em garrafa que o Alvarinho de Monção e Melgaço melhor se diferencia da “concorrência” e mostra tudo o que vale.

 

(Artigo publicado na edição de Maio de 2023)

Grande Prova: Douro tinto – A classe de uma região sem igual

Grande Prova Douro

É impressionante, como o Douro consegue ser uma das regiões mais completas no mundo. A fama dos Porto não impediu que a região crescesse enormemente na dimensão dos vinhos não fortificados. Os DOC Douro, e em particular os seus tintos, são hoje uma referência nacional e mundial. E como como a nossa prova o demonstra, […]

É impressionante, como o Douro consegue ser uma das regiões mais completas no mundo. A fama dos Porto não impediu que a região crescesse enormemente na dimensão dos vinhos não fortificados. Os DOC Douro, e em particular os seus tintos, são hoje uma referência nacional e mundial. E como como a nossa prova o demonstra, mais uma vez, a diversidade de estilos é acompanhada por um nível de qualidade ímpar.

Texto: Valéria Zeferino   Fotos: Ricardo Palma Veiga

Desde a demarcação de 1756, praticamente tudo girava à volta do vinho do Porto (chamado na altura “vinho de embarque”, mesmo não sendo aguardentado ainda) que deu a fama à região e era uma grande fonte de rendimento para a economia nacional. Ainda nos anos 30 do século passado, o vinho do Porto representava 75% das receitas do sector do vinho português.

Os vinhos não fortificados eram produção residual e tinham designações pouco apelativas, quase de desprezo, como “vinhos de pasto” ou “vinhos de consumo”, não ostentando nem denominação de origem, nem  regulamentação própria. Isto só aconteceu em 1982, quando “a designação “Douro” ficou reconhecida como denominação vinícola de origem, reservada aos “vinhos de consumo típicos regionais, brancos e tintos, tradicionalmente produzidos na mesma região demarcada que os vinhos do Porto”.

Antes disto existiam algumas marcas de vinhos de mesa. A Real Companhia Velha, por exemplo, tinha Grantom, Granléve e Evel (esta última marca, foi lançada em 1913 e existe ainda hoje) e Real Companhia Vinícola do Norte fazia Marquis de Soveral. Nos rótulos destes vinhos apareciam “tinto especial” ou “vinho maduro tinto” (para distinguir do Verde tinto, claro) e até “garrafeira”, mas nada de referenciar a região. Mesmo os primeiros Barca Velha também eram simplesmente “vinho tinto de mesa”.

A entrada de Portugal para a União Europeia em 1986 e o acesso a fundos comunitários deu o impulso importante aos produtores. A partir dos anos 90 e na viragem do milénio começa a moderna história dos DOC Douro, o que coincide com uma geração de novos enólogos, com formação universitária, talento e ambição e que hoje são bem conhecidos, mas na altura estavam a começar a sua aventura profissional. Jorge Moreira, Manuel Lobo, Francisco Olazabal, Tiago Alves de Sousa, Jorge Borges e Sandra Tavares da Silva, só para nomear alguns, que se vieram juntar aos pioneiros João Nicolau de Almeida ou José Maria Soares Franco, entre outros. Ao mesmo tempo, e na senda de nomes como Quinta da Pacheca ou Quinta do Côtto, aparecem os novos “vinhos de quinta”, como Quinta do Crasto, Quinta do Vale Meão, Quinta da Gaivosa, Quinta Vale D. Maria, Quinta do Vallado, Quinta da Leda, Pintas ou Poeira, muito deles tendo como mentor e impulsionador o visionário Dirk Niepoort.

O sucesso dos vinhos DOC e a crescente procura do consumidor pelos vinhos não fortificados motivaram várias casas produtoras de Porto a iniciarem-se nos vinhos de mesa. É o caso da Niepoort, Ramos Pinto, Quinta do Noval, Poças, Quinta do Vesúvio, entre outros. Mais tarde alguns pequenos produtores que forneciam uvas para o vinho do Porto aderem ao movimento e começam a criar marcas próprias.

Se no início, os vinhos do Douro entraram no palco internacional à boleia dos vinhos do Porto, ao longo das últimas décadas ganharam um lugar cimeiro alicerçado no mérito próprio. Não é de estranhar que, segundo os dados do IVDP, em 2021 a produção de vinhos com denominação de origem Douro tenha ultrapassado a produção do vinho do Porto, com 76.424.479 litros vs. 72.746.586 litros, respectivamente.

Os topos de gama com designações Grande Reserva e equivalentes representam 1,6% dos vinhos comercializados em volume e 5,7% em valor, com um preço médio de 16 euros por litro. Se bem que esta informação é relativa, porque nem todos os topo de gama do Douro ostentam estas designações de qualidade. A começar pelo próprio Barca Velha, mas também Chryseia, Quinta do Vale Meão, Poeira, Quinta do Vesúvio, Quinta da Manoella ou Pintas, entre muitos outros.

O Douro e a mudança

A mudança é inevitável e constante. Mudam as filosofias, práticas de viticultura, abordagens enológicas, hábitos de consumidores e os estilos de vinhos. E no meio disto tudo ainda acontecem as mudanças climáticas e as alterações demográficas na região que condicionam o resto.

Tiago Alves de Sousa, enólogo da nova geração da família Alves de Sousa, explica que nos anos 60 houve uma grande vaga de emigração que reduziu drasticamente a mão-de obra. O Douro precisava de soluções que passaram por mecanização, e acabámos por “adaptar a encosta à máquina”.

Nos anos 80 foi iniciado o chamados PDRITM, um programa de desenvolvimento assente em novas plantações e reestruturações da vinha existente, financiado com fundos comunitários. Mais tarde, passando o entusiasmo, ficou evidente o seu impacto ambiental negativo como a modificação de encostas, a alteração da sua cobertura vegetal e a erosão hídrica, que é um dos efeitos mais graves das plantações do PDRITM.

Há 25 anos as condições e os problemas eram outros: difícil maturação, falta de arejamento na vinha, muitas doenças – conta Jorge Moreira. “Importaram-se uma série de práticas e massificaram-nas rapidamente. A tradicional forma de condução das videiras, Guyot de tronco baixo, foi substituída pelo cordão bilateral ou unilateral. Na altura fazia sentido ter uma grande parede foliar para amadurecer cachos bem expostos. Agora não temos água para tanta folha. E temos de proteger os cachos da radiação solar e calores extremos”, continua o produtor e enólogo de Poeira, La Rosa e Real Companhia Velha. O cordão, devido a orografia e vinhas inclinadas, não permite escolher a exposição, e algumas vinhas apanham sol na mesma face do meio-dia até as 7 da tarde.

Já para Tiago Alves de Sousa, “o cordão é basicamente um painel fotovoltaico: pode ser bom para regiões com baixo nível de insolação, mas nós temos sol a mais. Com uma só camada de folhas o cacho fica mais exposto e vulnerável ao escaldão. No modelo Guyot, a vegetação envolve mais o cacho com 2-3 camadas de folhas e protege melhor.”

Para além disto, a poda em cordão implica muitos cortes na videira que são uma porta de entrada para as doenças do lenho. Exigência de produção e extensão de cordão acaba por esgotar a planta. Muitas vinhas plantadas há 20 anos nunca chegam a ser centenárias.

Alterou-se assim a forma de plantar vinha. Pelos viveiristas foram propagados os enxertos prontos para facilitar a plantação e diminuir a necessidade de mão de obra e o tempo que uma vinha leva a entrar em produção. Mas, dizem vários técnicos, parece que esta prática não ajuda ao desenvolvimento de raízes.  Jorge Moreira descreve que o enxerto americano se regava cerca de 2 anos antes da enxertia, desenvolvia raízes, e esperavam-se mais 3 ou 4 anos para a formação da planta. Agora com rega em 3 anos pomos a planta a produzir. É mais rápido, mas as raízes acabam por não ser bem desenvolvidas e os exertos prontos têm maior tendência para doenças de lenho. Nas vinhas velhas não se encontram tantas.

Os porta-enxertos também são diferentes do tradicional. Segundo Tiago Alves de Sousa os porta-enxertos tradicionais (Rupestris du Lot, chamado “Montícola”) que quebra o xisto, mas induzia vigor vegetativo e a produção não acompanhava, foram substituídos por outros, que são todo-o-terreno e com maior potencial produtivo. As produções por videira duplicaram ou triplicaram, o que altera, naturalmente, as caracteristicas qualitativas das uvas no final da maturação. Para contrariar este efeito e amadurecer cachos mais abundantes, é necessária uma parede vegetativa mais ampla. E chegámos a um círculo vicioso.

Grande Prova DouroOs desafios actuais

Os grandes desafios do Douro, actualmente: situações mais extremas, temperaturas mais altas, invernos mais secos que não repõem os níveis de água no solo e as precipitações mais agrupadas (cai uma grande quantidade de chuva em pouco tempo). A queda de granizo tornou-se numa constante anual. O ano de 2020 – foi continuamente seco, o 2022 também, exemplifica Manuel Lobo, enólogo da Quinta do Crasto. As vinhas velhas aguentaram-se melhor e pela primeira vez viram-se muitas videiras do PDRITM secas, não se sabendo se vão rebentar para o ano.

“A frequência e a duração de ondas de calor aumentou”, acrescenta Tiago Alves de Sousa, – “este ano não foi uma onda, foi uma maré de calor com o impacto forte nas maturações.”

Quando, no final dos anos 90 início dos 2000 se começou a falar da questão da rega, a maioria dos produtores era contra. Discutiam-se várias questões, sociais, económicas, etc., menos a questão técnica. Depois dos anos muito secos como 2015 e 2017, percebemos que temos mesmo de regar, mas outra questão se coloca agora – com que água?

Num mundo ideal, a rega é uma ferramenta poderosíssima, mas a água é um bem cada vez mais escasso. Por outro lado, a rega não é um penso rápido. Há formas de diminuir perdas de água por transpiração, por exemplo, a sombra no próprio solo diminui a evaporação. A plantação com densidade mais elevada também estimula o enraizamento, obrigando a raiz ir ao fundo por falta de espaço ao lado e ter acesso à água durante mais tempo.

Manuel Lobo explica que no Douro Superior, a vinha da Cabreira tem rega instalada que garante homogenidade produtiva e estabilidade qualitativa. Mas a viticultura de precisão é essencial. Usam sondas para obter informação e perceber qual é a capacidade de campo, quanto tempo a água se vai manter no solo e qual é a quantidade disponível para a planta e o consumo da própria planta.

“Não há uma solução universal que sirva para tudo”, – aponta Jorge Moreira. “Se seguirmos uma política mais intensiva na produção, temos que assumir que vamos ter de replantar a cada 20 anos”, refere.

Na casa Alves de Sousa, desde 2014 plantam vinha tradicional com bacelo e porta-enxerto antigo, de alta densidade em Guyot duplo, com co-plantação de castas (cerca de 15) a apontar para 8 mil videiras/ha. Uma espécie de “novas vinhas velhas”. “O factor mão-de-obra não pode ditar-nos como plantar” – defende Tiago. Plantam assim a vinha a pensar nos próximos 100 anos. A zonagem correcta é importante, considera Tiago Alves de Sousa. Há castas que estão plantadas nos sítios errados e em vez de fazer um pouco de tudo em todo o lado, tem de se prestar mais atenção às condições de cada zona específica. Ele também acredita que com desenvolvimento científico e experimental, vão surgir novas oportunidades, como por exemplo, o uso de drones agrícolas.

Vinhas e castas

 A vinha na região do Douro ocupa mais de 43.000 ha, com a maior parte na sub-região de Cima Corgo com mais de 20.000 ha, cerca de 13.000 ha no Baixo Corgo e cerca de 10.000 ha no Douro Superior – dizem-nos os dados mais recentes do IVDP.

As castas tintas mais plantadas no Douro são Touriga Franca que ocupa 23% de plantação, Tinta Roriz com 16,4%, Touriga Nacional com 10,6% e Tinta Barroca com 7,4%.  É um facto que as castas do Douro sempre foram pensadas na óptica do vinho do Porto. Quanto ao estudo de castas, no ultimo relatorio da Estacao Vitivinicola (então já designada por CEVD), elaborado em 1979 pelo Engº Gastão Taborda (o grande responsável pela recuperação da casta Touriga Nacional graças a inúmeros estudos experimentais que realizou sobre as castas do Douro) escreveu: “O número exageradíssimo de castas de uvas para vinho existentes na Região – mais de 130 – constitui um dos problemas mais graves e difíceis de resolver, mas que é preciso encarar a sério, dada a influência que a casta tem na qualidade do Vinho do Porto.”

A pouco e pouco, o universo das 70 castas tintas e 50 brancas foi grandemente reduzido, ao ponto de quase se resumir às 5 castas seleccionadas, que se encontram em maioria no encepamento e formam o blend típico dos DOC Douro (Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinta Barroca e Tinto Cão). E a verdade que as mesmas castas também produzem óptimos vinhos do Douro, complementando-se em qualidades.

A Touriga Franca, basicamente é a coluna dorsal de um lote, dá dimensão e volume. Tem uma película mais espessa, a folha é mais rugosa, o que permite aguentar melhor o stress hídrico e térmico, “só é pena não ter acidez da Touriga Nacional”, diz Manuel Lobo. Tiago Alves de Sousa acrescenta que a Touriga Franca é mais sensível ao stress térmico do que ao stress hídrico. Com o calor, pode chegar até 10-10,5% de álcool provável e de repente pára.  Algumas nem com a chuva recuperam.

Já a Touriga Nacional confere frescura, elegância e também alguma estrutura. É muito flexível na adega. No entanto, exige algum cuidado com exposição solar para evitar que as folhas de base sequem e que fique com aromas sobremaduros. A Tinta Roriz nunca foi consensual. Tem um teor de tanino muito alto e quando produz em demasia, não amadurece bem e é muito dependente do terroir. Por isto raramente tem um papel a solo, mas há excepções, como é o caso da Quinta Nova e da Quinta do Portal, sendo ambos os vinhos excelentes exemplos da casta.

A Tinta Barroca é uma uva precoce, ganha açúcar elevado e perde acidez, ainda por cima, tem pouca cor. É importante para o vinho do Porto de estilo tawny, mas a sua participação nos topos de gama do Douro é muito reduzida. O Tinto Cão é o oposto da Tinta Barroca – casta muito tardia de ciclo longo e preserva bem a acidez; tem tanino notável, produz vinhos com frescura e algum potencial de envelhecimento. No entanto, nem todos os produtores apostam nesta casta. Manuel Lobo, por exemplo, acha que em termos enológicos não é muito interessante, adapta-se melhor para rosés.

As vinhas velhas com castas misturadas ainda se encontram em vários encepamentos no Douro e espelham o notável património varietal da região. E o DOC Douro foi a primeira denominação de origem em Portugal a regulamentar a designação “Vinhas Velhas” (com mais de 40 anos). A Quinta do Crasto foi a primeira no Douro a introduzir a menção Vinhas Velhas no rótulo (até chegou a ser marca registada…) e a produzir e comunicar, desde 1998, os vinhos das centenárias e famosíssimas Vinha da Ponte e Vinha Maria Teresa.

Hoje o Crasto faz tudo para preservar estas vinhas. Manuel Lobo conta que identificaram 54 genótipos na parcela Maria Teresa (com 111 anos). Dispõem da sua base genética e do campo de multiplicação, onde ficam os bacelos. Isto para garantir que quando é necessário substituir uma planta, o mesmo genótipo é plantado na mesma coordenada GPS.

Os vinhos das vinhas velhas são muitas vezes vistos pelo produtor e pelo consumidor como vinhos de qualidade superior pela sua autenticidade e pela história que contam. E nesta prova houve muitos belíssimos exemplos. Entretanto, é preciso lembrar que estes vinhos precisam de uma abordagem correcta nas adegas. Como muitas vezes têm castas com pouca estrutura, não aguentam muito tempo em barrica, sobretudo nova e com muita tosta. Perdem a sua autenticidade e delicadeza. Também tivemos em prova casos destes.

Grande Prova DouroO estilo dos vinhos

O estilo de vinhos no Douro também está sujeito a mudanças. Já passou por uma fase de robustez, concentração e grande extracção. Basicamente, era uma versão seca dos vinhos do Porto. O uso de madeira, até há bem pouco tempo, também era excessivo. Aprendeu-se aplicar o estágio em barrica com parcimónia, e introduziram-se vasilhas de madeira de maior capacidade, para marcar menos o vinho. O momento certo de vindima em função da casta e da parcela tornou-se um ponto essencial. Os vinhos tendem hoje a ser mais frescos, mais leves, com menos extracção e concentração.

