Barão de Vilar: Porto, Douro e algo mais

Barão de vilar

O nosso encontro começou no Pocinho. À porta de um enorme armazém, que de bonito não tem nada, estão centenas de meias barricas, todas vazias. Isto é para Porto? Indagamos, mas Álvaro van Zeller, o nosso guia e anfitrião, responde: é e não é! Como assim? Insistimos. A explicação vem logo: “este é dos bons […]

O nosso encontro começou no Pocinho. À porta de um enorme armazém, que de bonito não tem nada, estão centenas de meias barricas, todas vazias. Isto é para Porto? Indagamos, mas Álvaro van Zeller, o nosso guia e anfitrião, responde: é e não é! Como assim? Insistimos. A explicação vem logo: “este é dos bons negócios que temos na empresa; recebemos barricas (normalmente 200 por mês) vazias que serviram a vinho tranquilo e depois de cheias com água e tratadas com metabissulfito, são, depois de lavadas, avinhadas com Vinho do Porto pelo tempo que o cliente quiser: 3, 5, 6 e 12 meses. O cliente neste caso são empresas de bourbon americano, o whiskey que, desta forma, ganha um plus em virtude de a barrica ter estado avinhada com Porto. Mais tempo, mais caro. O negócio torna-se muito interessante porque o Porto, uma vez esvaziadas as barricas, fica em cubas de inox e volta a ser usado nas próximas que chegarem.

Como lembra Álvaro, “apenas fazemos prestação de serviços, vêm cá pô-las e buscá-las, o negócio que depois fazem com elas já não é connosco”. A dimensão enorme do armazém climatizado comporta, para já, 1500 destas barricas e poderá atingir as 2000 quando se alargar a instalação, algo já previsto.

barão de vilar

 

Os irmãos Fernando e Álvaro van Zeller têm uma longa experiência no negócio Douro e Porto

 

 

Aqui descansam também muitos tonéis e balseiros de vinho do Porto. Ao todo estamos a falar de 2,2 milhões de litros Porto de todas as categorias, ou seja, a maioria do stock que, no total atinge os 3 milhões de litros de fortificado, dos quais um milhão de vinhos velhos e Colheita datados. A estes números acrescem 2 milhões de litros de vinhos Douro. A empresa tem apenas tem 24 ha de vinhas próprias, adquirindo uvas em mais 280 hectares de várias zonas do Douro.
As vinhas próprias estendem-se desde a Quinta do Castro do Saião (que faz marca própria e vende vinho à Barão de Vilar, até vinhas no vale da Vilariça (Quinta do Tombo). A Quinta de Zom, em Freixo de Espada à Cinta, com 22 ha de vinhas, não pertence à empresa: fornece uvas e cede o nome. Existe a intenção de “puxar” pelo Saião, criando mais marcas, eventualmente com nomes de vinhas da quinta.
Para vinificar os DOC Douro a empresa criou desde 2008 uma adega em Santa Comba da Vilariça onde conta com Mafalda Machado como enóloga residente. E, para conseguir espaço para tudo armazenar, a Barão de Vilar ainda dispõe da adega de Romarigo (Régua), com capacidade de armazenagem de 6 milhões de litros e um centro de engarrafamento em Vila Nova de Gaia.

A Barão de Vilar passa agora a fazer parte deste grupo Van Zeller Wine Collection (e tem mesmo um terceiro sócio apenas a ela ligado). No conjunto a empresa aposta muito forte nos mercados externos e, assim, temos que o mercado interno apenas corresponde a 10% da facturação.
Tudo começou, devagarinho, quando a família van Zeller vendeu a Quinta do Noval à AXA Millésimes e quando os irmãos herdaram algum vinho do Porto da família. A partir daí, sobretudo com o impulso empreendedor de Fernando e as qualidades de Álvaro como enólogo, a empresa cresceu tremendamente e tudo aponta para que o crescimento vá prosseguir. A Van Zeller Wine Collection vai continuar a marcar pontos no Douro.

MUITAS COLHEITAS E MARCAS

As provas decorreram na adega da Vilariça e a equipa técnica (com Mafalda Machado) aproveitou a ocasião pare revisitar colheitas mais antigas de algumas marcas. O portefólio é de tal maneira amplo que seria impossível fazer aqui uma prova da totalidade dos vinhos. Dos que provámos, aqui ficam algumas notas e impressões.
A prova estendeu-se pelas várias marcas do grupo. Começámos com a colecção de vinhos Kaputt, uma marca nascida ocasionalmente, quando foi preciso encontrar nome para um vinho que reunia lotes de várias colheitas; começou por ter edição em branco, de que deixamos aqui a nota da 2ª edição. A primeira teve engarrafamento em 2016 e fizeram-se, na altura, 2645 garrafas. Provado agora mostrou que continua numa forma excelente, leve aroma de pólvora, até com notas longínquas a lembrar Sauternes. Dá muito prazer a beber e, curiosamente, num patamar ligeiramente acima da 2ª edição. Poderá custar agora €70. Todos os anos tentam o Kaputt quer no branco quer no Orange. Estão a deixar brancos de reserva para ver o que acontece. Provam duas vezes por ano para ver como estão a evoluir. É assim expectável que novas edições surjam no futuro.

A marca Zom não corresponde a vinhas da quinta de Zom. Para já é um nome apenas e estende-se por três patamares de vinhos: os Colecção (topo de gama), Grande Reserva e Reserva, Garrafeira e genéricos. Nesta gama fizemos uma prova extensa, tendo ficado de fora o branco Reserva e o rosé. O Reserva tinto (15000 garrafas/ano) e o Grande Reserva já foram provados em várias edições pela Grandes Escolhas; é o caso do Grande Reserva 2017 que, provado agora, se mostrou muito bem, ainda cheio de pequenas nuances aromáticas de muita qualidade. O preço de mercado rondará agora os €30. Provámos a 1ª edição do Garrafeira mas, dizem-nos, será para continuar em próximos anos. Os tintos Zom Colecção – apresentados numa garrafa de formato original desenhada em conjunto com Martin Berasategui – só terão edição em anos considerados de muito nível, com produções entre 3500 e 5000 garrafas. Além dos dois aqui notados provámos também o Zom Colecção 2009 que mostrou estar agora no zénite, no seu melhor momento de prova, com todos os elementos a darem muito boa conta de si. O registo é de elegância mas a dar-nos sinais de que tem ainda argumentos para continuar em cave.
A gama Reserva é bem mais acessível em termos de preço, com uma qualidade assinalável. Foi um pouco para mostrar esse aspecto que provámos duas edições mais antigas que nos confirmam a aptidão destes vinhos para a vida em cave.

