Grande Prova Douro tinto – Por menos de €15, melhor é difícil

São acessíveis, mas não para todos os dias. Dão um prazer imediato, mas a maior parte deles irá evoluir muito bem em garrafa nos próximos 5 ou 10 anos. Muitos destes vinhos portam-se melhor à mesa do que numa prova técnica. Alguns são mesmo tintos surpreendentes, de enorme gabarito, autênticas grandes escolhas que não arruínam […]

São acessíveis, mas não para todos os dias. Dão um prazer imediato, mas a maior parte deles irá evoluir muito bem em garrafa nos próximos 5 ou 10 anos. Muitos destes vinhos portam-se melhor à mesa do que numa prova técnica. Alguns são mesmo tintos surpreendentes, de enorme gabarito, autênticas grandes escolhas que não arruínam a carteira.

Texto: Valéria Zeferino

Fotos: Ricardo Palma Veiga

Nesta gama de preços encontra-se toda a variedade da região, do mais chuvoso Baixo Corgo ao árido Douro Superior; de edições limitadas de 5.000 garrafas, como o Letra F do António Maçanita até quase meio-milhão de garrafas do Vinha Grande da Sogrape. Podemos falar de vinhos que já se tornaram clássicos, contando com duas-três décadas da existência, ou ainda mais, como o Vinha Grande, cuja primeira colheita é de 1960; é há vinhos dos projectos mais recentes, lançados nos últimos anos pela Magnum Carlos Lucas, António Maçanita ou Santos&Seixo.

Muitos vinhos trazem no rótulo as menções tradicionais para expressar os níveis de qualidade como o Reserva ou, em alguns casos, o Grande Reserva ou Reserva Especial. Estas menções (tirando a “Garrafeira” pouco utilizada no Douro) não estão conotadas com duração e tipo de estágio. Em termos qualitativos obrigam à obtenção de uma determinada pontuação na Câmara dos Provadores do IVDP, compatível com vinhos de “muito boa qualidade” e “elevada qualidade”. Dão melhor ideia da hierarquia de qualidade dentro do portfólio de cada produtor, do que de uma forma transversal. Nem tudo o que se designa como “Reserva Especial” é quase Barca Velha.

E já agora, nem todos os produtores querem utilizar as designações como Reserva ou Grande Reserva. Alguns optam pelo modelo bordalês, onde o vinho de maior renome, o grand vin, ostenta o nome da propriedade, e o segundo vinho, que custa menos e normalmente é feito para ser consumido mais cedo, tem no seu nome alguma semelhança com a casa produtora. A enóloga e produtora Sandra Tavares explica que no início do projecto com o seu marido Jorge Borges optaram por este modelo, porque queriam evitar a banalização das designações como “reserva” e outras deste género. Há mais exemplos: o Meandro da Quinta do Vale Meão ou o Pombal do Vesúvio da Quinta do Vesúvio.

Pedro Correia, responsável de enologia na Prats&Symington explica que o Post Scriptum é o irmão da Chryseia, a filosofia é a mesma. A distinção Chryseia vs. Post Scriptum começa na classificação da uva com critérios qualitativos e históricos das parcelas. A vinificação é quase igual. Trabalha-se muito com sub-lotes, sendo que 80% das fermentações nascem como Chryseia a acabam Chryseia e o mesmo acontece com Post Scriptum. Tudo é provado 2 vezes por dia durante a fermentação e maceração para avaliar o potencial que ainda não está cá fora e definir se, no final de contas, vai para Chryseia ou para Post Scriptum.

Douro blend hoje – como é?

As castas tintas mais plantadas no Douro são Touriga Franca com 10.121 ha, Tinta Roriz com 5.960 ha, Touriga Nacional com 4.228 ha e Tinta Barroca com 3.019 ha.

As primeiras três, basicamente, integram o famoso trio duriense responsável pela maior parte dos vinhos da região. Em alguns casos no lote entra Sousão, Alicante Bouschet, Tinta Barroca, Tinto Cão, Tinta Amarela ou alguma outra casta, mas na qualidade de “sal e pimenta”.

De um modo geral, os produtores e enólogos concordam que Touriga Nacional e Touriga Franca são as peças-chave.

Pedro Correia explica que “a Touriga Nacional é uma casta versátil e se pode confiar nela independentemente das condições. A Franca é mais sensível a condições menos favoráveis (tendo em conta já de si baixas produções)”.

Para o enólogo da Quinta do Crasto, Manuel Lobo, Touriga Franca é a espinha dorsal de um lote, dá dimenção e volume, enquanto Touriga Nacional confere frescura, elegância e também alguma estrutura. No entanto, “exige algum cuidado com exposição solar para evitar que as folhas de base sequem e que fique com aromas sobremaduros”. “A Touriga Franca é a casta que se melhor adapta no Douro Superior, suporta exposição solar directa com mais conforto. Em contrapartida pode apresentar falta de acidez e pH alto e às vezes peca por falta de elegância”.

A Tinta Roriz nunca é consensual. Pedro Correia acha que não tem potencial equiparável a Touriga Franca e Touriga Nacional. Tem um teor de tanino muito alto e quando produz em demasia, não amadurece suficiente. No Quinta de Ataíde não tem protagonismo e no Post Scriptum entra apenas com 7%, sendo de um clone favorável de uma vinha mais velha.

Para Manuel Lobo a Tinta Roriz é “tanino e persistência”. “Precisa de solos mais fracos e algum stress hídrico. Assim, os bagos são de diâmetro menor e mais separados.”

Já o enólogo Paulo Coutinho defende Tinta Roriz no sítio certo. Para o Quinta do Portal Reserva utiliza a Touriga Nacional e a Tinta Roriz quase em partes iguais, deixando para a Touriga Franca um papel secundário com 15% no lote. Explica isto pelo facto de Tinta Roriz no vale do rio Pinhão ser mais expressiva, desenvolvendo melhor a parte aromática.

A Tinta Barroca é uma casta precoce, ganha açúcar elevado e perde acidez, ainda por cima, tem pouca cor. Importante para Vinho do Porto, tem pouco interesse enológico para DOC Douro na opinião de Pedro Correia.

O Tinto Cão é o oposto da Tinta Barroca – casta muito tardia de ciclo longo; tem tanino bem presente, produz vinhos com frescura e algum potencial de envelhecimento.

O Alicante Bouschet representa interesse, mas “é preciso controlar o rendimento, porque tem a tendência para subir muito a produção o que impacta com a maturação” – lembra Pedro Correia.

Manuel Lobo defende que o Sousão tem um papel importante, conferindo frescura e acidez natural ao vinho e assegurando a sua longevidade, mas é muito dominante e tem de ser utilizada no lote em quantidades mínimas.

Alguns vinhos neste patamar de preços, são de vinhas velhas, como é o caso do Lua Cheia, da Saven, ou o Quinta dos Aciprestes, da Real Companhia Velha, onde predomina Tinta Barroca para além da Tinta Roriz, Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinto Cão e Tinta Amarela; e Manoella da Wine&Soul, com vinhas plantadas em patamares ainda pelo pai de Jorge com as castas Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz and Tinta Francisca.

Os monovarietais não são muito comuns neste segmento de preço, porque as quantidades disponíveis são reduzidas e o preço normalmente ultrapassa os 15 euros. Nesta prova esteve presente apenas um monocasta de Touriga Nacional, da Quinta de Ventozelo.

O facto de se usar um reduzido número de castas nos lotes não significa que a riqueza ampelográfica da região se perdeu. Na Quinta do Ataíde, conhecida pelo início da recuperação da Touriga Nacional, desde 2014 existe uma colecção de 53 variedades autóctones com algumas estrangeiras para efeitos de comparação. Todos os anos são feitas vinificações em extreme para avaliar o potencial dos vinhos e a adaptabilidade das diferentes castas às condições específicas do Douro, conta Pedro Correia.

Douro tinto melhorMultiplicidade de abordagens

 A filosofia de cada produtor por detrás dos seus vinhos nesta gama pode ser diferente, mas de certa forma, todos concordam que reflectem o Douro fielmente, quer através do lugar onde nascem, quer através do estilo da propriedade. Normalmente recorre-se ao estágio em barrica, mas com muito menor expressão de madeira nova do que para os topos de gama.

Paulo Coutinho considera o Quinta do Portal Reserva como um vinho mais tradicional do Douro. O Colheita é o mais fácil e o Grande Reserva é mais trabalhado, um Douro moderno, mais polido. Na sua opinião é o Reserva que deverá manter a tradição, sendo um vinho mais austero e gastronómico. Assim, o estilo começa na vinha: para o Grande Reserva as uvas são provenientes das vinhas mais velhas e com mais exposição; para o Colheita, mais altitude; e o Reserva é um vinho de cotas intermédias, da meia-encosta, onde as uvas amadurecem bem, mas ficam sempre com algum nervo. “Só à mesa conseguimos apreciá-lo na plenitude”, defende Paulo Coutinho.

Jorge Moreira, cuja experiência enológica, para além do projecto próprio de Poeira, se estende para três casas – Real Companhia Velha, Quinta de La Rosa e Quinta das Bandeiras – explica que os vinhos Quinta dos Aciprestes, La Rosa e Passagem, respectivamente, são todos “vinhos de quinta”. Ou seja, o objectivo é mostrar inequivocamente o carácter de cada propriedade. Como também são vinhos de maior volume de cada uma das quintas, partilham um factor comum muito importante: têm de ser equilibrados e ter potencial de envelhecimento de pelo menos 5 a 10 anos.

A idade e condições diferentes das vinhas ditam a abordagem na adega. Por exemplo, na Quinta dos Aciprestes as vinhas velhas (com predominância da Tinta Barroca que não tem muito volume e cor mas é aromática e suave) originam vinhos com estrutura menos potente. Neste caso, o mais adequado é o estágio em balseiros de 20.000 litros para reduzir o contacto com oxigênio. Na Quinta de La Rosa, as uvas provêm de vinhas com Touriga Nacional, Touriga Franca e Tinta Roriz de diferentes altitudes, geralmente de cotas médias, e com exposição a sul. São cheios de pujança, aguentam bem pisa em lagares antes de fermentação e as barricas de 225 litros, parcialmente novas.

O produtor António Maçanita queria mostrar um Douro diferente. O nome do vinho é de certa forma autoexplicativo – Letra F, o que tem a ver com a classificação das parcelas do Douro em função da sua aptidão para produzir Vinho do Porto. Esta é a última letra que dá direito ao benefício, pois as restantes letras G, H e I já não.

São parcelas de vinha situadas em Carlão perto de Alijó, numa zona de transição de xisto para granito entre os 500 e 720 metros de altitudes. Tratam-se vinhas bastante velhas, entre 50 e 100 anos, com castas tintas e brancas misturadas (estas são fenólicas, de película grossa que também dão estrutura ao vinho).

Pode não ser muito típico, mas o “Douro também é isto” – defende António Maçanita. Ao fazer o vinho, recorre a extrações longas, mas suaves. Forma uma “sanduíche” com cachos inteiros no meio dos cachos estalados, o que permite conduzir fermentações em dois tempos. Os cachos estalados em cima ao fermentar protegem os do meio, que libertam o açúcar mais tarde, prolongando a fermentação. A logística da adega é mais difícil assim, porque os recipientes ficam ocupados mais tempo, exige mais controlo durante a vinificação, mas ganha-se na estrutura e tanino do vinho final.

Viticultura cirúrgica e fine-tuning

 O Douro, sem dúvida, é uma região com muita tradição. Resistiu à proliferação de castas estrangeiras, a vindima, salvo raras excepções, é manual (única possível em socalcos e patamares) e ainda se utilizam lagares e pisa a pé, mesmo para os vinhos DOC.

Isto não significa que a região cristalizou no tempo. Há cada vez mais conhecimento empregue na “viticultura cirúrgica”, como lhe chama Manuel Lobo. E é particularmente importante numa região tão promissora, mas desafiante como o Douro Superior. É muito seca, com precipitação escassa e para obter uvas equilibradas é fundamental trabalhar a exposição correcta em função da casta. A Quinta do Crasto tem a vinha plantada na Quinta da Cabreira desde 2004. As videiras já atingiram uma maturidade interessante, mas não se tratando de uma vinha velha, precisam de muita atenção. A rega tem de estar afinada com variações de solo e videiras e é preciso garantir o equilíbrio entre quantidade de uva e área foliar.

A mesma visão tem Pedro Correia quando se refere ao Vale de Vilariça, onde estão plantadas as vinhas da Quinta de Ataíde em viticultura biológica. É um terroir quente, onde o controlo do estado hídrico da planta é gerido de perto para garantir que o stress hídrico não impeça a fotossíntese. Uma rega qualitativa é indispensável. Começam a ser utilizadas certas espécies de leveduras capazes de proteger a planta contra o stress hidrico e abiótico. É uma alternativa sustentável a uso de substâncias químicas.

Como naquela zona a mecanização é possível, a vindima é feita à máquina e os resultados não são inferiores a uma vindima manual. Entre a colheita e o processamento das uvas, recorrem à bio proteção através de utilização de uma cultura de leveduras que domina o meio sem afectar e protege do arranque de fermentação antes do tempo.

Para as uvas tintas, não adicionam sulfuroso antes da fermentação e o objectivo é no futuro evoluir, diminuindo o sulfuroso sem prejudicar a qualidade.

Antes e durante a fermentação recorrem ao uso de diferentes leveduras com vários propósitos de fine-tuning. As leveduras não fermentativas funcionam durante a maceração pré-fermentativa, permitindo extração mais lenta. É como cold-soaking, mas sem uso de energia para arrefecer o mosto, explica Pedro Correia. As leveduras não-saccharomyces permitem criação de compostos aromáticos mais interessantes no início de fermentação.