Jorge Moreira conta a sua experiência na Quinta de La Rosa e na Real Companhia Velha: “antes a extracção era total e profunda, agora cada vez mais usam bagos inteiros, cachos inteiros, prensam mais cedo, não deixam extrair tanto em macerações longas. Mesmo no seu Poeira, que começou há 20 anos e já na altura era um dos vinhos mais leves, frescos e ácidos do Douro, ele releva a diminuição da extração e acentuar frescura. As alterações no estilo e perfis dos vinhos, no entanto, devem sempre ter em conta as características da região, das suas uvas, do seu clima, do seu solo, no fundo a sua identidade, aquilo que faz os Douro cheirarem e saberem a Douro. “Não podemos exagerar e procurar fazer de um Douro um Borgonha”, alerta Manuel Lobo. E com inteira razão.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2022)

 

Grande Prova: Espumantes de Portugal – A festa é quando alguém quiser

Grande Prova Espumantes

Não é preciso cantar os parabéns ou contar as batidas do relógio para abrir uma garrafa de espumante. Não é o espumante que é o atributo da festa, é a festa que se desenvolve em torno de uma garrafa de espumante, a qualquer momento. Se não há uma razão formal para festejar, o espumante só […]

Não é preciso cantar os parabéns ou contar as batidas do relógio para abrir uma garrafa de espumante. Não é o espumante que é o atributo da festa, é a festa que se desenvolve em torno de uma garrafa de espumante, a qualquer momento. Se não há uma razão formal para festejar, o espumante só por si já é uma, pois o pequeno fogo de artifício no copo traz o ânimo e cria o ambiente. Parafraseando Oscar Wilde, só as pessoas pouco criativas não conseguem encontrar um motivo para beber espumante.

Texto: Valéria Zeferino     Fotos: Ricardo Palma Veiga

A tendência mundial é o aumento do consumo do espumante. É um tipo de vinho que harmoniza com vida, oferecendo menos álcool e mais alegria, cativando as fracções mais jovens de população.

De acordo com o relatório da OIV de 2020, os cinco maiores produtores de espumantes a nível mundial são Itália com 27% (só o Prosecco corresponde a 66% de toda a produção de espumantes italianos, a juntar Franciacorta e Trento para os consumidores mais refinados), França com 22% (Champagne, claro, mais os cremants de outras regiões como a Alsácia, Borgonha, Loire e Bordeaux), Alemanha com 14% (já agora, é o pais onde mais espumante se bebe, sendo o nacional sekt o mais consumido), Espanha com 11% (onde o Cava assume 89% de produção) e Estados Unidos com 6%, sendo a Napa Valley a liderar nesta matéria.

Fora dos “big five” o maior crescimento em termos de produção de espumantes foi registado em Inglaterra, Portugal, no Brasil e Austrália. O crescimento no nosso país representa 18% ao ano.

Em Portugal, de acordo com os dados do IVV relativamente aos vinhos espumantes e espumosos (estes últimos são vinhos gaseificados cuja efervescência é produzida pela introdução de gás carbónico) a exportação dos espumantes nacionais está a aumentar, em volume e em valor, nos últimos 6 anos (até 2020), embora o preço médio não varie muito, mantendo-se à volta dos 3,35 euros/litro.

Na Bairrada certifica-se quase 40% dos vinhos com bolhas (embora, presumo, que se desta equação retirar os vinhos espumosos, a quota de espumantes da região vai chegar aos 53% comunicados pela CVR Bairrada). Em Távora-Varosa certifica-se 25%, tendo o segundo maior peso na produção de espumantes portugueses. O Tejo aparece com quase 22% e a região dos Vinhos Verdes também tem uma palavra a dizer com a certificação de mais de 9% de vinhos espumantes.

Regiões clássicas e promissoras

 Um dos pioneiros do espumante português foi o Engenheiro Agrónomo José Maria Tavares da Silva que começou aplicar o método champanhês (há algum  tempo, por imposição da CIVC – Le Comité Interprofessionnel du vin de Champagne, chamado “tradicional”) 1889-1890 como director da Escola Prática de Viticultura e Pomologia da Bairrada. E em 1893 fundou-se a Associação Vinícola da Bairrada com o objectivo produzir e comercializar “vinhos espumantes typo champagnes”, onde o Engº Tavares da Silva era director técnico. Ao mesmo tempo o enólogo da Real Companhia Vinícola do Norte, visconde de Villar d’Allen, também começa a produzir espumante. E poucos anos mais tarde as Caves Raposeira juntam-se à festa.

A seguir à Segunda Guerra Mundial foi fundada a Murganheira em Távora-Varosa, desde então o porta-estandarte desta região, demarcada em 1989.

No mundo do vinho as tradições nem sempre coincidem com a sua fixação formalizada. Na Bairrada, por ironia de destino, os espumantes só obtiveram o estatuto DOC em 1991, mas 130 anos de tradição ninguém lhes tira. Não é por acaso, que em Julho deste ano a Bairrada foi a anfitriã da primeira sessão de espumantes do reputado Concurso Mundial de Bruxelas (que, por tradição, é realizado em sítios diferentes com especialização em determinados tipos de vinhos). E os espumantes portugueses projectaram uma imagem muito boa nesta competição.

Em 1989 foi fundada em Alijó a empresa Caves Transmontanas que apostou no estudo do melhor local para plantação das vinhas e das castas mais apropriadas, com o único objectivo – criar grandes espumantes em Portugal.

A partir dos anos 1990 a região dos Vinhos Verdes entra em jogo. Com clima ameno, solos graníticos e castas com grande estrutura ácida e baixo teor alcoólico – têm todas as condições para se afirmar neste nicho. A Casa da Tapada foi a pioneira, numa altura em que os espumantes locais nem tinham direito à DO, o que só ficou possível a partir de 1999. Em Monção e Melgaço na viragem do século o Alvarinho apresentou-se numa versão efervescente pela Provam, Soalheiro e Quintas de Melgaço.

Com proliferação de “bolhas”, os vinhos espumantes têm vindo a crescer em Portugal em todas as regiões. Algumas empresas começam a produzir espumantes para completar o portefólio, mas como a prática mostra, produzir bolhas é fácil, criar um espumante de qualidade superior exige conhecimento específico e experiência.

As castas do espumante

 Parece unânima a predilecção dos produtores portugueses pela Chardonnay e Pinot Noir, quando se fala dos espumante de qualidade excepcional. Mario Sérgio Nuno, da Quinta das Bágeiras, afirma que “Chardonnay dá uma cremosidade única”, por isto mesmo sendo fiel às castas bairradinas, no seu espumante Pai Abel com Bical (maioritariamente) e Cercial acrescentou 15% de Chardonnay.

Luís Pato, repetindo a experiência de plantar Baga em pé franco no solo arenoso que deu vinho excepcional, em 2015 plantou Bical (a casta que gosta muito) num terreno arenoso junto à adega e fez o primeiro espumante de grande personalidade proveniente desta vinha, numa edição ultra-limitada de 333 garrafas.

A Baga tem, naturalmente, um grande peso na Bairrada. Sendo uma casta de maturação tardia e com boa capacidade de preservar acidez, presta-se muito bem para elaboração de espumantes, sobretudo no clima da Bairrada, onde este amadurecimento traz mais uma vantagem – a estratificação de vindima em função do propósito final.

A casta Alvarinho é uma nova estrela na região de Vinhos Verdes, sobretudo em Monção e Melgaço, ainda não em termos de quantidade, mas sem dúvida, em termos de qualidade. A casta consegue juntar duas dimensões, importantes para o espumante: o volume de boca e a óptima estrutura acídica. Obviamente tem carácter varietal vincado, mas numa vindima mais precoce para espumantes, os compostos aromáticos ainda se encontram em muito menor quantidade do que mais tarde na maturação plena. Por isto é possível obter espumantes com grande equilíbrio aromático.

Nas zonas quentes, como Alentejo, o Arinto desempenha um papel importante, graças ao seu perfil aromático bastante neutro e à grande capacidade de reter ácidos.

Pedro Guedes, enólogo da duriense Caves Transmontanas, para além Pinot Noir e Chardonnay destaca o Gouveio pelo excelente equilíbrio entre ácido natural e álcool, não sendo uma casta particularmente aromática.

Mas o sítio é mais importante do que a casta – afirmam todos.

Grande Prova EspumantesO que é preciso garantir

 O que não se pode subestimar para produzir um espumante de grande elegância e carácter, são as uvas e o tempo de estágio com borras. Mas há muitas pequenas nuances que podem fazer diferença no resultado.

Pode parecer banal, mas um grande espumante é antes de tudo feito com uvas e o perfil e qualidade da matéria-prima é primordial. Por um lado, as uvas que dão origem ao espumante têm de ser preferencialmente neutras nos aromas que apresentam no vinho base (a menos que se pretenda um espumante deliberadamente aromático). Por outro lado, é importante que demonstrem alguma personalidade, sendo minimamente expressivos. E o ponto de maturação é essencial. As uvas colhidas de propósito para espumante não são a mesma coisa que as uvas imaturas, que darão aromas vegetais e herbáceos. Ao invés, as uvas sobremaduras produzirão um vinho pesadão, alcoólico e aromaticamente excessivo.

Nas regiões mais frescas torna-se mais fácil conseguir este equilíbrio de maturação. Em Portugal uma moderação do clima consegue-se ou através da forte influência atlântica (Bairrada, Vinho Verde, Lisboa), ou pela altitude (acima dos 500 metros) com clima mais continental, como é o caso do Douro e Távora Varosa, onde hoje são produzidos alguns dos melhores espumantes portugueses.

A enóloga da Murganheira, Marta Lourenço, confessa que está apaixonada pela região da Távora-Varosa. Tem ali condições especiais para elaborar espumantes, onde as castas Chardonnay e Pinot Noir com 11% de álcool provável apresentam 24 g/l de ácido tartárico e pH 2,7 – valores fantásticos para a elaboração de um vinho base de espumante.

A sanidade das uvas parece estar muito distante dos copos elegantes com bolhas, mas é absolutamente indispensável. A presença de botrytis cinerea (fungo que provoca a podridão) pode ser desejável para colheitas tardias, mas pode arruinar um espumante causando um impacto negativo no aroma e nas propriedades efervescentes.

O bairradino Luís Gomes, produtor do Giz, ainda sublinha que “para quem quer produzir um bruto natural, sem adição de açúcar, a uva tem de ser muito boa, senão o espumante vai ser rude”. Tendo nível de sulfuroso baixo e teor alcoólico igualmente baixo no vinho base, para além da sanidade das uvas, a higiene na adega é um ponto fulcral , assim o define Pedro Guedes.

Prensagem, tiragem, leveduras

 A prensagem das uvas é um momento importantíssimo, confirmam Marta Lourenço e Pedro Guedes. Os cachos vão inteiros para a prensa, com engaço que ajuda a drenagem, permitindo uma boa extracção a baixas pressões. Quanto mais fraccionado o mosto – melhor, permite uma gestão de lotes mais individualizada. À medida que a prensagem avança, a acidez diminui, o pH sobe e aumenta o teor de potássio e extracção de compostos fenólicos. O mosto fica menos elegante e mais susceptível à oxidação.

Marta Lorenço conta que rejeita o primeiro mosto lágrima, pois este contém sempre as impurezas, “é como se fosse lavar as uvas com o próprio mosto”. Esta fracção nunca entra nas categorias especiais. A fracção que vai logo a seguir é a melhor de todas, “produz vinhos com grande limpeza em boca”.

Para iniciar a segunda fermentação, que leva à produção de bolhas, é necessário introduzir ao vinho base licor de tiragem com leveduras e açúcar para as pôr a trabalhar. Luís Gomes está convencido de que a tiragem deve ser feita no inverno, com temperaturas ainda baixas, pois quanto mais lenta for a fermentação, mais fina fica a bolha. Se fazer a tiragem no verão, a segunda fermentação desenvolve-se muito rápido, produzindo uma bolha mais grossa.

Pedro Baptista, o enólogo da Cartuxa, faz a tiragem no início da primavera e Pedro Guedes em Maio, quando os vinhos estão a uma temperatura à volta de 14˚C pelo que não é preciso aquecê-los para arrancar a fermentação e a temperatura não está muito alta para a segunda fermentação ser demasiado rápida.

Tradicionalmente, para a segunda fermentação, usam-se as leveduras livres que obrigam aos processos típicos de remuage para a sua posterior expulsão do vinho. Este processo pode ser feito manualmente ou recorrendo a giropaletes. Já as leveduras encapsuladas (presas numa estrutura de alginato) são uma “invenção” relativamente recente. O alginato é suficientemente poroso e permeável para deixar uma troca de solutos (açúcar, álcool e outros produtos resultantes da autólise das leveduras), supostamente, eficiente entre o vinho e o interior das cápsulas. Estas leveduras encapsuladas facilitam todos os processos desde a sua introdução na garrafa até à expulsão da mesma. Ainda poupam espaço na adega, permitindo o armazenamento das garrafas em pilhas, sem necessidade de remuage manual ou o uso de giropaletes. Mas são, também, tudo menos consensuais.

Todos os enólogos com quem falei concordam que é uma solução interessante e prática para espumantes comuns e jovens, mas dispensam-na quando se entra no patamar superior. Para além de que há sempre um factor de risco associado de que algumas células de leveduras escapem do interior das esferas de alginato, contrariando as vantagens operacionais das leveduras encapsuladas. Mesmo produtores de espumante mais recentes, como a Cartuxa, torcem o nariz quando se coloca a hipótese de utilizá-las para espumantes com mais idade. Pedro Baptista confessa que os espumantes que provou com leveduras encapsuladas lhe evidenciaram menos complexidade aromática e menor volume de boca. Em resumo, existem neste momento duas (ou, melhor, três) grandes correntes nesta matéria: os que as usam para todos os espumantes; os que as usam apenas para os espumantes mais simples; e os que que não admitem um espumante “método clássico” com outras que não as leveduras livres tradicionais.

Grande Prova EspumantesFermentação e estágio

Se a primeira fermentação para o vinho base pode ser relativamente rápida, a segunda tem de ser lenta. É aqui que se começa a produzir a tão apreciada bolha fina com CO2 que não podendo escapar, fica diluído no vinho. Pedro Guedes aponta para cerca de 6 semanas a 13-14˚C, ganhando, em média, 1 bar por semana. As leveduras introduzidas na tiragem com açúcar, não têm vida fácil. Trabalham literalmente sob pressão, no meio com acidez elevada e pH baixo e ainda por cima já com álcool de cerca de 10,5-11,5% e com pequena dose de dióxido de enxofre (que terá de ser bem medida). Por isto é importante criar para elas as condições de equilíbrio, garantindo que a fermentação não amue e, por outro lado, não se desenvolva demasiado rápido. Neste sentido, até a posição das garrafas faz diferença. Há mesmo quem as prefira na posição vertical para limitar a superfície de contacto com o vinho, prolongando assim, o tempo de fermentação.

O espumante não gosta de atalhos e apela à paciência (e estofo financeiro) do produtor, pois o tempo afina. Vários processos acontecem no vinho durante o estágio e o mais importante é autólise – desnaturação das membranas das células levurianas e degradação da sua parede celular libertando para o vinho glucanas, manoproteinas, aminoácidos, péptidos e outras substâncias que têm impacto na complexidade aromática, sensação em boca e qualidade de espuma. Mas a autólise é um processo muito lento e não ocorre nos espumantes que estagiam apenas uns meses. Um espumante feito com mesmo vinho base que envelhece durante nove meses terá um perfil muito diferente de um vinho que é envelhecido vinte meses ou mais.

Os produtores sabem disto e não dispensam o factor tempo quando se trata de um espumante de topo. Para Pedro Baptista, o estágio mínimo não pode ser inferior de 18 meses, mas com 3-4 anos já se conseguem resultados mais interessantes. Nas caves da Murganheira, Vértice e alguns produtores da Bairrada, estagiam espumantes com borras por 6-8 ou mais anos.

Em Portugal o tempo mínimo de estágio para espumantes com denominação de origem e  elaboração pelo método clássico é de 9 meses. Por comparação, em Champagne, o tempo mínimo para a segunda fermentação e estágio em garrafa é de 15 meses para non-vintage e três anos para o Champagne datado. Mas em Poertugal também se caminha, progressivamente, para estágios mais prolongados. Por exemplo, para aumentar o potencial qualitativo dos espumantes com logomarca Baga/ Bairrada, a região alterou a lei inicial e determinou que, a partir de colheita de 2019, os produtores deverão respeitar o estágio de 18 meses depois da tiragem.

Para maximizar o contacto entre o vinho e as leveduras, nas barricas faz-se bâtonnage e nas garrafas de espumante faz-se poignetage – agitam-se as garrafas para pôr o sedimento em suspensão, provocando a desorganização celular e estimulando o processo autolítico, que melhora a complexidade aromática e a textura. Para as categorias especiais da Murganheira e do Vértice esse trabalho é feito 2-3 vezes por ano e, como é fácil calcular, exige muita mão-de-obra.

O nível de doçura no espumante é manipulado através de licor de expedição que é adicionado a seguir ao dégorgement. Antigamente o espumante bebia-se doce (até vinho do Porto se adicionava no licor de expedição), a tendência de hoje vem a “secar” as bolhas. Cada vez há mais produtores (Quinta das Bágeiras e o Giz, por exemplo) a fazer exclusivamente espumantes com dosagem zero, ou seja, sem qualquer adição de açúcar, apenas atestando as garrafas com o próprio vinho.

