Barca Velha 2015: Um Douro (muito) Especial

Barca Velha

Para além de ser um vinho histórico, é um vinho cheio de histórias, mais pequenas e pessoais. As histórias de como, quando, onde e em que circunstância se tomou o primeiro contacto com este mítico vinho. Variam as pessoas, os anos e as emoções criadas pelo momento, mas há um denominador comum – o primeiro […]

Para além de ser um vinho histórico, é um vinho cheio de histórias, mais pequenas e pessoais. As histórias de como, quando, onde e em que circunstância se tomou o primeiro contacto com este mítico vinho. Variam as pessoas, os anos e as emoções criadas pelo momento, mas há um denominador comum – o primeiro Barca Velha na vida não se esqueçe. Certamente muitos colegas meus têm uma história para contar. Eu tenho a minha.
Foi em 2010 quando um casal de amigos veio de Moscovo para passar cá as férias. O marido da minha amiga era um homem de negócios, considerava-se apreciador e só bebia vinhos caros italianos e franceses. Naturalmente, perguntou-me qual era o melhor vinho de Portugal, quando entrámos numa garrafeira. Contei-lhe a história do Barca Velha e expliquei que nunca o tinha provado e não posso acrescentar a experiência própria à minha recomendação. O meu amigo comprou, sem pestanejar, duas garrafas do Barca Velha 2000, uma das quais ofereceu-me e disse: “Tens que provar, é para ti.” E provei. Era bem diferente do que estava à espera: não era uma bomba de sabor cheia de potência, mas um vinho extremamente elegante e estruturado, repleto de frescura e com um final tão longo que me impressionou.

Porque é um vinho mítico?
O Barca Velha foi criado em 1952 pelo enólogo/provador da Casa Ferreirinha, Fernando Nicolau de Almeida, perseguindo um sonho de produzir um vinho tinto de alta qualidade no Douro, região onde quase exclusivamente se produzia vinho do Porto na altura. Em condições conseguiu arranjar apenas as uvas. Todo o processo de vinificação foi um enorme desafio, só ultrapassado graças ao engenho e à enorme força de vontade do criador do Barca Velha. Para uma versão completa, recomendo vivamente a leitura do livro “Barca Velha – Histórias de Um Vinho”, de Ana Sofia Fonseca.
O Barca Velha não é declarado todos os anos, pois por muita perícia e cuidados na viticultura e enologia, milagres não existem, e o ano nem sempre entrega a qualidade intrínseca pretendida para um vinho deste nível de exigência.

O estilo muda?
Sim, com certeza. Passaram mais de 70 anos desde a colheita de estreia e muita coisa mudou desde então: as vinhas e as castas que dão origem ao vinho, as práticas de viticultura, as adegas, a tecnologia e o tipo das barricas utilizadas.
Seria ingénuo pensar que o Barca Velha 1952, feito de uvas não desengaçadas (não havia desengaçadores na altura) numas tinas com gelo transportado à noite de Matosinhos para o Douro Superior e estagiado em barricas de carvalho português, bem mais poroso do que o francês, fosse igual ao Barca Velha 2015, produzido com todos os cuidados e atenção nos detalhes, desde a uva até ao mais ínfimo pormenor, em barricas escolhidas propositadamente para este vinho. A composição varietal também é ajustada para garantir a estrutura, complexidade, frescura e potencial de guarda. A Touriga Franca (43%) garante a estrutura juntamente com Touriga Nacional (40%), responsável pelo aroma e complexidade. Ambas são a espinha dorsal do Barca Velha 2015. Pela primeira vez, o Sousão entrou no lote com 10% a conferir tanino e acidez, ultrapassando o Tinto Cão (5%) e a Tinta Roriz (2%) em proporção. As uvas provêm das vinhas de altitudes e locais diferentes da Quinta da Leda e também das propriedades da Casa Ferreirinha nas zonas altas de Meda.
O que se mantém inalterável é a filosofia do vinho, a vontade e a capacidade de alcançar uma perfeição, mesmo que não seja absoluta, conceptual e contextual.

Como se decide um Barca Velha?
Em 1960 foi criado o Reserva Especial, um vinho que é declarado também em anos de excelência, quando a sua expectativa de longevidade é ligeiramente inferior ao Barca Velha.
Os primeiros indícios de um vinho excepcional surgem na vindima. Se assim for, no final do estágio em barrica (cerca de 18 meses) o lote é engarrafado em garrafas borgonhesas (ao contrário dos outros vinhos da Casa Ferreirinha, que vão para as garrafas bordalesas) e, apelidado de “Douro Especial”, inicia o seu estágio de vários anos em cave para sair de lá com o rótulo de Barca Velha ou de Reserva Especial. Ao longo deste tempo, o enólogo responsável por perpetuar o legado, Luís Sottomayor, com a sua equipa, vai provando o vinho e acompanhando a sua evolução. A decisão acaba por não ser espontânea, é antes uma convicção que se cria na sequência de muitas provas. “Às tantas, a decisão que se coloca não é ser, ou não, Barca Velha, mas qual o momento certo para o lançar” – explica o enólogo. Procura-se o momento, quando o vinho começa a ficar pronto. Cada Barca Velha à nascença tem cerca de oito anos de estágio; o 2015 teve nove.

