Grande Rocim em versão branco

Grande Rocim Branco 2018

TEXTO Luis Lopes A Herdade do Rocim acaba de estrear no mercado o Grande Rocim branco, da vindima de 2018, apresentado online pela dupla Catarina Vieira/Pedro Ribeiro. Tal como acontece com o Grande Rocim tinto, topo de gama da casa, o conceito passa por escolher a melhor casta de cada ano e, dentro desta, as […]

TEXTO Luis Lopes

A Herdade do Rocim acaba de estrear no mercado o Grande Rocim branco, da vindima de 2018, apresentado online pela dupla Catarina Vieira/Pedro Ribeiro. Tal como acontece com o Grande Rocim tinto, topo de gama da casa, o conceito passa por escolher a melhor casta de cada ano e, dentro desta, as melhores barricas. Para este primeiro Grande Rocim branco, a eleita foi a Arinto. Até agora, a versão tinto tem sido feita, em todas as vindimas, com base na mesma casta, Alicante Bouschet, mas, segundo Pedro Ribeiro, nada garante que isso venha a acontecer com o branco da mesma marca.

No entanto, dada a “enorme consistência de qualidade” (palavras de Catarina Vieira) das uvas de Arinto oriundas da parcela com 20 anos de idade existente no Rocim e, acrescento eu, o facto de já existir na casa um 100% Antão Vaz de primeira linha (Olho de Mocho Reserva), a probabilidade de os próximos Grande Rocim continuarem a ser feitos de Arinto é bastante elevada.

Catarina e Pedro revelam que desde que começaram a pensar este vinho quiseram um branco de perfil mais leve, pensado num estilo que privilegiasse a elegância, mineralidade e frescura, mas sempre com potencial de longevidade. Escolhida a parcela de Arinto, num afloramento granítico, apesar da heterogeneidade de maturação e acidez das uvas entre a zona mais baixa e a cota mais alta, esta foi vindimada em conjunto, no sentido de se obter o melhor equilíbrio entre corpo e frescura. No final, o mosto ficou com 12,5% de álcool provável e 6,3 g/l de acidez, valores que revelam bem o enorme potencial da casta Arinto nestas terras da Vidigueira (e no Alentejo em geral…).

Após 12 horas de maceração na prensa, aproveitou-se apenas o mosto de lágrima (sem aperto) que iniciou a fermentação em cubas de cimento e terminou em barricas novas e usadas. Seguiu-se um estágio de 16 meses em 20 barricas, tendo sido escolhidas apenas as três melhores para o lote final. O resultado é um Arinto de excelência, de enorme expressão, precisão e finura, verdadeiro hino à casta e à região.

Moscatel de Setúbal: Um tesouro a descobrir

O Moscatel de Setúbal é um dos clássicos generosos portugueses, mas a sua notoriedade junto do consumidor está ainda muito distante da sua grandeza enquanto vinho. Merece bem mais do que o que tem, mais reconhecimento, melhores preços, mais visibilidade. Mas apesar disso, a verdade é que continua a crescer em área de vinha e […]

O Moscatel de Setúbal é um dos clássicos generosos portugueses, mas a sua notoriedade junto do consumidor está ainda muito distante da sua grandeza enquanto vinho. Merece bem mais do que o que tem, mais reconhecimento, melhores preços, mais visibilidade. Mas apesar disso, a verdade é que continua a crescer em área de vinha e produção.

TEXTO João Paulo Martins
FOTOS Mário Cerdeira

Quando se fala da trilogia dos vinhos licorosos portugueses sempre nos lembramos dos três magníficos, Porto, Madeira e Moscatel de Setúbal. É verdade que há outros, como o Moscatel do Douro e o Carcavelos mas nenhum destes dois atingiu o brilho do generoso de Setúbal. Apesar da fama do Setúbal e dos indicadores que são muito optimistas, não só quanto à área de vinha como em relação às quantidades produzidas, a verdade é que os ventos andam contrários. Os tempos, em Portugal e no mundo, não vão de feição para os vinhos doces. Esta verdade é válida não só aqui como também internacionalmente e as regiões que se notabilizaram pela produção de vinhos com elevado teor de açúcar estão a ressentir-se do menor interesse do público. Acontece com o Vinho do Porto tal como acontece com os Sauternes (França), por exemplo. Em alguns casos consegue-se uma melhor rentabilidade pela subida de preços de categorias mais elevadas (caso do Porto) mas as categorias de entrada dos licorosos nacionais (e europeus) tendem a ter preços pouco prestigiantes. O Moscatel de Setúbal consegue ser algo bipolar em termos de segmentação, com preços muito baixos nas gamas de entrada e, depois, vinhos de gama alta vendidos a valores já condizentes com a sua imagem e qualidade.

A região de Setúbal tem conhecido um renovado interesse dos produtores no Moscatel, um generoso com direito a reconhecimento legal como região demarcada desde os inícios do séc. XX. Durante décadas foi a casa José Maria da Fonseca que, quase em exclusivo, manteve o estandarte do generoso Moscatel de Setúbal. A partir dos anos 80 a J.P. Vinhos (mais tarde Bacalhôa Vinhos de Portugal) passou também a incluir o generoso no seu portefólio e de então para cá, sobretudo já neste século, a maioria dos produtores da região assumiu (e bem) que havia como que a “obrigação cívica” de manter, desenvolver e expandir o Moscatel que deu fama à região.

Henrique Soares, Presidente da CVR de Setúbal, confirmou-nos o crescimento sustentado que a área de vinha destinada à produção de moscatel tem tido. Estamos então a falar de 520ha para a produção do Moscatel de Setúbal e 43ha para o Moscatel Roxo de Setúbal. Na versão Roxo verificou-se um crescimento que fez duplicar a área de vinha em cerca de 3 anos e retirou, de vez, a casta do perigo de extinção em que se encontrava nos anos 80 do século passado. A produção global subiu também de forma permanente e situa-se agora (2019) nos 20 000 hectolitros quando, 4 anos antes, era apenas de 15 000 hectolitros.

Para ser Moscatel de Setúbal com direito à Denominação de Origem o vinho deverá incluir 85% da casta embora, ainda segundo Henrique Soares, a maioria dos produtores opte por ter 100% da casta em cada garrafa. Existia também a possibilidade de se fazer um generoso apenas com 2/3 de moscatel e 1/3 com outras castas brancas – tinha então o nome único de Setúbal (e não Moscatel de Setúbal) mas ao que nos informaram essa prática caiu em desuso e já ninguém a utiliza. Pelo facto da Portaria que actualizou as designações relativas ao Moscatel de Setúbal ser de 2014, é possível que se encontrem no mercado vinhos que apenas indicam “Setúbal” em vez de Moscatel de Setúbal e “Roxo” em vez de Moscatel Roxo de Setúbal.

Os segredos do Setúbal

A casta moscatel existe em inúmeros países, desde a bacia do Mediterrâneo até à África do Sul. Contam-se várias estirpes da casta, há nomes variados e perfis diferenciados. Em Portugal conhecemos duas famílias principais: o Moscatel Galego mais presente no Douro e o Moscatel de Alexandria (ou Moscatel Graúdo) em Setúbal. A variedade Moscatel Roxo é uma mutação do Moscatel Galego. Caracteriza-se pela fraca pigmentação tinta do bago, estando aí a origem do nome. Oficialmente, é considerada uma casta rosada, não tinta.

No modo de fabrico segue-se a técnica dos outros generosos, ou seja, a meio da fermentação é adicionada a aguardente que faz com que o processo fermentativo se interrompa e o resultado seja um vinho doce. Esta doçura, no caso dos vinhos com 20 ou mais anos, com concentração através da evaporação em casco, pode chegar aos 340 gramas/litro. Usa-se na região uma aguardente em tudo idêntica à do Vinho do Porto – tem a obrigatoriedade de ser vínica e ter um teor de álcool compreendido entre os 52 e 86% – mas não existem restrições quanto à origem: pode ser nacional (ou não) e alguns produtores, como a José Maria da Fonseca, têm usado aguardente adquirida quer na zona de Cognac quer na de Armagnac, regiões que, como se sabe, são produtores de espirituosos. A variação do teor alcoólico da aguardente prende-se também com o perfil do produto final, já que o Moscatel de Setúbal pode entre 16 e 22% de álcool.