 Espumante na mesa e na cave

 Dada a sua acidez cintilante e sabor delicado, o espumante ganha a qualquer bebida no papel de aperitivo. Estimula o apetite e a apetência para a refeição. E há muitos espumantes, com suficiente corpo e estrutura para acompanhar toda a refeição. As bolhas não só oferecem um espectáculo dentro de um copo, criam sensação táctil em boca e transportam os aromas à superfície, onde os libertam no momento do seu colapso.

Usadas outrora, as tradicionais taças de champagne são demasiado largas e rasas para permitir às bolhas o “levantar voo” e perdem rapidamente os aromas, enquanto os flutes, sendo compridos, mostram a efervescência (e já agora permitem encher o copo com menos vinho dando a ideia de copo cheio), mas não deixam espaço para os aromas. Por isto muitos escanções e apreciadores de vinho hoje preferem usar o copo normal de vinho branco ou um flute próprio para espumantes em forma de tulipa. Em minha opinião, o espumante é muito mais interessante à mesa do que numa prova técnica, pois um simples facto de engolir (em vez de cuspir) o líquido efervescente contribui para uma plena percepção da sua cremosidade.

Ao contrário da prática habitual, as garrafas de espumante devem ser guardadas em pé, defende Marta Lourenço. Não estando em contacto com o vinho, não se alteram as propriedades mecânicas da rolha. Quando humedecida, ela não consegue expandir dentro do gargalo e o vinho deixa de estar protegido: entra o oxigénio e escapa o gás carbónico.

E como guardar um espumante depois de aberto? Não sei qual poderá ser a razão que leva alguém a não acabar uma garrafa de espumante… mas se tal acontecer, o melhor é fechar com uma daquelas rolhas que agarram o gargalo de garrafa e a fecham hermeticamente. É importante guardá-lo no frigorífico, pois com temperaturas baixas o gás carbónico fica mais diluído no vinho e conserva-se mais tempo. Mas o melhor mesmo é beber a garrafa aberta. E, como disse no início, não é preciso um pretexto. Basta querer.

(Artigo publicado na Edição de Novembro de 2022)

 

Grande Prova- Alentejo tinto Potência com elegância: afinal é possível…

Alentejo tinto

Ao pensar num topo de gama do Alentejo, imediatamente no nosso imaginário surgem vinhos poderosos, carnudos, macios e densos. A qualidade nem se coloca em causa, está lá por defeito. Entretanto, existem muito mais estilos nos vinhos que representam a crème de la crème da região. E descobrimos vários nesta prova de mais de cinco […]

Ao pensar num topo de gama do Alentejo, imediatamente no nosso imaginário surgem vinhos poderosos, carnudos, macios e densos. A qualidade nem se coloca em causa, está lá por defeito. Entretanto, existem muito mais estilos nos vinhos que representam a crème de la crème da região. E descobrimos vários nesta prova de mais de cinco dezenas de tintos alentejanos.

Texto: Valéria Zeferino Fotos: Ricardo Palma Veiga

 

Sendo o Alentejo extenso e muito heterogéneo em termos de solos e clima, a diversidade dentro da região é enorme. Para além das zonas quentes e mais áridas, tem o litoral, temperado pela influência atlântica e Portalegre, onde altitude em combinação com um clima continental, confere uma frescura própria aos vinhos. Não é por acaso que nos últimos anos assinalou-se um investimento nesta zona. As serras de São Mamede, do Mendro, de Ossa moldam as condições microclimáticas dos territórios adjacentes. A falha da Vidigueira com escarpas orientadas no sentido Este-Oeste permitem que os ventos do Atlântico empurrem o ar frio, promovendo o arrefecimento significativo do ar à noite. Luís Cabral de Almeida, responsável pela enologia na Herdade do Peso, conta que isto acontece quase todos os anos: as temperaturas de dia podem chegar a 38-39˚C e à noite caem até 15-17˚C o que tem um efeito benéfico na composição das uvas.

O calor e a água (ou falta dela)

O clima quente e seco do Alentejo, em certa medida, beneficia os produtores. Luís Cabral de Almeida que já trabalhou noutras regiões onde a Sogrape tem produção, como o Douro, Dão e até na Argentina, considera o Alentejo uma região consistente, com baixa carga de doenças. Não é por acaso que no Alentejo há muita produção biológica. As características da região e a sua fama junto do consumidor motivam alguns produtores de outras regiões a investir no Alentejo. É o caso do projecto da Symington na Quinta da Fonte Souto em Portalegre e da Costa Boal na Quinta dos Cardeais, entre os mais recentes.

Por outro lado, a seca é capaz de comprometer não apenas a quantidade e a qualidade de uma ou outra colheita, mas colocar em causa a sobrevivência das videiras, pois na falta de água esta não tem forma de buscar os nutrientes do solo e distribuí-los de forma correcta na própria planta. Por isto, a rega é indispensável em muitas partes do Alentejo, sobretudo nos solos mais pobres e com baixa retenção de água.

Contudo, a rega não visa proporcionar à videira um acesso desmedido à água. O equilíbrio da área foliar e rega controlada são essenciais, sublinha Luís Cabral de Almeida. Até à fase do pintor (quando os bagos ganham cor) dá-se água à videira (quando a chuva não vem) para obter os nutrientes do solo, e construir a área foliar para garantir actividade fotossintética. A partir do pintor, limita-se a água, para a videira investir na maturação da fruta.

Por exemplo, o enólogo Pedro Hipólito tem um sistema de rega instalado na Herdade da Mingorra, pronto para qualquer eventualidade, mas nas vinhas velhas não tem sido preciso. Tem 7 talhões que nunca foram regados.

Entretanto, no Alentejo ainda existem vinhas de sequeiro, mas estas encontram-se plantadas em áreas muito especiais. Como conta António Maçanita, há zonas na região, onde as águas freáticas ficam mais perto da superfície, permitindo que as raízes das videiras possam chegar até lá. O produtor e enólogo Luís Louro, que em 2004 iniciou o seu projecto do Monte Branco, também tem algumas vinhas em sequeiro. Estas estão implantadas em solos mais profundos e relativamente férteis, num xisto argiloso, que tem melhor capacidade de retenção do que o xisto normal.

Tudo no sítio e momento certos

As castas certas no sítio certo + momento de vindima + filosofia do produtor: é este o segredo do sucesso. Conseguir potência no Alentejo é fácil, juntar a elegância, às vezes, é um desafio. Nos topos de gama a tentação de criar vinhos poderosos é natural e as principais castas também ajudam. A triologia de Alicante Bouschet, Aragonez e Trincadeira que predominam nos lotes de há 30 anos, proporcionam muita estrutura e potência, diz António Maçanita, enólogo e produtor com projectos em várias regiões do país. Cabernet e Syrah também ajudam à festa. As castas “mais fracas” como Castelão ou Alfrocheiro não são das mais presentes nos topos de gama. Mas há excepções.

Repetindo as palavras de Luís Louro, um vinho é um produto de vinha e filosofia. O principal foco é nas castas certas e na época de colheita. A principal preocupação é “colher maduro, mas nunca sobremaduro”.

António Maçanita partilha a sua experiência, referindo que Castelão, Tinta Carvalha e Alfrocheiro têm muita tolerância para o momento da vindima, enquanto o Moreto não. As castas tânicas como Aragonez, Alicante Bouschet ou Syrah se não forem vindimadas maduras, são verdes e difíceis.

As castas certas por vezes já se encontram numa vinha, sobretudo numa vinha velha bem adaptada ao local e que expressa o seu carácter único. Tivemos alguns exemplos interessantes nesta prova. O Chão dos Eremitas Os Paulistas, da Fita Preta, por exemplo, com as castas (curiosamente, não misturadas, o que facilita a vindima) Tinta Carvalha, Moreto, Castelão, Alfrocheiro e Trincadeira, plantadas há 50 anos.

A Vinha da Ira, da Mingorra, é uma pequena parcela de 2 ha, plantada nos anos 80. É um resultado da selecção massal  de uma vinha mãe da Vidigueira. Chamava-se o Talhão de Alfrocheiro e no início fez muita confusão, porque quando a uva chegava à adega, era óbvio que não se tratava só de Alfrocheiro, até porque tinha muita uva tintureira. Em 2004 fizeram uma biblioteca genética das castas que tinham nesta vinha e estavam lá 12 variedades misturadas, onde 50% era Alicante Bouschet, também Aragonez, Touriga Nacional entre outras. O Alfrocheiro só representa 7% da vinha. Vindima-se tudo junto e o Alicante Bouschet serve de referência para a colheita.

Na Herdade do Peso, da Sogrape, o conceito do vinho Parcelas é diferente do Reserva, ou do Revelado, que têm que ter um determinado perfil. Os vinhos da gama Parcelas podem ter um perfil próprio em função do ano, explica Luís Cabral de Almeida. Por exemplo o Parcelas Block 21 é 100% Alicante Bouschet.

Dos produtores entrevistados, há unanimidade que o futuro passa muito pelas castas de ciclo longo: Touriga Nacional, Petit Verdot, Tinta Miúda, como exemplo.

A filosofia do produtor começa na escolha de terrenos e castas e acaba na abordagem na adega e até no tempo do estágio em garrafa antes de lançar para o mercado. Os produtores como Julian Reynolds ou Luís Louro não abdicam deste estágio o que sempre se reflecte no momento da prova.

Os estilos dos tintos do Alentejo

 Normalmente fala-se de dois principais estilos de vinhos no Alentejo: um clássico (mais balsâmico, com bosque e resinas, com vegetal seco e até uma certa rusticidade) e um moderno, de grande polimento, com fruta mais imediata, mais intensa e mais presente.

Na realidade, o Alentejo é muito mais do que isto. Depois de provar mais de 50 vinhos, eu diria que existem quatro estilos: dois clássicos – um que consegue aliar potência à elegância (vinhos profundos, perfeitos em cada momento de contacto) e outro onde a potência predomina, com vinhos muito extraídos e alcoólicos, mornos e quase doces (secos tecnicamente, mas pela sensação da doçura de fruta sobremadura e muita presença de barrica). Estes últimos são bem-feitos e impactantes, impressionam ao primeiro gole, mas a partir do segundo o entusiasmo diminui.

Nos vinhos de estilo dito “moderno”, também há duas variações. Um é mais sensual e consensual, guloso, com fruta bonita, encorporando normalmente as “castas melhoradoras” no lote, como a Syrah ou Touriga Nacional. Uma espécie de Novo Mundo no Alentejo.

O outro “novo” estilo do Alentejo é uma regressão ao passado, dando protagonismo às castas antigas, com fruta simples e pura, sem o lustro da Touriga ou Syrah. Podem não ser tão consensuais, mas têm muito bom senso na sua essência, são pensados, ensaiados e bem interpretados. São elegantes com estrutura, extremamente precisos e sofisticados.

Com isto não pretendo dizer que tem que se excluir castas ou estilos. Há gostos para tudo. As tendências vêm e vão, e o que é realmente bom acaba por perdurar.

Castas: as nossas, as outras e o Alicante Bouschet

 De acordo com o cadastro da CVR Alentejo, nos últimos dez anos a área de vinha tem crescido, tendo aumentado 4.003 hectares (21%) e em 2021 ocupou 23.277 ha. As castas tintas predominam com 79%. A vinha nas sub-regiões D.O. representa 72% da área total do Alentejo e 74% da produção total de uvas da região.

Nas castas tintas é notória a importância adquirida pelo Alicante Bouschet, que aumenta em área e representatividade na região e, com menor intensidade, também a Syrah e Touriga Nacional. Em diminuição estão as castas Aragonez, Trincadeira e Castelão, que perdem área e expressão na área vitícola.

As castas dividem-se em dois polos principais: portuguesas típicas do Alentejo (Aragonez, Trincadeira) ou vindas de outras regiões como a Touriga Nacional ou Touriga Franca, e estrangeiras como o Cabernet Sauvignon, a Syrah ou o Petit Verdot.

E depois há Alicante Bouschet que é a casta estrangeira mais portuguesa. Entrou no país há mais de 100 anos e ganhou a cidadania e reconhecimento que nunca teve no seu país natal. Luís Cabral de Almeida compara o percurso do Alicante Bouschet em Portugal como o do Malbec na Argentina: ambas as castas são de origem francesa e ambas encontraram a sua expressão máxima nos países de adopção. Hoje, Alicante Bouschet é parte importante da tipicidade dos vinhos do Alentejo e está em franco crescimento na região, sendo a segunda tinta mais plantada.

Para Luís Louro, Alicante Bouschet é uma casta fantástica que conjuga potência e acidez se for colhida a tempo. Tem uma parcela na zona de sequeiro que dá óptimos resultados.

Para Luís Cabral de Almeida, Alicante Bouschet é a garantia de fruta, cor e sabor, mas há que lhe aumentar a complexidade. Considera que não adianta forçar a extracção através de remontagens, por exemplo, pois vai-se extrair o que tem de bruto e agressivo. Prefere aplicar o engaço maduro na fermentação, que confere ao vinho tanino de meio de boca, diferente do tanino da madeira que é mais lateral.

Frederico Rosa Santos sublinha que as uvas de Alicante Bouschet têm de estar bem maduras e muitas vezes só amadurece a parte fenólica com o grau alcoólico alto. Não se dá bem em todo o lado. Mais a sul de Beja é demasiado quente para o Alicante e a ondas de calor em Julho ou Agosto fazem com que não amadureça. Fica bem de Estremoz para cima.

Das castas portuguesas, Aragonez continua a ser a uva mais plantada (com 23% de encepamento), mas não é de todo a mais amada. Muitos produtores reconhecem as suas limitações, começando por ser altamente sensível à produção. Se não for controlada, não consegue amadurecer a parte fenólica e apresenta taninos verdes e duros. Também precisa de amplitudes térmicas significativas.

Pedro Hipólito, enólogo da Herdade da Mingorra, conta que quando temperatura se mantém durante algum tempo acima dos 35˚C, a videira fecha os estomas e deixa de funcionar. Ainda por cima, como se sabe, o Aragonez com o stress hídrico sacrifica folhas o que faz difícil a sua maturação posterior.

Usar o clone certo também é importante. Frederico Rosa Santos conta que quando decidiram plantar Aragonez na propriedade da família, foram buscar o clone de Tinta de Toro num viveirista em Navarra. A vinha, no seu máximo, produz 4 tn/ha.

A Trincadeira, outrora muito popular, mantém-se em 3º lugar com 14,9% de encepamento, mas está a perder posição. Os enólogos são da opinião que com produções elevadas, perde todo o carácter e torna-se muito vegetal, fazendo lembrar um “mau Cabernet do Alentejo”. É capaz de produzir excelentes vinhos mas tem que se descobrir o seu ponto de equilíbrio. A casta também não gosta do stress hídrico, embora o aguente melhor que o Aragonez mas, se for preciso, vai buscar água aos bagos desidratando-os.

Já Luís Louro defende esta casta polémica, afirmando que cada vez gosta mais dela. No lote com Alicante Bouschet tira-lhe a brutalidade. Basta 15% e já se nota a diferença, diz.

A Touriga Nacional é a 5ª casta mais plantada no Alentejo, ocupando 8% de encepamento e com tendência a crescer. Há muitos argumentos a favor, começando por ser de maturação longa o que traz vantagens no Alentejo. Frederico Rosa Santos reconhece que a casta aguenta muito bem a seca, e o bago está sempre túrgido. Aromaticamente agradável, mas às vezes no Alentejo torna-se um pouco enjoativa, com violetas em excesso e canela.

Ainda se fala pouco da Tinta Miúda que representa apenas 0,5% de encepamento da região, mas já há produtores atentos a esta casta. Luís Louro gosta dela porque é poderosa, com concentração e intensidade, é menos rústica do que o Alicante Bouschet, tem classe.

Das castas estrangeiras mais recentes destaca-se claramente a Syrah, cujas plantações têm vindo a crescer e que hoje em dia fica no 4º lugar com 12%.

Frederico Rosa Santos não tem dúvidas que Syrah se dá bem em todo o lado, variando em estilo. Pedro Hipólito repara que até num ano bem difícil como este, teve uma boa evolução. Luís Louro reconhece que é uma casta fácil, melhoradora, mas acha que se impõe muito e tira a identidade aos vinhos. António Maçanita admite que Syrah em monocasta pode expressar o terroir e é capaz de ser interessante, mas no lote marca demasiado. Melhora sim, mas desvirtua o perfil, como a Touriga Nacional.

Embora o Cabernet Sauvignon tenha chegado ao Alentejo mais cedo do que a Syrah e ocupe uma área significativa (4,4% do encepamento, 7ª casta mais plantada) a sua presença está lentamente a diminuir. Faz parte de muitos lotes, mas não identifica a região.

Pedro Hipólito explica isto pelo ciclo do Cabernet Sauvignon ser relativamente curto para o Alentejo. Com um tipo de taninos próprio e o lado herbáceo, a casta necessita de tempo de maturação. E no Altentejo os ciclos estão a encurtar. Antigamente vindimava-se de Setembro até quase início de Outubro e agora começa-se no início de Agosto. O Cabernet pode ter 15% de álcool e continuar vegetal o que de todo não se enquadra no perfil dos vinhos que procuram. Por isto, na Herdade da Mingorra, que fica a 15 km a sul de Beja, numa zona muito quente, acabou-se com o Cabernet Sauvignon.

