Lisboa é nome de (muito bom) tinto

Bastaria o nome para, a nível internacional, Lisboa ser a zona vitivinícola mais inequivocamente associada a Portugal. Juntando a isso, na última década e meia, os vinhos de Lisboa criaram um modelo de negócio de enorme sucesso, assente em bons vinhos a bom preço, transformando a região na maior exportadora relativa do país (vinho do Porto à parte). Mas Lisboa é bem mais do que isso. Diversidade de solos, castas e clima associam-se ao factor humano para fazer nascer vinhos de primeira grandeza. Como é o caso dos tintos que provámos.

Texto: Valéria Zeferino e Luís Antunes

Notas de Prova: Luís Antunes

 A região de Lisboa começa a partir da capital e estende-se quase 140 km para Norte até Pombal. Em toda a sua extensão é delimitada pelo oceano Atlântico, ocupando em largura entre 20 e 40 km. Pela posição geográfica, a influência Atlântica é a principal “feature” da região, perdendo ligeiramente a sua força à medida que se afasta da orla marítima.

O clima apresenta características da transição entre o Atlântico e o Mediterrânico.  A Serra de Montejunto situada a cerca de 20 km da costa Atlântica, com orientação Noroeste-Sudeste, marca a divisão em parte norte e sul da região, impedindo a progressão das massas de ar marítima. A Noroeste as massas de ar húmido e frio, provenientes do oceano contribuem para a formação de densas neblinas; a Sudeste, ao abrigo dos ventos, com maior exposição solar e menos precipitação, as condições são mais quentes e secas. Até o tipo de vegetação muda de semelhante à da Europa Central para o coberto vegetal mais esparso e rasteiro típico do Mediterrânio.

Os níveis de humidade variam em função da proximidade do mar e orografia. Assim, o clima em Óbidos e Encostas d’Aire é considerado húmido; em Bucelas, Carcavelos, Colares e Torres Vedras – sub-húmido chuvoso; e em Alenquer e Arruda – sub-húmido seco, sendo esta uma zona de tintos por excelência.

Os solos ao longo da região também apresentam grande variedade. A Norte, as vinhas estão assentes no maciço calcário ao longo das encostas das serras de Sicó, Aire e Candeeiros, onde o terreno é formado por ondulações relativamente suaves. Nos vales, assim formados, os solos são bastante mais férteis. Mais a Sul, na zona de Bombarral, Cadaval e Caldas de Rainha variam de calcários aos argilo-calcários. Na zona litoral à volta de Óbidos, Peniche, Lourinhã, encontram-se arenitos, argilas e margas de elevada fertilidade. Em Alenquer e Arruda os solos são predominantemente argilo-calcários e em Bucelas derivados de margas e calcários duros. Carcavelos está assente em solos de formação calcárea e não podemos esquecer o famoso chão de areia de Colares. Assim, olhando para a localização da propriedade é relativamente fácil fazer a leitura das condições climatéricas que acompanham o ciclo vegetativo.

Tiago Correia, da equipa de enologia da Quinta do Gradil, localizada a 18 km do mar no lado norte do sopé da Serra de Montejunto, conta que de manhã há sempre humidade, que desaparece durante o dia. Em comparação, na Quinta do Rol, em Lourinhã ou em São Mamede da Ventosa a cerca de 8 km do mar, há dias de verão em que o sol não aparece.

Sandra Tavares da Silva, responsável pela enologia do projecto familiar na Quinta da Chocapalha em Alenquer (do outro lado da Serra de Montejunto) refere que naquela zona a influência Atlântica nota-se, mas não é “cáustica”. No verão, pode-se falar da clássica brisa marítima suave que até às 10h da manhã faz desaparecer as orvalhadas matinais.