A tradição da região impôs na vinificação uma maceração pós-fermentativa com as películas das uvas (ricas em aromas e sabores) ainda e já com a aguardente adicionada, processo que se estende por vários meses. Durante este “estágio” a cor do vinho pode ganhar tonalidades cada vez mais carregadas, o que também explica as cores “evoluídas” dos moscatéis novos.

No que diz respeito às barricas para o estágio não existem também limitações nem quanto ao volume nem quanto à origem das mesmas. Assim, tanto se podem usar barricas de pequeno volume, onde o envelhecimento tende a ser mais acelerado, como tonéis de grande dimensão. A Bacalhôa tem utilizado barricas onde anteriormente se estagiou whisky e que são colocadas numa estufa sujeita às variações de temperatura entre Verão e Inverno. Para ter direito à Denominação de Origem o vinho é obrigado a um mínimo de 18 meses de estágio.

O tempo, esse grande educador

Tal como acontece com outros generosos, sobretudo com o Porto Tawny e os Madeira, é o estágio prolongado em tonel ou barrica que confere ao vinho toda a complexidade e qualidade que se lhe reconhecem. É também nesse estágio que a tonalidade escurece, ficando com tons acastanhados. Pode, no entanto, parecer estranho que os vinhos novos, apenas com os 18 meses de estágio obrigatórios por lei, tenham já uma tonalidade muito carregada. Filipa Tomaz da Costa, enóloga da Bacalhôa, esclarece: “tenho várias cubas com o moscatel ainda em contacto com as massas (método que segue a tradição da região) e o vinho já apresenta uma tonalidade que sugere uma prolongada oxidação; por isso é normal que mesmo nos vinhos novos surjam tons mais escuros”. A lei permite, de qualquer forma, a utilização do caramelo como corrector de cor.

Depois desta maceração é o tempo em casco que vai, lentamente, operando as modificações que farão surgir um grande generoso, concentrado, por vezes muito doce, mas muito complexo. Também aqui há quem esteja a inovar e o vinho da quinta do Monte Alegre é sobretudo envelhecido em garrafa, um pouco à maneira do Porto Vintage. Ainda é cedo para se perceber se o resultado justifica a prática.

Na Bacalhôa, há muitos anos que o estágio em estufa é praticado. Filipa Tomás da Costa refere: “Usamos este método sobretudo nos primeiros 10 anos do envelhecimento; depois desse tempo trazemos os cascos para dentro do armazém, embora continuem nas zonas altas mais perto do telhado. Como a massa vínica é muito grande dentro da estufa – apesar das pipas serem de 200 litros – há uma forte inércia térmica e no Inverno podemos ter temperaturas exteriores de 4ºC mas no interior da pipa o vinho apenas varia entre os 10 e 15ºC; no Verão, a temperatura no interior da estufa chega facilmente aos 40º mas o vinho apenas oscila entre os 25 e 28ºC”.

A prática de atestar as barricas e passar a limpo nunca se generalizou na região. Na José Maria da Fonseca existiam muito vinhos velhos que já apenas correspondiam a “um fundinho da pipa”, como nos disse Domingos Soares Franco, enólogo da empresa, e tomou-se a decisão (há já alguns anos) de engarrafar todos esses vinhos, tendo-se considerado que apenas estavam a evaporar e que já nada mais havia a esperar do estágio em tonel. Mas, tal como no Vinho do Porto, este estágio pode prolongar-se por mais de 100 anos.

Novas categorias e mais diversidade

A legislação da região permite desde há algum tempo a produção de vinhos com indicação de idade. Assim, no rótulo da garrafa pode vir a indicação 5, 10, 20, 30 e 40 anos. Como muitos operadores ainda não têm vinhos muito velhos a existência de vinhos com as idades 30 e 40 é por enquanto muito limitada.

Pela prova que fizemos verifica-se que a indicação da data da colheita começa a generalizar-se e os vinhos com 5 anos também mostram ser uma categoria que veio para ficar. A designação Superior obriga a um estágio mais prolongado e a uma aprovação como tal na Câmara de Provadores.

Ainda segundo Soares Franco, a aceitação pelo mercado de vinhos com indicação de idade está a ser muito boa, quer em Portugal (que é ainda o principal destinatário) quer no mercado eterno, onde se destacam o Brasil, o Canadá e a Escandinávia.

O grande inimigo do Moscatel de Setúbal é a tendência – que se estende a outros produtos vínicos – de fazer parte dos vinhos que estão permanentemente na mira das grandes superfícies (super e hipermercados)  que jogam com os preços cada vez mais baixos, um verdadeiro rolo compressor que não traz nada de bom para a imagem do Moscatel de Setúbal. O futuro da região, muito mais do que vender cada vez mais barato deverá ser vender cada vez melhor, subindo gradualmente os preços, única forma de tornar trabalho rentável, valorizar a uva e o produtor e dignificar o produto de excelência que é o Moscatel de Setúbal.

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Edição nº 34, Fevereiro de 2020

Herdade Aldeia de Cima vence Ouro nos European Design Awards

Esta é a primeira vez que uma gama de vinhos portugueses é considerada a melhor da Europa nos European Design Awards, os mais prestigiados prémios europeus desta área. A marca recente lançada por Luísa Amorim, com propriedade na Serra do Mendro, Alentejo, recebeu o prémio Ouro, a mais alta distinção na categoria “packaging de bebidas […]

Esta é a primeira vez que uma gama de vinhos portugueses é considerada a melhor da Europa nos European Design Awards, os mais prestigiados prémios europeus desta área. A marca recente lançada por Luísa Amorim, com propriedade na Serra do Mendro, Alentejo, recebeu o prémio Ouro, a mais alta distinção na categoria “packaging de bebidas alcoólicas”.

Mas este prémio é também dos autores do design, do portuense Studio Eduardo Aires, inspirado pela “aldeia numa região conhecida pelas suas pequenas casas baixas e brancas, sublinhadas por grandes pinceladas de cores vivas da natureza, da folha do sobreiro e do solo de xisto vermelho”, de acordo com o comunicado de imprensa. Este é o mesmo estúdio de design que criou a actual imagem gráfica da cidade do Porto, também ela premiada pela mesma entidade. Eduardo Aires refere: “Foi na paisagem alentejana e no território da Herdade da Aldeia de Cima que encontrámos a inspiração para o desenho e a estratégia de comunicação. Acreditamos que a solução representa e potencia este projecto vitivinícola singular de Luísa Amorim. O prémio que agora recebemos é a confirmação pelos nossos pares internacionais do carácter diferenciador da solução gráfica”.

Herdade das Servas: A herança dos Serrano Mira

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A família Serrano Mira tem feito, com a Herdade das Servas, um percurso exemplar ao fundir tradição com modernidade de forma harmoniosa. Tudo começou com a herança de duas talhas de 1667, mas os genes e a inspiração fizeram o resto.