A gama dos vinhos do Porto da empresa estende-se por várias marcas (a mais conhecida será a Barão de Vilar), umas destinadas sobretudo aos mercados externos – como é o caso da Feuerheerd’s, marca adquirida à família Barros – outras mais vocacionadas para uma forte presença no mercado interno, como a Maynard’s e uma, mais discreta, onde estão incluídos alguns dos topos de gama, com a marca Palmer, apenas destinada ao canal HORECA. O que houver de melhor sairá com a marca Palmer, quer Colheita, quer Vintage. A Maynard’s, ainda que dos mesmos anos, vai continuar a ter vinhos do Porto mas de lotes diferentes, de outro patamar em termos de preço.

 

Os melhores lotes vão para umas marcas, as segundas linhas para outras. O portefólio da empresa é um puzzle que não será fácil de gerir.

 

A Van Zeller Wine Collection dispõe de stocks para todas as gamas de Porto e as várias marcas de vinho do Porto incluem também praticamente todas as categorias, que vão dos vinhos de entrada de gama até aos Vintage e Colheitas que se prolongam até aos anos 40 do século passado. Os melhores lotes vão para umas marcas, as segundas linhas para outras. Ao ver o portefólio da empresa conseguimos perceber que se trata de um puzzle que não será fácil de gerir. Com a excepção da Feurheerd’s, todas as outras marcas, incluindo a Barão de Vilar, correspondem a antepassados dos van Zeller, ligados ao negócio do Vinho do Porto. Os lotes de vinhos do Porto mais antigos correspondem a compras feitas na Casa do Douro que dispõe de um enorme acervo de vinhos velhos e onde, com frequência, as empresas do sector adquirem vinhos mas que, como nos referiu Álvaro van Zeller “são vinhos que precisam depois de ser educados em cave, desde retirar cobre, corrigir a aguardente e a acidez, nomeadamente a volátil, que por vezes vem em níveis muito baixos e isso exige estágio em barricas não atestadas para forçar a oxidação e fazer subir a volátil”. No entanto sublinhou que, mais do que vendedores de Porto a terceiros, são sobretudo compradores, uma vez que têm necessidade de grande stock para todas as marcas.

No caso do Porto Vintage, diz-nos Álvaro “enviamos sempre amostras para aprovação mas nem sempre comercializamos. O 2012 está em venda agora mas, por exemplo, anda não lançámos o 14 ou o 15; mas o 16 e 17 já foram editados; os vintages de 2018, 19 e 20 estão engarrafados e logo se vê. Se não comercializarmos, podemos abrir as garrafas, pede-se ao IVDP para desclassificar o vinho e é integrado na conta corrente do ano”.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)

Manoella, Guru, Pintas: No coração do Douro

manoella wine & soul

Regressar à Manoella é sempre um prazer. Estamos nas margens do rio Pinhão e logo no trajecto entre a estrada e a casa no coração da quinta somos familiarizados com a extensa floresta de mata mediterrânica que se estende por 30 ha e pelas diversas casas em ruínas espalhadas pela propriedade, umas que foram armazéns, […]

Regressar à Manoella é sempre um prazer. Estamos nas margens do rio Pinhão e logo no trajecto entre a estrada e a casa no coração da quinta somos familiarizados com a extensa floresta de mata mediterrânica que se estende por 30 ha e pelas diversas casas em ruínas espalhadas pela propriedade, umas que foram armazéns, outras que foram adegas.

Hoje – em época de explosão do enoturismo – logo nos interrogamos se para elas há projectos a curto prazo mas Sandra, cautelosa, lá vai dizendo que “para já não, temos outras prioridades mas… mais premente é o restauro da casa principal da quinta que se apresenta muito carente de obras”. O caminho é demorado e a estrada de terra obriga a condução cautelosa. Dá para ir percebendo que, por aqui, há quase tudo – vinhas, oliveiras, medronheiros, muitas árvores de fruto, apiário e ervas aromáticas indígenas. Um verdadeiro microcosmos.

É nesta quinta que funciona o centro de operações da Wine & Soul para o vinho do Porto, com a adega cheia de tonéis, balseiros e barricas. Com o tempo, e tendo começado no DOC Douro, a Wine & Soul tem vindo a produzir, adquirir e armazenar vinho do Porto e o portefólio já se estende por muitas categorias como Tawny e Ruby Reserva, Branco 10 anos e 10 anos Extra-Dry, tawny 10 e 20 anos, todos com a chancela Manoella e o Vintage, da marca Pintas. Bem guardado e à espera do momento certo para ser lançado, há também em arquivo um Porto branco muito, muito velho que cirurgicamente é dado à prova e que se inscreve naquela categoria do “néctar dos deuses”, algo que pudemos comprovar no local.

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É na Manoella que funciona o centro de operações da Wine & Soul para o vinho do Porto, com a adega cheia de tonéis, balseiros e barricas.

 

Uma vertical de Guru

As nossas provas desenrolaram-se em dois momentos. Parte foi feita ao jantar, na casa que Jorge e Sandra têm no Pinhão e onde moraram antes de zarparem para Vila Real com os filhos em idade escolar; a segunda parte foi nas instalações da empresa em Vale de Mendiz, localizadas por cima da adega dos lagares onde, desde sempre, se fizeram os vinhos tintos. Ao jantar, e em ambiente descontraído, pudemos revisitar algumas colheitas mais antigas como o Guru 2012 em magnum, um branco notável, mineral e rico com excelente acidez; nos tintos, o sempre surpreendente Pintas Character 2008, o Pintas 2011 em magnum, a revelar-se muito firme na imensa qualidade que apresenta e o Porto Vintage Pintas 2003 também ele a mostrar uma boa evolução.
Já em Vale de Mendiz tivemos a oportunidade de conhecer quase toda a equipa (neste momento são 23 pessoas) e onde se incluem alguns estagiários e quatro timorenses a quem, em acordo com a Caritas, a Wine & Soul se dispôs a dar casa e trabalho. Aqui funciona também o enoturismo com imensas visitas (com provas), com equipa destacada para o efeito.
Junto à adega existe um armazém onde se vinificam os brancos em barrica; não é bonito, nada tem de fashion, mas cumpre, como nos diz Jorge, a função primordial “conseguimos aqui vinificar os brancos com controle de temperatura de fermentação barrica a barrica, porque elas não são iguais e os mostos também não; estamos nisto desde 2012.” A isto pode-se chamar uma enologia de precisão, conceito que Jorge e Sandra aplicam sobretudo aos brancos que produzem.

O momento – uma mini vertical de brancos da marca Guru – foi também aproveitado para revisitar algumas colheitas mais antigas. A marca nasceu em 2004 e o vinho é feito com uvas das zonas mais altas e frescas, de Porrais e Martim. Sempre que é possível, Jorge e Sandra continuam por ali a comprar parcelas de vinhas. São zonas de xisto em transição para granito, um xisto rico em quartzo e minerais. É uma região onde domina a casta branca Códega do Larinho. As vinhas que estão na base do Guru obrigam a duas semanas de vindima, são vindimadas parcela a parcela e há uma hierarquia de momentos de vindima. “É um vinho de precisão”, como nos foi referido e como são muitas parcelas e há pouco tempo para fazer a vindima, é muito exigente em mão de obra. Provámos o Guru 2009, citrino, fcom ruta madura, leve floral, cheio de classe, sem excessiva evolução; ainda cheio de força na boca, com vida pela frente, em muito boa forma.

