Os novos brancos do Alentejo – Por menos de 12€

Vou contando as minhas aventuras de provador aprendiz (eterno aprendiz, espero), pensando que os jovens se podem interessar pelo processo. Quando comecei a provar vinhos mais a sério, pensava que os brancos das regiões mais quentes não eram para levar a sério. Sempre pesados, um pouco moles, um pouco tristes. O teste decisivo era feito […]
Vou contando as minhas aventuras de provador aprendiz (eterno aprendiz, espero), pensando que os jovens se podem interessar pelo processo. Quando comecei a provar vinhos mais a sério, pensava que os brancos das regiões mais quentes não eram para levar a sério. Sempre pesados, um pouco moles, um pouco tristes. O teste decisivo era feito no copo. Quanto o calor apertava, num almoço de Verão, quando mais apetecia um vinho refrescante, a pequena quantidade no copo faz aumentar rapidamente a temperatura. E aí o vinho logo mostra ao que vem. Se falha neste momento a sua missão de refrescar, então falhou. E muitos falhavam. Todos, para dizer a minha experiência. Sem ser geladinhos, os vinhos morriam no copo. Desilusão.
A desilusão não terá sido só minha, porque, de repente, virava o milénio, e a situação começou a mudar. Lembro-me até de qual o vinho que me fez repensar a minha opinião, e abrir os olhos, a carteira e as garrafas aos vinhos alentejanos. Não interessa agora qual, mas foi um momento eureka. Ou melhor, de “olhem, não querem lá ver…”
E de onde veio então a mudança? Veio certamente da evolução normal de uma região onde a nova enologia entrava e começava a melhorar os processos. Veio da constatação de produtores e enólogos de que os constantes aumentos de temperatura e demais fenómenos climáticos não iriam abrandar, era preciso reagir.
As mudanças mais instantâneas incluíam vindimas nocturnas e vinificações imediatas, para manter a temperatura baixa que ajuda a preservar os compostos aromáticos das uvas. Incluía certamente muitas outras intervenções técnicas e de design dos vinhos, mas as mais importantes serão sempre a marcação da data de vindima (mais cedo para evitar a perda dos preciosos ácidos naturais das uvas enquanto elas amadurecem) e, claro, o rigor absoluto na higiene da adega.
Mas também houve mudanças mais lentas, daquelas decisões que implicam grandes custos em vontade e financeiros. Ou seja, a plantação de vinhas com novas castas que permitissem uma abordagem mais centrada na frescura do que na estrutura. Começou a explosão de castas brancas no Alentejo, uma exploração colectiva que está agora a dar frutos, mas na verdade ainda não terminou. Onde antes os vinhos eram só de Roupeiro, Antão Vaz, Perrum, Rabo de Ovelha, Manteúdo, começaram a aparecer lotes temperados com a salvadora Arinto, com Verdelho, experiências com Alvarinho, Viognier, Gouveio, Chardonnay, Sauvignon Blanc. Depois os “temperos” revoltaram-se e começaram a exigir protagonismo. O seu desempenho validava-os, e nos novos lotes as castas ganharam proporções de ingredientes. O vinho branco do Alentejo está a redefinir-se.
CADA VEZ MAIS FRESCOS
Para esta prova de brancos até €12€ compareceram à chamada um pouco menos de 30 vinhos, com um total de mais de 12 castas, utilizadas em diferentes lotes e proporções. Raros foram os mono-varietais, mas foram alguns, nomeadamente de Antão Vaz e de Arinto. Usualmente, para este segmento de preço a utilização de madeira é rara, e quando aparece, moderada. É impossível que os vinhos se mantenham muito tempo no copo na temperatura de serviço que, neste caso, rondou os 12ºC. Mas foi intencional — até fundamental — que essa prova(ção) fosse feita, para resolver de vez as minhas angústias antigas. Estes são vinhos de um novo Alentejo que se declina em branco, para acompanhar pratos saborosos, por vezes ricos, por vezes delicados, e que usam a sua acidez afirmativa, mas bem integrada, para cortar a gordura e limpar o palato nos pratos mais exigentes, ou para complementar em complexidade a harmonia dos pratos mais subtis.
Esta procura de frescura foi deliberada por parte dos agentes da região. Júlio Bastos, o histórico produtor de Estremoz, explicou-me que o seu Dona Maria é feito com Viosinho, Arinto e Antão Vaz, para que as primeiras, colhidas atempadamente, complementem a estrutura da última com a sua frescura ácida. Plantou essas castas num movimento que de certa forma antecipou, adivinhando, os anseios dos consumidores num planeta que vai aquecendo. Mesmo assim, em 2024 o tempo quente vai-se atrasando a chegar, e Júlio Bastos disse-me que estão a sair muito menos brancos e rosés do que o normal.