TEXTO Mariana Lopes
FOTOS Herdade das Servas

Estamos entre Vimieiro e Estremoz, mais perto desta última. Está bastante frio, mas o sol de Inverno, no Alentejo, aquece por dentro e por fora. Sair da estrada N4 e entrar pelo portão da Herdade das Servas dá-nos aquela sensação familiar de acolhimento alentejano, um abraço de uma natureza cujo cunho agreste nos dá, paradoxalmente, muita tranquilidade. É aí que avistamos três perdizes, mesmo junto à estrada de terra batida onde as vinhas começam, saltitantes pelo meio das estacas e das videiras nuas. Estamos muito perto, mas não levantam voo, apenas se afastam a correr como quem não tem medo, mas ficou incomodado com a intrusão do carro postiço. Naturalmente, pensamos no quão é bom voltar à região. E é mesmo. Eventualmente, culminamos na casa, branca com os frisos de rodapé e esquadrias das janelas em tom tinto. São vários edifícios, tão bem integrados entre si que não nos deixam perceber a dimensão dos pavilhões adjacentes. Junto à recepção e ao restaurante, já no interior, estão duas talhas com o número 1667 gravado no barro e uma estrela de oito pontas. Dois pedaços de história que passaram de geração em geração até hoje, na família Serrano Mira (original de Estremoz, Borba e Vila Viçosa), que já produzia vinho desde então.

Actualmente, são os irmãos Carlos (responsável pelas vinhas, à esquerda na foto principal) e Luís Mira (vinhos e administração, ao centro na foto principal) que tomam conta da Herdade das Servas, comprada nos anos 60 pelo avô paterno Manuel Joaquim Mira. Ainda nessa década, em 1964, o bisavô materno Henrique dos Anjos Serrano falece e deixa aos seus filhos duas adegas, uma delas a Justino dos Anjos Serrano, avô materno de Carlos e Luís. Em 1968, o pai destes dois irmãos, Francisco José Mira (à direita na foto principal), juntamente com o seu irmão, associa-se a outra família alentejana de produtores e funda a Sociedade dos Vinhos de Borba, mostrando capacidade para assumir o negócio. Nesse mesmo ano, o avô paterno Manuel Joaquim retira-se, deixando a actividade a cargo de Francisco José e do irmão. Apesar da antiguidade na produção, é em 1998 que Carlos e Luís Mira fundam a empresa Herdade das Servas e começam a engarrafar sob essa marca, com a ajuda do pai Francisco José Mira. A dupla pega, assim, nas práticas e ensinamentos que crescera a ver e a ouvir, e inspira-se na tradição e conexão ao meio rural que a família sempre teve.

Vinhas velhas impressionantes

Ao longo do tempo, Carlos e Luís foram plantando vinha e também comprando parcelas a familiares e outros, de forma a produzir somente dos seus próprios vinhedos. Hoje, a Herdade das Servas tem oito vinhas em locais diferentes, incluindo a propriedade-mãe, entre a Serra de São Mamede e a Serra d’Ossa, estando a mais longe na localidade da Orada. São elas a Vinha das Servas, do Clérigo, de Pero Lobo, do Azinhal, da Cardeira Velha, da Cardeira Nova, da Judia e da Louseira. A empresa tem um total de 1000 hectares, dos quais 350 produzem uva, ficando o resto para outras culturas e actividades, como é normal nas grandes herdades da região. A maior de todas é a do Azinhal e tem 90 hectares, e a mais pequena estende-se por 13. Também a Vinha da Judia é das maiores, com 40 hectares, onde se encontra o Afrocheiro. A uma altitude que ronda os 300 metros acima do nível do mar, todos os 350 hectares estão em regime de sequeiro (sem rega), fazendo da Herdade das Servas o produtor com o maior número de vinhas nesta condição.

As muito diferentes idades das parcelas complementam-se entre si, tendo a mais velha 75 anos. É a Vinha do Clérigo, oito hectares em solo xistoso, adquiridos a um tio-avô, que impressionam até os menos susceptíveis. A suas videiras, de tronco largo e filamentos ondulantes, lutam para sobreviver e, em simultâneo, produzem uvas que se destinam aos melhores vinhos da casa. Este cenário repete-se pelo terreno, como testemunha de um grande investimento e perícia, não só dos irmãos Serrano Mira, mas também do enólogo Ricardo Constantino, que entrou na empresa desde 2015, mas que caminha no meio dos carreiros de cepas com a calma de quem já as conhece como a palma da mão. A sorrir, conta que faz a ponte entre os dois irmãos. As 22 castas desses 350 hectares plantadas por talhões, entre brancas (só uma das vinhas tem exclusivamente variedades brancas) e tintas, crescem em solos avermelhados, derivados de calcários pardos e cristalinos, com manchas de xisto, que estão expostos a um clima mediterrânico, de elevadas amplitudes térmicas e Verões quentes e secos. Nas brancas, há Alvarinho, Antão Vaz, Arinto, Encruzado, Roupeiro, Sauvignon Blanc, Sémillon, Verdelho e Viognier. Já as tintas são Alfrocheiro, Alicante Bouschet (omnipresente nos tintos da casa), Aragonez, Cabernet Sauvignon, Castelão, Merlot, Petit Verdot, Syrah, Touriga Franca, Touriga Nacional e Trincadeira. Luís Mira desvenda que estão a ensaiar 60 hectares em produção biológica e Ricardo Constantino explica que o objectivo é conhecer e perceber o que se pode fazer dessa maneira.

Modernidade e tradição, da vinha à adega

Regressamos à casa-mãe e o sol está a desaparecer no horizonte. É tempo de visitar a adega, dividida em vários pavilhões perfeitamente camuflados. O que encontramos espanta-nos mas não deveria espantar: uma unidade de vinificação completamente modernizada, com lagares de mármore equipados tecnologicamente e dezenas de cubas imensas de inox, onde se vinifica casta a casta. Afinal, são 1 milhão e 200 mil garrafas produzidas anualmente, e uma equipa permanente de 40 pessoas. Luís Mira revela o que já estamos à espera de ouvir: são 100% auto-suficientes, da produção ao engarrafamento, sem qualquer prestação de serviços externa. Depois, a cave de envelhecimento mostra que nem tudo é aço: debaixo de arcos e entre colunas que contrastam com o carácter industrial do pavilhão anterior, estão 350 barricas de carvalho francês e americano, com 15 vinhos diferentes no seu interior. Este último tipo de carvalho representa apenas 10%, e Luís Mira diz que a tendência é diminuir.

Daqui surgem os vinhos, que se dividem por duas gamas, uma de entrada, Monte das Servas, e a mais ambiciosa, Herdade das Servas. Desta última, provámos dez vinhos, desde o Colheita Seleccionada branco ao Vinhas Velhas tinto, passando também por um rosé de Touriga Nacional e um tinto de perfil bem diferente, o Sem Barrica, cujas castas variam consoante a edição e que, após fermentação maloláctica, permanece durante sete meses em inox e 6 meses em garrafa. É interessante perceber que em todos esses dez vinhos há uma identidade única e um grande sentido de lugar, e mesmo assim são todos diferentes no perfil e muito bem definidos. É mais um dos sinais de que a Herdade das Servas sabe muito bem o que está a fazer, tanto na produção como a nível de negócio, e isso talvez se deva aos genes… mas não só. A verdade é que, nos últimos 50 anos, a família Serrano Mira acompanhou a grande evolução e as mudanças na região, bem como os avanços da enologia e da viticultura em todo o país e, concretamente, no Alentejo. Sempre inspirados e nunca largando a tradição e a herança vitivinícola familiar, souberam modernizar-se e adaptar a actividade à mutação da realidade ao longo das décadas.

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Edição nº 34, Fevereiro de 2020

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TEXTO Mariana Lopes

O grupo The Fladgate Partnership anunciou hoje, 23 de Abril – como já é tradição para a empresa, no dia de São Jorge – a declaração do Taylor’s Vintage 2018, o único “clássico” do trio apresentado, e os Fonseca Guimaraens Vintage 2018 e Croft Quinta da Roêda Vintage 2018. A designação “clássico”, apesar de não reconhecida oficial e formalmente pelo Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, é para os produtores de Vinho do Porto um sinal de que se atingiu, nesse ano e para uma localização em concreto, uma qualidade muito elevada.