O preço é justo?
Não existe uma resposta binária, tal como não existe uma justiça linear na relação preço/qualidade de um vinho deste gabarito e notoriedade. Neste caso, o preço não é uma transposição directa de qualidade. Há outros mecanismos que o determinam. Um deles é o próprio mercado. Espera-se que no retalho rondará, nesta primeira fase, entre os €800 e €900.
Claro que, para muitos, provar um Barca Velha continuará a ser um sonho, mas sempre há quem veja este preço como irrisório e gaste muito mais em coisas bem mais fúteis.
O Barca Velha transporta, consigo, toda a história dos vinhos tranquilos do Douro, o legado de conhecimento e aprendizagem e todo o potencial, se quiserem. Não me escandaliza o preço do Barca Velha, mesmo não sendo acessível para mim, como para a maioria dos portugueses. Escandaliza-me quando pedem um preço exorbitante para um vinho sem história e sem outro propósito para além de ganhar artificial notoriedade.

Como é o Barca Velha 2015?
São inevitáveis as comparações com os Barca Velha dos anos anteriores. No Barca Velha 2015 Luís Sottomayor reconhece a estrutura, o volume, os taninos e a maturação de 2011 (um ano quente), bem casados com elegância, harmonia, austeridade e acidez de 2008 (um ano mais fresco).
O Barca Velha 2015, como os anteriores que tinha provado, não é sobre o equilíbrio. Este subentende-se. É sobre harmonia. Estaria enganada se dissesse que é um vinho para impressionar a qualquer um. Não é. Exige alguma experiência de prova, alguma bagagem sensorial para o entender e tirar o maior prazer da prova. E, mesmo assim, é preciso tempo de contacto e foco para permitir que o vinho evolua no copo, para o deixar falar.
Com nove anos de idade está ainda no início da sua vida. A evolução que apresenta é imperceptível como idade, sente-se como afinação. Num vinho perfeito não procuramos a perfeição, mas sim uma diferença, algo pessoal. A elegância é um termo de prova vasto, muitas vezes usado e abusado, mas é um termo bem assertivo neste caso. O Barca Velha 2015 está elegante e certamente ganhará ainda mais requinte com a continuação do estágio em garrafa. Ao mesmo tempo há algo irreverente nele, na forma como não se exibe de imediato, como o tanino ainda agarra, na acidez afiada, no corpo enxuto. Não é um vinho para mastigar. É para engolir e, de preferência, com comida. E no final, assumidamente infinito, deixa a sua presença na boca e na memória. E deixo aqui uma última observação: o Barca Velha não é excelente por ser famoso, é famoso por ser excelente. Foram produzidas 16.567 garrafas.

(Artigo publicado na edição de Julho de 2024)

Domingos Soares Franco: O Homem sonha, a obra nasce…

DOMINGOS SOARES FRANCO

Nascido no seio de uma das famílias mais antigas no sector dos vinhos em Portugal, proprietária da José Maria da Fonseca, que produz Moscatel de Setúbal e o famoso vinho Periquita, Domingos Soares Franco viu a sua admissão rejeitada no Instituto Superior de Agronomia na altura conturbada do Verão Quente de 1975, devido ao seu […]

Nascido no seio de uma das famílias mais antigas no sector dos vinhos em Portugal, proprietária da José Maria da Fonseca, que produz Moscatel de Setúbal e o famoso vinho Periquita, Domingos Soares Franco viu a sua admissão rejeitada no Instituto Superior de Agronomia na altura conturbada do Verão Quente de 1975, devido ao seu apelido de família.
Foi para a Califórnia estudar Enologia e Viticultura entre 1976 e 1981, tendo terminado o curso na Universidade de Davis, não muito distante da cidade de São Francisco. Viver nos EUA foi uma verdadeira “life changing experience” tendo-lhe mudado “chip” de maneira irreversível, e, de certo modo, radical até. Todavia, quando regressou a Portugal, o seu curso não foi aceite pela Associação Portuguesa de Enologia e a respectiva equivalência não lhe foi atribuída, por motivos que não interessam agora aqui esmiuçar.
E o que fez Domingos Soares Franco?