Na altura já não era só barrica nova. (18,5); o 2010 um pouco mais carregado na cor, menos falador no aroma, discreto na fruta madura, bem na boca mas com mais evolução, com menos promessa de vida em cave (18); o 2013 com muito fósforo no aroma, mesmo em dose excessiva mas, algo surpreendentemente, resulta muito bem na boca, evolui bem no copo, é vinho mais para falar do que para beber (18); da colheita de 2015 chegou-nos um Guru notável no equilíbrio que mostra entre o aroma e o sabor, uma frescura incrível e muito fino na boca, dá imenso prazer a beber e é obviamente um branco apto para a cave, perfeito na fruta citrina e na acidez (18,5); um notável vinho em prova foi o 2019 com grande perfeição aromática, com fruta de grande requinte. Fino e elegante, com toques minerais e a elegância a percorrer toda a prova (18,5/19)

manoella Wine&soul

 

A mini vertical de Guru foi também aproveitada para revisitar algumas colheitas mais antigas. A marca nasceu em 2004 e o vinho é feito com uvas das zonas mais altas e frescas, de Porrais e Martim.

 

 

Novidades na mesa

A novidade agora apresentada, o Guru Vinha da Calçada, tem origem numa única parcela de quase 100 anos “seguramente anterior a 1932”, com 0,5 ha, a 600 metros de altitude e com mistura de castas. Fermentação e estágio em foudre durante 2 anos e mais um ano em garrafa. A madeira não tem tosta “o que favorece a tensão nos vinhos e o formato do foudre gera uma movimentação de borras finas de forma natural”, refere Sandra Tavares da Silva.
Os tintos são feitos a lagar com corte a pé e pisa a pé à noite durante 3 noites. Durante o dia usam a pisa mecânica para baixar a manta. Os tintos fazem a maloláctica já na barrica porque “isso ajuda a integrar muito melhor a madeira no vinho, mas correm-se alguns riscos porque o vinho está desprotegido sem sulfuroso” salienta Jorge Borges. Mais atenção e mais precisão, de novo.
Para o Pintas Character entram 5 parcelas em Vale Mendiz, com castas misturadas, lagar e barrica usada; no caso do Pintas “sempre pensámos o vinho em termos de mercado externo e o PVP (mesmo alto) é sempre o mesmo lá e cá; desde o princípio que procurámos diversificar os mercados e, entre outros, estamos na Suíça, Alemanha, Inglaterra, USA, Brasil, Macau. Trabalhamos com 25 países e vamos agora exportar para a Austrália”, contou Sandra.

No Porto Vintage esta é a 14ª edição, “estamos a vindimar para Vintage mais cedo do que mandava a tradição, não exagerando na sobrematuração das uvas, mas é uma luta vender estes vintages porque quem compra vai sempre dirigir a escolha para as marcas consagradas”. Tempos nem sempre fáceis para os pequenos produtores de Porto, para quem estes vinhos são muito mais um complemento de portefólio do que propriamente uma boa fonte de rendimento.
Da Quinta da Manoella, a grande novidade apresentada foi o tinto Vinha Alecrim que tem origem numa parcela plantada pelo trisavô de Jorge Borges instalada em terraços pré-filoxéricos, rodeado de alecrim e floresta mediterrânica. Foi engarrafado em 2017 e teve 6 anos de garrafa. Como nos diz Sandra “tem origem numa parcela que sempre se distinguiu, sempre originou um vinho diferenciador”. Com tanta vinha de vetusta idade não será de espantar que outras parcelas da Manoella sejam, no futuro, escolhidas para vinhos muito especiais.

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2023)

Carmim: Garrafeira dos Sócios à prova do tempo

carmim

Um branco bi-varietal, dois Grande Reserva da gama Trifolium e um histórico Garrafeira dos Sócios constituem o “pacote” de quatro vinhos agora lançados. O bi-varietal de Antão Vaz e Verdelho conjuga a expressão aromática das duas castas que completam a fermentação em barrica, com batonnage e posterior estágio durante 8 meses. Inicialmente demonstra aroma exuberante […]

Um branco bi-varietal, dois Grande Reserva da gama Trifolium e um histórico Garrafeira dos Sócios constituem o “pacote” de quatro vinhos agora lançados. O bi-varietal de Antão Vaz e Verdelho conjuga a expressão aromática das duas castas que completam a fermentação em barrica, com batonnage e posterior estágio durante 8 meses.

Inicialmente demonstra aroma exuberante de Verdelho, mas com o tempo o mais modesto no início Antão Vaz, dá-lhe boca. Com um perfil fresco e alguma complexidade conferida pelo estágio em barrica é um branco que tanto pode ser consumido no verão, como ao longo do inverno.

Trifolium é uma gama mais recente que abrange quatro vinhos (branco, tinto, rosé e espumante), cada um elaborado de três castas. No branco são Antão Vaz (40%), Arinto e Roupeiro em partes iguais. É vinificado com maceração pelicular de cerca 12 horas para extrair mais compostos aromáticos das películas, o estágio ocorre em barricas novas de carvalho francês e húngaro com bâtonnage durante 9 meses. É um vinho cremoso e intenso o suficiente para aguentar um prato picante, por exemplo.

O rosé é um lote de Aragonez, Touriga Nacional e Touriga Franca. Também com ligeira maceração pelicular, fermenta em inox e termina a fermentação em barricas de carvalho francês de 300 litros de segunda utilização, onde depois fica ao longo de 6 meses com bâtonnage durante os primeiros dois. É um rosé que funciona muito bem à mesa.
O CARMIM Reguengos Garrafeira dos Sócios é um vinho histórico, faz parte do imaginário colectivo de muitos consumidores e apreciadores de vinhos. O vinho nasceu em 1982 com o objectivo de ser uma oferta premium exclusiva para os associados da CARMIM.

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Uma parte de garrafas do Reguengos Garrafeira dos Sócios 2019 será lançada no mercado 10 anos depois, em 2029.

As castas variaram ao longo dos anos. Outrora prevaleceram Castelão, Moreto e Tinta Caiada entre outras, tipicamente alentejanas. Mais tarde o destaque foi para Aragonez e Trincadeira, começando o Cabernet Sauvignon a entrar nos lotes. Nos anos mais recentes o Alicante Bouschet assume a maior responsabilidade, como, por exemplo, nesta edição, onde a casta predomina com 55%, Aragonez entra com 30% e Cabernet Sauvignon funciona como sal e pimenta com 15% do lote. A composição final decide-se depois do estágio de 18 meses em carvalho francês de primeira e segunda utilização e algum carvalho americano e húngaro. O objectivo é chegar à complexidade e equilíbrio. Depois de engarrafado, o vinho ainda permanece mais 12 meses em cave antes de ser lançado para o mercado.