Neste caso de 2018, David Guimaraens, director técnico e de enologia da Fladgate, elucida: “A colheita de 2018 produziu excelentes Vintage, embora o ano tenha tido os seus desafios. Um deles foi a severa tempestade de granizo que devastou muitas vinhas do vale do Pinhão, no dia 28 de Maio, entre elas a Quinta do Junco da Taylor’s. É importante notar que os vinhos de 2018 têm a mais alta intensidade de cor dos últimos anos, o que é normalmente um sinal de boa extracção e longevidade”.

A apresentação dos Vintage 2018 foi feita por Adrian Bridge, administrador do grupo, através de um “directo” na página de Instagram @taylorsportwine. Adrian começou por dizer que “o que tornou 2018 num ano tão bom, foi ter feito bastante calor no Verão, e mesmo no resto do ano o calor ter sido relativamente elevado”. Quanto ao facto de o Taylor’s ser o único dito “clássico” dos três, o CEO explicou que na localização da Quinta de Vargellas (na foto principal e uma das quintas que lhe dão origem), no Douro Superior, “teve óptimas condições meteorológicas para uvas de vinho do Porto, muitas delas vindas de vinhas velhas, o que nos permitiu declarar este Taylor’s como Vintage clássico”. Já o Fonseca Guimaraens, por exemplo, que vem das Quintas Cruzeiro, Santo António e Panascal, viu estas localizações mais frescas do que Vargellas, este ano. Em relação a este Vintage Guimaraens, que é o primeiro de seu nome desde 2015, David Guimaraens afirma “acredito que o 2018 seja um dos melhores exemplos recentes de um Guimaraens Vintage, com os seus ricos e densos frutos da floresta e taninos resistentes, mas optimamente integrados”. Adrian Bridge, durante a apresentação online, acrescentou que “o conceito do Fonseca Guimaraens é o de um vinho com a mesma constituição e carácter que os clássicos Vintage Fonseca, mas feito num estilo mais acessível”. Quanto ao Croft Quinta da Roêda Vintage 2018, Bridge desvenda que este “oferece a fruta madura e perfumada característica dos vinhos da Roêda, juntamente com os taninos tensos”.

Fladgate Partneship Vintages 2018Com uma terceira declaração seguida de um Vintage clássico, algo que é inédito no grupo Fladgate e também noutros, é natural que o consumidor se pergunte sobre o que poderá estar na origem de “tantos anos favoráveis” a vinho do Porto Vintage. Adrian Bridge confirmou que, entre outras razões, os grandes avanços técnicos na viticultura e na enologia desempenham um papel muito importante nessa matéria. Também as alterações climáticas terão, com certeza, uma palavra a dizer aqui. “Nunca declarámos três Taylor’s de seguida. É ‘unusual’, mas é o que é. Debatemos muito esta questão, porque seria algo único e inovador para a nossa empresa e por causa da crise mundial que estamos a atravessar, mas chegámos à conclusão de que, se a qualidade está lá, vamos fazê-lo. Se não o fizéssemos por conta do coronavírus, isso não estaria conforme aos nossos standards de qualidade”, reiterou o administrador.

Numa pré-avaliação do futuro do vinho do Porto da sua casa, Adrian confessa: “Vamos ser desafiados por este ano 2020 porque a manutenção da segurança dos trabalhadores será garantida, através, por exemplo, da distância de segurança na vinha ou até nos lagares, o que nos vai levar a mudanças, mas no final a nossa produção manterá a qualidade”.

Do Taylor’s foram feitas 7800 caixas, do Fonseca Guimaraens, 4700, e do Croft Quinta da Roêda, 2000. Estes três Vintage começarão a ser vendidos no início de 2021.

Brancos de tintas: Com estas uvas também se brinca

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Fazer ao contrário do previsto, inverter os métodos e descobrir novos caminhos com as castas de sempre são alguns dos propósitos destes produtores. Pegaram em uvas tintas e fizeram vinhos brancos tranquilos. A novidade é apresentarem-se como tal, em vez de estarem escondidos.

TEXTO João Paulo Martins

Fazer vinho branco usando uvas tintas não é propriamente uma novidade. Ninguém está fora da lei se usar vinhos tintos vinificados em branco para acrescentar a um lote de branco. Em Portugal tal prática é corrente, sobretudo nos anos em que há pouco branco e em que os produtores sentem necessidade de manter marcas e volume de produção. Mesmo as normas europeias são omissas quanto à obrigatoriedade de apenas se usar sumo de uva branca para fazer o vinho branco. O assunto, neste específico ponto de vista, não é na verdade assunto. A novidade é agora surgirem produtores que, nos anos mais recentes, colocaram no mercado vinhos brancos tranquilos com a indicação específica de terem sido feitos com uvas tintas.
Há muito muito tempo que tal prática é corrente na região de Champagne. Ali usa-se a casta Pinot Noir para fazer vinho branco e o blend mais habitual na região é um vinho branco em que entram quer a uva branca, no caso Chardonnay, quer as tintas Pinot Noir e Pinot Meunier. A prática, antiga, é facilitada pelo facto da variedade Pinot Noir ter pouca cor e originar vinhos bastante descorados, sobretudo se houver pouco tempo de contacto entre o mosto e a película. Ainda no caso da região francesa, se o vinho apenas incorporar uvas tintas, adquire então o nome de Blanc de Noirs ou, em português, Branco de Tintas. Se o produto final apenas incorporar Chardonnay ganha então o nome de Blanc de Blancs. Entre nós, a Bairrada criou o designativo Baga Bairrada para espumantes brancos feitos a partir da casta tinta Baga. Temos então uma técnica clássica do champanhe/espumante que mais recentemente passou para os vinhos tranquilos.
Fazer um vinho branco a partir de uvas tintas é seguramente mais simples do que fazer um tinto com uvas brancas embora tal método já tenha sido ensaiado entre nós. O sumo das uvas (polpa), mesmo das uvas tintas, é por norma branco e são muito poucas as castas tintas em que o sumo é, de per si, vermelho; são castas que ganharam o nome de tintureiras, exactamente por conferirem uma cor muito carregada aos vinhos. Temos algumas entre nós e destacam-se neste capítulo a Alicante Bouschet, muito presente no Alentejo e a Vinhão/Sousão, rainha no Vinho Verde e também muito apreciada no Douro. Não é seguramente com essas que é mais fácil fazer vinho branco de tintas. Não é fácil, mas é possível porque existem actualmente técnicas para se poder retirar a cor aos vinhos e fazer de uvas tintas um vinho branco. A técnica é muito usada no caso dos espumantes – sobretudo usando carvão vegetal – e um produto que retém os polifenóis responsáveis da cor e que impede a tonalidade exageradamente amarela que os vinhos poderiam adquirir com a idade.