Frederico Rosa Santos sempre teve reticências relativametne ao Cabernet no Alentejo. É demasiado quente para a casta, acredita. Os bagos relativamente pequenos rapidamente transformam-se em passas. Mas reconhece que em bons anos beneficia alguns lotes.

Uma estrela em ascenção é o Petit Verdot que se dá lindamente no Alentejo e agora ocupa 1,9% da plantação. Para Frederico Rosa Santos foi uma agradável surpresa depois de a ter provado durante um estágio em Bordeaux, onde não tem condições para amadurecer bem a parte fenólica, ficando muito dura e difícil. Por cá, a casta apresenta tanino maduro, sensação de boca e corpo, fica muito mais completa e equilibrada. E pode produzir imenso sem diminuir a qualidade. António Maçanita está de acordo e diz que o Petit Verdot funciona como um relógio suíço, sem problemas sanitários, muito no registo de Alicante Bouschet, ou seja, não marca demasiado, não passa por cima do perfil da região.

Os tintos do Alentejo, como se vê, são em si mesmo um mundo. Feito de corpo, maturação, vigor, mas também elegância, finura, frescura. Os estilos abundam, a qualidade também. É bom que assim seja: nenhum apreciador sai insatisfeito.

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2022)

 

Grande Prova: Beira Interior 2.0

Beira Interior desafiante

Brancos e tintos desafiantes A Beira Interior está em constante mudança, com o solidificar e desenvolver de projectos clássicos e bem-sucedidos e o surgir de outros que vêm trazer ainda mais dinamismo e competitividade. Nesta prova, percorremos os brancos e tintos bem diferenciadores de uma região com antigas tradições de vinha e de vinho, onde […]

Brancos e tintos desafiantes

A Beira Interior está em constante mudança, com o solidificar e desenvolver de projectos clássicos e bem-sucedidos e o surgir de outros que vêm trazer ainda mais dinamismo e competitividade. Nesta prova, percorremos os brancos e tintos bem diferenciadores de uma região com antigas tradições de vinha e de vinho, onde o carácter, a frescura e a elegância são denominador comum.

Texto: Valéria Zeferino
Fotos: Ricardo Palma Veiga

A tradição vitivinícola antiga na Beira Interior remonta à época romana, sendo oficialmente demarcada em 1999. Há alguns anos falámos no despertar da Beira Interior, quando surgiram projectos novos a inspirados pelos entusiastas, alguns com raízes na região, outros vindos de fora dela. Enólogos conhecidos, como Virgílio Loureiro, Anselmo Mendes, Rui Madeira, Rui Reguinga ou Patrícia Santos, trouxeram o seu conhecimento, elevaram a qualidade dos vinhos e deram credibilidade à região. O consumidor também despertou, (re)descobrindo uma região antiga na sua versão 2.0 com identidade própria que privilegia frescura e elegância.

Hoje, a região produz mais de 3 milhões de garrafas, apostando cada vez mais na exportação. Nos últimos dois anos a exportação duplicou chegando a 40% de produção. Os principais mercados neste momento são Brasil, Letónia, USA, Canadá, Dinamarca, Bélgica e Holanda, de acordo com os dados da CVRBI. Esta entidade certificadora também assume um papel de promotora da região, apostando fortemente no enoturismo e na internacionalização dos seus vinhos, trazendo potenciais importadores à região através das missões inversas. Nos últimos dois anos foi criada a Rota dos Vinhos da Beira Interior que pretende atrair cada vez mais pessoas ao interior. Até porque a oferta enogastronómica e cultural dentro da região é grande. E não podemos esquecer que das 12 aldeias históricas de Portugal, 11 ficam na Beira Interior.

Identidade geográfica

A altitude, a continentalidade e os solos pobres moldam as condições edafo-climáticas da Beira Interior.  A região estende-se do vale do Douro e Trás-os-Montes no norte ao rio Tejo no sul. Faz fronteira com a Espanha e é separada da Beira Litoral pelas várias formações montanhosas:  Serra da Estrela, do Açor, Gardunha e Lousã, que cortam a influência atlântica, deixando o clima mais seco, com maior amplitude térmica diária e anual.

A continentalidade manifesta-se pelos invernos rigorosos e frios, temperaturas negativas e neve frequente e pelos verões curtos, mas quentes e secos, com muitas horas de sol. A amplitude também ameniza os extremos de temperatura no pico de Verão. As noites frescas criam condições importantes para maturações mais homogéneas e retenção da acidez que mais tarde se traduz na frescura dos vinhos produzidos.

As montanhas e planaltos elevam as vinhas à altitude de 300 a 700 metros, amenizando as temperaturas médias, pois a temperatura baixa 0,6˚C por cada 100 metros.

Os solos são pobres em matéria orgânica e bem drenados, de origem maioritariamente granítica, mas também xistosa em zonas de transição para o Douro, com filões de quartzo e alguma ascendência arenosa.

Existem três sub-regiões, que antes da criação de denominação de origem em 1999, eram três regiões separadas: Pinhel, Castelo Rodrigo e Cova da Beira.

A sub-região de Pinhel com altitude média de 650 metros fica a norte da Guarda e estende-se até Mêda e à serra da Marofa.  A sub-região do Castelo Rodrigo está praticamente colada à de Pinhel, tendo como a linha de separação o rio Côa e uma estrutura montanhosa. Caracteriza-se pelos planaltos a 600 e 750 m de altitude. Ambas as sub-regiões são secas, com precipitação anual raramente a ultrapassar os 500 mm e com grandes amplitudes térmicas.

A Cova da Beira situa-se na zona sul da região, sendo limitada, a Norte, pelas serras da Estrela, Gardunha e Malcata e a sul, pela bacia hidrográfica do Tejo, onde o clima já tem alguma influência mediterrânica. É a sub-região mais extensa da Beira Interior, onde dá para distinguir duas zonas com características um pouco diferentes. Uma mais a Norte, entre as Serras da Gardunha e da Serra, à volta do Fundão e da Covilhã, com a precipitação a variar muito (de 600 a 1.800 mm por ano) em função do relevo. Outra, a Sul da Serra da Gardunha, com temperaturas mais elevadas e de precipitação a rondar os 500-700 mm. Aqui o clima apresenta semelhanças com o Alentejo.

A vindima entre a Cova da Beira e Pinhel pode começar com três semanas de diferença. As geadas de primavera são problemáticas na maior parte da região. Como diz Pedro Carvalho, da Quinta dos Termos, “geada há sempre, a dúvida é se será muita ou pouca”. Por isto as podas são mais tardias, às vezes são feitas em Abril para os abrolhamentos serem mais tarde, não prejudicando a produção em caso de geada.

Castas com carácter

De acordo com os dados do IVV, houve uma diminuição em termos de área plantada nos últimos anos (de 15110 ha para 13874 ha), provavelmente devido  ao abandono da vinha e a algum arranque para plantação de outras culturas. Mesmo que 75% da vinha não tenha DOP/IGP, a área de vinha para vinhos certificados como DOP e IGP aumentou bastante, o que é uma dinâmica muito positiva.

As castas mais plantadas na Beira Interior, segundo o IVV, são Rufete e Siria representando 16,2% e 15,6% da área plantada, respectivamente. O Aragonez também tem uma grande presença na região ocupando 14,5% da vinha.

As primeiras duas castas existiam antes da filoxera, variando um pouco entre as zonas, e expressam mais a região, mas na maior parte dos vinhos entram em lotes. Outras castas antigas são Fonte Cal, Malvasia, Gouveio, Rabigato e Folgasão, nas brancas e Marufo, Bastardo, Tinta Francisca, Donzelinho, entre castas tintas. Com o passar do tempo e novas tendências o encepamento mudou e hoje encontramos na região as castas nacionais de outras regiões (Touriga Nacional, Tinta Roriz, Touriga Franca, por exemplo) e estrangeiras como a Chardonnay, Cabernet Sauvignon, Syrah e Merlot. Até Sangiovese e Nebbiolo foram plantadas pela Quinta dos Termos a título de experiência.

A casta Rufete, também é conhecida como Tinta Pinheira no Dão e encontra-se em pouca quantidade noutras regiões, ocupando 2% de encepamento do país. Produz imenso, diz o produtor José Afonso, das Casas Altas. Tirando isto, na sua opinião, é bem amiga do viticultor. Antigamente, quando chovia mais no Outono, verificavam-se problemas de podridão a que a casta é sensível, ultimamente nem isto. Na adega tem tendência para aromas um pouco reduzidos, pelo que convém transfegar logo quando acaba a fermentação.

Pela sua grande produtividade, o Rufete ganhou alcunha de “pai dos pobres”. Nas adegas cooperativas chegava a produzir até 20 tn/ha, perdendo completamente a sua identidade e imagem, e nos anos 80-90 acabou por ser renegada na sua terra natal. O proprietário da Quinta dos Termos, João Carvalho, contou uma vez que em algumas adegas cooperativas até nem se aceitavam novos sócios com muito Rufete, dando preferência a outras castas.

O Rufete origina vinhos de grau alcoólico contido, com pouco tanino, cor aberta e acidez média. Plantada nos sítios certos, em solos pobres, com produções controladas a não ultrapassar 6-7 tn/ha, produz vinhos sérios, mas delicados, com frescura e carácter próprio.

A enóloga e produtora Patrícia Santos (Rosa da Mata), refere que, em termos aromáticos, Rufete tem bastante fruta, mas é delicada, nada de excessos. Tem bastante acidez e evolui bem em barrica.

É sempre uma óptima alternativa a vinhos mais extraídos, carnudos e tánicos que são cada vez mais apreciados pelos enófilos, mas nem sempre a cor mais aberta do Rufete é entendida pelo consumidor geral. José Afonso explica que vende os vinhos de Rufete mais aos conhecedores e hotelaria de luxo do que ao consumidor menos informado, embora as pessoas mais antigas da região, que entendiam o vinho como parte da alimentação, aceitassem bem a cor menos intensa.

A casta Síria no nosso país responde por muitos nomes: Roupeiro no Alentejo e Códega no Douro, são os sinónimos oficiais. Para além disto é conhecida como Alvadourão ou Alvadurão no Dão, Malvasia Grossa e Dona Branca em Bucelas e Crato Branco no Algarve. Até na Beira Interior, na zona de Belmonte, e em Portalegre, usava o sinónimo de Alva. Como vemos é bastante comum em várias regiões e ocupa 3% do encepamento nacional. Mas é na Beira Interior que a casta se destaca pela maior frescura e aromas menos terpênicos, mais delicados e focados, mas que duram mais tempo no envelhecimento em garrafa. Segundo Patrícia Santos, a Síria é uma casta muito versátil e expressa de forma identificativa não só a região da Beira Interior, como também cada sub-região. Na zona de Castelo Branco demonstra mais perfume, mas consegue manter a frescura; na zona de Pinhel é mais discreta, mais selecta; na zona de Figueira é um compromisso entre as outras duas.

A Fonte Cal é uma casta originária da zona de Pinhel e praticamente só existe na Beira Interior, sobretudo nos encepamentos antigos. Representa menos de 1% do encepamento da região, mas encontra-se principalmente em vinhas velhas onde existe uma mistura de muitas castas e por isto não se encontra identificada pelo IVV como Fonte Cal. É uma casta vigorosa, mas não muito produtiva. Precisa de mais tempo para amadurecer do que a Síria, mas perde rapidamente a acidez, pelo que a janela de vindima é muito pequena. Por esta razão entrava sempre nos lotes com Síria ou Arinto com mais nervo.

Patrícia Santos refere que na adega a Fonte Cal também não é fácil. Tem tendência para oxidar e perde aromas rapidamente. Como se não bastasse, apresenta instabilidade em termos de tartaratos de cálcio e tem tendência para o pinking (um fenómeno oxidativo do vinho branco, dando origem a uma evolução da cor para um tom cinzento-rosado). A verdade é que continuam a existir muito poucos vinhos monovarietais de Fonte Cal.

Algumas castas antigas da região são pouco conhecidas hoje em dia e trazem alguma polémica quanto à sua origem. E o caso da Callum, vinificada em extreme pela Quinta dos Termos. As opiniões dividem-se e nem os especialistas chegam a um consenso: uns dizem que é uma das castas antigas na zona que era chamada Pinhal Interior, enquanto existe possibilidade de ser a mesma casta chamada Batoca na região de Vinhos Verdes. Também foi referenciada nos distritos de Aveiro, Leiria, Vila Real e Bragança, com os nomes de Sedouro ou Alvaraça. Mas independentemente da sua origem, não há dúvidas que a casta teve sempre presença naquela zona da Beira Interior. Antes da filoxera entrava nos encepamentos de Sertã, Covilhã e Belmonte. O produtor e enólogo Pedro Carvalho conta que Callum já era autorizada para produção de vinhos na antiga Cova da Beira ainda antes de criação da denominação de origem.

Tudo começou quando a Quinta dos Termos adquiriu em 2015 outra propriedade – Herdade de Lousial, onde plantou nos cerca de 2 hectares 92 clones de Callum, provenientes de zonas distintas do pais, incluindo o Minho. Fizeram-se cerca de 1200 garrafas de um vinho único desta casta em 2020 e a experiência foi repetida em 2021, com mais de 3 mil garrafas.

A casta Fernão Pires não é muito associada à Beira Interior, ocupando cerca de 1% de vinha, mas tem na zona de Pinhel uma expressão bem interessante. Patrícia Santos ficou fascinada pela performance da casta que em Pinhel mostra uma quase salinidade inexplicável. Compara com vinhos de Sancerre, que, feitos de uma casta aromática, naquela região revelam uma personalidade diferente. No final de fermentação o vinho passa para as pipas de 500 litros, onde permanece pelo menos um ano. A produtora gosta de vinhos com madeira para dar outra dimensão ao vinho, desde que não seja exagerada. Deste vinho produz  apenas 1500 litros, mas faz um vinho de que gosta e que reflecte o terroir.

Na zona de transição para a região do Douro, os solos são xistosos e nota-se grande presença das castas durienses. As vinhas da Casas do Côro, na aldeia histórica de Marialva a poucos quilometros de Mêda, são velhas com quase 100 anos, com produções baixíssimas de 1500 kg/ha e ficam numa altitude de 600 metros. Entre as castas tintas predominam Mourisco e Touriga Franca e nas brancas Rabigato e Códega, aos quais se juntam uvas de Rabigato, Verdelho da Madeira e Donzelinho, provenientes da primeira vinha plantada em 2009.

Projectos novos e antigos

Na Beira Interior nota-se um movimento em direcção à qualidade e valorização da região. Já há produtores de renome, marcas associadas aos vinhos de autor, com personalidade vincada, que começam a ficar emblemáticas para a região, como a Casas de Côro, Biaia, Quinta dos Termos (também é uma das mais antigas) e Rui Madeira, entre outros.

E quase todos os anos aparecem projectos novos de grande dedicação e com propósito. Podem não ter ainda dimensão, mas contribuem para o nível qualitativo da região. Um dos mais interessantes é o de Miss Vitis Wines com marca Bal da Madre. Gil Taveira conta que o projecto começou no Douro pelo seu avó e com ele teve continuação. Há poucos anos resolveu apostar na Beira Interior para fazer vinhos de agricultura biológica, já que a região reúne as condições para isso. Em conjunto com produtores de azeite e mel, entre outros produtos, exportam para o Reino Unido, transportando a mercadoria em veleiros (para reduzir a pegada ecológica). O nome Bal da Madre significa “Vale da Mãe” em língua mirandesa e presta homenagem à mulher e à videira, onde tudo começa. A primeira colheita foi de 2017. O perfil dos vinhos é muito limpo, delicado, com uma simplicidade cativante.

A notoriedade constrói-se com resiliência e dedicação e pequenos projectos por vezes seguem conceitos bem sucedidos, são rapidamente captados pelos radares dos enófilos e propagados, valorizando a imagem global da região.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2022)

 

Lindeborg Wines- Como ser grande em pequena escala

Lindeborg Wines

Lindeborg Wines é um projecto recente, ambicioso e com grandes planos para o futuro. Neste momento agrega três quintas em produção – a Quinta da Folgorosa e Cortém na Região de Lisboa e a Quinta Vale do Armo no Tejo. O grupo ainda integra uma distribuidora, garrafeira e wine bar “111 Vinhos” com presença em […]

Lindeborg Wines é um projecto recente, ambicioso e com grandes planos para o futuro. Neste momento agrega três quintas em produção – a Quinta da Folgorosa e Cortém na Região de Lisboa e a Quinta Vale do Armo no Tejo. O grupo ainda integra uma distribuidora, garrafeira e wine bar “111 Vinhos” com presença em Lisboa e Cascais. No futuro mais próximo cabe o desenvolvimento da propriedade adquirida no Alentejo.