O modelo implementado pela CARMIM, e que já se tornou tradição, de dar a provar algumas versões mais antigas no lançamento de uma nova colheita deste vinho clássico, é merecedora de todos os elogios, pois permite avaliar o percurso da marca. Desta vez também foi feita uma pequena prova vertical a evocar 2013, 1996 e 1993, todos bem vivos e cheios de saúde, a dar muito prazer beber. organolêptica. O Reguengos Garrafeira dos Sócios 2013 (60% Alicante Bouschet, 30% Touriga Nacional e 10% Trincadeira) em grande forma, com imensa complexidade e consistência na prova, sério, compacto, com notas mentoladas e de cedro. O 1996 (Aragonez, Trincadeira e Cabernet Sauvignon), de um ano quente com muita produção revelou couro, cogumelos, fruta compotada, muito bem composto e fresco no final. O 1993 (Aragonez, Trincadeira e Castelão) de ano quente e seco mostrou-se mais vegetal, com fruta vermelha cozida, especiaria e notas balsâmicas, de corpo mais delicado e com boa acidez.

Outra bem-vinda tradição é a de guardar uma quantidade significativa de garrafas para lançar daqui a 10 anos, ou seja, uma parte da colheita de 2019, será relançada em 2029. Esperemos estar por cá para voltarmos a este tinto depois da prova do tempo.

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2023)

Quinta Nova: Um futuro construído no interior do passado

quinta nova

Se num lançamento, o vinho é o “verbo”, a vertiginosa veia de projecção e criação de Luísa Amorim insiste em levar-nos para a imensidão de feitos que, desta vez na Quinta Nova, se moldam e erguem numa constante busca do sublime e exclusivo. Dentro do edifício original, construído em 1764, ungido pela pequena capela que […]

Se num lançamento, o vinho é o “verbo”, a vertiginosa veia de projecção e criação de Luísa Amorim insiste em levar-nos para a imensidão de feitos que, desta vez na Quinta Nova, se moldam e erguem numa constante busca do sublime e exclusivo.
Dentro do edifício original, construído em 1764, ungido pela pequena capela que a ladeia, nasce uma nova adega onde a tecnologia mais recente convive com a inspiração tradicional, onde o cimento possui, agora, um papel cada vez mais presente e persistente na concepção e definição de perfil dos vinhos DOC Douro. A orografia duriense replica-se na disposição das cubas de cimento de fabrico italiano, criadas à medida da adega, imitando os altos patamares e as curvilíneas formas das vinhas. São 35 novas cubas que aliam a tecnologia às fórmulas tradicionais de vinificação, valorizando-se a preservação da matéria-prima, permitindo uma evolução lenta do vinho e uma micro-oxigenação não redutiva dos vinhos. Com uma vertente promoção de identidade, valoriza-se igualmente a microflora que se desenvolve no interior das cubas nos processos de fermentação e estágio, conduzindo à expressão única de cada uma delas e a vinhos diferenciados e únicos. As mudanças climáticas e a antecipação dos seus efeitos são, igualmente, uma preocupação latente associada à preservação das florestas. A opção pelo cimento é uma prática cada vez mais difundida nos mais reconhecidos produtores franceses, vanguardismo que o universo de Luísa Amorim – Quinta Nova, Taboadella e Aldeia de Cima- procura seguir.
Não revelando os valores do investimento, a produtora afirmou com segurança que, não obstante o montante elevado, augura-se que o mesmo seja amortizado num espaço de 4 a 5 anos.
Prevista para estar concluída no final de 2024 a início de 2025, está a ampliação da unidade de alojamento e serviços de enoturismo de vertente ecológica. Serão mais 6 a 8 quartos, inseridos numa nova unidade dotada de spa e piscina semiolímpica panorâmica, com vista privilegiada para o rio Douro.

Dois tintos e um Vintage

No já longínquo ano de 1979 e até 1981, decorreram na Quinta Nova os primeiros estudos para a plantação monovarietal no Douro, centrados nas castas Touriga Nacional, Tinta Roriz e também Touriga Francesa. No âmbito desses trabalhos, foram criadas várias parcelas de vinha, cifrando-se hoje em 41, cada uma com cerca de 3500 plantas por hectare, plantadas entre a cota mínima de 80 metros e a máxima de 287 metros. Os Quinta Nova Vinha Centenária P28/P21 e P29/P21, ambos da colheita de 2020, resultam desse compromisso entre duas parcelas de Touriga Nacional, num caso, e Tinta Roriz, noutro, com a magnificência e complexidade das Vinhas Centenárias, património genético com um total de 7 hectares onde pontificam cerca de 80 castas identificadas.
O primeiro Vintage da Quinta Nova nasce apenas em 1992 e, desde então, procura-se manter um perfil com um cunho muito pessoal da casa, afirmando um estilo próprio e identificável na prova. O Quinta Nova Porto Vintage 2021 é um arauto de personalidade e manutenção dessa marca, impondo concentração de fruta, robustez e estrutura, não descurando a tensão e a frescura num conjunto de profunda harmonia.

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2023)

João Portugal Ramos: Estremus e Petrichor, consagração e desafio

João Portugal Ramos

Já escrevemos anteriormente que a empresa João Portugal Ramos, a operar em quatro regiões portuguesas, está em plena velocidade de cruzeiro, e nem a renovação geracional a faz abrandar. Pelo contrário! A cada vez maior preponderância do papel de João Maria Portugal Ramos, filho do fundador e enólogo do grupo, isso o demonstra claramente (a […]