Apostar na diferença

Fazer um branco de tintas é, de certa forma, brincar com as uvas, contrariar o seu trajecto mais habitual, desviá-las do seu caminho. Os vinhos que provámos para este trabalho mostram também que, em termos de castas, são várias as escolhas possíveis. E pelo facto de haver aqui mais vinho do Dão do que de qualquer outra zona do país não significa também que essa seja a região naturalmente mais direccionada fazer estes vinhos. Os produtores com quem falámos foram muito claros quanto ao ponto de partida desta aventura: solicitação dos mercados, dos importadores ou distribuidores e vontade de fazer algo diferente que enriquecesse o portefólio. Pelo que nos foi dado perceber, não se chega ao objectivo sem vários ensaios: qual a casta, qual a vinha a escolher, qual o momento certo da vindima para se obter o que se pretende. A meta pode não estar logo ali e o resultado inicial até pode ser pouco entusiasmante; ensaiar e voltar a ensaiar parece ser a norma. Essa é a opinião de Duarte Leal da Costa (Ervideira) que conheceu este tipo de vinhos em viagens no estrangeiro e, na altura, trouxe vinte e tal amostras para provar com o enólogo, Nelson Rolo, mas “eram todos maus e resolvemos tentar fazer algo naquele estilo de branco de tintas; andámos a ensaiar em 2007 e 2008 e foi em 2009 que entrámos no mercado com a marca Invisível, feito a partir de Aragonez. Na altura com 10 000 garrafas mas temos crescido e agora (colheita de 2018) já estamos a fazer 80 000 garrafas”, disse.
Também Julia Kemper, produtora no Dão, assume este carácter exploratório, uma vez que “já fizemos com Touriga Nacional, agora estamos a fazer com Tinta Roriz, mas continuamos os ensaios. A inspiração chegou-me do Rhône e percebi que precisávamos de uvas com uma acidez de branco e com aromas que dispensassem a barrica. Fizemos pela primeira vez em 2017, começámos com 4000 garrafas e agora já vamos fazer 12 000”. A valência da casta Touriga Nacional para este tipo de vinhos foi também acentuada por Osvaldo Amado, enólogo no Dão e Bairrada, em que “a escolha da Touriga foi natural, dado que temos muita quantidade – dos nossos 400 ha de vinha própria cerca de 100 são de Touriga Nacional – e como já tinha a experiência de a usar para fazer espumante, a escolha foi clara; sinto que é uma casta com potencial para estes brancos de tintas. Estamos a fazer 10 000 garrafas mas tivemos ensaios durante três anos. Na verdade, foi um desafio que o departamento comercial da empresa me fez, dada a nossa tradição de uso desta casta”, confirmou.
Diana Silva é produtora na Madeira e tem de lidar com os problemas clássicos da vinha naquela região, sobretudo com o míldio e oídio. Confirmou à Grandes Escolhas que conseguiu uvas numa vinha com cerca de 40 anos implantada em solo de barro da casta Tinta Negra em São Vicente, mais resguardada em relação à influência marítima. Procurou obter uvas de baixa maturação e menos cor. À entrada da adega as uvas tinham cerca de 10,5% de álcool provável e não pôde usar o engaço porque, como as uvas eram compradas a lavradores, não havia a certeza do não uso de pesticidas. Por isso teve de recorrer à colagem com carvão para retirar a cor ao vinho. Não é algo que aprecie – o carvão rapa um pouco os vinhos em termos de aromas – mas não havia outro recurso. O vinho tem sido um sucesso e, tendo começado nas 3000 garrafas estabilizou agora nas 5000. O lado salino destaca-se no vinho e, no futuro, sem o uso do carvão, poderá ganhar outro carácter.

Curiosidade e negócio

Haverá um segredo para se fazer um vinho assim? Acreditamos que segredo não há mas uma coisa é segura: nenhum enólogo conta tudo o que faz e por isso há que ler nas entrelinhas. Enquanto Leal da Costa refere que “o segredo está na velocidade com que se separa o sumo da película e, depois, o frio que é induzido ao mosto para que a matéria corante se precipite; estamos a falar de uma temperatura de cerca de 7º; facilita a precipitação da cor, com ajuda de argila e não de carvão.”. Já Julia Kemper afirma que “só consigo fazer porque a prensa sofisticada que temos inclui um programa próprio (que dura cerca de 3 horas) e que permite massajar o bago de uva retirando a película sem beliscar o mosto; depois fermenta como se de um vinho branco se tratasse”. A questão da qualidade e exigência da prensagem foi também referida por Osvaldo Amado que nos confidenciou que “escolhemos uvas com menos maturação e mais acidez; as uvas entram directamente na prensa sem desengace e faz-se uma clarificação natural, sem recurso a carvão”. O resto dos pormenores não contou, como é normal na profissão…
O crescimento das vendas e a boa aceitação nos mercados externos indica-nos que o modelo tem condições para vingar e poderá mesmo vir a interessar outros produtores. Os estilos são diversificados e os vinhos têm em comum o facto de serem muito gastronómicos (aspecto salientado por Leal da Costa, da Ervideira, para justificar o sucesso do seu Invisível), o que faz deles vinhos da refeição. Será que se descobre que estamos perante um branco de tintas? É difícil, mas possível em alguns casos, sobretudo nos que sugerem uma leve tonalidade rosada; noutros, cremos que ninguém diria que se trata de um branco de tintas. São vinhos de experiência, são curiosidades, mas podem também ser um bom negócio. Há por isso que ousar mas…passo a passo! A verdade é que Leal da Costa já está a plantar mais Aragonez a pensar no seu vinho.
O carácter contracultura que estes vinhos têm fica bem evidente quando o dia que a Ervideira sempre escolhe para lançar o seu vinho ser… o 1º de Abril, o dia das mentiras. Convenhamos que uma mentira com um vinho de qualidade ao lado até pode passar por verdade ou, vá lá, por mentira piedosa.

Como se faz

Para cumprir o objectivo de fazer um branco e tintas convém ter à disposição várias castas tintas e, melhor ainda, poder escolher o local exacto de onde serão escolhidas as uvas para o projecto. É aconselhável escolher uvas que já de si não sejam muito carregadas de cor e, como é evidente, evitar as uvas tintureiras. É bom ter alguma disponibilidade de uvas (em quantidade) porque o que se aproveita, em termos de sumo de uva na prensagem, é muito pouco, podendo variar de 15 a 30% de mosto. Como não é apenas a questão da coloração da película que é tida em conta, só por si as castas pouco coradas não são necessariamente as que originam melhores brancos de tintas. Exige-se uma atenção redobrada a toda a prensagem para evitar que o mosto comece a ganhar cor. Neste aspecto é um trabalho exigente e que obriga a presença permanente para se tomarem as decisões indispensáveis.
A acidez e o equilíbrio de aromas do mosto em situação de vindima precoce levam a que se torne, por norma, necessário fazer vários ensaios para se chegar a um modelo que possa ser diferenciador.
O produto final pode apresentar uma gama diversa de cor, desde o citrino mais evidente que em nada se distingue de um branco de brancas, até uma leve tonalidade rosada, chegando também a situações extremas em que o vinho quase não tem qualquer tonalidade. Aqui entram o gosto do produtor e aquilo que seu cliente/consumidor pede.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

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Edição nº 34, Fevereiro de 2020

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Caves Messias: Grandes vinhos, grande família

A Caves Messias é um dos grandes produtores de vinho do nosso país. Com vinhas na Bairrada, onde tem a sede, no Dão e no Douro, a empresa consegue chegar a quase todos os tipos de vinhos e possui um portefólio impressionante. Na sua base continua a estar uma família que cada vez mais alia […]

A Caves Messias é um dos grandes produtores de vinho do nosso país. Com vinhas na Bairrada, onde tem a sede, no Dão e no Douro, a empresa consegue chegar a quase todos os tipos de vinhos e possui um portefólio impressionante. Na sua base continua a estar uma família que cada vez mais alia a discrição à vontade de bem fazer.

TEXTO António Falcão
NOTAS DE PROVA Vários provadores da GE
FOTOS Anabela Trindade

Os representantes da família na administração: Gonçalo Lousada, José Vigário, Margarida Valente, Messias Vigário e Henrique Guedes de Campos.

A Grandes Escolhas percorreu os caminhos da Caves Messias, conduzidos por Gonçalo Lousada, responsável da produção, e Margarida Valente, prima de Gonçalo e responsável de marketing, enoturismo e recursos humanos. Ambos são administradores, tal como mais outros três elementos, cada um deles representando uma das cinco famílias que herdaram o património que começou a ter nome em 1926. Gonçalo e Margarida representam a quarta geração à frente dos destinos da casa, que começou com Messias Baptista, o fundador da empresa (na altura ainda em nome individual). Não se sabe a história completa de Messias, mas Margarida disse-nos que o bisavô começou de baixo. Terá começado a sua fortuna a exportar vinho para vários mercados da Europa. Outra versão fala ainda da venda de aguardente aos produtores de Vinho do Porto, trazida de grandes explorações do Ribatejo. Estas e outras actividades económicas deram-lhe capacidade para começar a adquirir terras e vinhas na sua Bairrada natal. Em 1938 a 1943 constrói a actual sede da casa, na Mealhada, uma estrutura já de grande dimensão, fundamentalmente constituída por caves e armazéns. Poucos anos depois, Messias Baptista oferece um cineteatro ao município da Mealhada. Mais tarde recebe o grau de Comendador.
Ao longo dos anos foi acumulando uma fortuna considerável. Parte da fortuna foi para a compra de terras e casas. Começou na Bairrada, onde se destacou a Quinta de Valdoeiro, na Mealhada, nos anos 40 do século passado. A segunda aquisição foi no Douro, a Quinta do Cachão, em 1956. Dois anos depois, Messias Baptista iria adquirir uma quinta adjacente, a Quinta do Rei, que pertencia a Gonzalez Byass, famoso produtor de Jerez. As duas quintas fundiram-se e possuem cerca de 200 hectares, dos quais 90 estão actualmente ocupados por vinha. E foi exactamente por aqui que começámos a nossa visita.

