Atípico

Luís Lopes

Editorial da revista nº42, Outubro 2020 Enquanto martelo o teclado, já se vão lavando a maior parte dos cestos da colheita de 2020. Como profissional da escrita de vinhos, esta foi a trigésima primeira vindima que acompanhei, percorrendo vinhas e adegas de todo o país. São muitas colheitas, todas diferentes, cada uma com particularidades e […]

Editorial da revista nº42, Outubro 2020

Enquanto martelo o teclado, já se vão lavando a maior parte dos cestos da colheita de 2020. Como profissional da escrita de vinhos, esta foi a trigésima primeira vindima que acompanhei, percorrendo vinhas e adegas de todo o país. São muitas colheitas, todas diferentes, cada uma com particularidades e perfis de vinhos bem distintos.

Luís Lopes

Fazendo um esforço de memória, recordo-me de todas as trinta e uma vindimas que experienciei, bem como das características mais marcantes dos anos vitícolas a que estão associadas. Posso agrupá-las de muitas e variadas maneiras: as vindimas frescas; as vindimas quentes; as vindimas molhadas; as vindimas secas; as vindimas escassas; as vindimas abundantes; a vindimas precoces; as vindimas tardias. E, claro, posso igualmente categorizá-las em termos da qualidade média dos vinhos a que deram origem. Porém, uma vindima nunca se se integra numa única categoria. Uma dada vindima pode ser, ao mesmo tempo, quente, escassa e precoce, por exemplo. Os anos vitícolas também ficam marcados por uma grande diversidade de factores: as temperaturas médias ou a pluviosidade em fases decisivas do ciclo da videira – abrolhamento, floração, pintor, maturação…; acidentes climatéricos muito localizados (geada, granizo) ou um pouco mais generalizados (escaldão); ou ainda, a maior ou menor incidência de pragas e doenças da videira.  

As variáveis ao longo de um ano vitícola que culmina na colheita são inúmeras, tornando cada vindima completamente diferente da anterior. E sendo certo que assim é, não se torna fácil perceber de imediato a razão pela qual tantos viticultores e produtores de vinho, sobretudo ao longo da última década, escolhem a mesma palavra para definir a vindima que acabaram de viver: atípica. Foi assim em praticamente todas as colheitas desde 2014. Curiosamente, ninguém classificou 2011 como um ano atípico. No final dessa vindima, “excelente” era a expressão que se ouvia de todas as bocas e que desde logo se colou aos vinhos desse ano 

Mas afinal o que é uma vindima “típica, por oposição à “atípica”? Não será, no fundo, uma vindima idealizada? Ou seja, aquela que resulta de um ano em que a chuva caiu na quantidade e época certa, granizos e geadas, pragas e doenças não fizeram grandes estragos, o verão foi ameno, com noites frescas e maturação a decorrer sem pressas, culminando numa colheita genericamente seca, com alguns chuviscos pontuais que refrescaram as uvas, possibilitando colher todos os cachos no momento perfeito de equilíbrio entre açúcar, acidez e taninos. Que maravilha! O problema é que essa vindima perfeita é coisa cada vez mais rara, e talvez tenhamos de nos habituar a uma “tipicidade” feita de excessos climatéricos, estações do ano desnorteadas e, sobretudo, um elevado nível de imprevisibilidade.  

Mas mesmo aceitando esse “novo normal como dado adquirido, não sei como classificar a colheita de 2020, a não ser como a mais insana de que me lembro. Desde logo, porque foi a vindima da covid-19, com tudo o que isso implicou em termos logísticos, económicos, psicológicos, até. Foi uma vindima associada a um ano de desavinho, granizo, oídio, míldio, cicadela, escaldão, desidratação, vagas de calor prolongadas. Foi uma vindima em que as maturações pareciam não querer avançar e depois dispararam quase incontroláveis, perdendo-se a preciosa acidez nas castas mais precoces. Foi um ano de enorme heterogeneidade entre regiões, mas também heterogeneidade na mesma vinha, na mesma cepa, no mesmo cacho. Um ano em que se colheram tintos antes de brancos, uma vindima onde açúcares e ácidos desafiaram a lógica, uma colheita onde, para meu desgosto, a Touriga Nacional deu 10 a 0 à Francesa. 

O ano vitícola e a vindima de 2020 exigiram o máximo de competência, dedicação, esforço, resiliência, por parte de todos aqueles que fazem da vinha e do vinho a sua vida. Um ano atípico? Se atípico significar que, por um lado, não se vai repetir tão depressa e, por outro, que dentro das dificuldades vai originar grandes vinhos, atípico seja. 

A gente que faz o vinho

Luís Lopes

Editorial da revista nº41, Setembro 2020 No dia em que escrevo estas linhas já as uvas estão a ser colhidas um pouco por todo o país. Em algumas regiões, a vindima vai em velocidade de cruzeiro, noutras cortam-se os primeiros cachos. Este tempo de colheita faz-me pensar no trabalho dos muitos profissionais, produtores, viticólogos, enólogos, […]

Editorial da revista nº41, Setembro 2020

No dia em que escrevo estas linhas já as uvas estão a ser colhidas um pouco por todo o país. Em algumas regiões, a vindima vai em velocidade de cruzeiro, noutras cortam-se os primeiros cachos. Este tempo de colheita faz-me pensar no trabalho dos muitos profissionais, produtores, viticólogos, enólogos, que têm agora a sua “prova de fogo”, o momento por que esperaram ao longo de um ano inteiro.  

Luís Lopes

A vindima é feita de gente. Em nenhum outro período do ano há tamanho movimento de pessoas numa propriedade vitivinícola. No meio das vinhas, de tesoura na mão ou caixa às costas, nos tractores e atrelados, nas máquinas de vindimar, descarregando as uvas nas prensas, puxando mangueiras na adega, medindo mostos no laboratório, vigiando as fermentações. Muitas destas pessoas só ali vão uma vez por ano, precisamente nestas semanas em que se cortam os cachos e se transformam em vinho. Outras, estão no local praticamente todos os dias, ajudando as videiras no seu percurso até à vindima seguinte ou acompanhando os vinhos que se fizeram na colheita anterior. 