Já escrevemos anteriormente que a empresa João Portugal Ramos, a operar em quatro regiões portuguesas, está em plena velocidade de cruzeiro, e nem a renovação geracional a faz abrandar. Pelo contrário! A cada vez maior preponderância do papel de João Maria Portugal Ramos, filho do fundador e enólogo do grupo, isso o demonstra claramente (a experiente enóloga Donzília Copeto mantém-se como directora de produção e João Perry Vidal, incontornável cúmplice do fundador João Ramos, como director vitivinícola da Quinta de Foz de Arouce e da Duorum). Tal é bem visível também no facto de João Maria já ter tido um papel muito importante no desenho de vinhos como Pouca Roupa e Marquês de Borba Vinhas Velhas, duas gamas que, sendo relativamente recentes, já levam alguns anos de história e de sucesso. Também relativamente recente foi a criação do vinho Estremus, cuja primeira edição ocorreu em 2015, com nova edição dois anos depois em 2017.
Pois bem, é agora lançada a de 2019 deste verdadeiro topo de gama, lugar anteriormente ocupado pelo clássico Marquês de Borba Reserva tinto. Quanto ao Estremus mantém, nesta edição de 2019, o seu desenho e perfil de pendor vegetal, com base em Alicante Bouschet e Trincadeira, provenientes de uma vinha com 20 anos muito próxima das muralhas da cidade de Estremoz, num solo calcário com pedra mármore visível à superfície, e a uma altitude de quase 400 metros. Como não poderia deixar de ser num topo de gama desta qualidade, as uvas foram vindimadas manualmente para pequenas caixas sendo que, em termos de vinificação, as duas castas fermentaram em conjunto por quatro dias em lagares de mármore com pisa a pé (mas delicada para não provocar concentração excessiva). Ora, a co-fermentação é algo que pode ajudar muito um vinho na integração do lote, mas nem sempre é possível por existirem castas que amadurecem na vinha em períodos diferentes e, assim, não podem ser fermentadas em simultâneo. Porém, na vinha onde estão em ‘field blend’, o Alicante Bouschet e Trincadeira utilizados neste vinho tiveram um amadurecimento quase sincrónico, pelo que a opção da casa foi mesmo para a co-fermentação, e os consumidores agradecem o excelente resultado. Seguiu-se, depois, a trasfega para cuba de inox onde acaba a fermentação alcoólica, e mais 12 dias de maceração pós fermentativa. O estágio e afinamento é feito em meias pipas de carvalho francês durante um período de 18 meses. Encheram-se quase 4000 garrafas, praticamente o dobro da edição anterior, sendo que nesta colheita de 2019 o vinho – fabuloso! – está simultaneamente mais fresco e sofisticado.

João Portugal Ramos
Vinha Estremus

Mas igualmente a provar a pujança e criatividade da empresa, aproveitou-se a ocasião do lançamento do Estremus 2019 para ser revelado um novo vinho branco da casa, totalmente diferenciado do resto da gama. Falamos do Petrichor! Como nos disse João Maria, foi sem qualquer medo de arriscar que quiseram fazer um branco diferente, no caso com maceração pelicular (contacto do mosto com as películas) mas procurando evitar uma oxidação desmedida. O vinho teve uma origem claramente conceptual, tanto mais que se elegeu o Arinto pela sua frescura e acidez e o Verdelho pela capacidade de resistir a oxidações (até na cor). As uvas, colhidas manualmente de manhã cedo, provêm de vinhas plantadas em 2003 em solos xistosos a 320 metros de altitude, e são arrefecidas numa câmara frigorífica antes de serem vinificadas. São depois desengaçadas, suavemente esmagadas e transferidas para cubas de cimento ovais de 3000 litros, onde a fermentação alcoólica ocorre com temperatura controlada, seguindo-se a maceração pós-fermentativa durante sete meses.

É um branco de perfil austero e seco, mas mantendo alguma fruta citrina, sobretudo com notas de laranja e sua casca. São 2000 garrafas de um branco muito gastronómico, levemente terroso (petrichor é o nome que se atribui à fragância da chuva ao cair em solo seco). Com grau alcoólico ajuizado, que, estamos certos, será um parceiro imbatível à mesa, junto a um presunto ou até com combinações geralmente complicadas como escabeches. A não perder!

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2023)

 

Ravasqueira: Começou uma nova era

Ravasqueira

Estamos no Monte da Ravasqueira, em Arraiolos, 25 anos depois da plantação das primeiras videiras, para passar o dia junto dos vinhos mais ambiciosos, que saem daqueles 45 hectares de vinha, e sentir as características únicas do local. Quem nos acompanha é a equipa de enologia, composta por David Baverstock — enólogo chefe, chegado recentemente […]

Estamos no Monte da Ravasqueira, em Arraiolos, 25 anos depois da plantação das primeiras videiras, para passar o dia junto dos vinhos mais ambiciosos, que saem daqueles 45 hectares de vinha, e sentir as características únicas do local. Quem nos acompanha é a equipa de enologia, composta por David Baverstock — enólogo chefe, chegado recentemente à Ravasqueira para impulsionar as gamas superiores — o seu “braço direito” Vasco Rosa Santos (que já conhece a casa como a palma das suas mãos) e a enóloga assistente Ana Filipa Pereira. “O meu papel na Ravasqueira é fazer vinhos com elegância, complexidade e longevidade. Temos aqui talhões muito diferentes uns dos outros, e estamos a reflectir isso na adega”, sublinhou David Baverstock, que, já junto às vinhas, explicou o que a propriedade pode oferecer aos vinhos: “O micro-clima especial deste sítio tem que ver com os vales, as ribeiras, as encostas… Há aqui grandes amplitudes térmicas. Esta zona de Arraiolos é mesmo interessante, e a frescura daqui vai ser muito importante para os próximos anos, sobretudo para lidar com o aquecimento global”. Sobre a vindima deste ano, o enólogo lembrou que foi iniciada cedo, com alguns dias de paragem em meados de Setembro, devidos à chuva. “Surpreendentemente, foi uma vindima com bastante produção”, afirma.

ravasqueira

 

Provar o futuro e o passado

Uma caminhada pelas vinhas até à adega levou-nos a uma prova de vinhos em estágio, essencialmente uma prova de tintos monocasta, uns com o destino traçado, outros ainda a aguardar sentença. O futuro Reserva da Família branco e um antigo Vinha das Romãs tinto, ambos lotes de duas castas, juntaram-se à festa. Um momento curioso e esclarecedor, passado na companhia das barricas e da dupla de enólogos da Ravasqueira. O Reserva da Família branco 2023 junta Alvarinho e Viognier e mostra-se promissor, com acidez vincada e pureza de fruta. Já o vinha das Romãs tinto 2016, que junta Syrah à Touriga Franca, foi um regresso ao passado, para melhor compreender o vinho que está agora no mercado e que provámos no mesmo dia mais tarde, de 2021. Surpreendentemente, o 2016 apresenta-se ainda com alguma juventude de corpo, mas com evolução positiva nos aromas, sobretudo especiarias e fruta negra, também leve tabaco.

A prova dos monocasta tintos, todos de 2022, mostrou porque é que estes vinhos não saem da adega tão cedo. Mesmo já com um ano de estágio, o fio condutor é o nervo e a pujança, com os taninos ainda a precisar claramente de uma “achega”. O Alicante Bouschet, todo ele terroso, vegetal, e o couro a sobressair. Já o Syrah traz-nos fruta de perfil atractivo, mas com estrutura e complexidade de conjunto. O Touriga Franca, nem é bom pensar em bebê-lo (não é por nada que a colheita actualmente no mercado é a de 2019…), a revelar-se o tinto com os taninos mais aguerridos e jovens da prova. Já o Alfrocheiro tem data marcada para lançamento, enquanto monocasta, em 2024. Apesar da juventude, já denota elegância e algumas das características aromáticas da casta, como pureza de fruta silvestre e um perfil florestal.