Rumo a Ferradosa, São João da Pesqueira

A Quinta do Cachão fica no Cima Corgo, mas está praticamente encostada ao Douro Superior. “A próxima freguesia já aí pertence”, diz-nos Gonçalo. E a paisagem não mente, com as fragas e rochas a mostrarem aquele lado mais selvagem tão típico da sub-região mais a Leste. A casa de apoio aos visitantes, sejam ele família ou técnicos, fica mesmo ao lado da adega e tem todos os confortos necessários neste pedaço de mundo afastado de quase tudo. Estamos no fundo de um vale e ao lado está o final de um dos braços da barragem da Valeira, uma das cinco que represam o Douro na sua corrida para o mar (em território português). O efeito estético é muito interessante.
A adega, de aspecto industrial fica logo ao lado e, apesar de estar em colina, na altura da construção, há umas décadas, optou-se por colocar a recepção da uva na base e depois bombar as massas para os respectivos depósitos. Nos dias de hoje seria exactamente ao contrário, para evitar bombas e usar o benefício da gravidade, maximizando a qualidade. Gonçalo pretende reformular em breve a recepção da adega para a parte de cima, nem que seja apenas para as uvas que vêm em caixas, destinadas para os vinhos especiais. Este ano o desafio é ainda comprar alguns lagares e depósitos de pequena capacidade, para tintos e Vintage ainda mais ambiciosos, à semelhança do que fazem na Mealhada.
No exterior está um generoso conjunto de grandes depósitos (de 50 a 150 mil litros) onde estão os vinhos vinificados. Os vinhos por aqui ficam, muitas vezes um ano ou dois, antes de transitar para madeira ou garrafa.


A adega recebe, das vinhas da casa, apenas 180 toneladas de uva tinta e 10 toneladas de branca. Pouca quantidade para a área de vinha, mas existe uma explicação: “preferimos qualidade em detrimento da quantidade”, afiança Gonçalo. No total a adega recebe muito mais uva do que esta, através de contractos com muitos viticultores da região. No total, entram aqui em média, e por ano, 1,6 milhões de quilos. Como a adega foi projectada para o dobro, conseguem-se “fazer as coisas com calma”, garante o director de produção. Cerca de 70% vai para Vinho do Porto, o resto para vinho Douro. Tudo é engarrafado em Gaia.
Por baixo da adega, uma nova construção, com apenas alguns anos: a casa das barricas, que alberga os melhores vinhos tintos da casa. Todos os anos se compram barricas novas, mas predomina a madeira de carvalho francês. João Soares, o enólogo que vem da Mealhada, é o experimentador nato e por isso reina a diversidade de marcas. Por outro lado, a equipa de enologia descobriu que misturar barricas novas e velhas dá melhores resultados.

Um enorme património de tawnies

A enóloga Ana Urbano gere os stocks de um vasto património de Vinho do Porto. Só na Quinta do Cachão estão cerca de 500 mil litros, com datas a começar em 1982. O armazém principal fica a cerca de 2 quilómetros da adega e é constituído por um enorme edifício mesmo junto ao rio. A abertura da porta, no piso inferior, revela-nos um gigantesco pé direito, exibindo um telhado lá em cima, a mais de 10 metros de altura do chão. As retorcidas traves de madeira, de enorme tamanho e espessura, revelam que esta antiga adega está aqui há muitas, muitas décadas. As grossas paredes de pedra e as raquíticas janelas só realçam ainda mais a cinefilia do espaço, que nos leva a mente para séries de grandiosos cenários, como a Guerra dos Tronos ou o Senhor dos Anéis. Encostados à parede, diversos tonéis e balseiros de vários tamanhos e capacidades, até às dezenas de milhar de litros, por exemplo). Cada tonel tem vinhos de um ano só e aqui não há lotes. Este espaço consegue manter-se fresco todo o ano, mesmo quando estão 40 graus lá fora, garante Margarida.
A idade do edifício? Não se sabe ao certo e, pasme-se, não havia registo dele na câmara municipal. Um indício é a data inscrita num dos tonéis: 1853.
Este seria um local óptimo para fazer eventos vínicos e Margarida Valente sabe-o. O grande óbice, está bom de ver, é o afastamento dos grandes centros. A Régua está muito longe e mesmo o Pinhão dista quase uma hora de carro. A viagem por rio, contudo, é bem mais descansada, mas exige a passagem por barragens e respectivas eclusas: as mais próximas são Bagaúste, entre a Régua e o Pinhão, e Valeira, mais acima no rio. Menos mal que aqui não faltam cais de atracagem, incluindo o da Ferradosa. Este será um projecto para o futuro próximo, certamente, até porque uma casa anexa está já projectada para ser convertida em enoturismo. A exploração poderá vir a ser realizada com um parceiro especializado.
Ana Urbano traz-nos, entretanto, para o presente. “Envelhecemos aqui os vinhos, a maioria para fazer tawnies. Quando os vinhos chegam à qualidade que pretendemos, são enviados para Gaia e substituídos por vinho novo”. Ana prefere estagiar os vinhos em Gaia, que é uma zona mais fresca e húmida e os vinhos levam mais tempo a envelhecer.

Chega, entretanto, Albertino, o homem que toma conta dos vinhos. Quem pense que é só encher os tonéis e esquecer, engana-se. Um Vinho do Porto em estágio dá muito trabalho e as operações não admitem erros. Albertino passa por aqui todos os dias e, de vez em quando tem de arejar um vinho, instruído pela enóloga; ou seja, tira-se o vinho pela torneira de baixo, para um recipiente, e volta para o tonel por cima, através de mangueira. “Quando estão muito tempo fechados, os vinhos do Porto podem ficar com poucos aromas; o arejamento reanima-os”, esclarece Ana. Outra tarefa frequente é, por exemplo, arranjar um tonel que começou a verter e lá se tem que chamar um tanoeiro, coisa nada fácil nos dias que correm.
Fazer os lotes, já em Gaia, é das tarefas favoritas de Ana. Até porque os vinhos podem ser caprichosos. Diz ela que “nunca recuso um lote só porque à primeira parece não funcionar. No dia seguinte pode estar muito diferente e…. muito melhor. Os vinhos têm que casar…”. A técnica de laboratório da casa, Ana Maria, ajuda nesta tarefa.

Vinha no Cachão

Depois de adquirida, a quinta foi alvo de uma grande reestruturação. As castas típicas do Douro, claro, mas já separadas por talhões. Esta quinta terá sido mesmo a pioneira no Douro neste sistema de gestão da vinha. De esses tempos até hoje, a vinha foi sofrendo reestruturações, a cargo das gerações seguintes. Ana consegue assim fermentar casta a casta e depois fazer blends. É quase tudo tinto, excepto um bocadinho de Malvasia e Rabigato. Esta região é muito quente para brancos, afirma Ana. A maior vinha ocupa uma boa parte do monte de Santa Bárbara, encimado por uma capela, a mais de 300 metros de altura. A enorme vinha estende-se até ao rio, quase 200 metros mais abaixo. A plantação mais recente foi um pouco de Sousão, há dois anos, para se conseguir “um pouco mais de acidez”, diz Ana. No total estamos a falar de cerca de 90 hectares, uma vinha de tamanho considerável no Douro e um património invejável. O maior desafio aqui é, cada vez mais, a falta de mão-de-obra, especialmente na vindima. Este problema, diga-se de passagem, é neste momento transversal a todo o Douro.