 Texto: Valéria Zeferino

Fotos: Lindeborg Wines

 Thomas Lindeborg, o empresário sueco com negócios na área de investimento imobiliário em vários países do mundo, de Europa a Ásia, partiu para uma nova aventura, agora no sector do vinho, com os pés bem assentes na terra. Literalmente. Thomas não compra vinho a granel para engarrafar e vender milhões de litros. Tem uma abordagem diferente – investe em terras, vinhas e quintas. Quer vender vinho de qualidade a preço razoável, em vez de entrar na guerra de preços baixos.

Não vê o vinho apenas como um hobby. Está disposto a e tem capacidade de investir sem esperar por lucros imediatos. A sua visão é a longo prazo, assenta na construção de uma imagem sólida e operações sustentáveis. Como impresário, percebe que o negócio tem que ser suficientemente grande para beneficiar de economia de escala e criar volume para entrar nos mercados de exportação, mas prefere atingir estes objectivos por via de complementaridade de várias propriedades de pequena/média dimensão. Esta abordagem permite preservar a autenticidade, evitando uniformização de grandes produções, e ao mesmo tempo ter uma oferta diversificada “in authentic small scale way” com brancos frescos de Lisboa, tintos aromáticos do Tejo, encorpados e redondos do Alentejo para além de vinhos biológicos e uma linha de vinhos vegan – para satisfazer todos os gostos. “Quero mostrar nos mercados internacionais que o vinho português não é só industrial” – afirma Thomas e sublinha “seja como for, eu não investi em vão, investi em imobiliário”.

Em vez de jogar golf, prefere podar a vinha. “Como passo muito tempo à frente do computador e ao telefone, o trabalho físico na vinha relaxa-me” – explica Thomas. As pessoas locais quando o viram pela primeira vez, pensavam que era algum turista alemão. Depois habituaram-se.

Lindeborg WinesComo tudo começou

Thomas Lindeborg visitou Portugal pela primeira vez em 1984, quando fez uma viagem a São Martinho do Porto com a sua esposa. “Era a viagem mais barata que consegui” – sorrindo lembra-se Thomas. Foi aí que se apaixonou pelo nosso país. Por razões de negócio viveu em Londres, mas desde 2008 teve uma segunda casa na costa Oeste. Em 2017, o Brexit impulsionou a sua mudança definitiva para Portugal.

O vinho sempre lhe despertou o interesse, servindo de motivação para investir nesta área. Em 2019 Thomas adquiriu a Quinta da Folgorosa com 46 hectares de vinha. No final do mesmo ano fez um negócio com um casal estrangeiro e ficou com a Cortém, uma pequena propriedade com apenas 6 hectares de vinha em produção biológica. Para ser autosustentável o negócio precisava de escalar, e em 2020 surgiu uma oportunidade no Tejo de aquisição da Quinta Vale do Armo com 94 hectares de vinha. No final do ano passado realizou-se mais um investimento, agora no Alentejo – a Herdade de Cabeceira com 50 hectares e possibilidade de plantar mais 40. Os primeiros vinhos desta propriedade só serão lançados em 2023.

Visão estratégica

 Depois de aquisição das propriedades, investiu-se nas vinhas, nas instalações e no equipamento para assegurar a qualidade de produção, e só agora chegou a vez da área comercial para alargar as vendas. Antes tinham e continuam a ter clientes privados em Portugal e fora.

Sustentabilidade é um conceito profundamente enraizado na Lindeborg Wines. Utilizam vidro mais leve, as caixas fecham-se sem utilização de cola ou plástico. Estão a estudar a possibilidade de substituir as cápsulas convencionais por outras de materiais alternativos sustentáveis que permitem a sua reciclagem ou cuja produção reduz significativamente a pegada de carbono. O papel para os rótulos é feito de massa a partir de grainha de uva. Estas medidas levam ao aumento de custos de produção, mas são mais sustentáveis de ponto de vista ambiental.

Sendo um líder por natureza, Thomas sabe que é na equipa que se deve apostar para alcançar o resultado pretendido. Sabe motivar as pessoas e dar-lhes oportunidades. “Não se preocupem com a parte financeira, esta preocupação é minha. A vossa é fazer vinhos de alta qualidade” – esta é a mensagem de Thomas para os seus colaboradores.

Pessoa chave na equipa é Diogo Pereira, o responsável de enologia do grupo. Entrou em 2009 na Quinta da Folgorosa e já tem mais de 10 anos de aprendizagem sobre as suas condições, pois as diferenças entre as regiões são grandes. Antes trabalhou no Alentejo, onde os taninos são naturalmente mais maduros e redondos. Na região de Lisboa encontrou taninos mais reactivos e agressivos e no Tejo teve que aprender a lidar com taninos secos. À sua responsabilidade fica a definição de gamas das quintas todas e a abordagem geral de produção.

Quinta da Folgorosa – frescura atlântica

A Quinta da Folgorosa fica perto de Sobral de Monte Agraço no concelho de Torres Vedras. É uma propriedade muito antiga com morgadio desde 1711 e antes das guerras napoleónicas já tinha vinhas. A parte mais alta da vinha fica a uma altitude de cerca de 300 metros, as ondulações do terreno não são acentuadas. Algumas parcelas são vindimadas à mão, outras, onde as condições de terreno e a dimenção da vinha permitem, vindimam-se à máquina.

No meio da vinha fica um velho moinho que acaba por servir de miradouro natural e dar um traço pitoresco à propriedade. Também é retratado nos rótulos.

A idade dos vinhedos anda pelos 12 a 18 anos mas, ao contrário do habitual na região, as produções por hectare são muito baixas, apenas 2-3 toneladas, derivado da falta de investimento em anos anteriores. As vinhas estão quase decrépitas, situação que está a ser corrigida agora. Aliás, os primeiros investimentos foram feitos precisamente na vinha e na adega logo depois da aquisição. O investimento na promoção e na área comercial só se verifica a partir de agora.

A grande parte de vinhos era vendida a granel, prática com a qual Thomas acabou. E também baniu completamente a adição de açúcar e pasteurização mesmo nas gamas de entrada.” O vinho tem que ser honesto, ou não vale a pena fazê-lo”, diz. A partir da colheita 2021 os vinhos vão ser certificados como DOC Torres Vedras. Os sete vinhos do portefólio são apropriados para vegans, ou seja, na sua produção, não são utilizados produtos de origem animal.

A proximidade atlântica traz frescura necessária para fazer brancos com frescura e carácter. O Arinto representa 60% do encepamento, é a base dos lotes. Diogo prefere apanhar o Arinto com o máximo de 12,5% de álcool provável, “pois quando atinge mais de 13%, começa a transmitir aromas que lembram maçã raineta e laranja confitada”, refere.

O Moscatel foi plantado como tempero para integrar nos lotes. Em 2020 fizeram o primeiro monovarietal, ainda com o objectivo de lotear. Sobrou cerca de 1000 litros e era muito bom. Foi para barrica durante 3 meses e chegaram à conclusão que vale a pena dar protagonismo à casta na gama Quinta da Folgorosa.

Plantou-se mais Moscatel e Alvarinho. Sauvignon Blanc também tem uma expressão interessante e vão apostar num monovarietal dentro da gama Quinta da Folgorosa. O Fernão Pires é bom para fazer lotes aos quais confere volume, mas não representa uma grande aposta a solo.

Está previsto também ter dois monovarietais tintos: de Touriga Nacional e provavelmente de Castelão. Futuramente vai haver um espumante e talvez uma aguardente. Em tempos, a quinta esteve ligada à aguardente CR&F, o que é sempre bom augúrio…

Cortém – vinhos biológicos

 Esta pequena propriedade rústica com uma adega bastante artesanal, também fica na região de Lisboa, situada em Caldas da Rainha. Apenas o chão e o tecto da casa original foram alvos de renovação, mantendo o traço original e todo o encanto de uma pequena quinta.

A apenas 15 km da costa em linha recta, o clima apresenta forte influência atlântica, ainda mais pronunciada do que na Quinta da Folgorosa. A vinha, inicialmente com 6 hectares e mais 3 adquiridos mais tarde, é plantada em dois vales – vale de Cortém, mais húmido e vale dos Mosteiros, mais seco. Os nevoeiros aparecem sempre de manhã e mantêm-se até às 11-12 horas, e depois acumulam-se novamente a partir das 5-6 horas da tarde.

Os antigos proprietários, o casal Price, apostaram na viticultura orgânica, o que tem sido um enorme desafio nesta zona pela humidade e a carga de doenças. A produção é baixíssima, não ultrapassa 3-4 tn/ha e em anos mais chuvosos a colheita fica fortemente comprometida. De acordo com a filosofia anterior, os vinhos passavam 2 anos em depósitos e ainda mais 2 anos em garrafa.

Quinta Vale do Armo – a expressão do Tejo

 Mudámos para a região do Tejo. A Quinta Vale do Armo encontra-se perto da pequena vila de Sardoal no concelho de Santarém, conhecida como Vila Jardim por ter muitas plantas e flores na decoração das casas. O rio Tejo fica a 6 km a norte da quinta.

Começou em 2004 com apenas 9 ha e cresceu até mais de 90 ha. Tiago Alves, responsável pela viticultura, foi encarregado de adquirir vinhas na zona para aumentar a área de plantação. Na conservatória onde se registava a passagem dos direitos, já toda a gente o conhecia, depois do registo de 42 cadernetas!

A colecção de castas tintas inclui Touriga Nacional, Touriga Franca, Aragonez, Trincadeira (não muito boa), Syrah, Petit Verdot, Merlot, Cabernet Sauvignon, Alicante Bouschet e algumas vinhas velhas. Para brancos têm Alvarinho, Viosinho, Arinto, Verdelho e Sauvignon Blanc. As castas brancas são plantadas nas zonas mais baixas com um pouco mais de fertilidade do solo; as tintas nas zonas mais altas com alguma encosta. As geadas representam aqui um problema grande. Há anos que há “zero Verdelho ou Touriga Nacional”, conta Tiago Alves.

Tiago considera Aragonez e Syrah duas castas estruturais. Touriga Franca, na sua opinião, é a casta de futuro nesta mudança climática. Para amadurecer e quebrar o tanino seco precisa de calor e aguenta-o muito bem. Não sofreu nada no famoso escaldão de 2018, não dá problemas fitossanitários e potencia os lotes.

Os solos nesta zona são muito pobres, explica Tiago, é difícil produzir mais de 6 tn/ha. Noutro polo de vinhas que ocupa 65 ha conseguem produzir cerca de 9 tn/ha, o que está muito longe das produções médias do Tejo. Por ano, produzem cerca de 500 000 litros de vinho, dos quais 70 000 são de brancos.

Embora a zona se aproxime territorialmente à Beira Interior e ao Alentejo, Tiago aponta diferenças essenciais nas condições climatéricas. As temperaturas no Tejo e no Alentejo são semelhantes, facilmente chegam aos 40˚C com a diferença que no Alentejo esta temperatura é atingida muito mais cedo e dura mais horas durante o dia do que no Tejo.

Se na Quinta da Folgorosa não precisam de rega, aqui é inevitável. Os solos são franco-limosos e argilo-calcários, com uma boa drenagem, mas não retém água por muito tempo. Para a rega têm dois depósitos de água: um de 150 mil litros com a captação de um furo e outro de 300 mil litros com captação do rio Tejo.

A colheita de 2021 já foi vinificada pela nova equipa a 100% e com a filosofia e abordagem enológica do grupo. Provei alguns ensaios muito interessantes que ainda estão em cubas e em barricas. A próxima colheita promete! Embora cada quinta tenha a sua própria adega, as instalações da Quinta Vale do Armo irão tornar-se num hub logístico e de engarrafamento da Lindeborg Wines.

O próximo passo é solidificar e harmonizar a imagem dos vinhos feitos em cada quinta com identidade do grupo e redefinir os portfólios. Como diz Thomas, e bem, “Portugal transmite paixão e felicidade aos quais eu junto estrutura e foco para um futuro de sucesso.”

(Artigo publicado na edição de Maio 2022)

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Grande Prova Douro tinto – Por menos de €15, melhor é difícil

São acessíveis, mas não para todos os dias. Dão um prazer imediato, mas a maior parte deles irá evoluir muito bem em garrafa nos próximos 5 ou 10 anos. Muitos destes vinhos portam-se melhor à mesa do que numa prova técnica. Alguns são mesmo tintos surpreendentes, de enorme gabarito, autênticas grandes escolhas que não arruínam […]

São acessíveis, mas não para todos os dias. Dão um prazer imediato, mas a maior parte deles irá evoluir muito bem em garrafa nos próximos 5 ou 10 anos. Muitos destes vinhos portam-se melhor à mesa do que numa prova técnica. Alguns são mesmo tintos surpreendentes, de enorme gabarito, autênticas grandes escolhas que não arruínam a carteira.

Texto: Valéria Zeferino

Fotos: Ricardo Palma Veiga

Nesta gama de preços encontra-se toda a variedade da região, do mais chuvoso Baixo Corgo ao árido Douro Superior; de edições limitadas de 5.000 garrafas, como o Letra F do António Maçanita até quase meio-milhão de garrafas do Vinha Grande da Sogrape. Podemos falar de vinhos que já se tornaram clássicos, contando com duas-três décadas da existência, ou ainda mais, como o Vinha Grande, cuja primeira colheita é de 1960; é há vinhos dos projectos mais recentes, lançados nos últimos anos pela Magnum Carlos Lucas, António Maçanita ou Santos&Seixo.

Muitos vinhos trazem no rótulo as menções tradicionais para expressar os níveis de qualidade como o Reserva ou, em alguns casos, o Grande Reserva ou Reserva Especial. Estas menções (tirando a “Garrafeira” pouco utilizada no Douro) não estão conotadas com duração e tipo de estágio. Em termos qualitativos obrigam à obtenção de uma determinada pontuação na Câmara dos Provadores do IVDP, compatível com vinhos de “muito boa qualidade” e “elevada qualidade”. Dão melhor ideia da hierarquia de qualidade dentro do portfólio de cada produtor, do que de uma forma transversal. Nem tudo o que se designa como “Reserva Especial” é quase Barca Velha.

E já agora, nem todos os produtores querem utilizar as designações como Reserva ou Grande Reserva. Alguns optam pelo modelo bordalês, onde o vinho de maior renome, o grand vin, ostenta o nome da propriedade, e o segundo vinho, que custa menos e normalmente é feito para ser consumido mais cedo, tem no seu nome alguma semelhança com a casa produtora. A enóloga e produtora Sandra Tavares explica que no início do projecto com o seu marido Jorge Borges optaram por este modelo, porque queriam evitar a banalização das designações como “reserva” e outras deste género. Há mais exemplos: o Meandro da Quinta do Vale Meão ou o Pombal do Vesúvio da Quinta do Vesúvio.

Pedro Correia, responsável de enologia na Prats&Symington explica que o Post Scriptum é o irmão da Chryseia, a filosofia é a mesma. A distinção Chryseia vs. Post Scriptum começa na classificação da uva com critérios qualitativos e históricos das parcelas. A vinificação é quase igual. Trabalha-se muito com sub-lotes, sendo que 80% das fermentações nascem como Chryseia a acabam Chryseia e o mesmo acontece com Post Scriptum. Tudo é provado 2 vezes por dia durante a fermentação e maceração para avaliar o potencial que ainda não está cá fora e definir se, no final de contas, vai para Chryseia ou para Post Scriptum.

Douro blend hoje – como é?

As castas tintas mais plantadas no Douro são Touriga Franca com 10.121 ha, Tinta Roriz com 5.960 ha, Touriga Nacional com 4.228 ha e Tinta Barroca com 3.019 ha.

As primeiras três, basicamente, integram o famoso trio duriense responsável pela maior parte dos vinhos da região. Em alguns casos no lote entra Sousão, Alicante Bouschet, Tinta Barroca, Tinto Cão, Tinta Amarela ou alguma outra casta, mas na qualidade de “sal e pimenta”.

De um modo geral, os produtores e enólogos concordam que Touriga Nacional e Touriga Franca são as peças-chave.

Pedro Correia explica que “a Touriga Nacional é uma casta versátil e se pode confiar nela independentemente das condições. A Franca é mais sensível a condições menos favoráveis (tendo em conta já de si baixas produções)”.

Para o enólogo da Quinta do Crasto, Manuel Lobo, Touriga Franca é a espinha dorsal de um lote, dá dimenção e volume, enquanto Touriga Nacional confere frescura, elegância e também alguma estrutura. No entanto, “exige algum cuidado com exposição solar para evitar que as folhas de base sequem e que fique com aromas sobremaduros”. “A Touriga Franca é a casta que se melhor adapta no Douro Superior, suporta exposição solar directa com mais conforto. Em contrapartida pode apresentar falta de acidez e pH alto e às vezes peca por falta de elegância”.

A Tinta Roriz nunca é consensual. Pedro Correia acha que não tem potencial equiparável a Touriga Franca e Touriga Nacional. Tem um teor de tanino muito alto e quando produz em demasia, não amadurece suficiente. No Quinta de Ataíde não tem protagonismo e no Post Scriptum entra apenas com 7%, sendo de um clone favorável de uma vinha mais velha.

Para Manuel Lobo a Tinta Roriz é “tanino e persistência”. “Precisa de solos mais fracos e algum stress hídrico. Assim, os bagos são de diâmetro menor e mais separados.”