Uma trajectória parecida, mas cujo final ainda poderá ser reescrito, foi-me contada por Óscar Gato, enólogo da Adega Cooperativa de Borba. O rótulo de cortiça clássico, dos anos 1960, usava Roupeiro, Rabo de Ovelha, Perrum e Manteúdo. Não houve forma de o manter fresco, e foi descontinuado. A marca ressurgiu em 2009 com Arinto, Alvarinho e Verdelho, com objectivo de ser equilibrado, fresco e estruturado. Mesmo assim, o seu perfil clássico foi mantido. Esta ambição de frescura obriga a enorme rigor entre os associados da adega, que vindimam a partir das 3h da manhã, para entregar as uvas com no máximo 4h de cortadas, e antes das 11h da manhã, para alcançarem o preço com prémio de frescura. Tudo é fermentado em inox, mas o Arinto estagia algum tempo em barricas usadas. Numa cooperativa com centenas de associados, trabalham com 18 castas brancas, e vão fazendo e registando estudos não só das castas em vários sítios, mas também de vários clones de cada casta, a ver onde melhor se adaptam. Uma descoberta talvez surpreendente já originou que peçam aos associados que voltem a plantar Rabo de Ovelha. Segundo Óscar Gato, o carácter estruturado e rico desta casta não consegue ser substituído por nenhuma outra, mesmo que a sua acidez seja mais baixa. No planalto de Borba, o Antão Vaz não oferece as mesmas características do que na sua Vidigueira natal. Assim, o Rabo de Ovelha vai ser uma nova aposta, já que a frescura ácida pode vir da combinação das outras castas. O Rótulo de Cortiça, diga-se, é uma “brincadeira” de 6500 litros, uma gota no oceano da adega.
Falei ainda com Francisco Mateus, presidente da CVRA, que me explicou que o Alentejo passou nos últimos 10 anos de 20% de vinho branco para cerca de 27%, de entre os 85 milhões de litros certificados. Prevê-se que esta percentagem continue a aumentar. O Alentejo é uma região muito extensa e com uma gastronomia muito caracterizada e variada, e é normal que os vinhos acompanhem os pratos. Procurei nas notas de prova fazer uma recomendação de um prato que ligasse com o vinho, e fosse informativa, ou seja, que acrescente algo à nota de prova. O leitor vai constatar que sendo os vinhos brancos nem sempre a recomendação é um prato de peixe ou vegetariano. A verdade é que há muitos vinhos brancos que ligam bem com pratos de carne, e mesmo pratos ricos como assados. Fica o desafio para essa exploração, tal como vejo esta prova como um testemunho da exploração que o vinho alentejano está a fazer no território vinho branco. Temos variedade de estilos, de castas, de lotes, ambição, frescura, estrutura. Os preços macios ajudam a que o leitor participe nesta procura.
(Artigo publicado na edição de Julho de 2024)
Porto com twist

O Dia Nacional do Cocktail, que é celebrado a 18 de Maio, foi o pretexto para o Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto antecipar a efeméride, abrindo, no dia 10 de maio passado, as portas do Wine Bar do IVDP, dando a conhecer novas formas de consumo do clássico vinho do Porto que, […]
O Dia Nacional do Cocktail, que é celebrado a 18 de Maio, foi o pretexto para o Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto antecipar a efeméride, abrindo, no dia 10 de maio passado, as portas do Wine Bar do IVDP, dando a conhecer novas formas de consumo do clássico vinho do Porto que, face aos novos desafios e necessidade de conquistar novos consumidores, se dessacraliza e reinventa.
E porque não em cocktails frescos e ousados?
Após a aposta vencedora do Porto tónico, é tempo de dar palco aos mixologistas na criação de novas e coloridas propostas que cativem um público mais jovem e urbano. E foi pelas mãos do bartender José Mendes, do bar portuense “Torto”, que nasceram o “Gomo”, numa base de Porto White Dry e Tangerina, e o “Baga”, ousada abordagem de um Porto Tawny 10 anos, com Aguardente Velha, jus de romã, chocolate negro e drop de noz. A conduzir esta ação, esteve Paulo Russel Pinto, que chefia o Serviço de Comercialização e Marketing do IVDP.
Bebida de meditação, que se bebia após a refeição pelos nossos pais e avós, ou como aperitivo, o Vinho do Porto estava desligado, em termos comunicacionais, da mesa propriamente dita. Assim, durante os últimos anos, a estratégia de comunicação do Vinho do Porto direcionou-se para a restauração, propondo-o à refeição, com sobremesas, inicialmente, complementando os outros vinhos servidos à refeição, descobrindo-se uma versatilidade que não era, até então, muito conhecida. Vinho do Porto associado às sobremesas com chocolate, ou aos vários tipos de queijos, de pasta mole, pasta dura, de cabra, vaca ou ovelha, como também à doçaria tradicional portuguesa, nomeadamente a conventual (ovos, caramelizados, amêndoas) é hoje, um lugar mais comum.
Após a aposta vencedora do Porto tónico, é tempo de dar palco aos mixologistas na criação de novas e coloridas propostas que cativem um público mais jovem e urbano.
Asas à criatividade
Vencido esse desafio, outros se avizinham, nomeadamente, alcançar novos consumidores, mostrando-lhes propostas inovadoras, em tempos desafiantes onde o seu consumo se ressente. O consumidor que se pretende hoje alcançar será mais jovem, numa faixa etária acima dos 25 anos, e que se afasta de uma outra categoria que comunga de ideias pré-concebidas acerca do vinho do Porto. E é aqui que entra este novo padrão de público que se identifica com o cocktail e com a mixologia. Nesta nova comunhão com novos apreciadores, houve uma necessidade de adaptação comunicacional por parte do IVDP. Há uma linguagem que é necessário dominar para se ser mais eficaz a comunicar novos momentos de consumo e dinâmicas associadas a este novo público. A nova onda de mixologia rompe com o passado. Já não é executada nos bares por um austero bartender, mas por jovens urbanos e descontraídos que dominam um sector em franco crescimento, a consumir bebidas de alto valor acrescentado. E aqui entra o Porto não apenas como ingrediente para dar sabor a um cocktail, mas com os mixologistas e bartenders atuais a dar-lhe relevância de protagonista principal, incutindo-lhe um cunho personalizado e autoral, à semelhança do que fazem hoje os chefs de cozinha. E, claro, a “portugalidade”, tendo no vinho do Porto uma identidade e representação nacional. Nesta nova etapa, procura-se mostrar a enorme versatilidade do Porto, que possui quase 20 categorias, permitindo-se desta abrangência dar asas à criatividade e imaginação.