Rumo à Mealhada

Saímos do Douro em direcção ao sul, para a Mealhada. Pelo meio, mais ou menos, fica a Quinta do Penedo, a operação Dão da Messias. Junto à Aldeia de Carvalho, Mangualde, esta quinta foi adquirida pela Messias em 1999 e pouco tempo depois estava em reestruturação, com as castas mais típicas do Dão. No portefólio da casa, o Dão ocupa pouco espaço, até porque a área de vinha é aqui a mais reduzida de todas as regiões: tem apenas 20 hectares de vinha, que dá origem a três tintos e um branco.

Os enólogos João Soares e Ana Urbano, e o técnico de viticultura Manuel António.

Chegamos finalmente à Bairrada, onde o destino é de imediato a enorme Quinta do Valdoeiro, uma das maiores áreas contíguas de vinha da região, com 70 hectares de videiras. Esta quinta tem a particularidade de ser atravessada pela linha de comboio da Beira Alta, que separa a vinha em duas partes. Um enorme edifício vê-se ao longe, mas não é a adega. Eram construções de uma antiga exploração de gado.
Para o visitante, esta vinha é de facto de uma beleza surpreendente, também pela sua extensão e morfologia, instalada num vale de colinas suaves, entrecortado aqui e ali por pinhal. Que contraste face ao tom rústico e selvagem do Douro! Em vez de xisto, o solo aqui é predominante argilo-calcário. O clima é também muito diferente, marcado substancialmente pela proximidade ao Atlântico, a uns meros 35 quilómetros: “é mais temperado que no Douro”, atira-nos Messias Vigário, administrador e responsável comercial da casa. Ou seja, menores amplitudes térmicas e muito mais humidade, dois factores que fazem muita diferença no vinho (sobretudo na acidez), mas, no caso da humidade, costuma colocar aqui grande pressão de doenças fúngicas, muito mais do que no Douro. Mas longe vão os tempos em que se faziam de 12 a 14 tratamentos; nesta altura fazem menos de metade, uma maravilha em termos económicos e ambientais.
Conseguir maturações completas é o outro grande desafio. A casta tinta rainha da Bairrada, a Baga, é das menos exigentes, porque se conseguem excelentes vinhos com graus alcoólicos abaixo dos 13,5 graus. Outras castas tintas precisam de maior grau, mas, verdade seja dita, os últimos anos têm ajudado, com épocas de vindima secas. Outro ponto a favor é a recente máquina de vindimar, que consegue fazer 5 a 6 hectares por dia. “Foi um alívio, porque em alguns anos isto era um sufoco com falta de mão-de-obra”, garante José Vigário, o administrador da casa com o pelouro financeiro. Manuel António acrescenta: “antes tínhamos 60 pessoas a vindimar e levávamos mais de 20 dias a apanhar… hoje fazemos tudo em metade do tempo”. A máquina tem outra enorme vantagem: colher as uvas mais próximas do ponto óptimo de maturação, uma etapa crucial para a qualidade dos vinhos. Sem ter medo da chuva, o eterno problema nesta região (e em outras). Manuel António e Gonçalo Lousada adoravam levar a máquina para o Douro, mas tal não é possível, claro, pela inclinação do terreno.

Quinta do Valdoeiro.

É neste contexto que trabalham João Soares e o técnico de viticultura Manuel António, que estão juntos na Messias há mais de 18 anos, um caso raro de longevidade nesta fileira. E conseguem produzir todos os anos um belo portfolio de vinhos, desde espumantes até tintos, com uma notável consistência de qualidade. Mesmo no Valdoeiro colheita, cuja produção chega às 60 ou 70 mil garrafas. Este que é, diz João Soares, o “grande desafio enológico: fazer 3 ou 4 mil garrafas de um vinho especial não é muito difícil aqui no Valdoeiro”.
As uvas vão para a sede da casa, na Mealhada, onde as instalações possuem tudo o que é necessário para produzir bons vinhos e espumantes. Produzir e, acrescentamos, armazenar, especialmente no caso dos espumantes, que precisam de muito tempo em garrafa antes de irem para o mercado. Não espanta assim que a Messias tenha em stock mais de um milhão de garrafas de espumante, um negócio “importantíssimo e em crescimento” para a família, nas palavras de Messias Vigário. Sem contar com o Vinho do Porto, o sector ‘espumantes’ representa 30% da facturação e tem tido muito sucesso também na exportação. Messias Vigário diz que, pela Europa fora, os enófilos começam a conhecer e gostar do espumante português.
Alguns deles aparecem na Mealhada, onde hoje têm melhores condições para serem recebidos. A casa fez obras recentes na recepção e possui uma elegante loja com espaço, num piso superior, para fazer algumas provas.

Vasto portefólio

Uma parte do que é vinificado na Messias não vai para produtos da casa. Em particular no Vinho do Porto, onde o negócio vai para a venda de vinho a grandes casas. Uma parte do vinho feito com uvas do Douro, contudo, fica nos armazéns, em Gaia. Vai para marcas da casa, brancas e tintas, e em todos os estilos. Os tawnies, contudo, têm especial destaque. É por isso que a Messias possui uma das mais vastas colecções de ‘colheitas’, com data de vindima. Uma parte está até disponível para aquisição no site da empresa, com datas que recuam até 1962. Por lá estão também quatro tintos emblemáticos. Destacamos três deles: um é o Triunvirato, lote de vinhos do Douro, do Dão e da Bairrada. Outro vinho invulgar chama-se Dados, um Douro feito na colheita de 2009 em parceria com o enólogo espanhol Javier Rodriguez. Não teve continuidade. Finalmente, o Clássico, o Baga da Bairrada que apenas é feito em anos de enorme qualidade.


De resto, o portefólio é enorme e só uma pequena parte foi aqui avaliada. O grande objectivo estabelecido para o futuro pelos seus timoneiros, José e Messias, é ir subindo paulatinamente a qualidade dos vinhos e, ao mesmo tempo, o seu valor no mercado. A equipa de gestão, incluindo os técnicos, sabe que este desafio não é fácil: implica pequenas afinações em todo o processo, melhorias constantes, e, claro, alguma sorte, em especial no clima. A exportação tem ajudado, com 65% dos vinhos a ir para o estrangeiro. A Alemanha é, de longe, o maior mercado, e com pouca ajuda do chamado ‘mercado da saudade’. Ou seja, os alemães gostam mesmo dos vinhos da casa.

A caminho do século

O percurso da Caves Messias sempre foi discreto, mas o observador mais atento percebeu que os vinhos que daqui têm saído, sejam eles Douro, Dão ou Bairrada, generoso ou espumante, mostram um trabalho cada vez mais sério e sustentado em experiência e conhecimento. A empresa continua a singrar e apresta-se para fazer um século de actividade em 2026. Pode parecer que ainda falta muito, mas não é assim. Não é cedo, por exemplo, para preparar um Vinho do Porto, um tinto muito ambicioso ou um espumante com estágio ‘sur lies’. A família sabe-o e, em conjunto com os técnicos, já estão a preparar “qualquer coisa”. João Soares não adianta mais, mas será certamente algo em grande. E faz bem, porque a casa Messias merece-o.