Estatísticas e mercados

 Mesmo com o crescimento em popularidade e prestígio dos vinhos tranquilos do Douro, o grosso da produção na região continua a ser o Vinho do Porto. Segundo o IVDP, em 2020 produziu-se 47.884.768 litros de vinhos DOC Douro e 70.540.505 litros de vinhos do Porto.

Em termos de comercialização, nos últimos 10 anos, os vinhos DOC Douro foram ganhando o terreno aos Vinhos do Porto que diminuiram em vendas de 85.292.747 litros em 2010 para 68.353.804 litros em 2020, enquanto os vinhos DOC Douro cresceram de 21.415.054 para 38.899.224 litros. Mesmo assim, produz-se mais vinho do que se consegue vender.

Os preços médios por litro subiram de 3,95 para 4,15 euros nos vinhos DOC e de 1,23 para 3,1 euros nos IGP, provavelmente, devido a produção de vinhos de alta qualidade de castas não abrangidas pela DOC. Mas sabemos que estes preços não reflectem a realidade do Douro, onde o custo de produção se mantém alto.

Os maiores mercados para vinhos DOC Douro, tirando o mercado nacional com mais de 60%, são o Canadá com mais de 3 milhões de litros, Reino Unido com 1,9 milhões de litros, Brasil com quase 1,5 milhões de litros, Alemanha com 1,2 e Suíça com 1,1 milhões de litros. Em valor a distribuição é um pouco diferente, sendo o mesmo Top 5: Canadá, Reino Unido, Suíça, Brasil e Alemanha.

A presença de vinhos DOC Douro no mercado do Canadá quase triplicou nos últimos 10 anos (a comparar 2010 e 2020) e o preço médio também cresceu de 3,88 para 4,05 euros. No Reino Unido cresceu 7 vezes, mas o preço registou um descréscimo de 4,6 para 3,17 euros. Na Alemanha quase duplicou a venda e o preço subiu ligeiramente de 4,47 a 4,65 euros. No Brasil o crescimento é de cerca de 60%, sem grande alteração no preço. Na Suíça cresceu mais do dobro e em preço também um pouco de 5,13 a 5,29.

Uma dinâmica positiva também foi registada nos mercados como os Estados Unidos (que cresceu bastante e sobretudo a nível do preço, de maneira que as vendas em valor quase duplicaram), a Bélgica, França, Polónia, a Rússia (a presença dos DOC Douro aumentou de 7 mil para 263 mil litros mas com uma substancial diminuição do preço médio de 7,28 para 3,12 euros). A título de curiosidade, os preços médios mais altos para os vinhos do Douro foram registados em 2020: no Uruguai 17,91 euros e na Georgia 15,59 euros. É pena que a presença de vinhos durienses nestes países seja residual.

(Artigo publicado na edição de Abril 2022)

Adega de Redondo: Nova imagem, vinhos surpreendentes

Adega Redondo vinhos

Em Portugal muitos conhecem a marca icónica Porta da Ravessa, mas talvez nem todos saibam que o vinho é produzido pela Adega de Redondo, pois a fama desta brand ultrapassou o seu criador. Sofreu uma transformação recentemente e agora apresenta uma nova imagem aliada a significativo acréscimo qualitativo. Texto: Valéria Zeferino Fotos: Adega Coop. de […]

Em Portugal muitos conhecem a marca icónica Porta da Ravessa, mas talvez nem todos saibam que o vinho é produzido pela Adega de Redondo, pois a fama desta brand ultrapassou o seu criador. Sofreu uma transformação recentemente e agora apresenta uma nova imagem aliada a significativo acréscimo qualitativo.

Texto: Valéria Zeferino
Fotos: Adega Coop. de Redondo

O moderno conceito de storytelling obriga hoje em dia muitos produtores a inventar histórias à volta das suas marcas para comunicar ao consumidor. Mas há empresas que não precisam de inventar nada, pois a história da sua marca é bem real e antiga. É o caso da icónica Porta da Ravessa responsável por cerca de 50% da faturação da empresa. Aliás, é um verdadeiro case study em como a popularidade da marca tornou célebre o lugar histórico em que foi inspirada. Mas vamos por partes.

A marca Porta da Ravessa surgiu na década de 90 do século passado, a seguir à Real Lavrador, lançada pela Adega de Redondo em 1985. Na altura foi uma inovação em relação à prática de colocar nos rótulos simplesmente o nome do produtor e da origem. A primeira marca homenageava o Rei D. Dinis, “O Lavrador”, figura incontornável na história de Portugal e particularmente de Redondo, concedendo à vila a carta de foral em 1318. Hoje a marca Real Lavrador já não tem conotação com realeza, mas com os verdadeiros lavradores, sendo a imagem do rei substituída pelas pegadas de botas, deixadas na terra.

A história da Porta da Ravessa está ligada ao Castelo de Redondo de traços góticos no centro da Vila. O acesso ao interior do recinto faz-se por duas portas, reforçadas por duas torres de cada lado: a Porta do Postigo virada a poente, por onde sai o caminho em direcção a Évora, e a Porta da Ravessa virada a nascente que dava acesso à feira da povoação. Em cima da porta fica o brasão das armas de Portugal e na pilastra que sustenta o arco do lado direito encontra-se gravado o padrão das medidas lineares utilizadas no Portugal medieval para comercializar tecidos:  a vara, correspondente a cinco palmos (110 cm) e o côvado correspondente a três palmos (66 cm). Estas marcas do século XIV são bem visíveis ainda hoje.

No final dos anos 90 houve um grande investimento em comunicação e marketing incluindo anúncios na rádio e TV, patrocínio dos jogos de futebol e desportos motorizados (com Pedro Lamy nas competições de Fórmula 1 e Carlos Sousa no Paris Dakar). A adega tinha uma equipa de ciclismo profissional que em 2000 ganhou a Volta a Portugal com Vitor Gamito. Esta estratégia deu os seus resultados e em 2004 a Porta da Ravessa era uma super brand não só no Alentejo, mas em Portugal inteiro e claramente contribuiu para a popularidade dos vinhos do Alentejo no mercado interno. Os turistas, ao visitar o Castelo de Redondo, impreterivelmente procuram a tal Porta da Ravessa retratada no rótulo.

Na altura de 2010/2011 a Adega de Redondo passou por um período difícil e teve que fazer um saneamento financeiro e rever a sua estrutura de custos. Todo o reconhecimento que a marca ganhou, conseguiu-se manter ao longo dos anos, graças à excelente relação qualidade/preço. Ainda há 3 anos de acordo como índice Nielsen, a Porta da Ravessa era a terceira marca mais vendida em volume e quinta em valor.

No ano passado, no meio de pandemia, decorreu silenciosamente uma grande renovação da imagem de todas as marcas e da própria adega. A imagem da Porta da Ravessa no rótulo ficou mais estilizada com traço moderno, destacando os elementos gráficos do brasão das armas em cima e da vara e côvado. A nova apresentação visa ser apelativa na conquista do consumidor mais jovem.

Equipa jovem e dinâmica

 A Adega de Redondo é o maior empregador privado do concelho e conta com 57 funcionários, entre os mais antigos, como o adegueiro que trabalha lá há 40 anos e dizem a brincar que “está casado com a adega”, e mais recentes, jovens e dinâmicos, competentes e dedicados como o Director Geral Nuno Pinheiro de Almeida e o Director Comercial Bernardo Malhador.

A enóloga Mariana Cavaca é responsável de produção. Ao finalizar o Mestrado em Enologia e Viticultura no ISA, estagiou na Quinta do Crasto e reconhece Manuel Lobo como o seu primeiro orientador na profissão escolhida. Depois trabalhou na Solar dos Lobos e Tiago Cabaço Winery. Em 2016 ingressou na Adega de Redondo, no início a trabalhar com Pedro Hipólito, que também considera seu mentor. Desde 2021 assumiu a responsabilidade como Directora de Enologia.

O trabalho de Mariana não tem nada a ver com glamour de estar numa propriedade com um nome sonante. Na altura de vindima, entram 600 toneladas de uva por dia! A produção de vinho em grande volume não deixa margem para passos arriscados, nem perdoa a falta de profissionalismo. A consistência é a palavra chave. Produzir cerca de 15 milhões de garrafas por ano, coerentes em diversas gamas, mantendo a consistência colheita após colheita, é obra. Juntemos aqui a dificuldade acrescida de trabalhar com duas centenas de sócios, sendo que para muitos deles a viticultura é uma actividade adicional. O que vale é que 40 sócios são responsáveis por 80% da produção (32 sócios têm mais de 20 ha cada). Estes já têm uma visão mais empresarial e noção que quanto melhor for a qualidade de uva que entregam, melhor será para a Adega e, consequentemente, para eles. A Adega de Redondo, por sua vez, tem uma atitude de acompanhamento e aconselhamento, não de imposição.

Adega Redondo Vinhos
Mariana Cavaca, enóloga e responsável pela produção.

A equipa de viticultura levou a cabo o cadastro de vinhas e castas de todos os sócios, que é actualizado anualmente. Isto permite a gestão de perfis de vinhos, a consistência de qualidade e separação de uva logo na vindima por via de conhecimento sobre o potencial da matéria prima por parcela, por casta e por sócio.

Para assegurar a qualidade de colheita em cada ano, foi elaborado o Programa de Qualidade para vinhos tintos, brancos e rosés que estabelece requisitos de qualidade e os incentivos relacionados, que é actualizado todos os anos pela equipa de enologia e viticultura.

Por exemplo, de acordo com o Programa de Qualidade, as uvas deverão apresentar um bom estado sanitário e estar maduras, mas sem sobrematuração, ou seja as castas brancas têm de apresentar o álcool provável entre as 11 a as 12,5%, com excepção do Arinto que pode ser vindimado com 10,5% para contribuir com a sua acidez natural aos lotes; as referências para as castas tintas podem variar dos 13 às 15%. Privilegia-se a entrega por casta e não em conjunto, pois isto permite uma melhor gestão dos lotes na vinificação (a Tinta Caiada, por exemplo, está mesmo proibida de entrar misturada com outras castas). Se houver problemas fitossanitárias, a uva não vai para a produção de vinho, segue para destilação. Ao fazer lotes também é preciso paciência e concentração. Ensaiam primeiro tudo na sala de provas, pois “30-40 mil litros fazem diferença nos 4 milhões”, explica Mariana.

As instalações são bem equipadas e para além de cubas de cimento antigas de uma arquitectura bonita e pouco comum, dispõe de cubas de inox e 10 cubas com sistema Ganimede capazes de receber 120 toneladas de uva e que dão óptimos resultados – uma remontagem bem feita, extração de cor e parte aromática sem dilaceração de películas, fermentação rápida, grande poupança da energia, exigindo pouca mão-de-obra. Na unidade de acabamento de vinhos, brilha um filtro tangencial para uma filtração delicada e de baixo impacto ambiental. Também há uma sala de barricas para o estágio dos topos de gama da Adega.

Metodicamente investe-se na modernização. Os investimentos mais recentes incluem um novo armazem destinado a produto acabado, o que permite aumentar o tempo de estágio, e uma nova linha de engarrafamento com capacidade para 14 mil garrafas/hora.

É claro que há sempre mais algum “brinquedo” que Mariana gostava de ter na sua sala de vinificações para realizar novas ideias, porque há sempre espaço para introdução de melhorias nos processos enológicos. Contudo, está satisfeita com o seu trabalho. “Sinto-me orgulhosa a provar os vinhos da nossa adega” – diz a enóloga e tem toda a razão, pois as gamas são bem definidas, com consistentes patamares de qualidade dentro de diferentes referências (tem mais marcas para além da Porta da Ravessa e Real Lavrador). Alguns dos vinhos só têm um problema – são escandalosamente baratos. Por exemplo, se me dissessem que o Porta da Ravessa Reserva branco com PVP 6 euros, custava 10 ou 12 euros, não me sentiria defraudada pela qualidade que apresenta e prazer que proporciona. Infelizmente, a guerra de preços dos vinhos neste país, com a pressão dos hipermercados e a aplicação de “descontos” absurdos de 50-70%, deixa os produtores de mãos atados.

Com forte presença dos vinhos da Adega de Redondo no mercado nacional, a exportação corresponde apenas a 15-17% de produção. O mercado nº1 é o Brasil, e também há operações nos Estados Unidos, Rússia, Polónia e “mercado da saudade”. Curiosamente, é mais fácil vender os vinhos lá fora, nota Bernardo Malhador, porque não existe o “estigma” dos “vinhos de adegas cooperativas” e o consumidor não faz juízo de valor em relação ao produtor ser mais ou menos “nobre”: se gosta do vinho, compra-o.

(Artigo publicado na edição de Março de 2022)

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Grande Prova – Quando Verde não é uma cor

Grande Prova Verdes

O Vinho Verde não é uma categoria de vinhos. Se antigamente o consumidor ainda tinha desculpa para fazer esta confusão, por falta de conhecimento ou de vinhos com grande impacto, hoje é imperdoável. O Vinho Verde é uma denominação de origem que coincide geograficamente com a região do Minho. E é, sem dúvida, uma grande […]

O Vinho Verde não é uma categoria de vinhos. Se antigamente o consumidor ainda tinha desculpa para fazer esta confusão, por falta de conhecimento ou de vinhos com grande impacto, hoje é imperdoável. O Vinho Verde é uma denominação de origem que coincide geograficamente com a região do Minho. E é, sem dúvida, uma grande região para vinhos brancos no nosso país.

Texto: Valéria Zeferino
Fotos: Ricardo Palma Veiga

A região dos Vinhos Verdes tem o seu perfil diferenciador marcado pelas condições climáticas vincadas e pelas castas pouco ou nada utilizadas noutras regiões do país (com excepção de Arinto). O enorme sucesso de marcas de volume como Casal Garcia, Gazela ou Gatão não podem justificar generalização, impedindo ver o potencial qualitativo e a diversidade da região. Pensar que todos os vinhos daquela zona são simples, levemente doces e gaseificados, é uma visão redutora. Os vinhos com carácter mais sério e ambicioso, sem comprometer o perfil marcadamente fresco da região, representam hoje, segundo o Presidente da Comissão Vitivinícola Regional dos Vinhos Verdes (CVRVV), Manuel Pinheiro, cerca de 20% da produção em termos quantitativos, mas elevam o padrão e a percepção da qualidade e de valor do Vinho Verde, como a expressão do seu território.