(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)
Geórgia: Onde tudo começou

Parece que os primeiros viticultores no nosso planeta eram os povos que habitavam o território da Geórgia há mais de 8000 anos. Durante diferentes escavações arqueológicas foram descobertas as sementes fossilizadas de videira e os fragmentos de vasos de barro com sedimento (sais) de ácido tartárico que remontam à era neolítica. As evidências arqueológicas sugerem […]
Parece que os primeiros viticultores no nosso planeta eram os povos que habitavam o território da Geórgia há mais de 8000 anos. Durante diferentes escavações arqueológicas foram descobertas as sementes fossilizadas de videira e os fragmentos de vasos de barro com sedimento (sais) de ácido tartárico que remontam à era neolítica. As evidências arqueológicas sugerem que as práticas de vinificação naquela região datam de 6000 a.C., ou seja, 3000 anos antes da invenção da escrita e 5000 anos antes do início da Idade do Ferro. As palavras ocidentais como “vinho”, “vino”, “vin” e outras, muito provavelmente provêm da palavra Geórgiana “ghvino”.
Em termos vitivinícolas Geórgia é um paradoxo. Por um lado, alega ser um “berço” de vitivinicultura na face da terra, por outro, é um player muito recente no âmbito mundial vínico. O seu principal mercado até há bem pouco tempo era a Rússia, para onde ainda em 2021 se exportava mais de metade de vinhos georgianos (Comtrade, Geostat). Eram de qualidade medíocre, com bastante açúcar – um tributo ao gosto do consumidor da União Soviética. Os hoje famosos vinhos feitos em qvevri – ânforas de barro – não eram conhecidos naqueles tempos. E mesmo actualmente, o vinho que representa o grande orgulho e identidade da indústria vitivinícola georgiana, corresponde apenas a 10% de produção nacional. É um nicho de inestimável importância, que trouxe uma grande projecção internacional aos vinhos georgianos, para além das descobertas arqueológicas, implementação de denominações de origem, regulamentos e controlo interno, bem conseguidos acordos internacionais, investimentos oportunos, e uma inteligente campanhia de marketing junto dos mercados estratégicos.
A geografia, o clima e as principais regiões
Situada entre Europa, Ásia e Médio Oriente, a Geórgia é ladeada pela Turquia, Arménia e Azerbaijão a sul. A norte, as montanhas do Cáucaso fazem fronteira com a Rússia, oferecendo protecção natural dos ventos frios, enquanto as planícies costeiras a oeste são abertas aos movimentos do ar húmido e quente do Mar Negro. O clima da Geórgia é diversificado, devido à sua topografia complexa. Na parte leste é seco e continental, com verões quentes e invernos amenos; a humidade e a precipitação são baixas, e a nebulosidade e as amplitudes térmicas são grandes. No oeste, o país possui um clima subtropical húmido, com pequena variação de temperaturas e precipitação alta.
A região vitivinícola mais importante da Geórgia, em termos quantitativos, qualitativos e históricos é Kakheti, na parte mais oriental do país, onde são cultivadas aproximadamente 65-70% de vinhas, situadas entre 400 e 700 metros de altitude. Em 2023, das 221 mil toneladas de uva processada em todo o país, 204 mil toneladas foram da região de Kakheti.
Imereti é uma das regiões mais diversificadas da Geórgia, quer pelas condições climáticas, quer pela composição do solo, o que se reflecte na grande variedade dos vinhos. Kartli é mais uma região vinícola notável, conhecida pelo seu estilo mais moderno e pelos espumantes de alta qualidade. Racha-Lechkhumi distingue-se de outras regiões pela sua beleza paisagística e escassez de vinhas (cerca de 1600 ha), devido ao clima mais agreste, associado a maior altitude, e castas raras. Meskheti, no sul do país, é uma das regiões vitivinícolas mais altas no mundo: as vinhas encontram-se a 900-1700 metros acima do nível do mar. Outras quatro regiões situadas ao longo do Mar Negro – Guria, Samegrelo, Abkhazeti e Adjaria – partilham um clima húmido tropical.

Castas autóctones
De acordo com o Cadastro de Vinhas da Geórgia, a área de vinha compreende 48.700 hectares. Embora a Geórgia tenha mais de 500 castas indígenas, apenas quatro dezenas são utilizadas com sucesso comercial e só algumas delas são conhecidas fora do país. A maioria dos vinhos exportados trazem nos rótulos nomes Saperavi, Rkatsiteli, Mtsvane, Kisi e pouco mais. Algumas castas internacionais também são cultivadas no país.
Saperavi é casta tinta muito antiga e mais identitária da Geórgia, responsável por 10% de plantações (cerca de 4.000 ha) e disseminada por todas as regiões. É uma casta tintureira, cujo nome significa “tingir”, “manchar”, com todas as características em alta – cor, tanino e acidez. É capaz de produzir boa qualidade mesmo quando o rendimento é alto, sendo usada desde os vinhos de entrada até os exemplos mais expressivos, cheios de carácter e com potencial de guarda.