 

Edição nº 34, Fevereiro de 2020

Quinta dos Muros: A outra face do Portal

No vasto e diversificado mundo do vinho, a identidade é uma mais-valia importante. É neste contexto que surgem os vinhos de parcela, como forma de destacar, numa determinada vinha, um terroir muito particular. O agora apresentado Quinta dos Muros Parcela M7 abre um novo caminho no portefólio do Portal e assume-se desde já como uma […]

No vasto e diversificado mundo do vinho, a identidade é uma mais-valia importante. É neste contexto que surgem os vinhos de parcela, como forma de destacar, numa determinada vinha, um terroir muito particular. O agora apresentado Quinta dos Muros Parcela M7 abre um novo caminho no portefólio do Portal e assume-se desde já como uma das estrelas mais cintilantes da empresa.

TEXTO E FOTOS Luís Lopes

A Quinta dos Muros é o berço duriense da família Mansilha Branco, proprietária da sociedade Quinta do Portal. Nas mãos da família desde finais do século XIX, a Quinta dos Muros foi, na verdade, o princípio de tudo. Ali, na encosta nascente do Vale do Rio Pinhão, as sucessivas gerações Mansilha Branco começaram por produzir vinho do Porto, vendido depois a granel para as grandes casas de Gaia. A partir de 1974, resolveram ir guardando algum vinho, criando um stock de Porto que lhes permitiu, no início da década de 90, fazer nascer a sociedade Quinta do Portal, dedicada à produção e comércio de Douro e Porto, e que, mais tarde, integrou enoturismo e hotelaria. Hoje, Portal é a marca e identidade “chapéu” que agrupa a produção de várias quintas mas, para a família Mansilha Branco, as raízes (reais e emocionais) do seu projecto vitivinícola, estão na Quinta dos Muros.

Com 28 hectares plantados, a Quinta dos Muros é igualmente a maior das vinhas da empresa. Contígua, fica a parte da Quinta da Manoela, com 11 hectares de vinha, que pertence à família Mansilha Branco, sendo a outra parte propriedade da família Serôdio Borges (Wine & Soul). Mas enquanto a Quinta dos Muros produz uvas para Porto e Douro, as vinhas da Quinta da Manoela (plantada apenas com Touriga Nacional e Tinta Roriz) estão exclusivamente orientadas para Douro. O património vitícola da empresa fica completo com as quintas do Portal (12,2 ha), da Abelheira (16,6 ha) e Confradeiro (19,6 ha), num total de cerca de 88 hectares de vinha em produção. O olival está também presente em várias destas propriedades.

Pedro Mansilha Branco e Paulo Coutinho.

A parcela M7

Quem cuida de todas estas vinhas, adega, armazéns e vinho, é o enólogo Paulo Coutinho. E percebe-se, quando com ele se fala, que nutre pela Quinta dos Muros um carinho muito especial. Talvez pela diversidade que encontra, pela qualidade das uvas que ali recolhe e pelo tempo e esforço que investiu no estudo e aprimoramento destas videiras. A Quinta dos Muros está dividida em diversas parcelas, entre os 135 e os 550 metros de altitude, integrando vinhas mais recentes e mais antigas, talhões estremes e talhões com castas misturadas. Tinta Barroca, Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinto Cão, Tinta Roriz e Cabernet Sauvignon encontram-se plantados separadamente, mas existem várias parcelas com vinha velha de “field blend”. Entre estas, destacando-se pela sua configuração em oito taludes/patamares de três e quatro bardos, plantados há cerca de 50 anos, está a parcela M7.

A M7 abrange 1,39 hectares, com orientação oeste/noroeste, entre os 440 e os 490 metros de altitude. Neste momento, são exactamente 4.548 videiras, integrando 30 variedades distintas, e tendo como mais representativas a Tinta Barroca, Tinta Roriz, Touriga Franca, Tinta Carvalha e Mourisco.

 

Esta singularidade esteve muito perto de desaparecer para sempre. Uma vinha antiga não produz necessariamente bons vinhos (longe disso!) e alguma decrepitude vitícola da parcela M7 sugeria que deveria ser reestruturada, ou seja, arrancada para plantar vinha nova. Em 2016, porém, Paulo Coutinho, apoiado por Pedro Mansilha Branco, resolveu dar à M7 uma oportunidade para mostrar o que valia. Até aí, as uvas tinham sempre sido misturadas com as de outras parcelas, pelo que ninguém sabia a qualidade e perfil de vinhos que poderiam vir dali. Antes da vindima de 2016, Paulo provou as uvas de todas as videiras, selecionando aquelas que lhe pareciam com mais potencial. Essas cepas foram marcadas e vindimadas separadamente, e as uvas vinificadas em micro lagares de 1m3, com mergulho da manta apenas com a mão e braços, e movimentações do mosto por gravidade. O estágio decorreu em barricas de 300 a 500 litros, novas e velhas. O resultado foi tão surpreendente que, na vindima de 2017, repetiu-se a experiência, minimizando assim a margem de erro. A qualidade da M7 foi reconfirmada e a decisão tomada: a parcela era para salvar, recuperar e preservar.

Assim, logo a seguir à vindima de 2017, entraram em cena dois talentosos classificadores (profissão hoje em dia praticamente extinta e que muita falta vai fazer para o estudo e preservação das vinhas velhas do Douro…). Sem cachos para ajudar a dissipar dúvidas, e com as folhas já em cores outonais, estes profissionais conseguiram ainda assim identificar e classificar individualmente todas estas cepas. A confirmação por DNA foi feita na Universidade de Trás os Montes e Alto Douro (UTAD), com a particularidade de ainda estarem em fase de descoberta/confirmação duas castas, um Gouveio Preto e uma potencial nova variante de Tinta Carvalha. Depois da classificação das cepas, veio o trabalho de remodelar a parcela, reconstruindo taludes e reformulando o sistema de condução das videiras. De postes de madeira com uma fiada de arame, passou-se para os clássicos esteios de xisto, agora com dois arames fixos e dois móveis. Segundo Paulo Coutinho, a vinha respondeu muito bem a esta intervenção, com resultados muitos animadores em 2018 e, sobretudo, 2019.

Uma nova abordagem

A experiência feita com a parcela M7 levou a empresa a procurar replicá-la. Assim, para Pedro Branco e Paulo Coutinho, a M7 servirá de modelo para intervir noutras parcelas de vinha onde também existe “field blend”, e foi já fornecedora de material de propagação (varas de videiras para enxertia) para novas parcelas que já foram entretanto plantadas, quer nos Muros quer na Manoela.
A Quinta dos Muros fornece em todas as vindimas algumas das melhores uvas para a adega do Portal, quer para tintos do Douro quer para Porto Vintage. Mas agora a propriedade vai ganhar outro estatuto dentro do universo Quinta do Portal. O Porto Vintage é um bom exemplo. Até 2011, o Porto da Quinta dos Muros foi sempre integrado no lote do lote do Portal Vintage. Em 2013, 2014 e 2016, os melhores fortificados das uvas da propriedade deram origem a Portal Quinta dos Muros Vintage. Mas na colheita de 2017, o Quinta dos Muros Porto Vintage aparece já sem o “chapéu” Portal, ganhando identidade e autonomia próprias.

E a quinta merece esse destaque. Para Paulo Coutinho, a Quinta dos Muros tem características diferenciadoras face às outras propriedades da empresa: “claramente, a exposição, as diversas altitudes, os patamares de uma ou duas linhas que dominam as parcelas, dão o carácter que necessitamos para os Vintages mais portentosos e os tintos mais concentrados”.

A M7 ajudou igualmente a mudar o modelo de viticultura do Portal. Para além da enologia, Paulo Coutinho tem assumido também, nos últimos anos, a direcção desta área e sabe bem o que quer. “Estamos em reformulação desde 2016”, diz. “E estamos convictos de que temos dado grandes passos, caminhando não para uma filosofia de quinta, mas antes filosofia de parcela e, em certos casos, com uma atenção planta a planta. A interpretação dos sinais de que cada parcela ou planta nos transmite, é o que tem ditado a abordagem. Não somos nós que decidimos o que fazer. As videiras é que nos transmitem o que temos de fazer por elas…”.

 

Edição nº 34, Fevereiro de 2020