Marcos históricos

 A menção mais antiga ao Vinho Verde data de 1606, num documento passado pela Câmara do Porto. Vinho Verde foi uma das primeiras regiões a ser demarcada em 1908 e desde 1929 tem os seus contornos actuais. É uma das maiores regiões de Portugal em termos de área de produção, a seguir ao Douro e Alentejo, ocupando mais de 24 mil hectares (dados estatísticos do IVV a 31 de Julho de 2020). Em termos de produção é a quarta maior região a seguir ao Douro, Alentejo e Lisboa, produzindo 816 396 hl na campanha 2019/2020 o que corresponde a 13% de produção nacional.

Nos últimos quatro anos (sem contar com 2020) a presença no mercado nacional estava a crescer continuamente, atingindo em 2019 quase 21,5 milhões de litros o que corresponde a uma quota do mercado de quase 18%. É a segunda maior em volume a seguir ao Alentejo (com 37,6% do mercado) e em valor fica no terceiro lugar após Alentejo e Douro, ocupando 15,5% do mercado nacional, segundo a Nielsen.

O preço médio também foi crescendo nos últimos 4 anos e em 2019 ficou nos 4,86 euros por litro, ultrapassando regiões como Beiras, Beira Atlântico, Lisboa, Tejo e Península de Setúbal.

96,6% dos vinhos da região são vendidos como DOC e nesta vertente o Vinho Verde lidera no mercado nacional. Mais de 70% é vendido na distribuição, mas também tem uma presença interessante na restauração.

Ao contrário da realidade histórica, na região produz-se muito mais brancos do que tintos.  Segundo os dados estatísticos da CVRVV, em 2020, de vinhos tranquilos (DOC Vinho Verde + Regional Minho) foram produzidos quase 62,5 milhões de litros de vinho branco e apenas um pouco mais de 4 milhões de litros de vinho tinto. Nota-se uma tendência forte na produção de rosés que estão a crescer exponencialmente. Só nos últimos 10 anos o volume de produção aumentou de 1 milhão para mais de 7 milhões de litros.

Os vinhos monovarietais (DOC + Regional) de Loureiro representam uma quantidade significativa de mais de 3 750 000 de litros e de Alvarinho quase 3 150 000 de litros.

Em termos de exportação, os Vinhos Verdes estão presentes em mais de 100 países, dos quais os principais mercados são Estados Unidos, Alemanha, Brasil, Fança, Reino Unido, Polónia e Canadá. Nos últimos 5 anos a exportação subiu em volume e em valor, atingindo 31.173.338 litros e 73.805.245 euros.

Grande Prova VerdeDinâmica da região

 A região do Vinho Verde não só mudou drasticamente nos últimos anos, como está em constante mudança. É uma das regiões mais dinâmicas do país. Para isto existem vários factores, partilhados por Manuel Pinheiro. O principal é a viticultura que melhorou imenso. As formas antigas de condução, quando a vinha era alta, apoiada em tutores (árvores ou postes) e dispersa pelas bordaduras dos campos com outras culturas como o milho, a batata e a forragem para o gado, já não são praticadas. Ainda se podem encontrar vinhas de enforcado com videiras a trepar até 3-6 metros de altura, ou ramadas e latadas – que hoje representam um autêntico museu ao ar aberto. A vinha está a ser restruturada e reconvertida até 500 ha por ano, permitindo ter a matéria prima de óptima qualidade, mesmo em condições desafiantes. As castas mais utilizadas na reconversão são Loureiro, Alvarinho, Arinto e Avesso e entre castas tintas aposta-se mais no Vinhão. Outro factor decisivo tem sido a geração de novos enólogos e produtores que trouxeram uma grande ambição e conhecimento a nível de enologia.

Terceiro factor – atenção ao mercado e antecipação das tendências por parte dos produtores atentes ao feedback dos seus clientes nacionais e internacionais. Assim, em paralelo com vinhos de lote, começaram a produzir com bastante sucesso os vinhos monovarietais que mostram o carácter das castas da região. Os rosés do Vinho Verde são outro objectivo alcançado. A procura é tanta que neste momento não há vinho que chegue para a satisfazer. Segundo Manuel Pinheiro, a maior parte de vinhos produzidos na região, são brancos, representando 86-87%, mas os rosados em 2020 cresceram 32%.

O projecto mais recente promovido pela CVRVV consiste no desenvolvimento de uma estratégia de sustentabilidade que integrará os viticultores e produtores da região. Neste âmbito foi feito um acordo com a Agro.ges para efectuar um estudo de diagnóstico, com base no qual a CVRVV irá fazer acções de formação e apoio aos produtores para melhorarem a sua eficiência no uso de recursos.

Solos e climas

 A região do Vinho Verde situa-se no Noroeste de Portugal, o que se chamava antigamente entre Douro e Minho. A Oeste é naturalmente delimitada pelo oceano Atlântico, a Este confina com contrafortes de um maciço montanhoso constituído pelas Serras da Peneda, Gerês, Cabreira, Alvão, Marão, Montemuro entre outras. O rio Minho marca a sua fronteira Norte e o rio Douro a fronteira Sul. O seu relevo forma um anfiteatro exposto ao mar, recortado pelos vales e rios. Os ventos marítimos acabam por não encontrar grandes obstáculos, penetrando pelos vales orientados de Este para Oeste.

Tirando algumas excepções, quase todo o solo da região é formado pela agregação dos granitos. Em algumas partes o granito mistura-se com xisto e também há zonas de algum aluvião. Tem 9 sub-regiões, sendo Monção e Melgaço, a Nordeste a fazer fronteira com Espanha, a mais protegida da influência atlântica pelas cadeias montanhosas, com maior renome nacional e internacional, onde a casta Alvarinho goza (meritoriamente) um grande protagonismo. A sul de Monção e Melgaço fica a sub-região do Lima, dispondo-se na bacia hidrográfica do rio Lima, e está associada à casta Loureiro. A sub-região Cávado, Ave e Sousa esticam-se à volta dos rios com os mesmos nomes. A sub-região de Paiva ocupa a margem sul do rio Douro. Na parte interior fica a mais montanhosa sub-região de Basto. Mais a Sul continua a sub-região de Amarante, atravessada pelo rio Tâmega (afluente do Douro). Mais perto do Douro localiza-se a sub-região Baião – a terra da casta Avesso.

As alterações climáticas são uma realidade e já se sente o seu efeito na região. Antigamente, as geadas eram frequentes, agora acontecem cada vez menos, mas o excesso de insolação é outro problema. Com as alterações climáticas diminui a acidez e o grau sobe. O excesso de álcool não é positivo para os vinhos da região, que se têm afirmado como vinhos com uma frescura intrínseca e teor alcoólico moderado.

Nos Vinhos Verdes chove mais do que em Bordeux, mas a água é distribuída de maneira diferente. A chuva está concentrada nos meses de Outubro até Maio, chovendo muito pouco em Julho, Agosto e Setembro. As raízes normalmente não ultrapassam os 50-60 cm e nos solos bem porosos e nas encostas, a água vai logo para baixo, deixando as plantas em stress. Em certas zonas até a rega faz sentido, desde que seja feita com cuidado. Encostas franco-arenosas bem drenadas portam-se bem em anos mais chuvosos, mas quando chove pouco, é um problema. E ao contrário, nos anos muito secos o melhor resultado surge nos solos com maior capacidade de retenção de água.

Grande Prova VerdeCastas brancas de valor e personalidade

A casta mais plantada na região é Loureiro. Segundo dados estatísticos da CVRVV, lidera o top 15 de castas, ocupando mais de 4.000 ha. Foi conhecida como Loureira e mencionada pela primeira vez em 1790 em Melgaço e Vila Nova de Cerveira e só em 1875 na Ribeira do Lima, onde mais tarde encontrou a sua zona de eleição. No “Portugal Vinícola” de Cincinato da Costa, de 1900, também é chamada de Dourada e na altura já era cultivada nos concelhos de Arcos de Valdevez, Vila Nova da Cerveira, Ponte do Lima, Ponte da Barca, Melgaço, Monção, Caminha, Vila do Conde e Póvoa de Varzim.

Para além de produtividade elevada, é regular, dá muito rendimento em mosto. Gosta de solos profundos e de média fertilidade. Muito sensível ao sol e à seca, fica melhor mais perto da costa. Por isto adaptou-se bem ao vale do Lima. Sente-se bem em toda zona litoral da região.

É uma casta com elevada presença de compostos terpénicos livres (voláteis e facilmente perceptíveis) responsáveis pelos aromas florais. Os aromas característicos do Loureiro são acácia, flor de laranjeira, tília. Apresenta também aromas citrinos (lima, limão, laranja) e de folha de louro. Pode ter notas de maçã, pêssego e algum fruto tropical. De acordo com alguns estudos, apresenta a sua expressão máxima aromática depois da fermentação, mas também oferece nobreza de evolução. Anselmo Mendes considera que o Loureiro é muito mais aromático do que o Alvarinho e tem uma pureza de acidez a lembrar Riesling.

Segue-se Alvarinho, no segundo lugar, com 2.345 ha plantados. Casta ibérica por excelência, chamada de Albariño do outro lado da fronteira. Era praticamente exclusiva da sub-região Monção e Melgaço, ou seja, podia ser plantada noutras zonas da região, mas um rótulo não podia ostentar ao mesmo tempo o nome da casta Alvarinho e a denominação de origem Vinho Verde. Situação esta que muda definitivamente a partir da colheita deste ano de 2021 – o Vinho Verde Alvarinho pode ser produzido em qualquer parte da região.

Dá muito menos rendimento em mosto do que as outras castas. 65l de mosto de 100 kg de uvas (as outras castas, geralmente, dão 75l de mosto). É menos exuberante do que Loureiro, mas tem uma complexidade aromática extremamente interessante. Os seus aromas podem variar desde marmelo e pêssego, notas de fruta citrina (laranja, tangerina, toranja), fruta tropical (maracujá e por vezes, líchia). Notas florais de laranjeira de frutos secos (avelã, noz) também são comuns, podendo desenvolver nuances de mel com evolução. A sua composição aromática e perfil varia muito com a zona de plantação e abordagem enológica.

Tem uma boa acidez e bastante corpo, originando vinhos de grande longevidade. Anselmo Mendes vê o Alvarinho como uma casta que pode ser austera, mais redonda do que Loureiro.

O Arinto ocupa um pouco menos de 2.250 ha. É uma casta autóctone portuguesa, espalhada e apreciada em várias zonas do país, sendo a terceira mais plantada a nível nacional.

É popular também na região de Vinhos Verdes onde é conhecida como Pedernã, embora tenha muito menos protagonismo a nível varietal do que outras castas da região. Está bem presente em todas as sub-regiões com excepção de Monção e Melgaço, onde reina o Alvarinho.

Produz vinhos marcadamente citrinos, com notas de fruta branca (maçã e pêra) e ainda algumas notas florais a lembrar lantanas. Por vezes, pode desenvolver nuances de maracujá.

Para Anselmo Mendes é uma casta de outro mundo. Fica bem nas sub-regiões de Basto e Baião. Faz óptima parceria com Avesso, pois a acidez do Arinto é menos dura.

A Trajadura ocupa uma área com quase 980 ha. Não é das mais exigentes em termos de viticultura. Por um lado, tolera humidade no ar e no solo, por outro suporta, insolação. Adapta-se bem a qualquer tipo de poda e é bastante produtiva e regular. É utilizada sobretudo para lotes e o seu principal ponto fraco é a baixa acidez que pode levar ao desequilíbrio.

O enólogo e produtor António Sousa não vê a Trajadura numa vertente monovarietal. Se o Azal chega ao Verão com uma frescura fantástica, a Trajadura fica muito plana. Até pode ter aromas frescos, mas não tem frescura na boca. Falta-lhe alma, mas serve para “cortar” alguns Alvarinhos ou Loureiros demasiado intensos.

O Azal é plantado em quase 890 ha. É uma casta antiga mencionada desde 1790. Exclusiva da região Vinho Verde, e mesmo na região restringe-se a sub-regiões do interior, como Basto, Amarante, Baião e Sousa. É de ciclo longo, por isto precisa de solos secos e boa exposição, caso contrário não amadurece bem e fica excessivamente ácida. Anselmo Mendes aponta que é uma casta difícil na viticultura, “rebenta por todo o lado, obrigando fazer muita intervenção em verde”. Menos vista em vinhos varietais, antigamente só se usava em lotes, mas agora já se pode encontrá-la vinificada em estreme. Não tem um aroma muito intenso, mas transmite grande frescura com notas citrinas (limão) e de maçã verde.

Outra casta típica e exclusiva da região dos Vinhos Verdes é o Avesso. Presente em Amarante, Baião, Paiva e Sousa, com predominância na sub-região de Baião. Conhecida localmente como Borral, Bornal ou Borraçal branco, mas não tem sinonímias oficiais. Ocupa só 465 ha, mas é uma casta em ascensão. De viticultura difícil e de gostos contraditórios. Por um lado, tolera ambiente húmido, mas é muito sensível ao míldio, oídio e podridão cinzenta. Por outro, precisa de calor, mas facilmente apanha escaldão. António Sousa conhece viticultores que perderam 90% de produção desta casta por causa de escaldão. O sucesso e equilíbrio depende muito do sítio onde é plantada – precisa de zonas bem ventiladas, exposição a sul e alguma inclinação, terrenos secos e bem drenados. Virado para o Douro é onde se dá melhor, ali goza já um clima mais continental. Sensível a oxidação, não é uma casta intensamente aromática, fornecendo aromas de laranja, pêssego, notas amendoadas e leves florais. Precisa de algum tempo após a vinificação para potenciar os seus aromas.