Já o enólogo Paulo Coutinho defende Tinta Roriz no sítio certo. Para o Quinta do Portal Reserva utiliza a Touriga Nacional e a Tinta Roriz quase em partes iguais, deixando para a Touriga Franca um papel secundário com 15% no lote. Explica isto pelo facto de Tinta Roriz no vale do rio Pinhão ser mais expressiva, desenvolvendo melhor a parte aromática.

A Tinta Barroca é uma casta precoce, ganha açúcar elevado e perde acidez, ainda por cima, tem pouca cor. Importante para Vinho do Porto, tem pouco interesse enológico para DOC Douro na opinião de Pedro Correia.

O Tinto Cão é o oposto da Tinta Barroca – casta muito tardia de ciclo longo; tem tanino bem presente, produz vinhos com frescura e algum potencial de envelhecimento.

O Alicante Bouschet representa interesse, mas “é preciso controlar o rendimento, porque tem a tendência para subir muito a produção o que impacta com a maturação” – lembra Pedro Correia.

Manuel Lobo defende que o Sousão tem um papel importante, conferindo frescura e acidez natural ao vinho e assegurando a sua longevidade, mas é muito dominante e tem de ser utilizada no lote em quantidades mínimas.

Alguns vinhos neste patamar de preços, são de vinhas velhas, como é o caso do Lua Cheia, da Saven, ou o Quinta dos Aciprestes, da Real Companhia Velha, onde predomina Tinta Barroca para além da Tinta Roriz, Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinto Cão e Tinta Amarela; e Manoella da Wine&Soul, com vinhas plantadas em patamares ainda pelo pai de Jorge com as castas Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz and Tinta Francisca.

Os monovarietais não são muito comuns neste segmento de preço, porque as quantidades disponíveis são reduzidas e o preço normalmente ultrapassa os 15 euros. Nesta prova esteve presente apenas um monocasta de Touriga Nacional, da Quinta de Ventozelo.

O facto de se usar um reduzido número de castas nos lotes não significa que a riqueza ampelográfica da região se perdeu. Na Quinta do Ataíde, conhecida pelo início da recuperação da Touriga Nacional, desde 2014 existe uma colecção de 53 variedades autóctones com algumas estrangeiras para efeitos de comparação. Todos os anos são feitas vinificações em extreme para avaliar o potencial dos vinhos e a adaptabilidade das diferentes castas às condições específicas do Douro, conta Pedro Correia.

Douro tinto melhorMultiplicidade de abordagens

 A filosofia de cada produtor por detrás dos seus vinhos nesta gama pode ser diferente, mas de certa forma, todos concordam que reflectem o Douro fielmente, quer através do lugar onde nascem, quer através do estilo da propriedade. Normalmente recorre-se ao estágio em barrica, mas com muito menor expressão de madeira nova do que para os topos de gama.

Paulo Coutinho considera o Quinta do Portal Reserva como um vinho mais tradicional do Douro. O Colheita é o mais fácil e o Grande Reserva é mais trabalhado, um Douro moderno, mais polido. Na sua opinião é o Reserva que deverá manter a tradição, sendo um vinho mais austero e gastronómico. Assim, o estilo começa na vinha: para o Grande Reserva as uvas são provenientes das vinhas mais velhas e com mais exposição; para o Colheita, mais altitude; e o Reserva é um vinho de cotas intermédias, da meia-encosta, onde as uvas amadurecem bem, mas ficam sempre com algum nervo. “Só à mesa conseguimos apreciá-lo na plenitude”, defende Paulo Coutinho.

Jorge Moreira, cuja experiência enológica, para além do projecto próprio de Poeira, se estende para três casas – Real Companhia Velha, Quinta de La Rosa e Quinta das Bandeiras – explica que os vinhos Quinta dos Aciprestes, La Rosa e Passagem, respectivamente, são todos “vinhos de quinta”. Ou seja, o objectivo é mostrar inequivocamente o carácter de cada propriedade. Como também são vinhos de maior volume de cada uma das quintas, partilham um factor comum muito importante: têm de ser equilibrados e ter potencial de envelhecimento de pelo menos 5 a 10 anos.

A idade e condições diferentes das vinhas ditam a abordagem na adega. Por exemplo, na Quinta dos Aciprestes as vinhas velhas (com predominância da Tinta Barroca que não tem muito volume e cor mas é aromática e suave) originam vinhos com estrutura menos potente. Neste caso, o mais adequado é o estágio em balseiros de 20.000 litros para reduzir o contacto com oxigênio. Na Quinta de La Rosa, as uvas provêm de vinhas com Touriga Nacional, Touriga Franca e Tinta Roriz de diferentes altitudes, geralmente de cotas médias, e com exposição a sul. São cheios de pujança, aguentam bem pisa em lagares antes de fermentação e as barricas de 225 litros, parcialmente novas.

O produtor António Maçanita queria mostrar um Douro diferente. O nome do vinho é de certa forma autoexplicativo – Letra F, o que tem a ver com a classificação das parcelas do Douro em função da sua aptidão para produzir Vinho do Porto. Esta é a última letra que dá direito ao benefício, pois as restantes letras G, H e I já não.

São parcelas de vinha situadas em Carlão perto de Alijó, numa zona de transição de xisto para granito entre os 500 e 720 metros de altitudes. Tratam-se vinhas bastante velhas, entre 50 e 100 anos, com castas tintas e brancas misturadas (estas são fenólicas, de película grossa que também dão estrutura ao vinho).

Pode não ser muito típico, mas o “Douro também é isto” – defende António Maçanita. Ao fazer o vinho, recorre a extrações longas, mas suaves. Forma uma “sanduíche” com cachos inteiros no meio dos cachos estalados, o que permite conduzir fermentações em dois tempos. Os cachos estalados em cima ao fermentar protegem os do meio, que libertam o açúcar mais tarde, prolongando a fermentação. A logística da adega é mais difícil assim, porque os recipientes ficam ocupados mais tempo, exige mais controlo durante a vinificação, mas ganha-se na estrutura e tanino do vinho final.

Viticultura cirúrgica e fine-tuning

 O Douro, sem dúvida, é uma região com muita tradição. Resistiu à proliferação de castas estrangeiras, a vindima, salvo raras excepções, é manual (única possível em socalcos e patamares) e ainda se utilizam lagares e pisa a pé, mesmo para os vinhos DOC.

Isto não significa que a região cristalizou no tempo. Há cada vez mais conhecimento empregue na “viticultura cirúrgica”, como lhe chama Manuel Lobo. E é particularmente importante numa região tão promissora, mas desafiante como o Douro Superior. É muito seca, com precipitação escassa e para obter uvas equilibradas é fundamental trabalhar a exposição correcta em função da casta. A Quinta do Crasto tem a vinha plantada na Quinta da Cabreira desde 2004. As videiras já atingiram uma maturidade interessante, mas não se tratando de uma vinha velha, precisam de muita atenção. A rega tem de estar afinada com variações de solo e videiras e é preciso garantir o equilíbrio entre quantidade de uva e área foliar.

A mesma visão tem Pedro Correia quando se refere ao Vale de Vilariça, onde estão plantadas as vinhas da Quinta de Ataíde em viticultura biológica. É um terroir quente, onde o controlo do estado hídrico da planta é gerido de perto para garantir que o stress hídrico não impeça a fotossíntese. Uma rega qualitativa é indispensável. Começam a ser utilizadas certas espécies de leveduras capazes de proteger a planta contra o stress hidrico e abiótico. É uma alternativa sustentável a uso de substâncias químicas.

Como naquela zona a mecanização é possível, a vindima é feita à máquina e os resultados não são inferiores a uma vindima manual. Entre a colheita e o processamento das uvas, recorrem à bio proteção através de utilização de uma cultura de leveduras que domina o meio sem afectar e protege do arranque de fermentação antes do tempo.

Para as uvas tintas, não adicionam sulfuroso antes da fermentação e o objectivo é no futuro evoluir, diminuindo o sulfuroso sem prejudicar a qualidade.

Antes e durante a fermentação recorrem ao uso de diferentes leveduras com vários propósitos de fine-tuning. As leveduras não fermentativas funcionam durante a maceração pré-fermentativa, permitindo extração mais lenta. É como cold-soaking, mas sem uso de energia para arrefecer o mosto, explica Pedro Correia. As leveduras não-saccharomyces permitem criação de compostos aromáticos mais interessantes no início de fermentação.

Estatísticas e mercados

 Mesmo com o crescimento em popularidade e prestígio dos vinhos tranquilos do Douro, o grosso da produção na região continua a ser o Vinho do Porto. Segundo o IVDP, em 2020 produziu-se 47.884.768 litros de vinhos DOC Douro e 70.540.505 litros de vinhos do Porto.

Em termos de comercialização, nos últimos 10 anos, os vinhos DOC Douro foram ganhando o terreno aos Vinhos do Porto que diminuiram em vendas de 85.292.747 litros em 2010 para 68.353.804 litros em 2020, enquanto os vinhos DOC Douro cresceram de 21.415.054 para 38.899.224 litros. Mesmo assim, produz-se mais vinho do que se consegue vender.

Os preços médios por litro subiram de 3,95 para 4,15 euros nos vinhos DOC e de 1,23 para 3,1 euros nos IGP, provavelmente, devido a produção de vinhos de alta qualidade de castas não abrangidas pela DOC. Mas sabemos que estes preços não reflectem a realidade do Douro, onde o custo de produção se mantém alto.

Os maiores mercados para vinhos DOC Douro, tirando o mercado nacional com mais de 60%, são o Canadá com mais de 3 milhões de litros, Reino Unido com 1,9 milhões de litros, Brasil com quase 1,5 milhões de litros, Alemanha com 1,2 e Suíça com 1,1 milhões de litros. Em valor a distribuição é um pouco diferente, sendo o mesmo Top 5: Canadá, Reino Unido, Suíça, Brasil e Alemanha.

A presença de vinhos DOC Douro no mercado do Canadá quase triplicou nos últimos 10 anos (a comparar 2010 e 2020) e o preço médio também cresceu de 3,88 para 4,05 euros. No Reino Unido cresceu 7 vezes, mas o preço registou um descréscimo de 4,6 para 3,17 euros. Na Alemanha quase duplicou a venda e o preço subiu ligeiramente de 4,47 a 4,65 euros. No Brasil o crescimento é de cerca de 60%, sem grande alteração no preço. Na Suíça cresceu mais do dobro e em preço também um pouco de 5,13 a 5,29.

Uma dinâmica positiva também foi registada nos mercados como os Estados Unidos (que cresceu bastante e sobretudo a nível do preço, de maneira que as vendas em valor quase duplicaram), a Bélgica, França, Polónia, a Rússia (a presença dos DOC Douro aumentou de 7 mil para 263 mil litros mas com uma substancial diminuição do preço médio de 7,28 para 3,12 euros). A título de curiosidade, os preços médios mais altos para os vinhos do Douro foram registados em 2020: no Uruguai 17,91 euros e na Georgia 15,59 euros. É pena que a presença de vinhos durienses nestes países seja residual.

(Artigo publicado na edição de Abril 2022)

Adega de Redondo: Nova imagem, vinhos surpreendentes

Adega Redondo vinhos

Em Portugal muitos conhecem a marca icónica Porta da Ravessa, mas talvez nem todos saibam que o vinho é produzido pela Adega de Redondo, pois a fama desta brand ultrapassou o seu criador. Sofreu uma transformação recentemente e agora apresenta uma nova imagem aliada a significativo acréscimo qualitativo. Texto: Valéria Zeferino Fotos: Adega Coop. de […]

Em Portugal muitos conhecem a marca icónica Porta da Ravessa, mas talvez nem todos saibam que o vinho é produzido pela Adega de Redondo, pois a fama desta brand ultrapassou o seu criador. Sofreu uma transformação recentemente e agora apresenta uma nova imagem aliada a significativo acréscimo qualitativo.

Texto: Valéria Zeferino
Fotos: Adega Coop. de Redondo

O moderno conceito de storytelling obriga hoje em dia muitos produtores a inventar histórias à volta das suas marcas para comunicar ao consumidor. Mas há empresas que não precisam de inventar nada, pois a história da sua marca é bem real e antiga. É o caso da icónica Porta da Ravessa responsável por cerca de 50% da faturação da empresa. Aliás, é um verdadeiro case study em como a popularidade da marca tornou célebre o lugar histórico em que foi inspirada. Mas vamos por partes.

A marca Porta da Ravessa surgiu na década de 90 do século passado, a seguir à Real Lavrador, lançada pela Adega de Redondo em 1985. Na altura foi uma inovação em relação à prática de colocar nos rótulos simplesmente o nome do produtor e da origem. A primeira marca homenageava o Rei D. Dinis, “O Lavrador”, figura incontornável na história de Portugal e particularmente de Redondo, concedendo à vila a carta de foral em 1318. Hoje a marca Real Lavrador já não tem conotação com realeza, mas com os verdadeiros lavradores, sendo a imagem do rei substituída pelas pegadas de botas, deixadas na terra.

A história da Porta da Ravessa está ligada ao Castelo de Redondo de traços góticos no centro da Vila. O acesso ao interior do recinto faz-se por duas portas, reforçadas por duas torres de cada lado: a Porta do Postigo virada a poente, por onde sai o caminho em direcção a Évora, e a Porta da Ravessa virada a nascente que dava acesso à feira da povoação. Em cima da porta fica o brasão das armas de Portugal e na pilastra que sustenta o arco do lado direito encontra-se gravado o padrão das medidas lineares utilizadas no Portugal medieval para comercializar tecidos:  a vara, correspondente a cinco palmos (110 cm) e o côvado correspondente a três palmos (66 cm). Estas marcas do século XIV são bem visíveis ainda hoje.

No final dos anos 90 houve um grande investimento em comunicação e marketing incluindo anúncios na rádio e TV, patrocínio dos jogos de futebol e desportos motorizados (com Pedro Lamy nas competições de Fórmula 1 e Carlos Sousa no Paris Dakar). A adega tinha uma equipa de ciclismo profissional que em 2000 ganhou a Volta a Portugal com Vitor Gamito. Esta estratégia deu os seus resultados e em 2004 a Porta da Ravessa era uma super brand não só no Alentejo, mas em Portugal inteiro e claramente contribuiu para a popularidade dos vinhos do Alentejo no mercado interno. Os turistas, ao visitar o Castelo de Redondo, impreterivelmente procuram a tal Porta da Ravessa retratada no rótulo.

Na altura de 2010/2011 a Adega de Redondo passou por um período difícil e teve que fazer um saneamento financeiro e rever a sua estrutura de custos. Todo o reconhecimento que a marca ganhou, conseguiu-se manter ao longo dos anos, graças à excelente relação qualidade/preço. Ainda há 3 anos de acordo como índice Nielsen, a Porta da Ravessa era a terceira marca mais vendida em volume e quinta em valor.

No ano passado, no meio de pandemia, decorreu silenciosamente uma grande renovação da imagem de todas as marcas e da própria adega. A imagem da Porta da Ravessa no rótulo ficou mais estilizada com traço moderno, destacando os elementos gráficos do brasão das armas em cima e da vara e côvado. A nova apresentação visa ser apelativa na conquista do consumidor mais jovem.

Equipa jovem e dinâmica

 A Adega de Redondo é o maior empregador privado do concelho e conta com 57 funcionários, entre os mais antigos, como o adegueiro que trabalha lá há 40 anos e dizem a brincar que “está casado com a adega”, e mais recentes, jovens e dinâmicos, competentes e dedicados como o Director Geral Nuno Pinheiro de Almeida e o Director Comercial Bernardo Malhador.

A enóloga Mariana Cavaca é responsável de produção. Ao finalizar o Mestrado em Enologia e Viticultura no ISA, estagiou na Quinta do Crasto e reconhece Manuel Lobo como o seu primeiro orientador na profissão escolhida. Depois trabalhou na Solar dos Lobos e Tiago Cabaço Winery. Em 2016 ingressou na Adega de Redondo, no início a trabalhar com Pedro Hipólito, que também considera seu mentor. Desde 2021 assumiu a responsabilidade como Directora de Enologia.

O trabalho de Mariana não tem nada a ver com glamour de estar numa propriedade com um nome sonante. Na altura de vindima, entram 600 toneladas de uva por dia! A produção de vinho em grande volume não deixa margem para passos arriscados, nem perdoa a falta de profissionalismo. A consistência é a palavra chave. Produzir cerca de 15 milhões de garrafas por ano, coerentes em diversas gamas, mantendo a consistência colheita após colheita, é obra. Juntemos aqui a dificuldade acrescida de trabalhar com duas centenas de sócios, sendo que para muitos deles a viticultura é uma actividade adicional. O que vale é que 40 sócios são responsáveis por 80% da produção (32 sócios têm mais de 20 ha cada). Estes já têm uma visão mais empresarial e noção que quanto melhor for a qualidade de uva que entregam, melhor será para a Adega e, consequentemente, para eles. A Adega de Redondo, por sua vez, tem uma atitude de acompanhamento e aconselhamento, não de imposição.