Num momento mais focado, mas igualmente interessante, fez-se uma (mini) vertical do Touriga Franca, escolhido pelo produtor pela originalidade (há outros vinhos no Alentejo monocasta de Touriga Franca, mas não são muitos), e para representar a aposta actual da casa nos monovarietais, como uma das estratégias do segmento premium. Começando no 2012, este aponta, no aroma, muita fruta silvestre bem madura, levíssimo balsâmico e nota resinosa envelhecida. Na boca mostra-se mais vivo e fresco, com óptima acidez e amplitude, e também suculência, dada sobretudo pelo lado vegetal (17). O 2013, por sua vez, dá um grande salto no nariz, ainda com pureza de fruta e as especiarias vivas, complexidade, levíssima gordura fumada, agulha de pinheiro e um lado resinoso expressivo. Na boca tem uma componente lenhosa bastante vincada, muito nervo, fruta negra, bastante herbáceo (17,5). O 2017 confirma o denominador comum aromático que são os balsâmicos e a fruta silvestre madura, mas este com um lado mais exótico nas especiarias e sândalos. Na boca é fogoso, elegante, sedoso nos taninos, com boa fruta.

A Ravasqueira quis mostrar que, cada vez mais, quer apostar em vinhos ambiciosos, com capacidade de envelhecimento, colocando o “spotlight” nos monovarietais. Um lado do produtor ainda não conhecido por todos, mas que veio para ficar.

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2023)

 

Grande Prova: Tintos do Alentejo

Grande Prova Alentejo

A história da região é longa, desde os fenícios e tartessos, gregos e romanos que deixaram o legado das ânforas e trouxeram técnicas agrárias e cultura da vinha e do vinho. Em 1898, a superfície de vinha no Alentejo era de 20.000 hectares, mas devido a conjunturas políticas e económicas desfavoráveis, a região só voltou […]

A história da região é longa, desde os fenícios e tartessos, gregos e romanos que deixaram o legado das ânforas e trouxeram técnicas agrárias e cultura da vinha e do vinho. Em 1898, a superfície de vinha no Alentejo era de 20.000 hectares, mas devido a conjunturas políticas e económicas desfavoráveis, a região só voltou a atingir esta dimensão 100 anos depois, no início dos anos 2000.
A partir dos meados do século passado surgem as adegas cooperativas de Granja-Amareleja, Portalegre, Borba, Redondo, Reguengos e Vidigueira que não só tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da vinha e produção do vinho na época, mas conseguiram modernizar-se e estão bem presentes e activas nos tempos actuais.
O verdadeiro boom dos vinhos alentejanos ocorre por altura dos anos 80-90 com a demarcação da região em 1988. Surgem marcas como Cartuxa, na década dos 80 e Pêra Manca lançada em 1990, ambas da Fundação Eugénio de Almeida, que se juntam aos clássicos José de Sousa, Tapada do Chaves, Mouchão, Quinta do Carmo. Em 1985, realiza-se a primeira colheita sob a marca Esporão (que este ano ficou novamente reconhecida pela revista Drinks International como uma das 50 marcas de vinho mais admiradas do mundo).

Júlio Bastos assinala esta época com os seus famosos Garrafeiras da Quinta do Carmo (de 1985, 1986 e 1987), marca que hoje pertence à Bacalhôa. A partir de 2000 o produtor avança com um novo projecto – Dona Maria – que rapidamente se torna num novo ícone da região.
Os enólogos João Portugal Ramos, com projecto próprio a partir da década dos 90 e o australiano David Baverstock que entra na Esporão em 1992 foram os grandes promotores de mudança no estilo de vinhos, conta Mário Andrade, enólogo e profundo conhecedor da história vitivinícola do Alentejo. Introduziu-se madeira nova e meia barrica. Antigamente os vinhos ou não tinham madeira ou estagiavam em madeira usada de 500 litros ou toneis de maior capacidade. Usava-se sobretudo o carvalho português, por vezes até o castanho; o carvalho francês e americano chegaram nos finais dos anos 90.
Na primeira década de 2000 surgem projectos como Herdade do Rocim, Fita Preta de António Maçanita, Herdade da Malhadinha que hoje estão bem consolidados e reconhecidos.
As características da região e o seu sucesso junto do consumidor motiva produtores de outras regiões e até os empresários estrangeiros a investir no Alentejo. Torre de Palma é um projecto completo de hotel de charme, um restaurante e uma adega numa vila romana perto de Monforte. Esta grande aventura de um casal de farmacêuticos, Ana Isabel e Paulo Barradas Rebelo começou na segunda década de 2000.

Grande Prova Alentejo
Em 2015 o casal de brasileiros Alberto Weisser e Gabriela Mascioli adquiriram a histórica Tapada de Coelheiros, em Arraiolos, pela qual se apaixonaram numa viagem pelo Alentejo.
Em 2017 a Symington Family Estates alargou as suas operações para o Alentejo, iniciando o projecto de Quinta da Fonte Souto, em Portalegre, com 43 hectares de vinha instalada entre os 490 e os 550 metros de altitude.
A empresária Luísa Amorim, responsável pela Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, no Douro e Taboadella, no Dão, num regresso às origens, em 2017 investiu num projecto pessoal com o seu marido, Francisco Rêgo, e fez renascer a Herdade da Aldeia de Cima, na Serra do Mendro, junto à Vidigueira, terras onde costumava passar às férias na sua infância.
No mesmo ano, o empresário alemão Dieter Morszeck adquiriu a propriedade Quinta do Paral, na Vidigueira, onde reabilitou e ampliou a vinha existente e adquiriu muitas parcelas de vinhas com mais de 70 anos, não aramadas, na zona de Vila de Frades.

Em 2018, pela Família Cardoso, foi construída de raiz a adega da Herdade de Lisboa (berço da clássica marca Paço dos Infantes), na Vidigueira e David Baverstock em parceria com o empresário Howard Bilton inaugurou a adega no projecto Howard’s Folly, em Estremoz.
E ainda mais recentemente foram lançadas as marcas Herdade Monte da Costa Boal Family Estates e Lobo de Vasconcellos Wines do conhecido enólogo do Douro Manuel Lobo.

 

 

 

 

Castas de ontem e de hoje

Não restam quaisquer dúvidas de que o Alentejo foi e é terra de grandes vinhos. O que muda com o tempo é o estilo, o perfil. Outrora, o elenco varietal era outro e toda a performance era diferente. No starring de antigamente entravam Castelão com fruta e Trincadeira com tanino, e o estrelato de hoje pertence a Alicante Bouschet, Touriga Nacional, Syrah e Aragonez. “Os vinhos eram elegantes, com taninos super macios” – refere com certa nostalgia Mário Andrade. “Com o tempo começou-se a preferir vinhos mais estruturados, fechados, com mais madeira”
Se olharmos às estatísticas do IVV do ano 2000, as principais castas do Alentejo eram Trincadeira com 16% e Castelão com 15% de plantação, logo a seguir vinha o Moreto com 8%, embora este produzisse muito e raramente se destinasse aos topos de gama. Os dados da CVR Alentejo mostram que hoje o protagonismo é da variedade Aragonez, que lidera as plantações com 22,6%, embora haja quem o considere um erro de casting por ter “taninos ordinários e grau com fartura”.