Onde há pessoas existe pensamento e acto, reflexão e decisão. Sendo um fruto da natureza, o vinho não é feito por ela, é produto exclusivo da intervenção humana.  As uvas que agora se colhem são tanto o resultado das condições do ano vitícola como das opções que foram seguidas para mitigar, em alguns casos, ou potenciar, noutros, a obra da natureza.   

Muitas dessas decisões aconteceram bem antes da vindima. Já nem falo das que estiveram na base da criação da vinha e que resultam de opções estratégicas de longo prazo: onde, quando, como, o que plantar. Bastam-me todas aquelas operações que ocorrem ao longo do ciclo vegetativo da videira e que implicam processos de ponderação e decisão quase diários: podas, empas, tratamentos, desfolhas, correções de solos, rega, mondas, a lista é infindável. O ano de 2020 foi especialmente desafiante nesse sentido, com ataques de míldio e oídio difíceis de controlar e tudo isto num contexto agravado pela pandemia e os cuidados a ter na gestão do espaço e do movimento das pessoas. O trabalho do viticólogo e da sua equipa vai a exame agora, à medida que os cachos entram na adega. Não sei o que passará pela cabeça do chamado “pessoal de campo”: ansiedade, sentimento de dever cumprido, ou aquele misto de preocupação e alívio que os pais sentem quando um filho se emancipa e sai de casa?  

O fruto que uns entregam fica agora a cargo de outros, a gente da enologia, na adega. E, de novo, as decisões sucedem-se, frequentemente sem tempo para reflectir o suficiente antes de as tomar. Prensagens, pisas, fermentações, remontagens, desencubas, lagares, cubas, barricas. Em muitos casos, fruto do histórico de anos anteriores, as uvas que chegam à adega já têm um destino específico, esperam-se que origine um vinho concreto. Umas vezes cumprem, outras não. Nunca esqueço o que o enólogo Michel Rolland me disse, há quase 20 anos: partindo das mesmas uvas, a diferença entre um vinho muito bom e um grande vinho está nos detalhes. Ou seja, de cada vez que, pressionados pelas circunstâncias, decidimos por um compromisso, facilitamos num detalhe, descemos um degrau na escada que leva à grandeza.   

Opções são tomadas minuto a minuto enquanto os mostos fermentam. Assentes na experiência e no saber empírico, ou alicerçadas no conhecimento científico, são essas decisões que, somadas às que aconteceram na vinha, vão definir os vinhos que agora nascem e que vamos beber dentro de alguns meses ou daqui a muitos anos 

Neste tempo de vindima, enquanto apreciador e profissional da escrita, agradeço sentidamente a todos aqueles que fazem o vinho acontecer. O vinho tem, obviamente, uma base natural que não dominamos. Não está nas nossas mãos criar um terroir de excelência onde ele não existe, não conseguimos evitar um granizo ou um escaldão. Do mesmo modo que um pescador não domina o mar onde pesca. Mas ao contrário do peixe, o vinho é um produto transformado, fruto de decisões humanas. E é muito bom saber que algumas coisas ainda dependem de nós. 

Um vinho à procura de si próprio 

Luís Lopes

Editorial da revista nº40, Agosto 2020 O rosé, mais do que qualquer outro tipo de vinho, mostra bem a volatilidade das modas e dos estilos. Basta atentar no que tem sido o seu percurso ao longo dos últimos anos. O que hoje é verdade, amanhã é mentira, o que agora está in, daqui a pouco […]

Editorial da revista nº40, Agosto 2020

O rosé, mais do que qualquer outro tipo de vinho, mostra bem a volatilidade das modas e dos estilos. Basta atentar no que tem sido o seu percurso ao longo dos últimos anos. O que hoje é verdade, amanhã é mentira, o que agora está in, daqui a pouco está out. Cor clara ou escura? “Bica aberta” ou “sangria”? Levemente doce ou absolutamente seco? Inox ou madeira? A expressão “à vontade do freguês” nunca fez tanto sentido. 

Luís Lopes

Recuemos vinte anos, não é preciso mais. Até aí, tudo era simples, claro, objectivo, no panorama dos rosés nacionais. Havia o Mateus, o Lancers, o Casal Mendes e mais alguns outros, o perfil estava perfeitamente definido – leve, frutado, com pouco álcool, algum gás e uma boa dose de açúcar para equilibrar a viva acidez – e os rosés de Portugal vendiam muitos contentores, na exportação, claro, que por cá era visto como “vinho de senhoras” e de estrangeiros 

Depois, a pouco e pouco, o rosé foi timidamente abrindo caminho no mercado nacional, dando um salto enorme na última década com a explosão do turismo. O turista trouxe com ele, numa primeira fase, um aumento da procura interna do modelo “frutado e doce”, mas logo a seguir, o visitante mais viajado e endinheirado passou a pedir o chamado “rosé tipo Provence”, caracterizado pela cor rosada muito clara. O Algarve do sol, praia e restaurantes transformou-se num importante mercado de rosé, os vendedores que fazem essa região começaram a exigir aos produtores o rosé clarinho e a cor tornou-se no principal elemento para definir o perfil do vinho: rosa escuro/clássico (outra palavra para “antiquado” no mundo rosado) ou rosa claro/moderno. Ainda os enólogos não estavam refeitos das dores de cabeça que tiveram para afinar a cor pretendida pela equipa de vendas, já começavam a chegar outras orientações: aquele quer mais seco, este quer mais doce, um cliente diz que rosé de sangria é feito de restos, outro só quer bica aberta. Como resultado, produtores há que experimentaram tudo e mais alguma coisa até assentarem no estilo (supostamente) “certo” para o seu rosé.  