Rkatsiteli é a casta branca nativa de Kakheti, que predomina nas plantações do país, com 43% (cerca de 20.000 ha). Sendo pouco exigente em termos de local, é amiga do viticultor. Mesmo quando chega ao teor de açúcar elevado, consegue preservar a acidez. Quando vinificada no estilo moderno (internamente chamado de “europeu”), a Rkatsiteli oferece aromas florais subtis com notas cítrinas, marmelo e maçã. Se vinificado em qvevri, o vinho mostra-se mais poderoso, moderadamente tânico, com acidez nítida. No estágio oxidativo desenvolve aromas de mel, casca de laranja seca, especiarias, damasco e outras frutas de caroço.
Mtsvane Kakhuri é outra variedade muito antiga, significa “Kakheti verde” e é comummente referida apenas como “Mtsvane” (não confundir com Goruli Mtsvane). Facilmente acumula açúcar, mantendo elevados níveis de acidez. Daí a sua capacidade de produzir vinhos doces e fortificados. Quando vinificado num estilo convencional, o vinho branco jovem apresenta frequentemente um tom palha esverdeado e transmite aromas frescos de pêssego, florais, cítrinos e tropicais, com leve tom mineral. Fica bastante escuro e apresenta mais carácter de damasco e frutas de caroço quando vinificada em qvevri. Oxida com facilidade e, a menos que seja vinificada em qvevri, requer um manuseamento com protecção do oxigénio. Alternativamente, pode ser loteada com outras castas.
A casta Khikhvi foi salva de extinção. Em 2004 havia apenas um único hectare desta variedade registado em todo o país. As plantações aumentaram consideravelmente desde meados da década de 2010 e a casta está a ganhar popularidade entre os produtores e os consumidores. A sua assinatura aromática é distinta: notas florais de buxo e flores silvestres, frutos amarelos maduros e damasco. Os vinhos são produzidos de acordo com técnicas europeias e em qvevri. Nestes últimos acentua-se o carácter de frutos secos e flores. Com níveis moderados de álcool e acidez suave, Khikhvi pode ser interessante também em lotes.
A Vaziani
A Vaziani, localizada em Kakheti, foi fundada em 1982. O ponto de viragem foi em 2012, com investimento em modernização da adega e aquisição das vinhas próprias. A gama de vinhos feitos em qvevri sai sob o nome Makashvili Wine Cellar, relacionada com a propriedade Makashvili datada do século XV. Os vinhos são importados e destribuidos em Portugal pela Atlantikdynamic, que já há muitos anos distribui vinhos da Moldova no nosso país.

O famoso Qvevri
Qvevri é o nome mais popularmente conhecido. Mas existem muitos outros nomes dados aos recipientes de barro para armazenamento de vinho, em função dos tamanhos e formas diferentes: churi, dergi, lagvini, lagvani, lagvinari, kvibari, kubari, lakhuti, chasavali, khalani e kotso.
A forma de qvevri Georgiano que existe hoje remonta ao III milénio a.C. Antes deste período, eram comuns principalmente os pequenos qvevris, de 1-1,5 m de altura, que tinham uma base plana e uma barriga larga. Qvevri em forma de ovo é actualmente o mais comum.
A capacidade varia de algumas centenas de quilos de uva a várias toneladas, sendo a capacidade mais comum de uma a duas toneladas. A região Kakheti distingue-se pelos grandes qvevris, com seis a oito mil litros.
O qvevri fica enterrado no solo, o que garante uma temperatura ideal e estável para o envelhecimento e armazenamento do vinho. No século III a.C., os produtores começaram a enterrá-los na terra, primeiro até aos ombros, e por volta do século quarto d.C., até ao pescoço.
A qualidade do vinho feito em qvevri é altamente influenciada pela qualidade da sua limpeza, que deve ser feita todos os anos. O recipiente é lavado com limpadores de ervas e água e depois desinfectado com enxofre. A superfície interna às vezes é forrada com cera de abelha e a superfície externa é tradicionalmente coberta com cal. Em 2013, a UNESCO introduziu o Tradicional Método de Vinificação em Qvevri na lista de Património Cultural Imaterial da Humanidade.
O vinho feito em qvevri envolve geralmente a vinificação e o estágio com certa quantidade de películas e engaço, chamado “chacha” (o mesmo nome também é dado a uma aguardente bagaceira, tradicional na Geórgia). A quantidade de bagaço e o tempo de estágio têm uma variação regional. Por exemplo, na região de Kakheti usa-se chacha na totalidade, enquanto na região de Imereti corresponde no máximo a um terço de mosto em qvevri. A casta, a duração da fermentação alcoólica, as condições ambientais, etc., são factores que determinam o período que o mosto permanece com chacha. A duração do vinho tinto em qvevri pode ser igual ao período de fermentação alcoólica, ou de sete a 10 dias, ou ser prolongada até duas semanas depois da fermentação. No caso das uvas brancas, o vinho é guardado com a chacha até a primavera.
Os vinhos georgianos feitos em qvevri precisam de conversa. Talvez não seja por acaso que existem os famosos longos brindes georgianos que permitem aos vinhos, sobretudo brancos, abrir no copo. A temperatura de consumo destes vinhos ronda os 14 e os 18˚C, também para desfrutá-los na sua plenitude.