O Alicante Bouschet aumenta a sua presença de ano para ano e já atingiu 19,4%. A casta chegou a Portugal no final do século XIX de França, trazida pela família Reynolds e trazida para a Herdade do Mouchão. Contudo, o seu sucesso não foi imediato. Na Reynolds Winegrowers a casta faz parte da identidade dos vinhos. Hoje, é fácil encontrar grandes vinhos feitos desta casta e difícil encontrar topos de gama que não a tenham no lote. É uma casta tintureira – com antocianas concentradas também na polpa para além da película – com grande capacidade cromática, estrutura firme e personalidade forte. Gosta de clima quente e precisa de muitas horas de sol, o que faz do Alentejo uma boa casa para esta uva. Mas para amadurecer os seus taninos maciços, é preciso esquecer a moderação no teor de álcool. A Trincadeira ainda está no terceiro lugar em área plantada, com 13,9%, mas claramente não tem a popularidade de outrora e está em franco declínio, ainda que, muito recentemente, vários produtores a ela retornem, pela capacidade de suportar o calor e stress hídrico.

A Syrah parece ser uma paixão geral. Há apenas 30 anos ninguém sabia o que era e obviamente, não constava nas castas autorizadas da região. Entrou “incognitamente” nos encepamentos e nos vinhos alentejanos pela Herdade Cortes de Cima em 1991 e não deixou ninguém indiferente. Hoje ocupa o 4º lugar no ranking de castas mais plantadas no Alentejo, com 12,1%.
A Touriga Nacional, na sua marcha conquistadora pelo país, desceu das regiões do Norte e fica aqui em 5º lugar, com 8,3%. Há muitos argumentos a favor, começando pela maturação longa o que traz vantagens no Alentejo. Aguenta bem a seca, mantendo o bago túrgido. Aromaticamente agradável, mas às vezes no Alentejo não entrega qualidade todos os anos e com frequência torna-se um pouco enjoativa. Castelão, casta tipicamente alentejana dos tempos passados, literalmente, perde terreno e agora só conta com 4,9%. Cabernet Sauvignon tem 4,2% e mantém-se relativamente estável. Foi emblemática na Tapada de Coelheiros, quando em 1981 foi forte a aposta nas castas internacionais, considerada uma inovação. Os garfos até vieram de Margaux. A casta entra com bastante frequência em lotes, nem que seja como “sal e pimenta”, e até protagoniza alguns vinhos, como por exemplo o 100% Cabernet Sauvignon da Herdade de Lisboa.

 

Alentejo continua a ser o líder absoluto em termos de presença no mercado nacional, com 33,8% em volume, seguido do Minho (Vinho Verde) e Península de Setúbal com mais de 17% cada; e 35,5%, em valor, à frente das regiões Douro e Minho. A região comercializa 70% do vinho no mercado nacional, sendo que apenas 30% é exportado.

Outra casta do Norte que parece conquistar cada vez mais adeptos alentejanos, é a Touriga Franca – é de ciclo longo, agronomicamente adaptou-se bem, não perde folhas basais durante a seca e dá vinhos muito interessantes. Cresce em área plantada a olhos vistos e já ocupa 3,9% das plantações. Alfrocheiro com 2% tem uma certa tendência de diminuir a sua presença e Petit Verdot, com 1,9%, ao contrário, parece estar a crescer. O Moreto com 1,2% também não tem entrado nos vinhos de topo, a menos que seja das vinhas velhas ou para vinhos de talha.
Ao longo das décadas, na vinha também mudou muita coisa: os porta-enxertos (os que são usadas de hoje induzem uma maturação mais precoce o que não é propriamente uma vantagem para uma região quente); as formas de plantação e condução da vinha (antes eram em taça ou guyot que permitia melhor gestão de água e protegia do calor); as vinhas de sequeiro agora são raras e a água para rega é escassa. Aprendeu-se a controlar as produções, orientar a viticultura para a planta ser mais eficiente na sua capacidade fotossintética, escolheram-se clones menos produtivos, pratica-se monda de cachos, sobretudo para os topos de gama. O reverso da medalha, às vezes, é álcool a mais.

Grande Prova Alentejo

Futuro: adaptável e sustentável

As provas verticais proporcionadas por alguns produtores, funcionam como uma máquina do tempo, permitindo sentir as mudanças de castas e estilos. Os mais antigos geralmente com menos corpo e pujança, alguma rusticidade e o teor de álcool à volta dos 13%.
A mudança é imparável, acontece em todas as regiões mundiais devido às alterações, actualizações, modas e melhorias. É preciso não entrar em exagero e manter o equilíbrio.
O futuro das castas no Alentejo, provavelmente, é destinado a aquelas que aguentam melhor o calor e a falta de água. Um certo movimento revivalista vai, com todo o propósito, preservar vinhas velhas de sequeiro e desencantar algumas castas minoritárias. Também me parece que para além da escolha de casta mais fundamentada em múltiplos ensaios, o grande cuidado será aplicado na selecção dos clones (material policlonal), porta-enxertos, locais de plantação e métodos de condução apropriados para cada casta. Chamaria isto escolha de precisão e adaptabilidade mútua.
Voltando à questão do potencial e do investimento, é de notar que as empresas importantes e bem instaladas na região, investem também no conhecimento que pode não gerar lucros a curto-médio prazo, mas gera valor acrescentado a longo prazo e para toda a região.

A Sogrape na Quinta de Peso fez um investimento em plantação de várias parcelas num total de 42 hectares de vinha com castas Syrah, Cabernet Sauvignon, Aragonez, Tinta Miúda, Tinto Cão, Touriga Franca, Gran Noir etc. Uma parte foi plantada em vaso (gobelet), com fruta mais à sombra e melhor gestão de água. É mais trabalhoso, requer mais mão-de-obra, obviamente, – explicou numa conversa o enólogo Luís Cabral de Almeida. Fizeram também o estudo de solos e mediante estes resultados, irão plantar a vinha apenas nos solos apropriados para o efeito.
A Herdade do Esporão está envolvida no projecto WineClimAdapt com o INIAV e outras entidades com o objectivo de selecção e caracterização das castas melhor adaptadas a cenários de alterações climáticas. Nos 10ha de campo ampelográfico encontram-se em estudo 189 castas (alentejanas, nacionais de outras regiões e estrangeiras).