É uma casta desafiante. Anselmo Mendes refere que o Avesso demonstra uma acidez quase metálica quando pouco maduro. Para António Sousa, Avesso transmite aos vinhos mais estrutura e por vezes, um toque amanteigado.

Algumas castas estrangeiras também estão presentes na região. Chardonnay e Sauvignon Blanc, por exemplo, já fazem parte dos top 15, mas são permitidas apenas para a produção de vinhos regionais.

Lotes e perfis

 Como atrás se disse, embora os varietais de Loureiro e Alvarinho, sobretudo, tenham vindo a crescer, a região dos Vinhos Verdes é feita de blends, misturas de vinhos de diferentes castas, com o objectivo de tirar o máximo partido de cada uma. A nossa Grande Prova deste mês assenta precisamente nesses blends. E estes são os principais:

Alvarinho e Trajadura – O seu casamento com Alvarinho é por conveniência, não é por amor. Quando não amadurece bem, tem muita acidez. Fernando Moura, para o Muralhas de Monção, por exemplo, usa o lote de 85% Alvarinho e 15% Trajadura. Como não é a casta mais aromática (maçã, pêra), neutraliza aromas do Alvarinho e não convém que ultrapasse 20% do lote, a menos que se procure outro estilo.

Alvarinho e Loureiro em proporções variadas, uma parceria de sucesso que alia a personalidade de duas grandes castas.

Alvarinho, Loureiro e Avesso, onde o Alvarinho confere corpo, solidez e estrutura, o Loureiro intensidade aromática e acidez e o Avesso acidez e mineralidade. A união de performance aromática das três castas traz complexidade.

O sucesso de um blend não se deve apenas à presença de Alvarinho. É como Cristiano Ronaldo, não precisa de jogar sempre para a equipa ganhar. O lote de Casa Grande Sant’Ana é de Azal, Avesso, Arinto e Alvarinho. No Singular, 45% do lote são vinhas velhas em conjunto com outras castas como Malvasia Fina, Avesso, Arinto, onde o Alvarinho está em minoria com apenas 8%. No San Joanne Terroir Mineral, o Alvarinho não entra de todo, tendo só Avesso e Loureiro e o Sem Igual é uma belíssima parceria de Azal e Arinto que resultou num vinho com muita personalidade.

A abordagem enológica varia em função da casta. A temperatura de fermentação é outro factor que pode influenciar o perfil do vinho. Para obter aromas imediatos, opta-se para conduzir fermentação alcoólica a baixas temperaturas (12-14ºC). Para potenciar aromas da casta e mais duradouros, as temperaturas preferem-se mais altas. O gás carbónico ainda é visto como um atributo de caracterização dos vinhos da região, mas há produtores que diminuem ou recusam a sua presença no vinho. Por outro lado, os vinhos são cada vez mais secos, sobretudo no mercado nacional. As operações como bâtonnage na cuba, fermentação ou eventualmente estágio em barricas também são feitas quando se procura um determinado perfil. Porque uma região não se resume apenas a um perfil de vinho. E na região dos Verdes, de enorme diversidade e potencial, os vinhos têm todas as cores, aromas e sabores.

Grande Prova Verde

(Artigo publicado na edição de Abril de 2021)

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Lisboa é nome de (muito bom) tinto

Grande Prova Tintos Lisboa

Bastaria o nome para, a nível internacional, Lisboa ser a zona vitivinícola mais inequivocamente associada a Portugal. Juntando a isso, na última década e meia, os vinhos de Lisboa criaram um modelo de negócio de enorme sucesso, assente em bons vinhos a bom preço, transformando a região na maior exportadora relativa do país (vinho do […]

Bastaria o nome para, a nível internacional, Lisboa ser a zona vitivinícola mais inequivocamente associada a Portugal. Juntando a isso, na última década e meia, os vinhos de Lisboa criaram um modelo de negócio de enorme sucesso, assente em bons vinhos a bom preço, transformando a região na maior exportadora relativa do país (vinho do Porto à parte). Mas Lisboa é bem mais do que isso. Diversidade de solos, castas e clima associam-se ao factor humano para fazer nascer vinhos de primeira grandeza. Como é o caso dos tintos que provámos.

Texto: Valéria Zeferino e Luís Antunes

Notas de Prova: Luís Antunes

 A região de Lisboa começa a partir da capital e estende-se quase 140 km para Norte até Pombal. Em toda a sua extensão é delimitada pelo oceano Atlântico, ocupando em largura entre 20 e 40 km. Pela posição geográfica, a influência Atlântica é a principal “feature” da região, perdendo ligeiramente a sua força à medida que se afasta da orla marítima.

O clima apresenta características da transição entre o Atlântico e o Mediterrânico.  A Serra de Montejunto situada a cerca de 20 km da costa Atlântica, com orientação Noroeste-Sudeste, marca a divisão em parte norte e sul da região, impedindo a progressão das massas de ar marítima. A Noroeste as massas de ar húmido e frio, provenientes do oceano contribuem para a formação de densas neblinas; a Sudeste, ao abrigo dos ventos, com maior exposição solar e menos precipitação, as condições são mais quentes e secas. Até o tipo de vegetação muda de semelhante à da Europa Central para o coberto vegetal mais esparso e rasteiro típico do Mediterrânio.

Os níveis de humidade variam em função da proximidade do mar e orografia. Assim, o clima em Óbidos e Encostas d’Aire é considerado húmido; em Bucelas, Carcavelos, Colares e Torres Vedras – sub-húmido chuvoso; e em Alenquer e Arruda – sub-húmido seco, sendo esta uma zona de tintos por excelência.

Os solos ao longo da região também apresentam grande variedade. A Norte, as vinhas estão assentes no maciço calcário ao longo das encostas das serras de Sicó, Aire e Candeeiros, onde o terreno é formado por ondulações relativamente suaves. Nos vales, assim formados, os solos são bastante mais férteis. Mais a Sul, na zona de Bombarral, Cadaval e Caldas de Rainha variam de calcários aos argilo-calcários. Na zona litoral à volta de Óbidos, Peniche, Lourinhã, encontram-se arenitos, argilas e margas de elevada fertilidade. Em Alenquer e Arruda os solos são predominantemente argilo-calcários e em Bucelas derivados de margas e calcários duros. Carcavelos está assente em solos de formação calcárea e não podemos esquecer o famoso chão de areia de Colares. Assim, olhando para a localização da propriedade é relativamente fácil fazer a leitura das condições climatéricas que acompanham o ciclo vegetativo.

Tiago Correia, da equipa de enologia da Quinta do Gradil, localizada a 18 km do mar no lado norte do sopé da Serra de Montejunto, conta que de manhã há sempre humidade, que desaparece durante o dia. Em comparação, na Quinta do Rol, em Lourinhã ou em São Mamede da Ventosa a cerca de 8 km do mar, há dias de verão em que o sol não aparece.

Sandra Tavares da Silva, responsável pela enologia do projecto familiar na Quinta da Chocapalha em Alenquer (do outro lado da Serra de Montejunto) refere que naquela zona a influência Atlântica nota-se, mas não é “cáustica”. No verão, pode-se falar da clássica brisa marítima suave que até às 10h da manhã faz desaparecer as orvalhadas matinais.

A história é diferente em Torres Vedras, com exposição quase directa ao Atlântico. Os dias de amadurecimento das uvas são mais amenos e nas noites sente-se a frescura marítima. O enólogo da Adega Mãe, Diogo Lopes, nota a diferença em temperatura, por exemplo, desde a saída de Lisboa, com 30˚C, até chegar à adega já com 22-23˚C. É por isso que, para a produção de vinhos tintos, a Adega Mãe explora a Quinta de Dom Carlos em Alenquer.

Grande Prova tintos LisboaVinhas e castas

 Segundo os dados do Instituto da Vinha e do Vinho, a área de vinha da região de Lisboa ocupa 17 989 ha e, pela informação da CVR Lisboa, 10 000 ha correspondem à vinha certificada, apta a produzir uvas para vinhos DO e IG. Este valor mantém-se estável, mas com tendência para crescer, sendo a Região de Lisboa uma das que mais candidaturas tem apresentado para a plantação de novas vinhas. Estes 10 mil hectares são explorados por 2 mil viticultores o que dá uma área média por viticultor de 5 hectares, muito superior à média nacional.

O vinho tinto predomina na região com 75%, deixando 20% para branco e 5% para rosé. Em termos de diversidade varietal, se desconsiderar a Caladoc, utilizada maoiritariamente para vinhos sem denominação de origem, as castas com maior expressão são Castelão, Syrah, Aragonez/Tinta Roriz, Alicante Bouschet e Touriga Nacional. Sandra Tavares da Silva não hesita em afirmar que a Castelão sempre foi aposta da Quinta da Cocapalha, mas é preciso ter paciência. Está numa parcela virada à norte, produzindo vinhos com menos densidade e mais frescura.

Diogo Lopes confessa que hoje dá mais atenção a Castelão do que no início do projecto Adega Mãe. Gosta da sua acidez franca e fruta vermelha. Em parcelas certas com boa exposição e tendo em conta as alterações climáticas é uma opção interessante. Deve-se é evitar a tentação de extrair demais, procurando a sua originalidade e elegância.

Tiago Correia adianta que, no caso de Castelão, é preciso saber trabalhar com os clones certos.

A Tinta Roriz mostra-se bastante bem, mas nem todos os anos. “Dá grandes alegrias, mas também anos com dificuldade de amadurecer; mas é muito boa nos rosés”, – diz Tiago; e Sandra Tavares refere que a casta é extremamente sensível ao stress hídrico, mas em solos argilo-calcários profundos, virada a poente, consegue maturação suave e longa.

Com Alicante Bouschet conseguem-se bons resultados, mas, segundo Tiago Correia, precisa de gestão de produção muito cuidada, começando pela poda de inverno curta para controlar a rebentação, desladroamento a tempo, e monda de cachos ao pintor, se for preciso. A partir dos 8-9 toneladas perde completamente a identidade, acrescenta. No que toca a Touriga Nacional, é fácil de reconhecer o seu carácter, com descritores aromáticos bem presentes, mas às vezes pode faltar-lhe a maturação fenólica e corpo; não é homogénea, conclui Tiago.

Já Sandra Tavares gosta muito da sua experiência com Touriga Nacional, cujas varas trouxeram de Nelas. Dá vinhos com boa concentração, frescura e densidade. Surpreendentemente bem, deu-se na zona de Alenquer, a Touriga Franca. Foi difícil encontrar solos certos, pois fica melhor em terrenos mais pobres e com inclinação. Também é mais sensível à humidade, precisa de zonas bem arejadas e controlo do vigor. Mas segundo Sandra, o resultado vale a pena o esforço.

Já a variedade Ramisco, não tendo muita expressão em termos da área plantada, tem a sua importância, porque não existe em mais lado nenhum do país e no binómio com Colares origina vinhos de carácter único que ultimamente estão a gozar um merecido renascimento.

Algumas castas estrangeiras são populares na região a contribuir para uma diversidade de estilos, como Cabernet Sauvignon, Merlot, Petit Verdot. A experiência com Tannat na Quinta do Gradil é um caso de sucesso. O Pinot Noir também aparece na região e consegue amadurecer de forma equilibrada em zonas onde, normalmente, são plantadas castas brancas.

Grande Prova tintos LisboaDe Lisboa para o mundo

 Segundo a informação da CVR Lisboa, as vendas anuais da região rondam os 65 milhões de garrafas. Este valor duplicou nos últimos 5 anos, sendo esta a região que mais cresceu neste período em termos absolutos. Em volume de vendas, é actualmente a 4ª maior região depois de Alentejo, Vinho Verde e Douro (sem Porto). Em 2020 o crescimento em vendas representou 17% (cerca de mais 10 milhões de garrafas). Nos vinhos não licorosos, Lisboa representa 14% das vendas totais de vinhos certificados, por comparação com o Alentejo, que detém cerca de 22%.

Mas o mais impressionante é que 80% do total de vendas da região de Lisboa corresponde à exportação para cerca de 100 destinos. Tirando o Vinho do Porto, é a região que mais exporta em percentagem do total das suas vendas. Nos últimos 5 anos, Lisboa foi responsável por 33% do crescimento das exportações de vinhos certificados ou seja, olhando apenas para o volume adicional das exportações nestes 5 anos, 1 em 3 garrafas exportadas foi de Lisboa. E para onde vai todo este vinho? Dentro da União Europeia, os principais mercados são Polónia e Países Escandinavos. No resto do mundo avultam os Estados Unidos, Rússia, Canadá, Brasil e Austrália.

Os grandes tintos de Lisboa

Em prova, a região mostra uma grande vitalidade neste segmento de topo, aparecendo vinhos de grande qualidade e também de preços altos. Os preços altos são um pau de dois gumes, se nós consumidores preferimos galinha gorda por pouco dinheiro, os produtores precisam de receitas e boas margens para assegurar a sustentabilidade dos seus projectos, e os preços altos são sempre indicador de sucesso e prestígio. Para uma região andar para a frente, é sempre preciso haver vinhos icónicos que lideram e fazem subir a ambição geral. Impressiona ainda a grande variedade de estilos, de castas, de combinações. Temos de ter em atenção que mudar uma vinha é sempre um projecto a longo prazo. Constatamos assim que estas apostas começaram já há muito tempo, e temos agora o resultado dessa experimentação na vinha, a que se segue experimentação na adega, e finalmente a adesão do público que pode ou não validar as apostas. Vemos assim castas trazidas do Douro e do Alentejo, outras de França, pensamos que numa tentativa (conseguida!) de recuperar algum do atraso que Lisboa leva junto da opinião pública, em relação a outras regiões mais populares. Vemos ainda uma gama variada de estilos, desde vinhos mais frescos e leves a vinhos mais concentrados, desde vinhos mais pálidos a vinhos totalmente opacos. Nota-se igualmente um pouco de indefinição de estilo, dentro de alguns produtores, com tintos de Castelão de cor estranhamente carregada, ou vinhos atlânticos com algum peso alcoólico, ou ainda vinhos com alguma idade que já terão passado os melhores dias. Ainda do lado da diversidade de estilo, aqui com traços bem positivos, vemos vinhos extremamente bem desenhados, por exemplo baseados em Syrah mas não só, com apelo e sedução imediatos, vemos o renascimento da Ramisco como uma grande casta com carácter saudoso único, a ser finalmente feito com enologia moderna que lhe dá afabilidade sem desvirtuar esse carácter, vemos ainda vinhos que já venceram a prova do tempo, com enorme qualidade e encanto, mas que se apresentam ainda prontos para durar muitos anos mais.