Depois dos rosés “comerciais”, chegaram aos vinhos mais ambiciosos. Objectivo: através de castas menos comuns (Pinot Noir virou um must have), vinificação (fermentação em barrica à cabeça) ou embalagem, oferecer um produto de preço superior e com maior percepção de requinte. Como quase sempre acontece, na busca da diferença extremam-se posições/perfis: de um lado, rosés praticamente sem cor e com muito pouco álcool; do outro, rosés ostensivamente corados, tipo claretes, e com álcool elevado. Por vezes, um mix dos dois, bem clarinho e com 14%… 

Neste ponto do texto, e para evitar que se pense que não gosto de rosés, devo dizer que sou um fã. Conheço muito pouca gente que beba rosé em tantas ocasiões quanto eu. Há uma dezena de anos, li uma crónica de um conhecido jornalista britânico que dizia algo como: “não há nada que um rosé faça, que um branco ou tinto não faça melhor”. Se se referia à excelência absoluta, mesmo que contrariado, tenho de lhe dar razão. Claro que há rosés muitíssimo bons (nesta edição da Grandes Escolhas provámos vários) mas com excepção de Champagne, não vejo este vinho atingir, globalmente, o mesmo nível de sofisticação, complexidade, longevidade, de um grande branco ou tinto. (Antes de alguém levantar a espada em defesa da honra dos rosados, por favor, compare o número de garrafas de branco, tinto e rosé que tem em casa...) 

Mas será que o rosé precisa mesmo desse estatuto de excelência para ter sucesso? Há imensas situações em que um rosé me sabe melhor e se mostra mais adequado do que um branco ou um tinto. Ainda há pouco tempo, num almoço com 8 amigos, só bebemos rosés, portugueses e franceses (já agora, os nossos eram bem melhores, apesar dos nomes consagrados de Provence). 

Acredito que, mais do que qualquer outro tipo de vinho, o rosé é um vinho de momentos, lugares, pessoas. E é por isso que a busca do rosé “certo” é uma quimera. Qual o rosé de que mais gosto? Geralmente, prefiro rosés secos, com álcool médio/baixo e acidez elevada, aprecio corpo e sabor, e a intensidade da cor é-me completamente indiferente. Mas tem dias…  

Mal me quer, bem me quer

Luís Lopes

Editorial da revista nº39, Julho 2020 Num movimento (vínico e não só) que um pouco por toda a Europa aponta para uma espécie de regresso às origens, um retorno ao tradicional e ao clássico, estamos a assistir também em Portugal à reabilitação de algumas variedades de uva que caíram em desgraça a partir dos anos […]

Editorial da revista nº39, Julho 2020

Num movimento (vínico e não só) que um pouco por toda a Europa aponta para uma espécie de regresso às origens, um retorno ao tradicional e ao clássico, estamos a assistir também em Portugal à reabilitação de algumas variedades de uva que caíram em desgraça a partir dos anos 90. E os resultados são bem interessantes. 

Luís Lopes

Nesta edição da Grandes Escolhas publicamos dois trabalhos que, de alguma forma, se centram em castas mal amadas. Mariana Lopes relata e comenta uma prova temática de Fernão Pires organizada pela CVR da região do Tejo; e Dirceu Vianna Junior reflecte sobre o passado, presente e futuro da variedade Jaen 

A Fernão Pires é um caso paradigmático de casta incompreendida. É a variedade branca mais plantada em Portugal, presente de norte a sul do país e, sem sombra de dúvida, a casta identitária do Tejo. Nesta região, ao longo de décadas, foi utilizada como pau para toda a obra, explorada até ao tutano, plantada em terrenos de melão, sempre com o intuito de produzir quantidade a baixo preço. Quando o mercado mudou e exigiu mais qualidade, os produtores procuraram de imediato outras castas “salvadoras” em vez de tratar melhor aquela que tinham em casa. E, no entanto, Fernão Pires é uma uva plena de carácter, adaptável a diferentes tipos de solo e clima, muito plástica nos perfis de vinhos que pode originar. Apenas pede a atenção e cuidado que tantas vezes são disponibilizados a castas supostamente mais nobres.  

A Jaen passou, no Dão, pelo mesmo calvário. Na primeira metade do século XX tomou o lugar da Touriga Nacional, porque esta produzia pouco e amadurecia tarde, e o que se queria era quantidade e fugir às chuvas de setembro que arruinavam a colheita. E a Jaen fazia tudo o que lhe pediam. No final da década de 80, quando a Touriga regressou do longo exílio, agora bem mais musculada e rejuvenescida, a Jaen tornou-se a casta a abater: fazia vinhos sem cor, sem taninos, sem longevidade. Pudera, se a obrigavam a produzir barbaridades de uva! Felizmente, tal como acontece com a Fernão Pires no Tejo, os produtores do Dão estão agora a redescobrir a Jaen e a dar-lhe a oportunidade de mostrar o que vale quando bem tratada. E, como revela a prova de Dirceu Vianna Junior, vale muito. É verdade que a maturação precoce que Fernão Pires e Jaen partilham, e que foi outrora uma “vantagem competitiva”, pode vir a ser um problema num cenário de alterações climáticas. Mas o conhecimento vitícola que hoje possuímos e as ferramentas que temos à nossa disposição permitem contornar favoravelmente essa aparente desvantagem.  