A história é diferente em Torres Vedras, com exposição quase directa ao Atlântico. Os dias de amadurecimento das uvas são mais amenos e nas noites sente-se a frescura marítima. O enólogo da Adega Mãe, Diogo Lopes, nota a diferença em temperatura, por exemplo, desde a saída de Lisboa, com 30˚C, até chegar à adega já com 22-23˚C. É por isso que, para a produção de vinhos tintos, a Adega Mãe explora a Quinta de Dom Carlos em Alenquer.

Grande Prova tintos LisboaVinhas e castas

 Segundo os dados do Instituto da Vinha e do Vinho, a área de vinha da região de Lisboa ocupa 17 989 ha e, pela informação da CVR Lisboa, 10 000 ha correspondem à vinha certificada, apta a produzir uvas para vinhos DO e IG. Este valor mantém-se estável, mas com tendência para crescer, sendo a Região de Lisboa uma das que mais candidaturas tem apresentado para a plantação de novas vinhas. Estes 10 mil hectares são explorados por 2 mil viticultores o que dá uma área média por viticultor de 5 hectares, muito superior à média nacional.

O vinho tinto predomina na região com 75%, deixando 20% para branco e 5% para rosé. Em termos de diversidade varietal, se desconsiderar a Caladoc, utilizada maoiritariamente para vinhos sem denominação de origem, as castas com maior expressão são Castelão, Syrah, Aragonez/Tinta Roriz, Alicante Bouschet e Touriga Nacional. Sandra Tavares da Silva não hesita em afirmar que a Castelão sempre foi aposta da Quinta da Cocapalha, mas é preciso ter paciência. Está numa parcela virada à norte, produzindo vinhos com menos densidade e mais frescura.

Diogo Lopes confessa que hoje dá mais atenção a Castelão do que no início do projecto Adega Mãe. Gosta da sua acidez franca e fruta vermelha. Em parcelas certas com boa exposição e tendo em conta as alterações climáticas é uma opção interessante. Deve-se é evitar a tentação de extrair demais, procurando a sua originalidade e elegância.

Tiago Correia adianta que, no caso de Castelão, é preciso saber trabalhar com os clones certos.

A Tinta Roriz mostra-se bastante bem, mas nem todos os anos. “Dá grandes alegrias, mas também anos com dificuldade de amadurecer; mas é muito boa nos rosés”, – diz Tiago; e Sandra Tavares refere que a casta é extremamente sensível ao stress hídrico, mas em solos argilo-calcários profundos, virada a poente, consegue maturação suave e longa.

Com Alicante Bouschet conseguem-se bons resultados, mas, segundo Tiago Correia, precisa de gestão de produção muito cuidada, começando pela poda de inverno curta para controlar a rebentação, desladroamento a tempo, e monda de cachos ao pintor, se for preciso. A partir dos 8-9 toneladas perde completamente a identidade, acrescenta. No que toca a Touriga Nacional, é fácil de reconhecer o seu carácter, com descritores aromáticos bem presentes, mas às vezes pode faltar-lhe a maturação fenólica e corpo; não é homogénea, conclui Tiago.

Já Sandra Tavares gosta muito da sua experiência com Touriga Nacional, cujas varas trouxeram de Nelas. Dá vinhos com boa concentração, frescura e densidade. Surpreendentemente bem, deu-se na zona de Alenquer, a Touriga Franca. Foi difícil encontrar solos certos, pois fica melhor em terrenos mais pobres e com inclinação. Também é mais sensível à humidade, precisa de zonas bem arejadas e controlo do vigor. Mas segundo Sandra, o resultado vale a pena o esforço.

Já a variedade Ramisco, não tendo muita expressão em termos da área plantada, tem a sua importância, porque não existe em mais lado nenhum do país e no binómio com Colares origina vinhos de carácter único que ultimamente estão a gozar um merecido renascimento.

Algumas castas estrangeiras são populares na região a contribuir para uma diversidade de estilos, como Cabernet Sauvignon, Merlot, Petit Verdot. A experiência com Tannat na Quinta do Gradil é um caso de sucesso. O Pinot Noir também aparece na região e consegue amadurecer de forma equilibrada em zonas onde, normalmente, são plantadas castas brancas.