(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)
Mirabilis: O tempo de construção de um ícone

A escolha do “Encanto”, um dos mais recentes espaços de experienciação gustativa de José Avillez, no Chiado, para o lançamento da mais recente colheita do Mirabilis branco não foi casuística. Aqui, onde dominam a sazonalidade dos vegetais, as cores, texturas e emoções, quis criar-se uma ligação entre o vinho e a terra, vivenciando a sua […]
A escolha do “Encanto”, um dos mais recentes espaços de experienciação gustativa de José Avillez, no Chiado, para o lançamento da mais recente colheita do Mirabilis branco não foi casuística. Aqui, onde dominam a sazonalidade dos vegetais, as cores, texturas e emoções, quis criar-se uma ligação entre o vinho e a terra, vivenciando a sua origem num copo que nos transmite as sensações de calcorrear as pequenas parcelas de vinhas durienses, de pisar cada parcela onde a dureza e condições extremas testam as capacidades e a força daqueles que, no dia a dia, as cuidam e acarinham. O carisma Mirabilis branco, nascido há 11 vindimas atrás, é composto de várias premissas, sendo a principal gizada por Luísa Amorim, traduzida na vontade de, numa região sem tradição de brancos, criar um vinho que transcendesse a Quinta Nova e se afirmasse como um símbolo do Douro, região de inúmeras aptidões, entre elas vinhos brancos de eleição.
O caminho, aqui, sempre se fez de procura e estudo. A busca da uva que pudesse dar maior garantia de exclusividade foi, desde início, feita em pequenos lavradores e pequenas parcelas de vinhas velhas. A observação da evolução do clima, na última década, leva-os para outras altitudes, privilegiando as vinhas localizadas entre os 650 e 750 metros do planalto de Alijó. Não há alternativa quando o ano de 2022 foi o mais quente das últimas três décadas. Daí que o recurso a vinhas velhas se revista de uma escolha acertada. Mais resilientes, com maior resistência às elevadas temperaturas, as suas raízes rasgam as profundezas dos solos de transição dos xistos para o granito e encontram a água e os nutrientes necessários para providenciar uma maturação lenta e equilibrada da uva. O papel da viticultura é cada vez mais fundamental para a definição de vinhos que se desejam ser a mais límpida e cristalina expressão do seu ano, das vinhas velhas, algumas centenárias, e, naturalmente da mão que embala o berço e acolhe a sua maturação. E é na decisão do ponto perfeito da sua vindima que se define cada colheita. À enologia cabe, atualmente, um papel interpretativo das virtudes da uva, cabendo-lhe uma função menos interventiva e mais contemplativa, permitindo, ao tempo, esculpir o virtuosismo do néctar, fiel intérprete dos vinhos de montanha, de caráter único e inimitável.
O papel da viticultura é cada vez mais fundamental para a definição de vinhos que se desejam ser a mais límpida e cristalina expressão do seu ano.
Um vinho irrepetível
Na senda do que são as novas tendências mundiais, a Quinta Nova busca agora a elaboração de vinhos de maior expressividade natural e menor influência de elementos externos, mostrando, já nesta colheita Mirabilis, um pouco do que o futuro reserva. E, a verdade, é que a edição de 2022 pode ser a melhor de sempre, marcando também um fim de um ciclo, uma vez que foi a última vinificação na adega antiga que, este ano, deu lugar a um novo e remodelado espaço interior, onde dominará uma nova filosofia na arte de fazer vinho, em que a madeira se torna, a partir de agora, um elemento menos fundamental no processo de estágio dos vinhos.
“Entrar no mundo Mirabilis é transcender a territorialidade, é criar com energia e convicção um vinho irrepetível, que se perpetua no tempo. Uma promessa de descoberta”, defende Luísa Amorim, ceo da Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo. “O tempo de espera em garrafa mostrou-se benfeitor, ao conceder ao vinho uma camada extra de complexidade e elegância, com destaque para a frescura, estrutura e acidez”, salienta.
(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)
Abegoaria Wines: O regresso do Terras do Suão

Fundada em 1952, a Cooperativa da Granja tem mais de 70 anos a produzir azeite e vinhos, numa zona tradicionalmente seca e muito quente do Alentejo, na margem esquerda do Guadiana, agora amenizada pela influência da albufeira da barragem do Alqueva. Hoje faz parte do Grupo Abegoaria, que relançou este ano a sua marca mais […]
Fundada em 1952, a Cooperativa da Granja tem mais de 70 anos a produzir azeite e vinhos, numa zona tradicionalmente seca e muito quente do Alentejo, na margem esquerda do Guadiana, agora amenizada pela influência da albufeira da barragem do Alqueva. Hoje faz parte do Grupo Abegoaria, que relançou este ano a sua marca mais conhecida, Terras do Suão, com duas referências de vinho branco e duas de tinto.
O evento decorreu na Casa do Alentejo, em Lisboa, associação alojada num dos edifícios mais atractivos e distintos da capital. Trata-se de um palácio dos finais do século XVII, cujo interior foi parcialmente remodelado, no princípio do século XX, para a arquitectura que tem hoje, a do primeiro casino da capital, o Magestic Club, e o seu esplendor ainda perdura nos nossos dias.
Um vinho da margem esquerda
Não podia haver local mais apropriado para o relançamento de uma marca de vinho alentejano da Cooperativa da Granja reconhecida no mercado. De tal forma, que, nas últimas décadas do século passado, podia ser encontrada um pouco por todo o lado. “Terras do Suão foi a primeira marca da margem esquerda do Guadiana”, salientou o presidente do Grupo Abegoaria, Manuel Bio, durante a cerimónia de apresentação dos novos vinhos da Cooperativa da Granja. “O seu relançamento tem, como objectivo, que a marca volte a ser uma das referências do Alentejo”, destacou, num evento onde esteve também presente António Saramago, o enólogo mais antigo em actividade em Portugal, que foi o primeiro responsável pela produção destes vinhos. “Na altura em que foram lançados, os Terras do Suão estavam presentes em quase todos os melhores restaurantes de Lisboa”, recordou este último.