Por outro lado, avaliar a qualidade de uma casta unicamente pelo seu desempenho enquanto vinho monovarietal é um enorme disparate. As variedades de uva não precisam, para ser muito boas, de fazer grandes vinhos a solo. Basta que cumpram um papel de relevo no “blend”, que se evidenciem como importante mais valia no conjunto, que sejam a base ou o complemento de um grande vinho. Nos melhores tintos de Bordeaux, raramente o Cabernet Sauvignon aparece sozinho. Nos melhores vinhos do Douro, dificilmente encontramos Touriga Franca sem companhia. Nos melhores clássicos alentejanos, Alicante Bouschet, Trincadeira, Aragonez, são complementares. Haverá casamento mais perfeito do que Fernão Pires e Arinto no Tejo? Ou Fernão Pires (Maria Gomes) com Bical e Cercial na Bairrada? Ou Jaen com Touriga Nacional e/ou Alfrocheiro no Dão? 

Fernão Pires e Jaen, a solo ou acompanhadas, são capazes de nos oferecer muita qualidade sem perder personalidade. Mais do que isso, podem assumir-se como fundamentais no reforço da identidade regional. Além de que, convenhamos, dá sempre um certo gozo ver o patinho feio transformar-se em cisne [/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”default”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/3″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

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Antes, durante, depois

Luís Lopes

Editorial da revista  nº38, Junho 2020 Escrevo estas linhas pouco mais de 24 horas após ter terminado o chamado confinamento. Ou, melhor dito, um dia depois do início da primeira fase do desconfinamento. No que ao mercado do vinho respeita, sabemos como foi o antes, estamos agora a analisar o que se passou durante, e […]

Editorial da revista  nº38, Junho 2020

Escrevo estas linhas pouco mais de 24 horas após ter terminado o chamado confinamento. Ou, melhor dito, um dia depois do início da primeira fase do desconfinamento. No que ao mercado do vinho respeita, sabemos como foi o antes, estamos agora a analisar o que se passou durante, e não temos qualquer indicação sobre o que acontecerá depois. Mas, entretanto, surgiram interessantes estudos de mercado que nos ajudam a perceber (e tentar antever) o comportamento dos consumidores em diferentes países. 

Luís Lopes

Ao longo destes últimos dois meses, fechado em casa, tenho falado diariamente com inúmeros produtores de vinho, grandes, médios e pequenos, especializados em diferentes mercados e segmentos de preço, e a unanimidade é impressionante relativamente a um dado em particular: até ao estado de emergência decretado a 18 de março, o primeiro trimestre do ano estava a ser o melhor de sempre em termos de facturação para o mercado interno e externo. Tão positivos foram os números que, apesar da quase total ausência de negócio nas últimas duas semanas do mês, o rótulo de 1º trimestre campeão” não lhe pode ser retirado. Mas isso foi o antes. E o antes já é história. 

Quanto ao durante, esse vai durar até uma relativa normalidade ser reposta. Mas tive acesso a alguns estudos de mercado que ajudam a perceber em que ponto estamos. Talvez o mais interessante de todos seja o promovido pela European Association of Wine Economists (EuAWE), da qual faz parte a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), através do Prof. João Rebelo. A 17 de abril foi lançado um inquérito em 8 países (Espanha, Bélgica, Itália, França, Áustria, Alemanha, Portugal e Suíça) para determinar como a crise da Covid-19 afeta o comportamento dos consumidores europeus de vinho. Apesar de o inquérito ter terminado apenas a 10 de maio, a 30 de Abril existiam já dados que permitiam conclusões “estatisticamente robustas” em Espanha, França, Itália e Portugal, com base em 6600 respostas de consumidores de vinho e bebidas alcoólicas.  

Eis alguns dos dados mais impactantes recolhidos pelo estudo da EuAWE. Nos quatro países, a frequência do consumo de vinho aumentou acentuadamente com o confinamento, ao passo que caiu para a cerveja e, ainda mais, para as bebidas espirituosas. O preço médio de compra do vinho diminuiu significativamente. Os supermercados continuam a ser o principal canal de distribuição. O e-commerce cresceu muito, ainda que partindo de uma base reduzida: 80% dos inquiridos continuam a não fazer compras on-line, mas 8,3% dos italianos, 6,6% dos espanhóis, 5,2% dos portugueses e 4,6% dos franceses compraram vinho pela primeira vez via Internet; os stocks pessoais levaram um rombo – as garrafeiras de casa têm sido o principal vector para aumentar a frequência do consumo de vinho. Registou-se uma explosão das “provas digitais”, especialmente entre os franceses, com quase metade dos inquiridos a referir ter experimentado esta forma de degustação. Outras fontes confirmam o padrão. A fiável Wine Intelligence, relativamente aos EUA e ao Reino Unido (o estudo relativo a Portugal chegou-me depois do fecho desta edição), aponta para mais consumo em casa, mas compras a preços mais baixos.  

E quanto ao futuro a curto prazo, aquilo que vem depois? Bom, também aí o estudo da EuAWE deixa algumas pistas. Por exemplo, 70% dos inquiridos consideram que é necessário favorecer a compra de vinho local, o que é consistente com a tendência, que já se esboçava antes da crise, de privilegiar circuitos curtos na indústria alimentar. Três quartos das pessoas pensam que deixarão de lado as provas on-line. Por outro lado, é possível prever alguma retoma na compra de vinhos mais ambiciosos, para repor o stock das garrafeiras pessoais. Já a Wine Intelligence refere que cerca de 40% dos consumidores norte-americanos inquiridos disseram que teriam menos probabilidade de ir a um restaurante nos tempos pós confinamento. E mostram-se bastante cautelosos relativamente às finanças domésticas e à ideia de embarcar num avião. Mas nem tudo está perdido. Ao que o estudo indica, a intenção parece ser substituir grandes luxos, como férias no estrangeiro, por pequenos luxos, como uma garrafa de vinho de melhor qualidade. O desafio está em fazer com que esse vinho seja português… 

As palavras destes tempos

Luís Lopes

Editorial da revista nº37, Maio 2020 Nas vinhas de todo o país, as plantas acordam do sono de inverno e não percebem que o mundo que encontram já não é o mesmo. O ciclo da vida continua ali como se nada tivesse mudado, daqui a pouco a flor, o fruto, a vindima. Mas normalidade só […]

Editorial da revista nº37, Maio 2020

Nas vinhas de todo o país, as plantas acordam do sono de inverno e não percebem que o mundo que encontram já não é o mesmo. O ciclo da vida continua ali como se nada tivesse mudado, daqui a pouco a flor, o fruto, a vindima. Mas normalidade só existe mesmo no campo. Nas adegas, nos produtores de vinho, nas casas dos consumidores, o mundo é feito de incerteza, e as palavras que se dizem e ouvem, são as palavras destes tempos.