Adega Redondo Vinhos
Mariana Cavaca, enóloga e responsável pela produção.

A equipa de viticultura levou a cabo o cadastro de vinhas e castas de todos os sócios, que é actualizado anualmente. Isto permite a gestão de perfis de vinhos, a consistência de qualidade e separação de uva logo na vindima por via de conhecimento sobre o potencial da matéria prima por parcela, por casta e por sócio.

Para assegurar a qualidade de colheita em cada ano, foi elaborado o Programa de Qualidade para vinhos tintos, brancos e rosés que estabelece requisitos de qualidade e os incentivos relacionados, que é actualizado todos os anos pela equipa de enologia e viticultura.

Por exemplo, de acordo com o Programa de Qualidade, as uvas deverão apresentar um bom estado sanitário e estar maduras, mas sem sobrematuração, ou seja as castas brancas têm de apresentar o álcool provável entre as 11 a as 12,5%, com excepção do Arinto que pode ser vindimado com 10,5% para contribuir com a sua acidez natural aos lotes; as referências para as castas tintas podem variar dos 13 às 15%. Privilegia-se a entrega por casta e não em conjunto, pois isto permite uma melhor gestão dos lotes na vinificação (a Tinta Caiada, por exemplo, está mesmo proibida de entrar misturada com outras castas). Se houver problemas fitossanitárias, a uva não vai para a produção de vinho, segue para destilação. Ao fazer lotes também é preciso paciência e concentração. Ensaiam primeiro tudo na sala de provas, pois “30-40 mil litros fazem diferença nos 4 milhões”, explica Mariana.

As instalações são bem equipadas e para além de cubas de cimento antigas de uma arquitectura bonita e pouco comum, dispõe de cubas de inox e 10 cubas com sistema Ganimede capazes de receber 120 toneladas de uva e que dão óptimos resultados – uma remontagem bem feita, extração de cor e parte aromática sem dilaceração de películas, fermentação rápida, grande poupança da energia, exigindo pouca mão-de-obra. Na unidade de acabamento de vinhos, brilha um filtro tangencial para uma filtração delicada e de baixo impacto ambiental. Também há uma sala de barricas para o estágio dos topos de gama da Adega.

Metodicamente investe-se na modernização. Os investimentos mais recentes incluem um novo armazem destinado a produto acabado, o que permite aumentar o tempo de estágio, e uma nova linha de engarrafamento com capacidade para 14 mil garrafas/hora.

É claro que há sempre mais algum “brinquedo” que Mariana gostava de ter na sua sala de vinificações para realizar novas ideias, porque há sempre espaço para introdução de melhorias nos processos enológicos. Contudo, está satisfeita com o seu trabalho. “Sinto-me orgulhosa a provar os vinhos da nossa adega” – diz a enóloga e tem toda a razão, pois as gamas são bem definidas, com consistentes patamares de qualidade dentro de diferentes referências (tem mais marcas para além da Porta da Ravessa e Real Lavrador). Alguns dos vinhos só têm um problema – são escandalosamente baratos. Por exemplo, se me dissessem que o Porta da Ravessa Reserva branco com PVP 6 euros, custava 10 ou 12 euros, não me sentiria defraudada pela qualidade que apresenta e prazer que proporciona. Infelizmente, a guerra de preços dos vinhos neste país, com a pressão dos hipermercados e a aplicação de “descontos” absurdos de 50-70%, deixa os produtores de mãos atados.

Com forte presença dos vinhos da Adega de Redondo no mercado nacional, a exportação corresponde apenas a 15-17% de produção. O mercado nº1 é o Brasil, e também há operações nos Estados Unidos, Rússia, Polónia e “mercado da saudade”. Curiosamente, é mais fácil vender os vinhos lá fora, nota Bernardo Malhador, porque não existe o “estigma” dos “vinhos de adegas cooperativas” e o consumidor não faz juízo de valor em relação ao produtor ser mais ou menos “nobre”: se gosta do vinho, compra-o.

(Artigo publicado na edição de Março de 2022)

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Grande Prova – Quando Verde não é uma cor

Grande Prova Verdes

O Vinho Verde não é uma categoria de vinhos. Se antigamente o consumidor ainda tinha desculpa para fazer esta confusão, por falta de conhecimento ou de vinhos com grande impacto, hoje é imperdoável. O Vinho Verde é uma denominação de origem que coincide geograficamente com a região do Minho. E é, sem dúvida, uma grande […]

O Vinho Verde não é uma categoria de vinhos. Se antigamente o consumidor ainda tinha desculpa para fazer esta confusão, por falta de conhecimento ou de vinhos com grande impacto, hoje é imperdoável. O Vinho Verde é uma denominação de origem que coincide geograficamente com a região do Minho. E é, sem dúvida, uma grande região para vinhos brancos no nosso país.

Texto: Valéria Zeferino
Fotos: Ricardo Palma Veiga

A região dos Vinhos Verdes tem o seu perfil diferenciador marcado pelas condições climáticas vincadas e pelas castas pouco ou nada utilizadas noutras regiões do país (com excepção de Arinto). O enorme sucesso de marcas de volume como Casal Garcia, Gazela ou Gatão não podem justificar generalização, impedindo ver o potencial qualitativo e a diversidade da região. Pensar que todos os vinhos daquela zona são simples, levemente doces e gaseificados, é uma visão redutora. Os vinhos com carácter mais sério e ambicioso, sem comprometer o perfil marcadamente fresco da região, representam hoje, segundo o Presidente da Comissão Vitivinícola Regional dos Vinhos Verdes (CVRVV), Manuel Pinheiro, cerca de 20% da produção em termos quantitativos, mas elevam o padrão e a percepção da qualidade e de valor do Vinho Verde, como a expressão do seu território.

Marcos históricos

 A menção mais antiga ao Vinho Verde data de 1606, num documento passado pela Câmara do Porto. Vinho Verde foi uma das primeiras regiões a ser demarcada em 1908 e desde 1929 tem os seus contornos actuais. É uma das maiores regiões de Portugal em termos de área de produção, a seguir ao Douro e Alentejo, ocupando mais de 24 mil hectares (dados estatísticos do IVV a 31 de Julho de 2020). Em termos de produção é a quarta maior região a seguir ao Douro, Alentejo e Lisboa, produzindo 816 396 hl na campanha 2019/2020 o que corresponde a 13% de produção nacional.

Nos últimos quatro anos (sem contar com 2020) a presença no mercado nacional estava a crescer continuamente, atingindo em 2019 quase 21,5 milhões de litros o que corresponde a uma quota do mercado de quase 18%. É a segunda maior em volume a seguir ao Alentejo (com 37,6% do mercado) e em valor fica no terceiro lugar após Alentejo e Douro, ocupando 15,5% do mercado nacional, segundo a Nielsen.

O preço médio também foi crescendo nos últimos 4 anos e em 2019 ficou nos 4,86 euros por litro, ultrapassando regiões como Beiras, Beira Atlântico, Lisboa, Tejo e Península de Setúbal.

96,6% dos vinhos da região são vendidos como DOC e nesta vertente o Vinho Verde lidera no mercado nacional. Mais de 70% é vendido na distribuição, mas também tem uma presença interessante na restauração.

Ao contrário da realidade histórica, na região produz-se muito mais brancos do que tintos.  Segundo os dados estatísticos da CVRVV, em 2020, de vinhos tranquilos (DOC Vinho Verde + Regional Minho) foram produzidos quase 62,5 milhões de litros de vinho branco e apenas um pouco mais de 4 milhões de litros de vinho tinto. Nota-se uma tendência forte na produção de rosés que estão a crescer exponencialmente. Só nos últimos 10 anos o volume de produção aumentou de 1 milhão para mais de 7 milhões de litros.

Os vinhos monovarietais (DOC + Regional) de Loureiro representam uma quantidade significativa de mais de 3 750 000 de litros e de Alvarinho quase 3 150 000 de litros.

Em termos de exportação, os Vinhos Verdes estão presentes em mais de 100 países, dos quais os principais mercados são Estados Unidos, Alemanha, Brasil, Fança, Reino Unido, Polónia e Canadá. Nos últimos 5 anos a exportação subiu em volume e em valor, atingindo 31.173.338 litros e 73.805.245 euros.

Grande Prova VerdeDinâmica da região

 A região do Vinho Verde não só mudou drasticamente nos últimos anos, como está em constante mudança. É uma das regiões mais dinâmicas do país. Para isto existem vários factores, partilhados por Manuel Pinheiro. O principal é a viticultura que melhorou imenso. As formas antigas de condução, quando a vinha era alta, apoiada em tutores (árvores ou postes) e dispersa pelas bordaduras dos campos com outras culturas como o milho, a batata e a forragem para o gado, já não são praticadas. Ainda se podem encontrar vinhas de enforcado com videiras a trepar até 3-6 metros de altura, ou ramadas e latadas – que hoje representam um autêntico museu ao ar aberto. A vinha está a ser restruturada e reconvertida até 500 ha por ano, permitindo ter a matéria prima de óptima qualidade, mesmo em condições desafiantes. As castas mais utilizadas na reconversão são Loureiro, Alvarinho, Arinto e Avesso e entre castas tintas aposta-se mais no Vinhão. Outro factor decisivo tem sido a geração de novos enólogos e produtores que trouxeram uma grande ambição e conhecimento a nível de enologia.

Terceiro factor – atenção ao mercado e antecipação das tendências por parte dos produtores atentes ao feedback dos seus clientes nacionais e internacionais. Assim, em paralelo com vinhos de lote, começaram a produzir com bastante sucesso os vinhos monovarietais que mostram o carácter das castas da região. Os rosés do Vinho Verde são outro objectivo alcançado. A procura é tanta que neste momento não há vinho que chegue para a satisfazer. Segundo Manuel Pinheiro, a maior parte de vinhos produzidos na região, são brancos, representando 86-87%, mas os rosados em 2020 cresceram 32%.

O projecto mais recente promovido pela CVRVV consiste no desenvolvimento de uma estratégia de sustentabilidade que integrará os viticultores e produtores da região. Neste âmbito foi feito um acordo com a Agro.ges para efectuar um estudo de diagnóstico, com base no qual a CVRVV irá fazer acções de formação e apoio aos produtores para melhorarem a sua eficiência no uso de recursos.

Solos e climas

 A região do Vinho Verde situa-se no Noroeste de Portugal, o que se chamava antigamente entre Douro e Minho. A Oeste é naturalmente delimitada pelo oceano Atlântico, a Este confina com contrafortes de um maciço montanhoso constituído pelas Serras da Peneda, Gerês, Cabreira, Alvão, Marão, Montemuro entre outras. O rio Minho marca a sua fronteira Norte e o rio Douro a fronteira Sul. O seu relevo forma um anfiteatro exposto ao mar, recortado pelos vales e rios. Os ventos marítimos acabam por não encontrar grandes obstáculos, penetrando pelos vales orientados de Este para Oeste.

Tirando algumas excepções, quase todo o solo da região é formado pela agregação dos granitos. Em algumas partes o granito mistura-se com xisto e também há zonas de algum aluvião. Tem 9 sub-regiões, sendo Monção e Melgaço, a Nordeste a fazer fronteira com Espanha, a mais protegida da influência atlântica pelas cadeias montanhosas, com maior renome nacional e internacional, onde a casta Alvarinho goza (meritoriamente) um grande protagonismo. A sul de Monção e Melgaço fica a sub-região do Lima, dispondo-se na bacia hidrográfica do rio Lima, e está associada à casta Loureiro. A sub-região Cávado, Ave e Sousa esticam-se à volta dos rios com os mesmos nomes. A sub-região de Paiva ocupa a margem sul do rio Douro. Na parte interior fica a mais montanhosa sub-região de Basto. Mais a Sul continua a sub-região de Amarante, atravessada pelo rio Tâmega (afluente do Douro). Mais perto do Douro localiza-se a sub-região Baião – a terra da casta Avesso.

As alterações climáticas são uma realidade e já se sente o seu efeito na região. Antigamente, as geadas eram frequentes, agora acontecem cada vez menos, mas o excesso de insolação é outro problema. Com as alterações climáticas diminui a acidez e o grau sobe. O excesso de álcool não é positivo para os vinhos da região, que se têm afirmado como vinhos com uma frescura intrínseca e teor alcoólico moderado.

Nos Vinhos Verdes chove mais do que em Bordeux, mas a água é distribuída de maneira diferente. A chuva está concentrada nos meses de Outubro até Maio, chovendo muito pouco em Julho, Agosto e Setembro. As raízes normalmente não ultrapassam os 50-60 cm e nos solos bem porosos e nas encostas, a água vai logo para baixo, deixando as plantas em stress. Em certas zonas até a rega faz sentido, desde que seja feita com cuidado. Encostas franco-arenosas bem drenadas portam-se bem em anos mais chuvosos, mas quando chove pouco, é um problema. E ao contrário, nos anos muito secos o melhor resultado surge nos solos com maior capacidade de retenção de água.

Grande Prova VerdeCastas brancas de valor e personalidade

A casta mais plantada na região é Loureiro. Segundo dados estatísticos da CVRVV, lidera o top 15 de castas, ocupando mais de 4.000 ha. Foi conhecida como Loureira e mencionada pela primeira vez em 1790 em Melgaço e Vila Nova de Cerveira e só em 1875 na Ribeira do Lima, onde mais tarde encontrou a sua zona de eleição. No “Portugal Vinícola” de Cincinato da Costa, de 1900, também é chamada de Dourada e na altura já era cultivada nos concelhos de Arcos de Valdevez, Vila Nova da Cerveira, Ponte do Lima, Ponte da Barca, Melgaço, Monção, Caminha, Vila do Conde e Póvoa de Varzim.

Para além de produtividade elevada, é regular, dá muito rendimento em mosto. Gosta de solos profundos e de média fertilidade. Muito sensível ao sol e à seca, fica melhor mais perto da costa. Por isto adaptou-se bem ao vale do Lima. Sente-se bem em toda zona litoral da região.

É uma casta com elevada presença de compostos terpénicos livres (voláteis e facilmente perceptíveis) responsáveis pelos aromas florais. Os aromas característicos do Loureiro são acácia, flor de laranjeira, tília. Apresenta também aromas citrinos (lima, limão, laranja) e de folha de louro. Pode ter notas de maçã, pêssego e algum fruto tropical. De acordo com alguns estudos, apresenta a sua expressão máxima aromática depois da fermentação, mas também oferece nobreza de evolução. Anselmo Mendes considera que o Loureiro é muito mais aromático do que o Alvarinho e tem uma pureza de acidez a lembrar Riesling.

Segue-se Alvarinho, no segundo lugar, com 2.345 ha plantados. Casta ibérica por excelência, chamada de Albariño do outro lado da fronteira. Era praticamente exclusiva da sub-região Monção e Melgaço, ou seja, podia ser plantada noutras zonas da região, mas um rótulo não podia ostentar ao mesmo tempo o nome da casta Alvarinho e a denominação de origem Vinho Verde. Situação esta que muda definitivamente a partir da colheita deste ano de 2021 – o Vinho Verde Alvarinho pode ser produzido em qualquer parte da região.

Dá muito menos rendimento em mosto do que as outras castas. 65l de mosto de 100 kg de uvas (as outras castas, geralmente, dão 75l de mosto). É menos exuberante do que Loureiro, mas tem uma complexidade aromática extremamente interessante. Os seus aromas podem variar desde marmelo e pêssego, notas de fruta citrina (laranja, tangerina, toranja), fruta tropical (maracujá e por vezes, líchia). Notas florais de laranjeira de frutos secos (avelã, noz) também são comuns, podendo desenvolver nuances de mel com evolução. A sua composição aromática e perfil varia muito com a zona de plantação e abordagem enológica.

Tem uma boa acidez e bastante corpo, originando vinhos de grande longevidade. Anselmo Mendes vê o Alvarinho como uma casta que pode ser austera, mais redonda do que Loureiro.

O Arinto ocupa um pouco menos de 2.250 ha. É uma casta autóctone portuguesa, espalhada e apreciada em várias zonas do país, sendo a terceira mais plantada a nível nacional.

É popular também na região de Vinhos Verdes onde é conhecida como Pedernã, embora tenha muito menos protagonismo a nível varietal do que outras castas da região. Está bem presente em todas as sub-regiões com excepção de Monção e Melgaço, onde reina o Alvarinho.

Produz vinhos marcadamente citrinos, com notas de fruta branca (maçã e pêra) e ainda algumas notas florais a lembrar lantanas. Por vezes, pode desenvolver nuances de maracujá.

Para Anselmo Mendes é uma casta de outro mundo. Fica bem nas sub-regiões de Basto e Baião. Faz óptima parceria com Avesso, pois a acidez do Arinto é menos dura.

A Trajadura ocupa uma área com quase 980 ha. Não é das mais exigentes em termos de viticultura. Por um lado, tolera humidade no ar e no solo, por outro suporta, insolação. Adapta-se bem a qualquer tipo de poda e é bastante produtiva e regular. É utilizada sobretudo para lotes e o seu principal ponto fraco é a baixa acidez que pode levar ao desequilíbrio.