Ex-libris da casa
Os vinhos actuais são feitos sob a responsabilidade do enólogo António Braga, que salientou que as referências tintas apresentadas, incluem as castas tradicionais do Alentejo, em particular a Moreto, um ex-libris da casa que atinge, nesta zona do Alentejo, a sua expressividade máxima. Esta é uma casta de ciclo longo e maturação tardia, ideal para esta sub-região alentejana particularmente cálida no verão, onde as vinhas mais tradicionais se adaptaram. O contributo dos agricultores tem sido, também, essencial para isso, já que as conduzem em formatos mais baixos, que ajudam, as plantas, a resistir melhor a um estio atenuado, hoje, pelo efeito sobre o clima do maior lago artificial da Europa, o Alqueva. Para garantir a frescura e a expressividade aromática dos brancos, as uvas das castas destinadas a produzir o Vento do Suão e o Terras do Suão Reserva a brancos são vindimadas em junho, com o primeiro a passar apenas por inox e o segundo também por madeira.
(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)
Duorum: Dos varietais aos vinhos de vinha

Passaram décadas de percurso profissional desde 1980, quando João Portugal Ramos iniciou a sua carreira no Alentejo como enólogo, e desde que plantou os primeiros cinco hectares de vinha em Estremoz, em 1995, quando arrancou com o projecto próprio. A expansão para norte começou com a entrada na Quinta da Foz de Arouce, fundada pelo […]
Passaram décadas de percurso profissional desde 1980, quando João Portugal Ramos iniciou a sua carreira no Alentejo como enólogo, e desde que plantou os primeiros cinco hectares de vinha em Estremoz, em 1995, quando arrancou com o projecto próprio. A expansão para norte começou com a entrada na Quinta da Foz de Arouce, fundada pelo seu sogro, na Beira Baixa, em 2005. Em 2007 a dupla João Portugal Ramos e José Maria Soares Franco deu largas à sua ambição de fazer algo marcante no Douro Superior. E assim nasceu o Duorum, “de dois”, em latim. Soares Franco deixou há algum tempo o projecto, mas este continua fiel à sua matriz inicial.
Duorum é um projecto pensado e feito de raíz. Para compor com vinha a quinta de Castelo Melhor, em Foz Côa, foram precisas 92 escrituras. As vinhas estão localizadas no Douro Superior e hoje também no Cima Corgo, em diferentes altitudes, desde a cota do rio com 150 m até 550 m. Incluem 60 ha de vinha própria, mais 50 ha de vinha arrendada e a Duorum ainda compra uva de mais cerca de 10 ha.
“O Douro é uma região muito difícil, com muita concorrência, mas acreditámos no projecto e está para durar” – afirmou João Portugal Ramos no lançamento das últimas novidades.
Em 2012, a Duorum foi a primeira empresa no Douro a aderir à Iniciativa Europeia Business & Biodiversity. O grupo J. Portugal Ramos desenvolveu um modelo de gestão que respeita a biodiversidade, permitindo a preservação e melhoria dos habitats naturais nas suas propriedades e adoptou medidas de desenvolvimento sustentável, incluindo a Produção Integrada e Produção Biológica. Como resultado desta política ambiental, em 2015 a Duorum recebeu o prémio de “Melhor projeto europeu de desenvolvimento rural sustentável, que consegue simultaneamente preservar a paisagem e biodiversidade, promovendo a cultura e economia do espaço rural”. E neste ano de 2024, segundo João Portugal Ramos, as suas propriedades bateram o recorde de novas espécies no local.
As novidades
No Alentejo, João Portugal Ramos produz, com muito sucesso, vários vinhos de vinha. No Douro este é o primeiro. Trata-se de uma parcela de Arinto e Gouveio, situada a 500 m de altitude, limitada pelos muros antigos de xisto que protegiam a vinha, que foram restaurados. O Arinto é mais incisivo na acidez e o Gouveio, mais aromático, dá-se muito bem naquela zona. Já tentaram fazer este vinho vários anos e só em 2023 “atingiram o perfil pretendido”. Depois de maceração a frio por 12 horas, para extrair a parte aromática, seguiu-se a fermentação em inox. O estágio decorreu parcialmente (25%) em barricas de carvalho francês de 2º e 3º ano para conferir complexidade ao vinho. Dá um enorme prazer de beber já e tem tudo para evoluir com tempo. Foram produzidas 3.300 garrafas.
O primeiro contacto que João Portugal Ramos teve com a Touriga Franca foi por influência de José Maria Soares Franco. É hoje a casta mais plantada na quinta, onde representa 30% do encepamento. Não exibe tantos aromas quanto a Touriga Nacional, mas tem volume e estrutura. Vinificada sempre à parte, desta vez valeu a pena engarrafar a Touriga Franca a solo. As uvas desengaçadas vão para um lagar robotizado, onde passam a maceração pré-fermentativa a frio e, quando começa a fermentação alcoólica, o mosto é transferido para cubas de inox onde acaba a fermentação. Estagia nove meses em barricas de carvalho francês de 2º e 3º ano. Um belo exemplo da casta, que nem sempre tem protagonismo na sua terra de origem, e de que fizeram 6.600 garrafas. No conjunto, dois belos vinhos, um branco e um tinto, que marcam a entrada da Duorum nos varietais e nos “vinhos de vinha”.