Luís Lopes

Imprevisibilidade. É talvez a pior coisa para qualquer empresa ou família, a incapacidade de planear a curto ou médio prazo. Pura e simplesmente não saber com o que contar, não por irresponsabilidade, desleixo, incompetência, mas pela total ausência de controlo sobre os factores que determinam a forma como vivemos. Todos os que directa ou indirectamente estão ligados ao mundo do vinho (produtores, distribuidores, consumidores, viticultores, retalhistas, fornecedores de rótulos, caixas, garrafas e rolhas, jornalistas, consultores de comunicação, restaurantes, organizadores de eventos, a lista é infinda…) foram severamente atingidos pelas restrições provocadas pela pandemia. Falamos uns com os outros e ansiamos por indícios que permitam antever um calendário de normalidade. Mas a imprevisibilidade mantém-se e o normal, quando chegar, será um outro normal.

Online. Parece ser a palavra mágica destes tempos novos, aquela que resolve todos os problemas, a que contorna as dificuldades, a que encurta as distâncias. A urgência (desesperada?) com que um mundo confinado abraçou o “online” é avassaladora. No caso do vinho, desde logo, na comercialização. De um momento para o outro não há produtor que não aposte tudo na venda online em loja virtual própria ou através das lojas especializadas. E apesar dos constrangimentos logísticos (ninguém esperava que, de repente, o país deixasse de ir comprar e ficasse em casa à espera das compras) a coisa vai funcionando. Online é também a palavra de ordem da comunicação. À mesma hora de um único dia cheguei a assistir a quatro directos (live-streaming, convém usar o nome adequado, para não passar por infoexcluído…) promovidos por quatro diferentes produtores de vinho. Toda a gente quer chegar a toda a gente ao mesmo tempo. O take-away dos restaurantes, também assenta na encomenda online. No seio das famílias, é a única maneira de nos vermos e, até, bebermos “juntos”. A minha mãe, de 84 anos, vê-me, fala comigo, dá-me um beijo por whatsapp. Em fevereiro passado, ela nem sabia que essa “coisa” existia. O salto digital foi gigantesco para todos. Veio para ficar? Vai ser assim de agora em diante? Vai substituir a conversa cara a cara, o aperto de mão, o abraço, o tocar dos copos? O take-away e a venda online não salva restaurantes, lojistas e produtores, tal como o whatsapp não resolve as saudades da família e dos amigos. É um compromisso pífio e frustrante. Mas ajuda.

Mudança. Estratégias de mudança são definidas e implementadas nas empresas, restaurantes, profissões, unidades familiares. No universo empresarial procura-se perceber os comportamentos do mercado, diversificar os canais de distribuição, minimizar o risco, tentar o crowdfunding, levar o produto até ao consumidor final. Enquanto centenas de milhar caem no desemprego, as operações logísticas têm falta de mão de-obra, não dão conta do recado. Em casa, as palavras de ordem são proteger e poupar. Mas o confinamento é doloroso, física e mentalmente, e comer uma boa refeição e beber um bom vinho é o mínimo a que temos direito. E, se pudermos, usamos (e abusamos, sim!). O consumo de vinho dispara nos países nórdicos e Canadá. No Google brasileiro, a palavra “vinho” ultrapassou a “cerveja”.

Solidariedade. Da dificuldade, do desespero, nasce a solidariedade. Sempre assim foi nos grandes desafios da humanidade. Dispenso-me de falar dos que zelam pela nossa saúde, o seu espírito de missão é assumido e reconhecido. Mas os produtores de vinho e destilados têm feito a sua parte. Multiplicam-se as doações de desinfectantes ou percentagens de vendas para instituições de saúde ou de cuidados a idosos. É bom saber que, nestes momentos difíceis, o ser humano que há em nós prevalece. Na esperança de que melhores dias virão. Porque têm mesmo de vir. 

O branco mais brilhante

Luís Lopes

Editorial da revista nº36, Abril 2020 Uma edição especialmente dedicada aos vinhos brancos, é a proposta da Grandes Escolhas para este mês de Abril de 2020. E não é por ter chegado a Primavera – o consumo de brancos já deixou de ser sazonal – mas sim porque o tema merece por inteiro o destaque. […]

Editorial da revista nº36, Abril 2020

Uma edição especialmente dedicada aos vinhos brancos, é a proposta da Grandes Escolhas para este mês de Abril de 2020. E não é por ter chegado a Primavera – o consumo de brancos já deixou de ser sazonal – mas sim porque o tema merece por inteiro o destaque. Lojas, restaurantes e consumidores são unânimes: os vinhos brancos estão decididamente em alta.

Luís Lopes

Ao longo da minha vida profissional assisti, naturalmente a muitas tendências, modas, transformações nos perfis de vinho e nos hábitos de consumo. Avaliando tudo isto, não errarei em dizer que os vinhos brancos são, globalmente, a categoria de vinho onde ocorreram mais mudanças. Desde logo, qualitativas. Convenhamos, a qualidade média dos brancos portugueses do início dos anos 90 deixava bastante a desejar, porventura nivelada com a dos seus congéneres espanhóis, mas bem longe do que já se fazia em França, norte de Itália, Alemanha e, até, em diversos países do chamado Novo Mundo. A tecnologia de adega (prensas, inox e sistemas de frio, sobretudo) que os dinheiros europeus tornaram possível, aliada à vaga de enólogos recém formados que nessa época entrou na indústria, resolveu em poucos anos este problema, trancando no baú das memórias os brancos oxidados, de aromas a mofo e pano molhado e sabores desequilibrados e amargos (ainda que alguns procurem hoje ressuscitar o estilo em nome da sagrada “naturalidade”…). 