A aposta na sustentabilidade (o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo, criado, implementado e certificado localmente é um modelo para o país e para o mundo) é hoje um dado adquirido e um desígnio para todos os agentes económicos locais. Os resultados estão á vista. Se provamos os vinhos antigos do Alentejo com certa nostalgia, e muitos vinhos de hoje com orgulho, acho que, no futuro, ainda iremos ser bem surpreendidos pela positiva. na edição

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2023)

Chocapalha: Uma família, uma quinta, uma adega

Chocapalha família quinta

A paisagem é convidativa, montes e vales em ligeira ondulação, serras ao fundo, mar não muito longe, terrenos apropriados, vento quanto baste e javalis também por perto. Tudo assim se conjugou para o desenvolvimento de um projecto de família, que assentou arraiais numa quinta em tempos pertença de um inglês e, posteriormente, na posse da […]

A paisagem é convidativa, montes e vales em ligeira ondulação, serras ao fundo, mar não muito longe, terrenos apropriados, vento quanto baste e javalis também por perto. Tudo assim se conjugou para o desenvolvimento de um projecto de família, que assentou arraiais numa quinta em tempos pertença de um inglês e, posteriormente, na posse da família de João Portugal Ramos. Foi em resultado da conjugação feliz de vários factores que a família Tavares da Silva tomou posse da quinta nos finais dos anos 80. E não faltou muito para que Sandra, uma das filhas, já então ligada à enologia, desafiasse o pai para fazer um vinho. Assim começou a história dos vinhos Chocapalha, inicialmente numa adega de garagem (que ainda conheci), e mais tarde apostando numa adega de raiz que comemora agora 10 anos. Motivo mais que suficiente para mostrar o que se tem feito e o que está para vir. À nossa espera estavam os pais de Sandra, Paulo e Alice, a irmã Andrea (economista e directora executiva da casa) bem como toda a equipa da adega e quinta.
Logo no projecto inicial houve castas que marcaram território – Arinto, Castelão e Touriga Nacional, esta última com garfos que se foram buscar ao Dão. O Castelão, dizem-nos agora, “era difícil de vender porque tinha pouca cor. Mas com a mudança do gosto, agora o ter pouca cor é uma vantagem. É incrível como tudo muda tão depressa»”, refere Sandra. A aposta no Arinto revelou-se muito acertada e a área de vinha irá alargar-se. Sandra Tavares da Silva não esconde que «” Arinto é a casta de eleição do meu pai; ele é o verdadeiro guardião das vinhas, às vezes sai de casa fora de horas para ir ver como está tudo”. Com sorte, dizemos nós, ainda se cruza com um javali, dos muitos que há na zona e que se escondem nos arvoredos que proliferam na propriedade. Apontamos para uma parcela vazia, sem nada plantado e indagamos o que se vai plantar ali; a resposta é desconcertante: nada, aquele terreno vai ficar em pousio por 3 ou 4 anos, dizem-nos! Para que conste…

 

Chocapalha família quinta

A Arinto é a casta de eleição de Paulo Tavares da Silva; ele é o verdadeiro guardião das vinhas, às vezes sai de casa fora de horas para ir ver como está tudo.

 

Adega nova, problemas antigos

Foi para comemorar os 10 anos da nova adega que se juntaram na quinta a família e a comunicação social. Passados estes anos, está a acontecer o que era previsível: a adega já não comporta tudo o que é preciso e já se suspira por um espaço que possa albergar mais cubas e mais barricas. Porquê? Porque a filosofia da casa, a saber, conservar os vinhos mais tempo em cave antes de os colocar no mercado, obriga a mais espaço. São as dores do crescimento numa empresa familiar que, de repente, percebeu que já tem 15 referências no portefólio. A quinta produz mais do que comercializa, “ainda vendemos muitas uvas, infelizmente pagas a muito baixo preço”, como Paulo Tavares da Silva (oficial de marinha, convertido em agricultor) nos confidenciou, e a produção actual – situada nas 180.000 garrafas -, poderia alagar-se mais. Mas a ideia de conservar os vinhos em cave por longo tempo acaba por impedir esse crescimento. Para termos uma ideia, somos informados que ainda têm em cave as colheitas de 2019, 20 e 21 engarrafadas e a de 22 em barrica, tudo à espera de um dia ir para o mercado. Internamente são distribuídos pela Decante e só vendem no canal Horeca, com a excepção do Corte Inglès e do Supermercado Apolónia, no Algarve. Exportam boa parte da produção e, no caso do Quinta de Chocapalha tinto, as vendas lá fora atingem mesmo 65% do engarrafado.
A casta Arinto é a menina dos olhos de Paulo Tavares da Silva. Ele é, de resto, o verdadeiro guia do processo, apaixonado pela terra e pela vinha, sempre atento e vigilante. Foi do Centro de Estudos de Nelas que trouxe as primeiras varas de Touriga Nacional que aqui plantaram e que depois alargaram a outras castas, como a Viosinho, Sauvignon Blanc, Chardonnay, Alicante Bouschet e Castelão, por exemplo. Na adega estão a dar cada vez mais uso às barricas usadas e, mesmo comprando apenas 25 a 30 barricas novas por ano, a verdade é que adega das barricas começa a ficar sobrecarregada.

 

A filosofia da casa, a saber, conservar os vinhos mais tempo em cave antes de os colocar no mercado, obriga a mais espaço. São as dores do crescimento numa empresa familiar que, de repente, percebeu que já tem 15 referências no portefólio.

Chocapalha família quinta

Fizemos uma prova alargada dos vinhos da casa e ao almoço provámos apenas vinhos da colheita de 2013, a colheita que, tal como a adega, comemora agora 10 anos de vida. Foi uma prova e tanto, com os vinhos a mostrarem que 10 anos não é tempo demais para eles, com o Arinto a dar cartas, terpénico e num registo que se poderia confundir, tanto com Alvarinho como com Riesling. Parentescos, quem sabe…
Toda a família presente, pais, irmãs e equipa de enologia e viticultura que mantém o projecto bem vivo. Nos vinhos há novas edições de marcas já consagradas, como Vinha Mãe, os Reserva e o CH (Confederação Helvética) que “é um tributo à minha mãe que é suíça”, diz Sandra. Alice Tavares da Silva, nascida no cantão alemão, o tal que fala uma língua que ninguém entende mas, como nos confidenciou “vou várias vezes por ano à Suíça e acabo por falar a minha língua natal”.
Nas novas edições, destaca-se o Arinto Antigo, um branco de curtimenta que tem longa espera antes de ser comercializado e o Guarita, um varietal de Alicante Bouschet, uma casta bem difícil porque, como lembrou Sandra “é preciso muita paciência porque só nos dá uma pequena janela para fazermos a vindima no ponto certo; se deixarmos passar esses dias fica tudo em passa; e só quando a vinha atingiu os 30 anos é que entendemos que as uvas tinham qualidade suficiente para o vinho ser comercializado como varietal”.
Em final de vindima estavam os lagares com pisa mecânica a trabalhar e na adega a azáfama era a habitual – mangueiras por um lado, água em abundância para tudo lavar, bombas a trasfegar e aquele cheiro característico das adegas onde fermentam as uvas. Tudo normal, portanto…

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2023)