E nas recomendações gastronómicas que acompanham por vezes as notas de prova, vemos que estes vinhos são versáteis e amigos da mesa. Há excelência nos tintos de Lisboa, há belíssimas relações qualidade-preço, há a história de uma região com história, que agora se agrupa em torno de um nome, sem esquecer o seu passado se aponta para o futuro. Bravo!

(Artigo publicado na edição de Agosto 2021)[/vc_column_text][vc_column_text]

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Vinhão vs. Sousão: A dupla face de uma uva

vinhão sousão

Vinhão no Minho e Sousão no Douro e no resto do país – dois nomes da mesma casta, duas realidades unidas geneticamente e separadas estilisticamente, duas faces da mesma moeda, cara e coroa, yin e yang. Uma casta intensa, com tudo no máximo – cor, acidez, tanino, onde as possíveis fraquezas são consequências das suas virtudes.   […]

Vinhão no Minho e Sousão no Douro e no resto do país – dois nomes da mesma casta, duas realidades unidas geneticamente e separadas estilisticamente, duas faces da mesma moeda, cara e coroa, yin e yang. Uma casta intensa, com tudo no máximo – cor, acidez, tanino, onde as possíveis fraquezas são consequências das suas virtudes.  

Texto: Valéria Zeferino

Como no caso de Syrah e Shiraz, é mais do que uma sinonimia regional, trata-se de diferenças no perfil de vinhos produzidos. O Vinhão representa um vinho popular, por vezes rústico, franco e imediato na fruta e no modo de consumo e o Sousão refere-se ao vinho de nicho, menos divulgado e mais selectivo, onde a forte personalidade da casta fica moldada pela abordagem enológica.

Entretanto, está-se a assistir a uma mudança de paradigma: há Vinhões que ultrapassam a estigma do “vinho do ano” e Sousões a fingir que são Vinhões, como é o caso do Sousão Divina Lampreia da Quinta do Vallado ou de Maçanita Vinhos, onde esta questão se coloca mesmo no rótulo: é Sousão ou será Vinhão?

Na viragem do século, Vinhão/Sousão era a quarta casta tinta mais plantada em Portugal, representando 3% da plantação nacional. Hoje é a 10ª casta mais plantada, com 3772 ha a nível nacional, sendo a região do Minho responsável pela maioria das plantações. Com alguma expressão e peso no Douro, encontra-se também nas regiões de Trás-os-Montes, Alentejo e até no Algarve, mas é claramente minoritária, sendo mais uma curiosidade do que tendência.

Na terra de “nuestros hermanos” chama-se Sousón e está bastante presente na região de Galícia: DO Monterrei, Valdeorras, Rias Baixas, sobretudo nas sub-regiões Condado do Tea e O Rosal “coladas” ao rio Minho do outro lado da fronteira.

Planta-se também algum Vinhão/Sousão na África do Sul, Austrália e Califórnia, mas nos dados estatísticos aparece na categoria “outras castas” e normalmente é usada para produção dos vinhos licorosos.

Vinhão ou Sousão?

É uma casta originária do Minho, mais precisamente da ribeira do Lima. Viajou para o Douro no século XVII, por volta de 1790. Nesta altura, uma das principais castas do Douro era Bastardo, muito precoce, de teor alcoólico alto, mas com intensidade de cor baixíssima, por isto o Vinhão, assumindo o nome de Sousão, veio para conferir a sua cor intensa aos vinhos do Porto como alternativa às bagas de sabugueiro.

Mas existia no Minho outra casta, também antiga, com o nome Sousão. Aparecia mencionada nos estatutos da DO Vinho Verde até há relativamente pouco tempo. Esta casta não tinha nada a ver com Vinhão, nem com Sousão no Douro, mas o nome idêntico era suficiente para criar confusão. A questão resolveu-se com alteração do nome Sousão para Sezão em 2012 na lista de castas aptas à produção de Vinhos em Portugal, passando o Sousão do Douro a sinónimo oficial do Vinhão no Minho. Existem 7 clones homologados da casta e as características variam bastante em termos de rendimento, acidez e teor alcoólico.

É ou não é tintureira?

Ao contrário de maioria das castas com antocianinas concentradas na película, numa casta tintureira estas substâncias estão também presentes na polpa, ficando esta corada. As verdadeiras tintureiras são Alicante Bouschet, Petit Bouschet, Grand Noir ou Saperavi, entre mais algumas. Todas possuem a polpa corada. O nosso Vinhão ou Sousão, não tem esta característica, pelo menos de uma forma homogénea.

O Visconde de Villa Maior, na sua obra “O Douro Ilustrado”, afirma que a matéria corante do Sousão reside, como em todas as castas, na película. Embora Cincinnato da Costa, no seu “Portugal Vinícola”, mencione que Vinhão “é a casta mais retinta que conheço” e aponte outros nomes, bem sugestivos em relação à cor, como Negrão, Tinta ou Espadeiro da Tinta, ao mesmo tempo refere que “nem todos os bagos do mesmo cacho apresentam a polpa corada”.

Tiago Alves de Sousa, que representa a nova geração da empresa familiar duriensa Alves de Sousa, confirma que existe muita heterogenidade em termos de cor nos bagos de Sousão: alguns são levemente corados, outros completamente pigmentados. O produtor e enólogo Anselmo Mendes explica que aos 12-13% de álcool potencial, o Vinhão não tem cor na polpa. Existe uma grande concentração de antocianinas na película que migram para a polpa na última fase de maturação.

O mais importante de tudo é que a cor nesta casta é altamente extraível, por isto, tintureira ou não, tinge tudo e alegra aqueles que apreciam a sua cor retinta característica.

vinhão sousão
Casa Santa Eulália

 

Vinhão no Minho

De entre outras castas do Minho, Vinhão é a mais conhecida e mais divulgada. Tem maior expressão nas sub-regiões de Lima, Basto, Ave. E Amarante é afamada pelos seus vinhos tintos com predominância de Vinhão, sobretudo da zona de Gatão. Não é por acaso que o primeiro “Gatão” da Borges, lançado em 1935, era tinto.

Em 1999, Vinhão ocupava 7 928 ha, em 2017 apenas metade – 3 447 ha, mas é uma das castas mais utilizadas no âmbito de restruturação da vinha (518 ha), sendo a única casta tinta a ser replantada com esta dimensão.

É curioso, que a casta Vinhão, quase ignorada no resto do país, na região dos Vinhos Verdes faz parte da vivência e hábitos gastronómicos. Nas tascas e restaurantes locais é indispensável na época da lampreia. Antigamente, o vinho de lavrador guardava-se em pipas, hoje muitos proprietários têm cubas de 100 a 500 litros para servir vinho tinto a copo e também vendê-lo a granel aos habitantes fiéis ao sabor da tradição. A partir de Novembro começa-se a procurar os melhores vinhos pelas tascas da região. E não são baratos! Compra-se a 5 euros um litro de um bom Vinhão, enquanto o vinho branco nestas condições custa um pouco mais de 1 euro por litro. Os antigos diziam que um tinto é bom quando suja as paredes das canecas ou malgas em que é bebido. Hoje em dia, a cor é ainda uma qualidade essencial, enquanto a presença de gás carbónico já é menos importante, conta o produtor da marca Sapateiro, Tiago Soares.

É entusiasmante ver alguns pequenos produtores com vontade e ambição de mudar o paradigma e mostrar ao mundo que o Vinhão é muito mais do que um vinho de garrafão, que a casta, desde que acarinhada e vinificada para potenciar as suas qualidades, é capaz de originar vinhos com personalidade e certo nível de elegância. Este potencial da casta nunca antes foi explorado na sua região de origem.

Tiago Soares fez o seu Sapateiro Vinhão perseguindo o propósito de mostrar que a casta pode dar um vinho sério, pleno e de guarda. Na qualidade de sal e pimenta adicionou 2,5% de Azal Tinto (Amaral) e 2,5% de Touriga Nacional. O estágio decorreu durante 24 meses em barrica nova de carvalho francês. O vinho foi engarrafado sem adição de CO2 e ainda estagiou 10 meses em garrafa antes de ser lançado para o mercado.

Outro pequeno produtor com um belo Vinhão de nova geração é António Sampaio da AJTS que abraçou o projecto familiar com um estilo incrível. O Vinhão, neste caso, provém de uma vinha plantada pelo seu pai em 2002. Não é uma casta muito vigorosa e no solo granítico muito pobre produz apenas 2-3 tn/ha, não necessitando de monda. As uvas são pisadas a pé em lagar, segue um estágio de 16 meses em barricas de carvalho francês e mais 9 meses em garrafa.

O Vinhão tem, de facto, a capacidade e estrutura para integrar a barrica, mantendo a sua fruta primária viva e adquirindo complexidade. Uma certa rusticidade contribui para lhe apurar o carácter.

O enólogo e produtor Anselmo Mendes tem uma abordagem completamente diferente. A uva provém de 2 ha de uma vinha velha em Ponte da Barca, que na sua opinião é a melhor zona para Vinhão. Considerando a casta muito rústica e um pouco desiquilibrada, produz “uma versão mais civilizada”, sem grande extração. Resulta num Vinhão mais ligeiro e aberto, mas que mostra o seu cartão de visita: acidez e estrutura significativa para aguentar algum tempo em garrafa.

vinhão sousão
Costa Boal crédito Paulo Pereira

Sousão no Douro

A casta Sousão no Douro ocupa 325 ha e maioritariamente é uma componente de lote, quer para vinhos de mesa quer para vinhos do Porto, sobretudo Vintage.

No Douro dá-se melhor nas zonas mais frescas do Baixo Corgo e em algumas partes do Cima Corgo. Já o Douro Superior é demasiado seco e quente para Sousão, pois a casta, embora preserve bem a sua acidez natural, em condições quentes, sobretudo com falta de água, tende a desidratar e passificar rapidamente e perde um pouco a sua famosa cor retinta de rubi violáceo. Como diz o enólogo e produtor António Maçanita, “o Sousão é tramado, um pouco como a Trincadeira: ou está verde ou está em passa”.

Na Quinta do Vallado fazem um monovarietal de Sousão desde 2004. Francisco Ferreira, um dos proprietários da quinta e responsável pela produção, gosta da casta pelo seu carácter vincado e consistência em termos de qualidade. Uma vinha de 5 ha de Sousão já com 25 anos fica mesmo por cima da adega, virada a poente. Francisco Ferreira conta que não precisa de fazer monda de cachos, pois a produção naturalmente não passa dos 3 500 kg/ha. Se fosse virada a Sul, não produzia nada. É normalmente vindimada na terceira semana de Setembro.

O vinho fermenta em lagar: depois do corte de 3-4 horas, durante a fermentação só molham a manta 1-2 vezes por dia. Tiram do lagar antes de acabar a fermentação. Faz maloláctica e estagia em barricas, 40% novas e 60% de 2º ano. São vinhos bastante duros no início, precisam de tempo em garrafa. Por isto agora, extraem menos, retiram mais cedo do lagar, usam menor percentagem de barrica nova e com menos tosta. O vinho fica bebível mais cedo sem perder o potencial de guarda. A partir de 2017 fazem no Vallado um Sousão na versão “Vinhão”. É feito de uvas de uma vinha mais nova, também em lagar, mas sem madeira, e lançado em Dezembro do ano de vindima, para a época de lampreia.

Para Tiago Alves de Sousa, Sousão é uma “casta extraordinária com alguns caprichos”. O interesse surgiu no âmbito do estudo das vinhas velhas do Abandonado. Fizeram o primeiro Sousão monocasta em 2009. Aprecia a sua frescura aromática com lado mais herbal, estrutura, e espinha dorsal de acidez e tanino robusto. Mas se não tiver maturação suficiente, tudo acaba por estar em demasia, angular, e o lado herbal passa a vegetal. Por outro lado, a exposição é importante. No Vale da Raposa (Baixo Corgo) com altitude 300-350 metros a vinha pode ser virada a poente, enquanto no Pinhão, na cota mais baixa tem tendência para emurchecer, por isso, lá a vinha é virada à nascente. Estagia 18 meses, 50% barricas novas e 50% de 2º ano. Uma parte é carvalho nacional que, pela experiência de Tiago Alves de Sousa, funciona bem com o perfil da casta, pois “se a madeira for muito subtil, o vinho come-a”.

O Sousão dos irmãos Maçanita é o mais provocativo de todos no Douro, não só pela sua graduação baixa (12,5%), como pelo estilo. António Maçanita explica que não foi propositadamente, é mais uma constatação do que a casta proporcionou. E não foi vindimado mais cedo, a Joana indica que uvas foram colhidas em Setembro depois da Touriga Nacional de letra A. Provavelmente, tem a ver com clone específico. A vinha fica no Cima Corgo, entre Pinhão e Ferrão, numa zona com vegetação e bastante água, não permitindo grande desidratação. Fica a macerar num lagarete até arrancar a fermentação (sem inoculação). O vinho dá aromas de tinta-da-china, faz lembrar Vinhão. É bruto, é rijo, é ácido – por isso procuraram o conforto na barrica nova para aconchegá-lo um pouco, onde ficou 11 meses.

vinhão sousãoO futuro da casta

Pelas suas caractarísticas intrínsecas, Vinhão/Sousão dificilmente chegará ao estrelato de uma Touriga Nacional. Continuará como um vinho de nicho, a despertar o interesse dos enófilos, sobretudo nos mercados mais maduros, onde se procura diferença de estilos e se aprecia o carácter de castas autóctones.