Promover o carácter da região e da casta foi o passo seguinte, e esse passo crucial foi dado pela viticultura. Não apenas os enólogos deixaram de olhar para a uva à entrada da adega como uma simples fruta, avaliada unicamente pelo seu estado sanitário, como passaram a ser acompanhados por viticólogos conhecedores, que tratavam cada variedade de forma diferenciada em função da sua origem e características. A noção de “branco de terroir” que, apesar de tão abusada, continua a fazer sentido, instalou-se junto de produtores, técnicos e consumidores.  

Foram estes últimos que apoiaram e sustentaram todo o movimento transformador dos vinhos brancos portugueses, reconhecendo esse incremento qualitativo, comprando e promovendo o produto no seu meio. Acompanhando esses consumidores cada vez mais exigentes, foram-se multiplicando os brancos cada vez mais ambiciosos, em qualidade absoluta, personalidade, longevidade e capacidade de desafiar os sentidos, enquanto algumas variedades se tornavam categorias de produto, pedidas pelo nome: Alvarinho, Loureiro, Encruzado, Antão Vaz, Arinto…

Olhando para a oferta de brancos portugueses de superior categoria que hoje chega ao mercado, oriunda de todas as regiões do continente e ilhas, é fácil esquecer que há apenas duas décadas havia “líderes de opinião” que escreviam e defendiam em público que:  “Portugal é país de tintos, só em tintos podemos competir, os brancos serão sempre inferiores aos do resto da Europa; “os vinhos brancos devem ser bebidos no ano a seguir à colheita”; “Douro e Alentejo, pelo seu clima quente, nunca farão brancos de grande nível”; ou ainda que “o primeiro dever de um Porto é ser tinto”. 

Felizmente, os apreciadores optaram por não ligar a estes disparates. A procura por brancos de qualidade continua a crescer e hoje, entre as uvas mais bem pagas de Portugal, a larga maioria pertence a variedades brancas (Verdelho nos Açores, Alvarinho nos Verdes, Antão Vaz no Alentejo ou Encruzado no Dão). É verdade que, no topo da pirâmide, os tintos atingem os preços mais elevados e alcançam os maiores índices de notoriedade – o mesmo se passa, aliás, com a generalidade dos vinhos do mundo. Mas não tenham dúvidas: os brancos portugueses ainda vão dar muito que falar. 

A Escolha do Mestre: Jaen, uma casta com futuro promissor

O interesse que Álvaro Palácios mostrou pelas vinhas velhas da casta Mencia, em Bierzo, no final do século passado foi o factor que ajudou catalizar o renascimento da variedade. Gradualmente seus vinhos foram recebendo atenção de profissionais e consumidores e deram início ao novo capítulo da história dessa cativante casta que em Portugal é conhecida […]

O interesse que Álvaro Palácios mostrou pelas vinhas velhas da casta Mencia, em Bierzo, no final do século passado foi o factor que ajudou catalizar o renascimento da variedade. Gradualmente seus vinhos foram recebendo atenção de profissionais e consumidores e deram início ao novo capítulo da história dessa cativante casta que em Portugal é conhecida como Jaen.

TEXTO Dirceu Vianna Junior MW
FOTOS Arquivo

A origem da casta continua sendo um mistério, mas é provável que tenha surgido não muito distante das fronteiras de Portugal, possivelmente em Salamanca, província de León, onde sua heterogeneidade morfológica é mais acentuada. Poucas referências confiáveis da casta existem antes do período da filoxera. Em Portugal, a casta era praticamente desconhecida até o final do seculo XIX, mas aparece em textos de Garcia de los Salomons em 1914. A genealogia da casta também continuou sendo outro mistério por muitos anos com textos sugerindo afinidade com Cabernet Franc e Graciano. Entretanto um estudo realizado pelo Instituto de Ciencias de la Vid y del Vino da Espanha e a Universidade de Lisboa, entre outras entidades, revelou recentemente Alfrocheiro como pai, e Patorra como mãe. A literatura sugere que a casta chegou em Portugal através de peregrinos retornando do caminho de Santiago da Compostela. De acordo com o Instituto da Vinha e do Vinho já existiam 1.101 ha plantados em Portugal em 1980. As plantações cresceram nas décadas seguintes e hoje totalizam 2.769,47 ha. Jaen adaptou-se muito bem na região do Dão onde hoje estão as maiores áreas plantadas. Aparece também no Douro, Bairrada, Lisboa, Tejo e continua a espalhar-se pelo país. O facto de apreciar os vinhos da região de Bierzo levou o renomado enólogo Rui Roboredo Madeira a plantar Jaen na Beira Interior em 2011.

Jaen no seu Terroir  

Paulo Nunes, talentoso enólogo responsável pelos vinhos da Casa da Passarella, identifica principalmente a seleção do terroir como factor determinante, visto que Jaen responde positivamente quando plantada em locais que ajudam retardar o ciclo de maturação para que a fruta seja capaz de manter a acidez à medida que atinge a maturação fenólica. Para Paulo, encostas voltadas ao norte com menor exposição solar e solos que contenham argila são o melhor local. Rui Madeira estabeleceu seus vinhedos em solos argilo-xistosos com exposição sul, enquanto a altitude de 700 metros assegura amplitudes térmicas consideráveis entre dias quentes e noites frescas que auxiliam a manter o a frescura. São essas características, aliadas à contenção da produtividade, inferior a cinco toneladas por hectare, os factores que determinam o estilo e a qualidade do seu vinho.  O terroir das Quinta das Maias, situado no pé da Serra da Estrela, aos 600 metros de altitude, consiste de solos porosos de areia granítica com baixa retenção de água. Em dias de verão, a temperatura poder chegar aos 40ºC mas as noites frias ajudam a vinha a descansar e reter acidez. A Jaen é capaz de adaptar-se bem a vários tipos de solo desde que não sejam demasiadamente húmidos.