(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)
Aveleda: O vinho entre jardins

O uso da palavra jardins no título desta peça não é ocasional. O espaço ocupado pela quinta da Aveleda é todo ele um pequeno paraíso: árvores centenárias, vegetação luxuriante, fontes e riachos que nos tranquilizam, pavões a chamar as pavoas e (menos bucólico, digamos…) cães a correr atrás de cabritos para lhes ferrarem os dentes […]
O uso da palavra jardins no título desta peça não é ocasional. O espaço ocupado pela quinta da Aveleda é todo ele um pequeno paraíso: árvores centenárias, vegetação luxuriante, fontes e riachos que nos tranquilizam, pavões a chamar as pavoas e (menos bucólico, digamos…) cães a correr atrás de cabritos para lhes ferrarem os dentes e obrigarem os primos Guedes, na liderança da empresa, a correria desenfreada para salvar o animal! Para tranquilizar o leitor, podemos afirmar que o bicho foi salvo e o cão devidamente admoestado. A jardinagem é aqui levada muito a peito. São cinco os trabalhadores que zelam para que tudo por aqui esteja devidamente cuidado, incluindo as roseiras que, trepando árvores acima, se lembraram de florir a cinco metros de altitude. Esta exuberância vegetativa também já a tínhamos conhecido na casa da família, em Avintes, onde se nota o mesmo cuidado e o mesmo empenho dos seus membros que, como comprovámos, sabem os nomes de todas as plantas e a idade, ainda que aproximada, de todas as árvores. Estamos assim num microcosmos, rodeado de muitas vinhas, quase todas pertencentes à Aveleda.
150 anos de história
A empresa, que completou já 150 anos de história e é responsável pela produção de cerca de 20 milhões de garrafas/ano, não deixou de procurar novos vinhos, novas abordagens das castas de que dispõe, e alargou mesmo a sua zona de interesse e intervenção a outras regiões do país, como a Quinta da Aguieira (Bairrada) em primeiro lugar e, mais tarde, com aquisições no Douro e no Algarve.
Alguns dos ícones da casa mantêm a sua fama e prestígio, como a aguardente Adega Velha, agora em várias versões de diferentes idades, e cujo stock repousa, tranquilamente, em armazém próprio, onde nos contemplam cerca de 300 cascos. Todos os anos se destila e, ainda que o mercado dos destilados não conheça hoje o brilho de outrora, a marca Adega Velha continua a ser uma referência. A marca Casal Garcia, rótulo emblemático dos Vinhos Verdes, ultrapassa os 10 milhões de garrafas/ano e é verdadeiramente o ex-libris da casa. Nascida em 1939 continua a ser um vinho que leva, para fora, o nome do país.
A equipa foi reforçada recentemente com a contratação de Diogo Campilho (ex-quinta da Lagoalva) para a área de enologia, onde colabora com Susete Rodrigues, que já estava na empresa. A ancestral ligação à casta Loureiro, muito forte nesta zona dos Verdes, tem vindo a ser complementada com uma aposta cada vez mais evidente no Alvarinho. Joga-se, aqui, depois um puzzle com várias componentes: como lidar com as castas em terrenos de xisto e de granito? Como combinar, no lote final, as duas variedades para que o resultado expresse o local de onde vieram? E, na adega, como poderá ser possível criar modelos diferentes, jogando, por exemplo, com as borras e respectiva percentagem dentro das cubas? E se quisermos usar barricas para fermentação ou estágio, como poderemos conseguir equilibrar o lote, não prejudicando o perfil próprio de cada casta? Nada disto é fácil, até porque actualmente trabalham com 15 parcelas diferentes de Alvarinho, espalhadas pela região e estaremos muito errados se pensarmos que lá porquanto a região seja a mesma (Vinhos Verdes) e os perfis se assemelham; até a decisão do momento de vindima pode determinar o estilo do vinho que se obtém. Por aqui estão a fazer vindimas nocturnas de algumas castas e a começar em meados de Agosto. Só assim se consegue que o vinho seja mais fiel à casta e ao território.
Seguindo as novas tendências, na Aveleda está-se a trabalhar com menores teores de sulfuroso, o que é facilitado pelo pH mais baixo e acidez mais alta características da região, no caso da vindima ser feita no momento certo. A regra de não haver regra é levada a peito. Por exemplo, há vinhos que apenas estagiam no inox, caso do Aveleda Alvarinho e o Aveleda Loureiro mas já os Solos de Xisto e Solos de Granito fermentam em inox e aí estagiam com as borras por um período mais longo, sem contacto com a madeira. O Parcela do Roseiral, por sua vez, fermenta em inox e cerca de 30% estagia em barrica.
Ventos da moda
Os ventos da moda voltaram a trazer os vinhos brancos para a ribalta e a procura mantém-se intensa, mas hoje os consumidores exigem mais precisão, melhor definição do carácter de cada vinho, mais equilíbrio entre acidez e corpo e mais pureza de fruta. Tudo somado, pode dizer-se que o desafio é enorme, mas poderá ser, cremos, muito compensador para quem tem de tomar decisões. E à refeição pudemos também usufruir de alguns vinhos muito velhos que fomos buscar às caves da casa mas… já se sabe que a célebre frase continua válida: não há bons vinhos velhos, há boas garrafas de vinhos velhos! E assim foi, mas o verdadeiro enófilo não vira a cara a uma garrafa, com ou sem rótulo!
Os anfitriões, Martim e António Guedes, que nos guiaram toda a visita, fizeram questão de apresentar também a segunda edição de um branco-homenagem que funciona como o topo de gama de todo o portefólio dos Vinhos Verdes da casa. Trata-se de um vinho que resulta de um lote entre Alvarinho e Loureiro, que combina bem a fermentação em inox com a barrica. É um branco luxuoso, a um preço que está muito longe de ser de ourivesaria. Justa homenagem a Manoel Pedro Guedes, antepassado e que herdou, em 1870, a quinta da Aveleda. Foi aí que tudo começou.