O enólogo e produtor António Sousa não vê a Trajadura numa vertente monovarietal. Se o Azal chega ao Verão com uma frescura fantástica, a Trajadura fica muito plana. Até pode ter aromas frescos, mas não tem frescura na boca. Falta-lhe alma, mas serve para “cortar” alguns Alvarinhos ou Loureiros demasiado intensos.

O Azal é plantado em quase 890 ha. É uma casta antiga mencionada desde 1790. Exclusiva da região Vinho Verde, e mesmo na região restringe-se a sub-regiões do interior, como Basto, Amarante, Baião e Sousa. É de ciclo longo, por isto precisa de solos secos e boa exposição, caso contrário não amadurece bem e fica excessivamente ácida. Anselmo Mendes aponta que é uma casta difícil na viticultura, “rebenta por todo o lado, obrigando fazer muita intervenção em verde”. Menos vista em vinhos varietais, antigamente só se usava em lotes, mas agora já se pode encontrá-la vinificada em estreme. Não tem um aroma muito intenso, mas transmite grande frescura com notas citrinas (limão) e de maçã verde.

Outra casta típica e exclusiva da região dos Vinhos Verdes é o Avesso. Presente em Amarante, Baião, Paiva e Sousa, com predominância na sub-região de Baião. Conhecida localmente como Borral, Bornal ou Borraçal branco, mas não tem sinonímias oficiais. Ocupa só 465 ha, mas é uma casta em ascensão. De viticultura difícil e de gostos contraditórios. Por um lado, tolera ambiente húmido, mas é muito sensível ao míldio, oídio e podridão cinzenta. Por outro, precisa de calor, mas facilmente apanha escaldão. António Sousa conhece viticultores que perderam 90% de produção desta casta por causa de escaldão. O sucesso e equilíbrio depende muito do sítio onde é plantada – precisa de zonas bem ventiladas, exposição a sul e alguma inclinação, terrenos secos e bem drenados. Virado para o Douro é onde se dá melhor, ali goza já um clima mais continental. Sensível a oxidação, não é uma casta intensamente aromática, fornecendo aromas de laranja, pêssego, notas amendoadas e leves florais. Precisa de algum tempo após a vinificação para potenciar os seus aromas.

É uma casta desafiante. Anselmo Mendes refere que o Avesso demonstra uma acidez quase metálica quando pouco maduro. Para António Sousa, Avesso transmite aos vinhos mais estrutura e por vezes, um toque amanteigado.

Algumas castas estrangeiras também estão presentes na região. Chardonnay e Sauvignon Blanc, por exemplo, já fazem parte dos top 15, mas são permitidas apenas para a produção de vinhos regionais.

Lotes e perfis

 Como atrás se disse, embora os varietais de Loureiro e Alvarinho, sobretudo, tenham vindo a crescer, a região dos Vinhos Verdes é feita de blends, misturas de vinhos de diferentes castas, com o objectivo de tirar o máximo partido de cada uma. A nossa Grande Prova deste mês assenta precisamente nesses blends. E estes são os principais:

Alvarinho e Trajadura – O seu casamento com Alvarinho é por conveniência, não é por amor. Quando não amadurece bem, tem muita acidez. Fernando Moura, para o Muralhas de Monção, por exemplo, usa o lote de 85% Alvarinho e 15% Trajadura. Como não é a casta mais aromática (maçã, pêra), neutraliza aromas do Alvarinho e não convém que ultrapasse 20% do lote, a menos que se procure outro estilo.

Alvarinho e Loureiro em proporções variadas, uma parceria de sucesso que alia a personalidade de duas grandes castas.

Alvarinho, Loureiro e Avesso, onde o Alvarinho confere corpo, solidez e estrutura, o Loureiro intensidade aromática e acidez e o Avesso acidez e mineralidade. A união de performance aromática das três castas traz complexidade.

O sucesso de um blend não se deve apenas à presença de Alvarinho. É como Cristiano Ronaldo, não precisa de jogar sempre para a equipa ganhar. O lote de Casa Grande Sant’Ana é de Azal, Avesso, Arinto e Alvarinho. No Singular, 45% do lote são vinhas velhas em conjunto com outras castas como Malvasia Fina, Avesso, Arinto, onde o Alvarinho está em minoria com apenas 8%. No San Joanne Terroir Mineral, o Alvarinho não entra de todo, tendo só Avesso e Loureiro e o Sem Igual é uma belíssima parceria de Azal e Arinto que resultou num vinho com muita personalidade.

A abordagem enológica varia em função da casta. A temperatura de fermentação é outro factor que pode influenciar o perfil do vinho. Para obter aromas imediatos, opta-se para conduzir fermentação alcoólica a baixas temperaturas (12-14ºC). Para potenciar aromas da casta e mais duradouros, as temperaturas preferem-se mais altas. O gás carbónico ainda é visto como um atributo de caracterização dos vinhos da região, mas há produtores que diminuem ou recusam a sua presença no vinho. Por outro lado, os vinhos são cada vez mais secos, sobretudo no mercado nacional. As operações como bâtonnage na cuba, fermentação ou eventualmente estágio em barricas também são feitas quando se procura um determinado perfil. Porque uma região não se resume apenas a um perfil de vinho. E na região dos Verdes, de enorme diversidade e potencial, os vinhos têm todas as cores, aromas e sabores.

Grande Prova Verde

(Artigo publicado na edição de Abril de 2021)

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Lisboa é nome de (muito bom) tinto

Grande Prova Tintos Lisboa

Bastaria o nome para, a nível internacional, Lisboa ser a zona vitivinícola mais inequivocamente associada a Portugal. Juntando a isso, na última década e meia, os vinhos de Lisboa criaram um modelo de negócio de enorme sucesso, assente em bons vinhos a bom preço, transformando a região na maior exportadora relativa do país (vinho do […]

Bastaria o nome para, a nível internacional, Lisboa ser a zona vitivinícola mais inequivocamente associada a Portugal. Juntando a isso, na última década e meia, os vinhos de Lisboa criaram um modelo de negócio de enorme sucesso, assente em bons vinhos a bom preço, transformando a região na maior exportadora relativa do país (vinho do Porto à parte). Mas Lisboa é bem mais do que isso. Diversidade de solos, castas e clima associam-se ao factor humano para fazer nascer vinhos de primeira grandeza. Como é o caso dos tintos que provámos.

Texto: Valéria Zeferino e Luís Antunes

Notas de Prova: Luís Antunes

 A região de Lisboa começa a partir da capital e estende-se quase 140 km para Norte até Pombal. Em toda a sua extensão é delimitada pelo oceano Atlântico, ocupando em largura entre 20 e 40 km. Pela posição geográfica, a influência Atlântica é a principal “feature” da região, perdendo ligeiramente a sua força à medida que se afasta da orla marítima.

O clima apresenta características da transição entre o Atlântico e o Mediterrânico.  A Serra de Montejunto situada a cerca de 20 km da costa Atlântica, com orientação Noroeste-Sudeste, marca a divisão em parte norte e sul da região, impedindo a progressão das massas de ar marítima. A Noroeste as massas de ar húmido e frio, provenientes do oceano contribuem para a formação de densas neblinas; a Sudeste, ao abrigo dos ventos, com maior exposição solar e menos precipitação, as condições são mais quentes e secas. Até o tipo de vegetação muda de semelhante à da Europa Central para o coberto vegetal mais esparso e rasteiro típico do Mediterrânio.

Os níveis de humidade variam em função da proximidade do mar e orografia. Assim, o clima em Óbidos e Encostas d’Aire é considerado húmido; em Bucelas, Carcavelos, Colares e Torres Vedras – sub-húmido chuvoso; e em Alenquer e Arruda – sub-húmido seco, sendo esta uma zona de tintos por excelência.

Os solos ao longo da região também apresentam grande variedade. A Norte, as vinhas estão assentes no maciço calcário ao longo das encostas das serras de Sicó, Aire e Candeeiros, onde o terreno é formado por ondulações relativamente suaves. Nos vales, assim formados, os solos são bastante mais férteis. Mais a Sul, na zona de Bombarral, Cadaval e Caldas de Rainha variam de calcários aos argilo-calcários. Na zona litoral à volta de Óbidos, Peniche, Lourinhã, encontram-se arenitos, argilas e margas de elevada fertilidade. Em Alenquer e Arruda os solos são predominantemente argilo-calcários e em Bucelas derivados de margas e calcários duros. Carcavelos está assente em solos de formação calcárea e não podemos esquecer o famoso chão de areia de Colares. Assim, olhando para a localização da propriedade é relativamente fácil fazer a leitura das condições climatéricas que acompanham o ciclo vegetativo.

Tiago Correia, da equipa de enologia da Quinta do Gradil, localizada a 18 km do mar no lado norte do sopé da Serra de Montejunto, conta que de manhã há sempre humidade, que desaparece durante o dia. Em comparação, na Quinta do Rol, em Lourinhã ou em São Mamede da Ventosa a cerca de 8 km do mar, há dias de verão em que o sol não aparece.

Sandra Tavares da Silva, responsável pela enologia do projecto familiar na Quinta da Chocapalha em Alenquer (do outro lado da Serra de Montejunto) refere que naquela zona a influência Atlântica nota-se, mas não é “cáustica”. No verão, pode-se falar da clássica brisa marítima suave que até às 10h da manhã faz desaparecer as orvalhadas matinais.

A história é diferente em Torres Vedras, com exposição quase directa ao Atlântico. Os dias de amadurecimento das uvas são mais amenos e nas noites sente-se a frescura marítima. O enólogo da Adega Mãe, Diogo Lopes, nota a diferença em temperatura, por exemplo, desde a saída de Lisboa, com 30˚C, até chegar à adega já com 22-23˚C. É por isso que, para a produção de vinhos tintos, a Adega Mãe explora a Quinta de Dom Carlos em Alenquer.

Grande Prova tintos LisboaVinhas e castas

 Segundo os dados do Instituto da Vinha e do Vinho, a área de vinha da região de Lisboa ocupa 17 989 ha e, pela informação da CVR Lisboa, 10 000 ha correspondem à vinha certificada, apta a produzir uvas para vinhos DO e IG. Este valor mantém-se estável, mas com tendência para crescer, sendo a Região de Lisboa uma das que mais candidaturas tem apresentado para a plantação de novas vinhas. Estes 10 mil hectares são explorados por 2 mil viticultores o que dá uma área média por viticultor de 5 hectares, muito superior à média nacional.

O vinho tinto predomina na região com 75%, deixando 20% para branco e 5% para rosé. Em termos de diversidade varietal, se desconsiderar a Caladoc, utilizada maoiritariamente para vinhos sem denominação de origem, as castas com maior expressão são Castelão, Syrah, Aragonez/Tinta Roriz, Alicante Bouschet e Touriga Nacional. Sandra Tavares da Silva não hesita em afirmar que a Castelão sempre foi aposta da Quinta da Cocapalha, mas é preciso ter paciência. Está numa parcela virada à norte, produzindo vinhos com menos densidade e mais frescura.

Diogo Lopes confessa que hoje dá mais atenção a Castelão do que no início do projecto Adega Mãe. Gosta da sua acidez franca e fruta vermelha. Em parcelas certas com boa exposição e tendo em conta as alterações climáticas é uma opção interessante. Deve-se é evitar a tentação de extrair demais, procurando a sua originalidade e elegância.

Tiago Correia adianta que, no caso de Castelão, é preciso saber trabalhar com os clones certos.

A Tinta Roriz mostra-se bastante bem, mas nem todos os anos. “Dá grandes alegrias, mas também anos com dificuldade de amadurecer; mas é muito boa nos rosés”, – diz Tiago; e Sandra Tavares refere que a casta é extremamente sensível ao stress hídrico, mas em solos argilo-calcários profundos, virada a poente, consegue maturação suave e longa.

Com Alicante Bouschet conseguem-se bons resultados, mas, segundo Tiago Correia, precisa de gestão de produção muito cuidada, começando pela poda de inverno curta para controlar a rebentação, desladroamento a tempo, e monda de cachos ao pintor, se for preciso. A partir dos 8-9 toneladas perde completamente a identidade, acrescenta. No que toca a Touriga Nacional, é fácil de reconhecer o seu carácter, com descritores aromáticos bem presentes, mas às vezes pode faltar-lhe a maturação fenólica e corpo; não é homogénea, conclui Tiago.

Já Sandra Tavares gosta muito da sua experiência com Touriga Nacional, cujas varas trouxeram de Nelas. Dá vinhos com boa concentração, frescura e densidade. Surpreendentemente bem, deu-se na zona de Alenquer, a Touriga Franca. Foi difícil encontrar solos certos, pois fica melhor em terrenos mais pobres e com inclinação. Também é mais sensível à humidade, precisa de zonas bem arejadas e controlo do vigor. Mas segundo Sandra, o resultado vale a pena o esforço.

Já a variedade Ramisco, não tendo muita expressão em termos da área plantada, tem a sua importância, porque não existe em mais lado nenhum do país e no binómio com Colares origina vinhos de carácter único que ultimamente estão a gozar um merecido renascimento.

Algumas castas estrangeiras são populares na região a contribuir para uma diversidade de estilos, como Cabernet Sauvignon, Merlot, Petit Verdot. A experiência com Tannat na Quinta do Gradil é um caso de sucesso. O Pinot Noir também aparece na região e consegue amadurecer de forma equilibrada em zonas onde, normalmente, são plantadas castas brancas.

Grande Prova tintos LisboaDe Lisboa para o mundo

 Segundo a informação da CVR Lisboa, as vendas anuais da região rondam os 65 milhões de garrafas. Este valor duplicou nos últimos 5 anos, sendo esta a região que mais cresceu neste período em termos absolutos. Em volume de vendas, é actualmente a 4ª maior região depois de Alentejo, Vinho Verde e Douro (sem Porto). Em 2020 o crescimento em vendas representou 17% (cerca de mais 10 milhões de garrafas). Nos vinhos não licorosos, Lisboa representa 14% das vendas totais de vinhos certificados, por comparação com o Alentejo, que detém cerca de 22%.

Mas o mais impressionante é que 80% do total de vendas da região de Lisboa corresponde à exportação para cerca de 100 destinos. Tirando o Vinho do Porto, é a região que mais exporta em percentagem do total das suas vendas. Nos últimos 5 anos, Lisboa foi responsável por 33% do crescimento das exportações de vinhos certificados ou seja, olhando apenas para o volume adicional das exportações nestes 5 anos, 1 em 3 garrafas exportadas foi de Lisboa. E para onde vai todo este vinho? Dentro da União Europeia, os principais mercados são Polónia e Países Escandinavos. No resto do mundo avultam os Estados Unidos, Rússia, Canadá, Brasil e Austrália.

Os grandes tintos de Lisboa

Em prova, a região mostra uma grande vitalidade neste segmento de topo, aparecendo vinhos de grande qualidade e também de preços altos. Os preços altos são um pau de dois gumes, se nós consumidores preferimos galinha gorda por pouco dinheiro, os produtores precisam de receitas e boas margens para assegurar a sustentabilidade dos seus projectos, e os preços altos são sempre indicador de sucesso e prestígio. Para uma região andar para a frente, é sempre preciso haver vinhos icónicos que lideram e fazem subir a ambição geral. Impressiona ainda a grande variedade de estilos, de castas, de combinações. Temos de ter em atenção que mudar uma vinha é sempre um projecto a longo prazo. Constatamos assim que estas apostas começaram já há muito tempo, e temos agora o resultado dessa experimentação na vinha, a que se segue experimentação na adega, e finalmente a adesão do público que pode ou não validar as apostas. Vemos assim castas trazidas do Douro e do Alentejo, outras de França, pensamos que numa tentativa (conseguida!) de recuperar algum do atraso que Lisboa leva junto da opinião pública, em relação a outras regiões mais populares. Vemos ainda uma gama variada de estilos, desde vinhos mais frescos e leves a vinhos mais concentrados, desde vinhos mais pálidos a vinhos totalmente opacos. Nota-se igualmente um pouco de indefinição de estilo, dentro de alguns produtores, com tintos de Castelão de cor estranhamente carregada, ou vinhos atlânticos com algum peso alcoólico, ou ainda vinhos com alguma idade que já terão passado os melhores dias. Ainda do lado da diversidade de estilo, aqui com traços bem positivos, vemos vinhos extremamente bem desenhados, por exemplo baseados em Syrah mas não só, com apelo e sedução imediatos, vemos o renascimento da Ramisco como uma grande casta com carácter saudoso único, a ser finalmente feito com enologia moderna que lhe dá afabilidade sem desvirtuar esse carácter, vemos ainda vinhos que já venceram a prova do tempo, com enorme qualidade e encanto, mas que se apresentam ainda prontos para durar muitos anos mais.

E nas recomendações gastronómicas que acompanham por vezes as notas de prova, vemos que estes vinhos são versáteis e amigos da mesa. Há excelência nos tintos de Lisboa, há belíssimas relações qualidade-preço, há a história de uma região com história, que agora se agrupa em torno de um nome, sem esquecer o seu passado se aponta para o futuro. Bravo!

(Artigo publicado na edição de Agosto 2021)[/vc_column_text][vc_column_text]

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