Casa da Passarella.

Jaen no Campo

Apesar de Jaen ser amiga do viticultor, o processo de selecção do material vegetativo é vital. Paulo Nunes explica que no passado a escolha frequentemente priorizava a produtividade. Luís Lourenço, responsável pela produção na Quinta das Maias no Dão, diz que as vinhas foram plantadas usando seleções poli-clonais. Rui Madeira também optou por plantar uma selecção de múltiplos clones e mostra-se contente com o desempenho dos parâmetros qualitativos. Mas a monda verde é sempre necessária, com algumas excepções.

Para Paulo Nunes as mondas são fundamentais, especialmente em vinhas novas. Em vinhedos mais velhos não observa problemas. Além disso, a desfolha junto ao cacho, antes dos bagos começarem a crescer, também é importante pois ajuda afastar os riscos de doenças.

A planta possui porte erecto e, dependendo do solo, é vigorosa. É recomendável controlar o vigor através de poda curta e ter cuidado com a fertilização. Rui Madeira diz que um dos maiores desafios é a gestão da canópia. Dependendo do local onde está plantada Jaen é susceptível a danos com o vento. Para Luís Lourenço a gestão da parede vegetativa é relativamente fácil, ao contrário da Touriga Nacional que exige imenso trabalho.

Os cachos exibem formato cónico e compacto. O tamanho dos cachos e dos bagos, depende da seleção clonal e fertilidade do solo, mas raramente são grandes. Os bagos arredondados, de cor negro-azul e película fina demandam cuidados para evitar ataques de míldio, oídio e podridão, mas Rui Madeira observa que na Beira Interior tem produtividade regular e é pouco sensível a doenças.

Por ser uma casta cujo abrolhamento é tardio, escapa à geada primaveril diz Luís Lourenço. Jaen por regra amadurece precocemente oferecendo uma espécie de seguro de colheita, o que é importante em região como o Dão onde as chuvas de outono podem trazer certos riscos.

Hora da vindima

Na Quinta das Maias é a primeira a ser vindimada, por vezes, a par da Malvasia Fina. Luís Lourenço diz que em anos normais a colheita é feita na segunda semana de Setembro. Paulo Nunes observa precocidade similar e explica que em vinhas velhas é possível estender um pouco o ciclo passando para a primeira das castas tintas, após as brancas. Na Beira Interior, Rui Madeira revela que a colheita pode ocorrer entre a terceira semana de Setembro até à primeira de Outubro, normalmente cerca de quinze dias antes da Tinta Roriz.

O momento certo de fazer a colheita é uma decisão fundamental visto que a janela de vindima para a casta Jaen é curta. Paulo Nunes explica que colher demasiadamente cedo resulta em vinhos com rusticidade e notas vegetais. Por outro lado, colher demasiadamente tarde, pode resultar em vinhos com perfil desequilibrado, principalmente no que respeita à conservação de ácidos. Luís Lourenço analisa a maturação usando refractómetro, fazendo uso de leitura de parâmetros técnicos e levando em consideração a maturação fenólica através de sua avaliação sensorial da película, polpa e grainha. Rui Madeira aponta a maturação fenólica como um dos principais parâmetros. Luís Lourenço diz que é preciso estar alerta pois Jaen perde acidez rapidamente a partir do momento que começa a produzir mais açúcar. De forma geral, Paulo Nunes conclui que os índices polifenólicos são a matriz que ajudam decidir a data da vindima e os açúcares  e componentes ácidos são os limitadores que auxiliam tomar a decisão do momento correto.

Rendimento adequado

Quando plantada em local apropriado é capaz de produzir bons vinhos para lote mesmo atingindo dez toneladas por hectare, explica Paulo Nunes. Em vinhas velhas, recomenda não exceder sete toneladas na busca de um produto de qualidade superior. Luís Lourenço confessa que na Quinta das Maia, na década de 90, quando iniciou o trabalho com o objetivo de fazer um varietal de alta gama, adotava uma abordagem conservadora, não deixando a Jaen exceder quatro toneladas por hectare. Anos de experiência os ensinou que é possível obter produções entre as seis e oito toneladas sem que haja decréscimo de qualidade.  Excessos de produção resultam em vinhos diluídos, magros,  acídulos e com baixo grau alcoólico.

Beyra, Rui Roboredo Madeira.

Jaen na Adega

Uma das vantagens da casta Jaen na adega é sua versatilidade. Apesar de ter pouca matéria corante e baixa acidez natural é uma casta moldável além de ser relativamente homogénea na qualidade do produto final. Luís Lourenço declara que Jaen é uma das castas mais delicadas com que trabalha e recomenda prudência. Na Quinta das Mais actualmente é feito o desengace total. No passado, não fazia diferença, pois os vinhos estagiavam entre 5 e 7 anos antes de serem comercializados. Hoje seguem ao mercado mais cedo por isso é preciso evitar taninos desarmoniosos, principalmente se o engaço ainda estiver verde. Para Paulo Nunes, o uso do engaço pode ser uma ferramenta interessante e diz utilizar com mais regularidade. Além disso, prefere apostar em maceração pré-fermentativa para privilegiar a fruta e opta por fazer vinificações mais longas. O oposto de Luís Lourenço que adianta que é comum retirar o Jaen das massas antes mesmo da fermentação terminar. Rui Madeira também opta pelo mínimo de maceração para evitar quaisquer traços vegetais.