Grande Prova tintos LisboaDe Lisboa para o mundo

 Segundo a informação da CVR Lisboa, as vendas anuais da região rondam os 65 milhões de garrafas. Este valor duplicou nos últimos 5 anos, sendo esta a região que mais cresceu neste período em termos absolutos. Em volume de vendas, é actualmente a 4ª maior região depois de Alentejo, Vinho Verde e Douro (sem Porto). Em 2020 o crescimento em vendas representou 17% (cerca de mais 10 milhões de garrafas). Nos vinhos não licorosos, Lisboa representa 14% das vendas totais de vinhos certificados, por comparação com o Alentejo, que detém cerca de 22%.

Mas o mais impressionante é que 80% do total de vendas da região de Lisboa corresponde à exportação para cerca de 100 destinos. Tirando o Vinho do Porto, é a região que mais exporta em percentagem do total das suas vendas. Nos últimos 5 anos, Lisboa foi responsável por 33% do crescimento das exportações de vinhos certificados ou seja, olhando apenas para o volume adicional das exportações nestes 5 anos, 1 em 3 garrafas exportadas foi de Lisboa. E para onde vai todo este vinho? Dentro da União Europeia, os principais mercados são Polónia e Países Escandinavos. No resto do mundo avultam os Estados Unidos, Rússia, Canadá, Brasil e Austrália.

Os grandes tintos de Lisboa

Em prova, a região mostra uma grande vitalidade neste segmento de topo, aparecendo vinhos de grande qualidade e também de preços altos. Os preços altos são um pau de dois gumes, se nós consumidores preferimos galinha gorda por pouco dinheiro, os produtores precisam de receitas e boas margens para assegurar a sustentabilidade dos seus projectos, e os preços altos são sempre indicador de sucesso e prestígio. Para uma região andar para a frente, é sempre preciso haver vinhos icónicos que lideram e fazem subir a ambição geral. Impressiona ainda a grande variedade de estilos, de castas, de combinações. Temos de ter em atenção que mudar uma vinha é sempre um projecto a longo prazo. Constatamos assim que estas apostas começaram já há muito tempo, e temos agora o resultado dessa experimentação na vinha, a que se segue experimentação na adega, e finalmente a adesão do público que pode ou não validar as apostas. Vemos assim castas trazidas do Douro e do Alentejo, outras de França, pensamos que numa tentativa (conseguida!) de recuperar algum do atraso que Lisboa leva junto da opinião pública, em relação a outras regiões mais populares. Vemos ainda uma gama variada de estilos, desde vinhos mais frescos e leves a vinhos mais concentrados, desde vinhos mais pálidos a vinhos totalmente opacos. Nota-se igualmente um pouco de indefinição de estilo, dentro de alguns produtores, com tintos de Castelão de cor estranhamente carregada, ou vinhos atlânticos com algum peso alcoólico, ou ainda vinhos com alguma idade que já terão passado os melhores dias. Ainda do lado da diversidade de estilo, aqui com traços bem positivos, vemos vinhos extremamente bem desenhados, por exemplo baseados em Syrah mas não só, com apelo e sedução imediatos, vemos o renascimento da Ramisco como uma grande casta com carácter saudoso único, a ser finalmente feito com enologia moderna que lhe dá afabilidade sem desvirtuar esse carácter, vemos ainda vinhos que já venceram a prova do tempo, com enorme qualidade e encanto, mas que se apresentam ainda prontos para durar muitos anos mais.

E nas recomendações gastronómicas que acompanham por vezes as notas de prova, vemos que estes vinhos são versáteis e amigos da mesa. Há excelência nos tintos de Lisboa, há belíssimas relações qualidade-preço, há a história de uma região com história, que agora se agrupa em torno de um nome, sem esquecer o seu passado se aponta para o futuro. Bravo!

(Artigo publicado na edição de Agosto 2021)[/vc_column_text][vc_column_text]

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