Nesta prova foi especialmente interessante constatar a mudança de paradigma nas mãos de produtores irriquetos, capazes de agarrar numa casta rústica e teimosa e mostrar o seu brilho interior. Imaginem Tarzan musculado, rijo e bruto a ser educado e vestido por um alfaiate de alta costura. É o que se pode fazer com Vinhão/Sousão.

(Artigo publicado na edição de Junho 2021)[/vc_column_text][vc_column_text]

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Vinhos Leves: Quando o simples sabe bem

vinhos leves

Os Vinhos Leves, na região de Lisboa, surgiram no século passado, por necessidade, devido à viticultura da época. Hoje, a categoria solidifica-se nos vinhos regionais e é representada por vinhos aromáticos, leves, descomplicados, perfeitos para usufruir nestes dias mais quentes. TEXTO Valéria Zeferino O mundo já conhece vinhos com este perfil há muito tempo, basta […]

Os Vinhos Leves, na região de Lisboa, surgiram no século passado, por necessidade, devido à viticultura da época. Hoje, a categoria solidifica-se nos vinhos regionais e é representada por vinhos aromáticos, leves, descomplicados, perfeitos para usufruir nestes dias mais quentes.

TEXTO Valéria Zeferino

O mundo já conhece vinhos com este perfil há muito tempo, basta lembrar os Rieslings da Alemanha na sua versão mais simples. A existência dos vinhos leves na região de Lisboa deveu-se, inicialmente, à dificuldade de amadurecimento das uvas, associada a vários factores como a forte influência atlântica e humidade elevada, sobretudo em certas zonas menos protegidas; e também solos férteis e castas menos nobres e altamente produtivas, incluindo alguns híbridos, criados na Estação Agronómica de Dois Portos na década de 1950.

Os mostos com um teor alcoólico baixo, que não chegavam aos 11% fixados como o limite mínimo para os vinhos “comuns”, obrigavam os produtores fazer lotes com outros vinhos de maior graduação, ou simplesmente adicionar álcool ou aguardente vínica. Para resolver esta questão, o Ministério da Agricultura através da Portaria 547/85 de 6 de Agosto, autorizou a produção de vinhos de grau mais baixo, devendo estes conter na rotulagem a menção “vinho leve” ou “baixo grau”. Esta medida, na altura, não estava relacionada com a região de produção.

vinhos levesMais tarde, com a Portaria n.º 351/93 de 24 de Março, a menção tradicional “Leve” ficou associada, em exclusivo, às regiões de Lisboa (antiga Estremadura) e Tejo (antigo Ribatejo). A menção destinava-se a vinhos regionais com grau até 10% e acidez mínima de 4,5g/l. Devido à evolução das condições edafoclimáticas da região de Lisboa, em 2018 o limite máximo do título alcoométrico volúmico adquirido do vinho com direito à menção Leve foi aumentado em 0,5% até os 10,5%.

O primeiro Vinho Leve Regional Estremadura foi produzido sob a marca Sôttal pela Companhia Agrícola do Sanguinhal e, segundo o seu director comercial Diogo Reis, queria dizer “eu sou o tal” do Sanguinhal. A marca já existia antes, desde os anos 20 e 30 do século passado, sendo utilizada para diversos vinhos. 

Inicialmente, os Vinhos Leves eram brancos e tintos. O tempo e as preferências do mercado vieram a corrigir o estilo. Enquanto os se tintos procuram encorpados, os rosés começaram a ganhar terreno.

De acordo com os dados da CVR Lisboa “o crescimento exponencial das vendas nos últimos 5 anos (duplicaram, chegando em 2019 a 56 milhões de garrafas), em especial dos vinhos tintos que representam 75% da produção da região, levou os produtores, a orientarem as suas produções de tintos para vinhos “não leves”.

Ao mesmo tempo “as preferências dos consumidores e a própria avaliação dos críticos de vinho que reconhecem no branco leve e rosé leve uma mais valia qualitativa, o mesmo não sucedendo com o tinto”, levaram os produtores a fazer as suas escolhas a favor de brancos e rosés.

Dos 126 engarrafadores de vinhos de Lisboa presentes actualmente no mercado, cerca de 20 produzem Vinho Leve. As vendas de Vinho Leve têm-se mantido estáveis ao longo dos anos, variando entre 2 e 3 milhões de garrafas por ano. A maior parte é comercializada nas grandes superfícies (80%), tendo também uma boa presença na restauração local e alguma exportação. 

O Presidente da CVR Lisboa, Francisco Toscano Rico, nota que o volume de produção e consequentemente das vendas, está fortemente condicionado pelas condições climatéricas, sendo que o aumento das temperaturas leva a que cada vez seja mais difícil produzir mostos com um grau alcoólico tão baixo.  Ou seja, o potencial produtivo desta categoria de vinho está logo à cabeça condicionada pela própria natureza, não se perspectivando que no futuro este cenário se venha a inverter. 

Ao mesmo tempo, nota-se uma melhoria substancial no nível qualitativo destes vinhos, contribuindo para isso a vindima no momento certo e a escolha de castas mais nobres. O próprio branding tem melhorado muito entre alguns produtores que apostam neste segmento, com rótulos que comunicam muito bem a ideia de “vinho leve”, transmitindo a sua essência na imagem. 

Como se faz um Vinho Leve?

Os vinhos leves muitas vezes são feitos de castas aromáticas, como Moscatel Graúdo ou Fernão Pires, se bem que esta última é mais difícil de colher atempadamente, com teor alcoólico mais baixo. 

Miguel Móteo, enólogo da Companhia Agrícola do Sanguinhal, conta que na utilização de Moscatel esta casa foi uma das primeiras. Na região de Lisboa, a casta é bastante produtiva o que leva a nunca atingir os valores elevados de maturação em termos de açúcar, mantendo-se nos níveis de 9-10%. O facto de ser vindimado mais cedo, penaliza um pouco a parte aromática, o que é compensado pela maceração com películas. Diz que quando se fermenta o Moscatel, “a adega parece um laboratório de perfume”. O Moscatel contribui com 50% do lote e para o Vinho Leve vindimam as uvas de certas parcelas, pois do outro lado da Serra de Montejunto já é mais quente e as maturações sobem. O Arinto amadurece lentamente e mantém a frescura. Entra com 40% e na altura da vindima para Vinho Leve tem 8 g/l de acidez. Vital é uma casta com mais corpo. Matura bem e desidrata facilmente devido à pelicula fina. É melhor para os vinhos DOC, por isto só entra em 10% no lote.   

vinhos leves

Carlos Nicolau, da Casa Agrícola Nicolau confessa que a casta Moscatel não foi a primeira opção. Aconteceu mesmo uma história engraçada. Como muitas casas agrícolas na chamada “região Oeste”, a Casa Agrícola Nicolau também tem produção frutícola. Plantaram a casta Moscatel, que também é apreciada como uva de mesa, a pedido de um parceiro seu. Mas só se conseguiu vender uma vez, pois as uvas eram pouco doces. A partir daí, foram redireccionadas para produzir o vinho leve (e com sucesso) já há cerca de 20 anos. 

Outras castas da região, como Arinto, Malvasia Rei, Jampal, Seara Nova, Vital, Tamarez e outras também entram nos lotes de acordo com a preferência de cada produtor.

O vinho é feito como se fosse uma base para espumantes: fermenta até ficar seco e depois acrescenta-se o mosto concentrado para o fazer ligeiramente mais doce. O nível de doçura não está indicado pela regulamentação e fica à consideração do produtor. Costuma variar entre 10 e 17 g/l, compensados e equilibrados pela acidez sempre bem elevada.

É óbvio que com o grau de álcool baixo e com açúcar residual, o vinho tem de ser bem estabilizado microbiologicamente através de processos térmicos, filtrações rigorosas e adições de conservantes como DMDC ou sorbato de potássio para evitar o crescimento de microorganismos. Cabe ao produtor adaptar a técnica mais adequada para o seu caso.  

Os Vinhos Leves não são todos iguais. Para além das castas utilizadas, com ou sem maceração pelicular, varia o nível de acidez, a sensação de gaseificação (no Mundus nota-se muito menos, do que no Solar da Marquesa, por exemplo, onde as bolhas vão subindo do fundo do copo a lembrar um espumante). A maior parte dos vinhos fermenta em cubas de inox, mas o Mundus Evolução da Adega da Vermelha tem um toque de madeira para conferir alguma complexidade ao vinho.

3 razões para repensar o Vinho Leve

Um vinho que abre o caminho para o mundo dos vinhos

Este tipo de vinho faz muito mais pelo vinho do que possamos pensar. É uma alternativa a refrigerantes e até à cerveja junto dos consumidores na faixa dos 20+ anos. É uma introdução ao mundo do vinho, mais adaptada ao paladar mais jovem. Há quem não goste de cerveja por ser amarga, mas um vinho simples, aromático, com uma ligeira doçura e um bocadinho de gás até vai muito bem. Não é um vinho que obrigue a um grande exercício sensorial, mas cumpre a sua missão de ser agradável e proporcionar um momento de socialização, quando é bem-feito e servido bem fresco à volta de 8-10˚C. É um vinho também leve para carteira, não ultrapassando os €4 PVP, e também acessível na restauração.

Um vinho adequado para uma vida saudável

Tem uma gradução alcoólica mais baixa do que os vinhos “não leves”, não ultrapassa os 10,5%, situando-se maioria dos Vinhos Leves entre os 9 e 10%, o que o torna bem menos calórico do que o habitual.

Um vinho flexível que desafia preconceitos

Gostar de vinho não é só beber vinhos caros de produtores famosos ou mais bem pontuados. Um verdadeiro enófilo não marginaliza nenhum tipo de vinho e sabe beber um vinho adequado a contextos diferentes. Quando vamos à praia, levamos um fato de banho e não um vestido de noite ou smoking. Numa esplanada junto à piscina quem consegue apreciar devidamente um Porto Vintage, por exemplo? O Vinho Leve parece que foi desenhado para estes momentos descontraídos e de socialização.

O Vinho Leve à mesa

Sendo leves e equilibrados, tornam-se autosuficientes numa esplanada ao pé da praia ou piscina. Ideal para uma conversa descontraída, fazem companhia sem atrair muita atenção. Entretanto, podem acompanhar umas entradas simples, como umas tostas barradas com um paté, humus ou guacamole, sushi ou marisco. Uma pizza havaiana que inclui pedaços de ananás é outra aposta segura. Comida indiana ou chinesa, que contém especiaria ou alguma doçura no sabor funciona sempre muito bem.

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Artigo da edição nº40, Agosto 2020

Alentejo tinto até €8: Muita qualidade a preço acessível

O vinho do Alentejo é, de longe, líder nacional de vendas, apreciado pelos consumidores em todo o país. É ainda uma região com beleza paisagística que oferece enoturismo de excelência, quer em unidades hoteleiras, quer a nível de gastronomia. E por fim, o espírito inovador está presente em vários projectos desafiantes na região. TEXTO Valéria […]

O vinho do Alentejo é, de longe, líder nacional de vendas, apreciado pelos consumidores em todo o país. É ainda uma região com beleza paisagística que oferece enoturismo de excelência, quer em unidades hoteleiras, quer a nível de gastronomia. E por fim, o espírito inovador está presente em vários projectos desafiantes na região.

TEXTO Valéria Zeferino
FOTOS Ricardo Gomez

Desde o ínicio de produção de vinho no território que agora se chama Alentejo, pelos tartessos e fenícios, passaram várias épocas de ouro e crises profundas: invasão muçulmana; guerra de independência;  aposta de Marquês de Pombal no desenvolvimento da região do Douro com arranque de vinhas no resto do país; a praga da filoxera; primeira guerra mundial ou a campanha cerealífera do “Estado Novo”.

Nos últimos 30 anos, a dimensão de vinha cresceu de 11.510 para 24.709 hectares registados em 2019 (dados do IVV). Tem a segunda maior área de vinha em Portugal, a seguir ao Douro e ultrapassando a região do Minho.

Em termos de volume de produção, ocupa o terceiro lugar em Portugal com 1.092.617 hl, que corresponde a 18% de produção nacional a seguir às regiões do Douro (21%) e Lisboa (19%). O facto de ter maior área de vinha e produzir menos do que na região de Lisboa tem a ver com a produtividade média por hectare de vinha, que é inferior no Alentejo (cerca de 44 hl/ha versus 60 hl/ha em Lisboa).

Alentejo é a região mais presente no retalho em Portugal, com quota de mercado superior a 35% em valor, seguido pela região de Vinhos Verdes com mais de 18% e Península de Setúbal com 16,5%, valores registados em 2019. Em volume, a quota de mercado aumenta para 39,5% em 2019 e acima de 40% no ano anterior.

Alentejo ou Regional Alentejano?

O principal objectivo da DO (Denominação de Origem) Alentejo é preservar a identidade de uma determinada área de produção, enquanto a IG (Indicação Geográfica) Regional Alentejano alberga a possibilidade de alguma ousadia. Mesmo assim, a regulamentação a nível de DO não é estanque, tendo sido objecto na última década de várias alterações.