Um dos principais desafios durante o processo de vinificação é fazer a extracção com delicadeza pelo fato da película ser frágil. É preciso cautela para não destruir as películas durante as remontagens para evitar a extração de taninos sub-maduros. Uma das soluções, segundo Luís Lourenço, é apontar a mangueira de remontagem para as laterais da cuba de fermentação para que o mosto filtre pelo perímetro do manto conseguindo a extração desejada sem comprometer a integridade da casta e o equilíbrio do vinho.

Rui Madeira observa que as fermentações espontâneas são uniformes, sem problemas nutritivos e prefere vinificação em cubas de cimento que na sua opinião causa menos stress nas leveduras.  Paulo Nunes concorda com o uso de cimento e prefere cuba fechada que permite diminuir a acção mecânica e aumentar o tempo de contato com as massas vínicas. A opção preferida para Luís Lourenço é fermentar em inox buscando temperaturas entre 25º e 28º Celsius. Ocasionalmente opta por estagiar o vinho em barricas, se necessário. Nesse caso prefere barricas velhas buscando principalmente a micro-oxigenação e não que o vinho fique marcado pelos aromas e sabores associados aos barris. Paulo Nunes também facilmente dispensa barrica, mas quando necessário concorda com o uso de barricas velhas. O uso exagerado de madeira resulta na perda da definição e tipicidade da casta.

Na opinião de Luís Lourenço, Jaen é a melhor casta para arredondar lotes, seja para amaciar os taninos firmes da Touriga Nacional ou equilibrar a ríspida acidez do Alfrocheiro, mas para fazer um vinho varietal exige atenção. Um pequeno descuido pode comprometer o trabalho de um ano inteiro. Jaen é capaz de fazer vinhos que estão prontos para consumir mal acaba a fermentação, sendo ainda capaz de ganhar complexidade com estágio em garrafa.

O perfil do vinho

Com rendimento produtivo controlado, os vinhos exibem boa cor juntamente com aromas de frutos silvestres maduros como mirtilo, framboesa, cerejas e amoras. São vinhos elegantes e suficientemente macios para o consumo imediato. Os melhores exemplos possuem a capacidade de envelhecer, como é o caso do Quinta das Maias 1996 degustado durante a visita de um grupo de Masters of Wine à propriedade em 2019. Apesar da exuberância da fruta fresca se ter dissipado, o vinho foi capaz de exibir elegância e complexidade, acompanhado de um final de boca agradável e persistente. De forma geral, não são vinhos potentes mas possuem harmonia. São vinhos completos sem excesso de qualquer de seus componentes. Luís Lourenço revela que em anos mais frios o estilo pode aproximar-se de um elegante Pinot Noir. Em anos mais quentes a fruta exuberante pode fazer lembrar um Syrah, mas pode também demonstrar características que fazem recordar Cabernet Franc.

Jaen apresenta uma estrutura suave o que significa que são vinhos que podem ser bebidos ligeiramente refrescados. Seus taninos sedosos fazem da casta um parceiro ideal para harmonizar petiscos, lombo suíno, risotos, massas, pizzas, carnes grelhadas, bacalhau e também pratos apimentados da cozinha internacional de países como India e México.  Sua delicadeza faz do vinho um bom parceiro para pratos da cozinha Japonesa.

Demanda de Mercado

Para Rui Madeira o consumidor que prefere vinhos encorpados, concentrados e estruturados, raramente aprecia Jaen.  O facto de ser uma casta maioritariamente plantada na região do Dão e raramente aparecer como vinho varietal resulta na falta de reconhecimento por parte do consumidor Português. Quinta das Maias produz cerca de 5000 garrafas e recebe atenção de vários clientes internacionais, principalmente japoneses. Paulo Nunes também aponta Japão juntamente com Canadá como mercados de grande potencial. Com o crescimento do interesse nos mercados internacionais, certamente ajudará a receptividade pela casta no mercado doméstico no futuro.

Quinta de Lemos.

O Futuro 

Graças ao trabalho feito principalmente pelos produtores espanhóis o interesse pela casta vem crescendo e os vinhos gradualmente ganham espaço no mercado internacional. Mesmo assim, continua sendo uma casta apreciada principalmente por conhecedores. Por esse motivo é preciso continuar trabalhando na comunicação, destacando as semelhanças com Mencia mas ao mesmo tempo sublinhando as características exclusivas do terroir português. Estabelecer vinhedos em parcelas adequadas, e não em zonas menos privilegiadas como frequentemente é o caso, trabalhar visando rendimentos inferiores em busca da excelência e ter um objetivo claro com relação ao estilo desejado desde o início do processo, são alguns dos factores que certamente ajudarão desenvolver a qualidade e consequentemente a apreciação por esta casta.

Para demostrar seu verdadeiro potencial é necessário um maior número de vinhos varietais e não pensar em Jaen somente como um componente de lotes, muito menos tratar Jaen como outra casta qualquer. É preciso respeitar as particularidades da casta e fazer o trabalho de vinificação mais subtil, buscando salientar sua delicadeza, textura e elegância.

Entre os vários atributos que a casta possui, existem algumas características principais que poderão fazer dela uma das castas do futuro em Portugal. Jaen adapta-se bem ao stress hídrico portanto está bem posicionada para enfrentar as mudanças climáticas do futuro.

A mentalidade imediatista do ser humano, que cada vez mais busca soluções instantâneas, faz da casta uma boa proposta, pois está pronta para o consumo quase que imediatamente, sem exigir anos em garrafa. Esse factor também é uma vantagem para o produtor que pode capitalizar pelo seu trabalho mais cedo. Além disso, o seu perfil atraente, sedoso, é fácil de apreciar e fácil de harmonizar com a gastronomia internacional. Esses são alguns dos principais atributos que contribuirão para que a Jaen seja uma das castas do futuro.