(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)
Baga Friends: Amigos da baga trazem boas novas

Reunir para agitar as águas, criar o movimento para reabilitar a Baga entre os viticultores e consumidores em Portugal e projectar a nossa casta autóctone lá fora é o objectivo dos Baga Friends, grupo de produtores que se uniram à volta desta variedade. A associação formou-se em 2012 e faz-se notar o renascimento contínuo da […]
Reunir para agitar as águas, criar o movimento para reabilitar a Baga entre os viticultores e consumidores em Portugal e projectar a nossa casta autóctone lá fora é o objectivo dos Baga Friends, grupo de produtores que se uniram à volta desta variedade. A associação formou-se em 2012 e faz-se notar o renascimento contínuo da Baga desde então.
“Quando comecei o projecto em 2001, não havia produtores novos a trabalhar com Baga. Merlot e a Cabernet Sauvignon tinham mais popularidade”, conta a produtora Filipa Pato. Os amigos da Baga são muito diferentes na sua visão. Trabalham cada um à sua maneira, mas todos adoram a Baga e a Bairrada. São um núcleo duro, e mesmo não fazendo muitos eventos, conseguiram fazer uma “pequena revolução” na região. “De norte (Fogueira) até ao sul (Souselas) voltou-se a aderir à Baga. Quem já a tinha retirado dos rótulos, voltou a colocá-la em letra grossa”, repara Mário Sérgio Nuno, da Quinta das Bágeiras, que, juntamente com Filipa Pato, foi impulsionador deste movimento.
Bairradino de gema
E quem são os Baga Friends? Desde logo, o bairradino de gema, Luís Pato, sempre foi o grande defensor e promotor da Baga, mesmo quando a maioria dos produtores dava preferências às castas estrangeiras. À Baga dedicou mais de 40 anos da sua carreira e o melhor argumento a favor da casta eram os seus vinhos que mostraram elegância e longevidade da casta, quando trabalhada com sabedoria. “Baga dura 25 anos certamente, 30 talvez, 40 – quem cá estiver que veja!” –, desafia o Senhor Baga. Mário Sérgio, um bairradino incontornável com ligação à viticultura de forma geracional, respira Baga desde 1989, quando começou o seu projecto familiar da Quinta das Bágeiras, produzindo vinhos de identidade inconfundível. Paulo Sousa, o engenheiro químico com 20 anos de experiência no departamento de qualidade de uma empresa produtora de vinhos na região, dedicou-se ao projecto familiar, iniciado pelo seu pai, Sidónio de Sousa, em 1990.
Uma história de pura paixão pela Baga e Bairrada começou quando o sommelier francês e proprietário de uma garrafeira em Paris, François Chasans, provou um vinho da Bairrada pela primeira vez. Instalou-se em terras bairradinas e na sua Quinta da Vacariça produz vinhos densos e longevos, cheios de carácter. Pratica uma viticultura biodinâmica, “não como argumento de marketing, mas para obter a precisão no resultado final”, diz. Filipa Pato é tão dedicada à Baga como o seu pai, Luís Pato, mas num projecto próprio juntamente com o seu marido, o conhecido sommelier belga William Wouters. Os seus Baga, puros e autênticos, nunca passam despercebidos e mostram o lado mais feminino e delicado da casta. O irreverente e carismático Dirk Niepoort, grande produtor de vinhos do Douro e do Porto, confessa que adora a Baga e a Bairrada. Seguindo esta paixão, há mais de uma década, adquiriu a Quinta de Baixo, com 25 ha de vinha, onde tem parcelas centenárias e de onde vem o Poeirinho, num estilo bem diferente do praticado antes – mais leve, com teor de álcool baixo e acidez vincada. Agora o seu filho Daniel continua a trabalhar com a mesma filosofia. O mais recente membro do grupo é o enólogo Luís Patrão, com o seu projecto Vadio, que teve o início em 2005 com 0,5 ha de vinha da família e cresceu até ao 10 ha actuais.
Os sete ilustres amigos da Baga juntaram-se para apresentar a segunda edição do vinho feito em conjunto
Tinto para já, espumante para mais tarde
No final de abril, em antecipação ao Dia Internacional da Baga, celebrado a 4 de maio (graças ao esforço dos Baga Friends, que abrem sempre as suas adegas ao público com festa rija e eventos especiais), os sete ilustres amigos da Baga juntaram-se para apresentar a segunda edição do vinho feito em conjunto – Baga Friends 2015, de que se encheram 1135 garrafas. É um blend comunitário, que expressa o carácter de cada produtor, de cada propriedade, através de um bouquet de filosofias distintas com o denominador comum – a Baga. O carácter e a voz de cada vinho são bem fortes e ainda se sentem. Talvez seja preciso mais algum tempo para estas vozes se tornarem um coro, e para os feitios de cada vinho atingirem a integridade plena. Este pormenor também traz uma complexidade adicional. No nariz dominam os Baga mais aromáticos, enquanto na boca fica bem presente a estrutura dos contributos mais tânicos e texturados. A primeira edição do vinho Baga Friends foi da colheita de 2011, já que não têm a intenção de o fazer todos os anos, só nos de excelência. E, já agora, fica o teaser: a próxima edição dos Baga Friends será um espumante de 2023, que já está em estágio e será lançado em 2029 para brindarmos à Baga e à Bairrada. Afinal, somos todos amigos da Baga no sentido mais lato.
(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)