Em 2010 foram simplificadas as regras das 8 sub-regiões do Alentejo e introduziu-se o conceito de castas obrigatórias generalizadas a todas elas, que devem representar, isoladamente ou em conjunto, 75% do lote. Eram 9 brancas (todas tipicamente alentejanas) e 8 tintas, entre as quais para além de tradicionais (Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonez, Cabernet Sauvignon, Castelão e Trincadeira) passou a figurar a estrela portuguesa Touriga Nacional e Syrah que conquistou produtores nacionais e entrou nos lotes alentejanos como uma casta melhoradora. Em 2014, ao leque de castas obrigatórias juntaram-se mais quatro, que bem representam a região: Grand-Noir (curiosamente, a casta esteve sempre presente no encepamento de Portalegre e em casas histórias de Reguengos, como José de Sousa), Moreto, Tinta Caiada e Tinta Grossa. Para além destas, existe uma lista de 47 castas, nacionais e estrangeiras, que podem ser utilizadas na elaboração de vinhos com DO, não ultrapassando 25%.

Obviamente, a IG oferece mais flexibilidade ao produtor: permite mais rendimento por hectare e muito mais castas à escolha. Quem quiser, pode fazer 100% Chenin Blanc, Chasselas, Vinhão ou Zinfandel.

Não existe grande diferença entre DO e IG em termos de qualidade exigida para aprovação.  Por exemplo, um vinho designado como Reserva tem de obter no mínimo 70 pontos e Grande Reserva 80 pontos (escala 0/100), independentemente se for para certificar como DO Alentejo ou Regional Alentejano.

Se analisar a produção só de vinhos tranquilos, sem tomar em consideração espumantes e licorosos, na última campanha de 2018/2019 há mais vinhos produzidos com DO do que com IG, sendo 591.407 hl versus 479.688 hl, respectivamente. Cerca de 75% são tintos e rosés. As sub-regiões de Reguengos e Borba representam o maior peso na produção da região.

Explorar a região de forma inovadora

Apesar de ter uma posição confortável no mercado nacional, a região não parou no tempo, promovendo várias iniciativas, quer a nível de produtores, quer a nível institucional.

Para além das sub-regiões conhecidas historicamente e com carácter diferenciador, como Vidigueira, Évora, Borba ou Reguengos, há projectos interessantes noutras zonas, como a DO Portalegre ou o litoral Alentejano, onde o clima é temperado pela altitude ou pela influência atlântica, respectivamente.

Outro projecto altamente inovador é o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo desenvolvido pela CVR Alentejana em parceria com a Universidade de Évora. Este programa pioneiro em Portugal visa a adaptação de melhores práticas na vinha e na adega para produzir uvas e vinho de qualidade e de forma economicamente viável, protegendo ao mesmo tempo o meio ambiente. Isto consegue-se através de optimização na gestão de energia e água na vinha e na adega, redução, reutilização e reciclagem de resíduos. Sendo o Alentejo uma região com disponibilidade de água limitada (que se pode agravar com as alterações climáticas), a gestão eficiente deste recurso torna-se particularmente relevante para os produtores.

Para dar um exemplo, no Alentejo, o consumo de água varia entre os 1,2 (nos casos mais eficientes) e os 14,4 litros de água por litro de vinho. As ferramentas previstas no programa permitirão a redução do consumo de água até os 0,75 e 1 litro de água por cada litro de vinho produzido. O melhoramento na eficiência energética levará à redução de consumo e custos associados; redução de emissões de gases que contribuem para o efeito de estufa; permitirá aliviar circuitos sobrecarregados (sistemas de frio ou aquecimento, sobretudo na vindima que é altura de maior consumo energético). O programa é de adesão voluntária e gratuita e actualmente conta com 396 membros.

A nível de enoturismo, recentemente foi inaugurado um novo espaço da Rota dos Vinhos de Alentejo, onde os interessados podem conhecer melhor a região, não só através de provas de vinhos, mas também de forma interactiva. É possível cheirar os aromas das castas principais da região; aprender mais sobre solos, cujas amostras estão disponíveis para observar; organizar uma viagem através de uma plataforma interactiva que disponibiliza informação sobre os produtores com aplicação de vários filtros (tem ou não restaurante ou unidade hoteleira, por exemplo).

O que são vinhos “até 8 euros”

A nossa prova centrou-se em vinhos tintos do Alentejo com preço médio de mercado igual ou inferior a €8. É muito curioso verificar que ao subir um degrau de preço, de 5 para 8 euros, por exemplo, já estamos num patamar diferente em termos de qualidade. Muitos dos vinhos nesta faixa de preços não são propriamente os vinhos de entrada de gama. No caso de alguns produtores mais pequenos, até os vinhos que abrem o portefólio produzidos em maior quantidade, nada têm a ver com os vinhos básicos e simples, normalmente associados a entradas de gama. Ao mesmo tempo não são vinhos caros, representando uma óptima oferta para um consumidor mais exigente.

O enólogo Ricardo Constantino, da Herdade das Servas, está seguro da importância deste segmento de preço para o consumidor. “Nem todos podem comprar vinhos caros. A gama de entrada pode ser mais simples, mais versátil e consensual; a gama média é para um consumidor mais esclarecido.” Se dos vinhos de entrada produzem 1.000.000 garrafas vendidas a 5 euros PVP, desta gama média fazem 150.000 garrafas de tinto (e 30.000 de branco). Procuram “alguma complexidade, algum tanino sem ser muito marcado, nem madeira muito presente, apenas para dar o equilíbrio a fruta”.

Na Herdade da Calada, o vinho Caladessa representa uma gama média, da qual produzem metade dos vinhos de entrada e o dobro dos topos de gama. Vendem mais no canal horeca no mercado interno. O enólogo Eduardo Cardeal repara que “os vinhos da gama média são importantes para o sustento das casas: têm uma margem maior, comparativamente às entradas de gama, acabam por ser uma mais valia.”

Segundo o enólogo Oscar Gato, a gama de monovarietais foi criada na Adega de Borba para dar resposta ao mercado que procura perceber melhor as castas que normalmente entram em lotes. Estes vinhos não estão nas grandes superfícies e, curiosamente, vendem-se muito bem na loja online da própria adega. Mas são quantidades limitadas. Do Senses Syrah, por exemplo, só produzem cerca de 5.000 garrafas.

No caso da HMR, Pousio Selection é um entrada de gama, mas de um patamar diferente. Como não conseguem competir com as adegas cooperativas e outros produtores de grande dimensão, não apostam no vinho de combate, não vendem os seus vinhos nas grandes superfícies e procuram que o preço não seja o factor principal na decisão de compra pelos seus parceiros e pelo consumidor final. Na definição do perfil deste vinho o enólogo Nuno Elias dá primazia à fruta em detrimento de estrutura. A gama Selection fazem 120.000 garrafas de tinto, 47.000 de branco e 20.000 de rosé que em conjunto representam mais de metade da produção total de 320.000 garrafas.

O vinho Carlos Reynolds também consubstancia a entrada de gama para Reynolds Wine Growers. Fazem 50.000 garrafas que representam 25% da produção. Segundo o enólogo Nelson Martins, pretende-se um vinho menos estruturado, com mais frescura e pureza de fruta.

O objectivo do projecto Bojador de Pedro Ribeiro é mostrar a elegância e autenticidade do terroir da Vidigueira, onde trabalha vinhas velhas em viticultura biológica. Começou pequeno e cresceu nos últimos anos, chegando a quase 400.000 garrafas, onde o entrada de gama representa cerca de 50%.

Mas quais são os factores que contribuem significativamente para que o vinho de qualidade possa ser acessível em termos de preço?

Uma viticultura com contas

A orografia relativamente plana do Alentejo e extensão de vinhas oferecem possibilidade de mecanização o que reduz o custo de produção. O clima quente e seco durante a maturação e vindima minimiza a carga de doenças na vinha. Não é por acaso que o Alentejo tem a segunda maior área de vinha em agricultura biológica (a seguir a Trás-os-Montes) com 991 hectares, o que corresponde a 28% da área de vinha em produção biológica em Portugal continental (de acordo com os dados mais recentes da Direcção de Agricultura e Desenvolvimento Rural).

Alguns produtores fazem a diferenciação logo na vinha, por castas e por parcelas. E não limitam tanto a produção, como para os vinhos de gama alta, procurando um compromisso entre várias componentes que contribuem para o produto final.

Eduardo Cardeal confirma que as produções por hectare são maiores, a monda dos cachos, se for necessária, é muito reduzida. Fazem segmentação na vinha, não é tanto em função da casta, como das parcelas. Uma parcela de Touriga Nacional produz 10 tn/ha e outra 5 tn/ha.

Nelson Martins também refere que “a vinha é trabalhada de maneira diferente. Por exemplo, em vez de limitar a produção de Alicante Bouschet ou Alfrocheiro a 4-5 tn/ha, deixam produzir até 7 tn/ha. Desta forma, as uvas também conservam mais acidez, o que é bom para vinhos gastronómicos”.

Nuno Elias tem opinião semelhante, ao dizer que a mesma casta em talhões diferentes pode ter produtividade e características bem distintas. Por exemplo, o Alicante Bouschet que entra no lote do Pousio Selection não é o mesmo que serve de base ao monovarietal.

Na Herdade das Servas a selecção de castas é feita em função do perfil de vinho desenhado para esta gama. Pretende-se alguma complexidade e tem que se sentir o contributo de cada casta. “Propositadamente utilizamos Cabernet Sauvignon e Trincadeira para transmitir alguma sensação vegetal para o vinho ser mais gastronómico, não apenas frutado. Alicante Bouschet para dar complexidade e Touriga Nacional para transmitir uma fruta mais fresca e boa acidez. A Touriga nunca entra na gama mais baixa”, repara Ricardo Constantino.

No caso da HMR a abordagem é diferente. “As castas seleccionadas para esta gama são menos taninosas e com boa fruta, como Alicante Bouschet, Syrah e Touriga Nacional. Por exemplo o Cabernet Sauvignon ou Petit Verdot não entram nesta gama”, explica Nuno Elias.

Cuidados na adega

Há várias formas de fazer vinho para atingir um equilíbrio entre custos de produção, qualidade do produto e preço moderado para consumidor. Os produtores com quem falámos, de um modo geral, têm cuidado com extracção, preferem uma maceração pré-fermentativa a frio, evitando a pós-fermentativa num ambiente mais extractivo por causa do álcool. Nuno Elias até prefere prensar logo quando acaba a fermentação para não extrair tanino em demasia.

As temperaturas de fermentação são geralmente mais baixas (22-25˚C) para não elevar a extracção de compostos fenólicos e realçar o componente frutado no aroma.

Na Reynolds, Nelson Martins presta especial atenção às leveduras e para os vinhos mais jovens, prefere as leveduras que aportam mais fruta. No início não usam Saccharomyces, adicionando-as para finalizar a fermentação e não deixar açúcar residual.

Pedro Ribeiro, pelo contrário, fermenta com leveduras indígenas e é apologista de enologia de intervenção mínima em termos de utilização de produtos enológicos. Porque o projecto nasceu pequeno, apenas 100.000 garrafas e a filosofia era esta. Hoje, quando o volume aumentou significativamente, é um risco assumido, sabendo que não pode continuar a crescer em volume para manter a filosofia.

Eduardo Cardeal, na Herdade da Calada, recorre à maceração carbónica das castas “com aromas primários clássicos – Touriga Nacional, Syrah, Touriga Franca, Alfrocheiro. Mas não faz o mesmo com a Tinta Caiada, por ter precursores de pirazina.”

Nuno Elias não faz maceração carbónica, mas coloca algumas camadas de bagos inteiros (depende de colheita e da maturação), o que impede contacto inicial com grainhas e películas e promove alguma fermentação intracelular para libertar os precursores aromáticos sem extrair tanino.

Obviamente, nesta faixa de preço há muitos vinhos que não estagiam em madeira. Também se utilizam madeiras alternativas, como aduelas, por exemplo, que são mais aproximadas às barricas pela sua grossura, comparativamente aos chips/aparas. O estágio em barricas, quando é praticado, ocorre em barricas usadas, onde às vezes estagia apenas uma parte do lote.

Segundo Eduardo Cardeal “a amortização de preço já foi feita nos vinhos de topos de gama.” Por isso o Caladessa estagia 12 meses em barricas usadas.

Na Adega de Borba existe um parque de 1.200 barricas; as novas destinam-se aos vinhos premium, as usadas servem para gama média, como é o caso do Senses Syrah que estagia 9 meses em barrica de carvalho. Existem regras internas para a reutilização das barricas, normalmente durante 7 anos.

Na Reynolds Wine Growers, para o estágio de vinhos mais jovens utilizam balseiros de carvalho de 10.000 litros que também não representam custo, nem marcam o vinho.

Na HMR, nos vinhos de entrada 80% do lote não vê barrica, mas no final engloba cerca de 20% de vinhos que estagiaram em barrica para reserva.

Pedro Ribeiro fermenta em cubas de cimento e balseiros de madeira, depois estagia 6 meses em barricas usadas de 500 litros para dar uma boa textura e não marcar muito o vinho.

Na Herdade das Servas para os vinhos de gama média prevêem um estágio bastante prolongado: um ano em barrica, mais um ano ou ano e meio em cuba para manter frescura e mais 6-8 meses em garrafa antes de lançar para o mercado.

Óscar Gato toca mais num aspecto importante que tem certo peso no PVP – os atributos do produto final que não têm a ver com a qualidade do mesmo, como é o caso das garrafas e dos rótulos. “Podíamos fazer uma garrafa ‘xpto’ com um rótulo pujante, mas nós escolhemos garrafas mais leves, ligeiramente troncocónicas e um rótulo adequado.”

É entusiasmante ver esta diversidade de abordagens e estilos, bom senso a par com alguns desafios pelo meio. O resultado está à vista: eleva-se a fasquia do “bom e barato” para “muito bom e acessível”.

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Artigo da edição nº37, Maio 2020

Brancos de Lisboa: Diversidade de castas e estilos

Vinhos Lisboa

Se tivesse de escolher apenas uma palavra para descrever a região, esta seria – diversidade. Solos, castas, denominações de origem, tipos e estilos de vinhos produzidos – tudo é diverso e heterogéneo na região de Lisboa. TEXTO: VALÉRIA ZEFERINO FOTOS: RICARDO GOMEZ Já lá vão os tempos em que a região se chamava Estremadura, conotada […]

Se tivesse de escolher apenas uma palavra para descrever a região, esta seria – diversidade. Solos, castas, denominações de origem, tipos e estilos de vinhos produzidos – tudo é diverso e heterogéneo na região de Lisboa.

TEXTO: VALÉRIA ZEFERINO
FOTOS: RICARDO GOMEZ

Já lá vão os tempos em que a região se chamava Estremadura, conotada sobretudo com fornecimento de grande volume de vinho à capital. Em 2009 adoptou o nome de Lisboa que lhe conferiu uma nova identidade e a colocou no mapa de Portugal de forma inequívoca e contemporânea. A região estende-se entre Lisboa e Leiria, com cerca de 140 km em comprimento e entre 20 e 40 km em largura, sendo delimitada pelo oceano a Oeste. A influência Atlântica é um denominador comum – ameniza as temperaturas de verão através das brisas marítimas e frequentes neblinas matinais que, dado ao relevo não muito elevado, excepto a Sul, proliferam facilmente para o interior. O clima temperado, sem grandes amplitudes térmicas e com uma precipitação anual a nível de 600-700 mm permite uma maturação mais lenta e homogénea sem risco de escaldões ou paragens de actividade fotossintética das videiras. Os solos variam de calcários a argilosos, tendo zonas com arenitos finos e terras mais férteis de aluvião.

São permitidas mais de 50 castas brancas, entre as quais nacionais e internacionais, algumas bem populares, como Chardonnay, Sauvignon Blanc ou Riesling e outras menos conhecidas como Roussanne, Marsanne ou Grüner-Veltliner.

De acordo com os dados do IVV de 2019, a área de vinha plantada na região de Lisboa corresponde a 19 287 ha, mas segundo a CVR Lisboa, apenas cerca de 10 000 hectares são com classificação para Vinho IGP Lisboa e DOP. Destes, as castas brancas ocupam apenas 2 300 hectares. Apesar da região de Lisboa ter excelentes condições para a produção de vinhos brancos, cá, como no resto do país (com excepção da Região de Minho/Vinho Verde), a produção de vinhos brancos está em minoria, representando apenas 20% dos vinhos produzidos na região (75% são tintos e mais 5% rosados).

Em algumas denominações de origem, certas castas são intrinsecamente ligadas à sua identidade, como é o caso de Malvasia em Colares ou Arinto em Bucelas. Em Óbidos, pelo contrário, as regras são mais liberais, permitindo castas pouco conotadas com a região de Lisboa, como Encruzado ou Loureiro, por exemplo, e castas internacionais como Viognier, Riesling ou Chardonnay.

Há também meio-termo. Em Alenquer, Arruda e Torres Vedras são autorizadas várias castas, mas para certificar um vinho branco como DO, as castas tradicionais (Arinto, Fernão Pires, Rabo-de-Ovelha, Seara Nova e Vital) devem representar, no conjunto ou separadamente, no mínimo de 65% a 70% do encepamento. A situação é muito parecida nas Encostas D’Aire.

A maioria dos produtores optam por trabalhar na categoria do Vinho Regional (IG), que oferece muito mais flexibilidade e, por outro lado, a marca Lisboa é mais facilmente reconhecida a nível internacional, do que, por exemplo DO Torres Vedras ou Arruda.

Assim, dos vinhos certificados, 93% são Regional Lisboa e só 7% são DO.

VARIEDADE DE CASTAS

As principais castas brancas são Fernão Pires, representando cerca de 50%, seguindo-se o Arinto com 25%. Fernão Pires é uma casta bastante flexível em termos de clima, adapta-se bem a diferentes tipos de solo, desde que haja humidade suficiente, o que se verifica na maior parte das vinhas da região de Lisboa. É bastante vigorosa e produtiva. Amadurece cedo, tendo como inconveniente a rápida degradação de ácidos, se não for vindimada a tempo. O clima da região, neste caso, permite uma maturação mais lenta. Grande presença aromática faz dela uma escolha acertada para os vinhos fáceis e apelativos da gama de entrada.

Arinto é uma das grandes uvas nacionais com o seu potencial máximo em Bucelas, onde existe a maior variabilidade genética, indicando que esta zona tenha sido a origem da casta. Espalhada pelo país, faz parte de muitos lotes de entrada até aos topos de gama e é capaz de produzir excelentes vinhos em extreme. É naturalmente rica em ácidos, conserva-os mesmo em territórios mais quentes, o que lhe confere a frescura e assegura a longevidade em cave. Tem cachos grandes, mas poucos por cepa o que não faz dela uma casta muito produtiva. Amadurece tarde. A enóloga da Quinta da Chocapalha, Sandra Tavares, refere que é apanhada no final de Setembro, já depois de algumas castas tintas. Para Sandra “Arinto é uma casta muito pura em termos aromáticos, fica bem com alguma maceração pelicular, barricas muito usadas e estágios longos de 8-10 meses.”

O enólogo da Adega Mãe, Diogo Lopes, refere que, no caso deles, o Arinto é plantado nos solos mais calcários das encostas, vinhas não regadas para controlar o vigor. Considera que Arinto é bem talhada para fermentação e estágio em barrica, mesmo a madeira nova não se sobrepõe. Escolhem barricas por tanoaria e por floresta. Preferem tosta ligeira, mas até aguenta um pouco mais.

Das castas nacionais é interessante também cada vez mais a popularidade do Viosinho. Diogo e Sandra concordam que a casta precisa ou altitude, como em certas zonas no Douro, ou a frescura por meio da influência marítima, se não a acidez quebra rapidamente, tornando o vinho pesado.

Das castas internacionais, Chardonnay e Sauvignon Blanc têm uma aposta forte na região.

Diogo e Sandra são unânimes, afirmando que Chardonnay porta-se muito bem na região de Lisboa, fica com acidez forte, aguenta bem barrica, incluindo nova. Tem muita consistência e textura, e mais volume de boca do que Arinto.

Sauvignon Blanc com influência marítima adapta-se bem aos vinhos de entrada de gama (um pouco como Fernão Pires). Diogo Lopes procura no Sauvignon Blanc o seu lado mais cítrico, não tão exuberante e herbáceo como os da Nova Zelândia.

Viognier, com os seus aromas exóticos e que em condições mais frescas não desacidifica bruscamente, parece também começar a ter um certo protagonismo na região.

Segundo Sandra Tavares, as castas internacionais, como Chardonnay, foram uma ferramenta útil no início do projecto, mas hoje, aumentou a procura pela diversidade, e Chardonnay pouco ou nada vende nos mercados estrangeiros. É mais fácil comunicar castas nacionais, como o Arinto, por exemplo. No mercado nacional é o inverso.

Diogo Lopes aponta para a mesma tendência: no Japão ou Estados Unidos, vendem bem as castas nacionais. No mercado nacional, onde em Lisboa e Algarve há muitos turistas que preferem jogar pelo seguro, vendem-se melhor as castas internacionais conhecidas.

NOVE DENOMINAÇÕES DE ORIGEM

A região de Lisboa tem 9 denominações de origem, algumas delas bastante específicas: Lourinhã – só para aguardentes, Carcavelos – só para vinho generoso e Bucelas — apenas para o vinho branco.

DO Lourinhã fica entre Óbidos e Peniche, onde devido à proximidade do mar e castas de grande produção plantadas em solos férteis, os vinhos ficam, naturalmente, com baixo grau alcoólico e acidez alta, tendo mais vocação para servir de base para destilados de qualidade. Carcavelos, com apenas 10 hectares de vinha, segundo o site da CVR Lisboa, é uma das três denominações históricas, juntamente com Bucelas e Colares, todas com características distintas. Foram as primeiras da região a serem demarcadas em 1908 por terem fama e importância económica na altura. Hoje compõem o triângulo dourado de Lisboa e contribuem para diversidade.

Colares, situada entre o mar e a serra de Sintra, com fortíssima influência Atlântica, em termos de brancos, dá primazia a Malvasia de Colares, que deve compor pelo menos 80% de lote. Outras castas autorizadas (Arinto, Galego-Dourado e Jampal) ficam em minoria e nunca aparecem no rótulo. Bucelas é a maior das três denominações históricas, tendo 142 hectares de vinha (dados CVR Lisboa) e é a única no país onde se produz apenas vinhos brancos, com forte predominância de Arinto. O vinho deve ser feito, no mínimo, de 75% desta casta, podendo completar o lote com Esgana-Cão e Rabo de Ovelha.

O relevo relativamente acentuado oferece alguma protecção da influência marítima. As vinhas instaladas em solos predominantemente derivados de margas e calcários duros, distribuídas pelas encostas suaves do vale do Rio Trancão, chegando até as várzeas com solos mais férteis e maturações mais tardias. As brisas do lado do Tejo também têm um efeito temperador, fazendo com que os Verões não sejam muito quentes, mantendo humidade bastante elevada, e desta forma, oferecem à casta as melhores condições para amadurecer lentamente e revelar o seu potencial.

Na parte central da região ficam as quatro denominações com maior contribuição em termos de área de vinha e produção – Alenquer, Torres Vedras, Arruda e Óbidos. DO Alenquer, onde a produção de vinho remonta, pelo menos, ao século XIII, fica a sul da Serra de Montejunto, ganhando protecção dos ventos frescos e húmidos do Atlântico. As vinhas ficam inseridas numa sequência das colinas e vales. Em Arruda dos Vinhos. a Sul de Alenquer, mais afastada dos maciços montanhosos, sente-se mais a afluência atlântica que confere temperaturas amenas, alguma nebulosidade e protege de geadas tardias. Delimitada pelo Atlântico a Oeste, com altitude baixa e fora da barreira montanhosa de Montejunto, o território de Torres Vedras está sob forte influência marítima e também fluvial, sendo atravessada por dois rios – Alcabrichel e Sizandro. A vinha cobre colinas e outeiros, descendo às várzeas ao redor dos rios.

A Noroeste da Serra de Montejunto está a denominação de origem Óbidos, integrando os concelhos Bombarral, Cadaval, Caldas da Rainha e Óbidos, propriamente dito. É uma zona com bastante precipitação devido às chuvas orográficas, influenciadas pela Serra. É nesta área que se situam algumas das casas mais clássicas da região como a Casa das Gaeiras, a Quinta das Cerejeiras, Quinta de S. Francisco, Quinta do Sanguinhal e a bem antiga, embora relativamente recente na produção de vinho de marca, Quinta do Gradil.

Na parte setentrional da região, fica a denominação Encostas D’Aire, assente no maciço cal- cário a Noroeste das Serras de Aire e Serra do Candeeiro. Tem muita influência marítima que marca o clima de transição entre o Atlântico e o Mediterrânico. Está dividida em duas sub-regiões – Alcobaça e Ourém. Nesta última é produzido um vinho histórico sob designação Medieval de Ourém, com apenas duas castas – Fernão Pires e Trincadeira em proporção 80%/20% no mosto, respectivamente.

Ao falar da diversidade, não se pode esquecer da categoria de Vinho Leve, produzido na região de Lisboa. É literalmente, um vinho com corpo leve e baixa graduação alcoólica (de 7,5% a 10,5%), podendo ser ligeiramente gaseificado (até 1 bar).

VISÃO HISTÓRICA

Durante quatro séculos do domínio muçulmano na região Oeste a actividade vitivinícola não tinha expressão. Após a fundação da nacionalidade, a viticultura desenvolveu-se graças às ordens religiosas, os Beneditinos, Clunicenses e ordem de Cister em Alcobaça. Mais tarde, a invasão francesa, depois doenças e pragas da vinha no século XIX penalizaram a produção de vinhos. No final da primeira metade do século passado apareceram casas como Casa das Gaeiras, Quinta do Sanguinhal ou Quinta das Cere- jeiras. As décadas 50 e 60 foram assinaladas pela proliferação de Adegas Cooperativas. Forte incremento do co- mércio para as ex-colónias levou à utilização de castas de grande produtividade, como Alicante Branco, Alvadurão (Síria), Malvasia Rei (conhecida na região como Seminário) e híbridos da Estação Agronómica Nacional. Das 23 adegas até aos nossos dias sobreviveram apenas 13 (referi- das no site da CVR Lisboa). Muitas delas conseguiram fazer uma reestruturação de castas e modernizar-se em termos de equipamento, portefólio e imagem.

Na viragem do século surgiram novos projectos de qualidade e que contribuem para o prestígio da região – Quinta do Monte D’Oiro, Quinta da Chocapalha, Quinta do Gradil, Adega Mãe, por exemplo.

A região está fortemente orientada para os mercados externos, sendo que 80% de vinho produzido é exportado, sobretudo através de dois grandes players como a Casa Santos Lima e a DFJ Vinhos. No panorama do mercado nacional e em termos de vinhos certificados, a região de Lisboa fica no sétimo lugar com 4,7% de vinhos brancos e 4,4% de vinhos tintos em volume.

Ainda há muito vinho vendido à granel, mas o vinho certificado tem vindo a crescer enormemente. A certificação Lisboa é hoje uma garantia de qualidade em vários mercados do mundo e os brancos da região que agora provamos contribuem certamente para isso. Frescos, vibrantes e diversos, são o espelho de uma Lisboa vinícola multifacetada e com espaço para crescer nas mesas de todo o mundo

Sabia que…
O vinho de Bucelas sob o nome “charneco” foi mencionado na peça de W. Shakespeare “Henrique VI”. Teve a ver com um lugar chamado Charneca em Bucelas. O branco famoso também era conhecido na Inglaterra como “hock portuguese” ou “Lisbon hock”, aproveitando a palavra popular “hock” referente aos vinhos brancos secos da Alemanha, particularmente, Riesling.

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Artigo da edição nº36, Abril 2020