Seguiu em frente, traçou o seu caminho, um pouco ao estilo “the American way!” E assim se passaram quatro décadas, quarenta anos (!), a liderar a enologia da empresa José Maria da Fonseca, sempre ladeado pelo seu irmão António, que ficou responsável pela vertente financeira, e assegurando um mais que merecido lugar de destaque na História e Património Vínico Português.Pelo meio fez, tentou fazer, apenas aquilo que um autor espanhol de finais do século XIX, princípios do século XX, explicava, com humor, num dos seus textos…
“–¿Y en el medio?
–¿En el medio? ¡Ese es el cuento!
– Hay que poner talento.”
Pelo meio aplicou, pois, os conhecimentos adquiridos no Novo Mundo a fazer vinho, comprou máquinas, terra, herdades e adegas, teve também alguns sobressaltos, viajou bastante, sempre na busca do seu caminho, e sempre com o objectivo de nunca perder de vista para onde se direccionava o gosto do consumidor. Continuou e ampliou a colecção ampelográfica de castas que o seu tio António Porto Soares Franco havia iniciado nos inícios de 1920, e que seu pai, Fernando Soares Franco, também havia dado continuidade e consistência, sendo este um trabalho de que se orgulha especialmente.

Não há muito que não tenha sido dito e escrito ainda sobre Domingos Soares Franco, tendo sido não há muito tempo distinguido e “Enólogo Vinhos Generosos do Ano” aqui pela nossa Grandes Escolhas, prémio de carácter mais pessoal que o sensibilizou e encheu de orgulho.

Vinhos pessoais, empresa familiar
A José Maria da Fonseca foi fundada em 1834, tendo iniciado em Janeiro de 2024 a celebração do seu 190º Aniversário.
No ano em que comemora 190 anos, decidiu renovar a imagem corporativa com um logótipo e uma nova assinatura, alusiva à data. A José Maria da Fonseca é um dos líderes nas áreas da produção e comercialização de vinhos de mesa e generosos em Portugal, estando as respectivas marcas presentes em mais de 70 países. Ao longo dos anos a demonstrar uma crescente preocupação face aos factores ambientais, a José Maria da Fonseca orgulha-se de utilizar as melhores práticas no tratamento da vinha, na gestão dos recursos naturais, na sua preservação e conservação, tendo sido a primeira empresa certificada no sector vitícola com as normas ambientais ISO 14001. No final de 2021 concluiu, com sucesso, a sua certificação em sustentabilidade segundo o referencial FAIR’N GREEN, sendo o primeiro produtor de vinho português a obtê-la. O seu portefólio engloba mais de sessenta marcas, representativas das principais regiões vitivinícolas nacionais: Península de Setúbal, Alentejo, Douro, Dão e Vinhos Verdes.

Desde a sua génese, esta é uma empresa 100% familiar, sendo a passagem de testemunho já uma realidade, sentindo-se, entretanto, Domingos Soares Franco, muito tranquilo em relação à sétima geração que já vai assumindo as rédeas da empresa.
E foi neste contexto que recentemente fomos recebidos na emblemática Quinta de Camarate, em Azeitão, para a apresentação de um quarteto de novidades da Colecção Privada Domingos Soares Franco – duas estreias com as novas referências DSF Castelão 2015 e DSF Syrah 2021; e duas novas colheitas dos vinhos DSF Moscatel Roxo Rosé 2023 e DSF Verdelho 2023. Esta gama de vinhos reflecte o caráter experimentalista do enólogo Domingos Soares Franco e traduz, na perfeição, a paixão, o espírito criativo e a dedicação que Domingos impõe nas suas criações, para uma experiência autêntica.
Situada em Azeitão, perto de Setúbal, a Quinta de Camarate foi adquirida por António Soares Franco em 1914 e é hoje propriedade de Domingos Soares Franco, tem uma área de 120 ha, 39 dos quais estão plantados com vinhas. A restante parte é utilizada para pasto das ovelhas que dão origem ao famoso queijo de Azeitão. As vinhas são plantadas em solos argilo-calcários a arenosos junto à Serra da Arrábida.

E foi à mesa, sob um emaranhado lindíssimo de plantas, trepadeiras e bagas silvestres que caíam a espaços ao sabor da intensidade das brisas da tarde, que Domingos Soares Franco fez justiça à frase atribuída ao famoso berbere Ibn Battuta, nascido na cidade de Tânger no ano de 1304, que durante os cerca de 30 anos em que viajou, percorreu mais de 120.000 Km pelos lugares mais longínquos e diversos, incluídos num território que hoje abarca 44 países, numa época em que a Terra era um mistério, as distâncias eram longas e viajar era uma aventura: “Viajar – de princípio deixa-te sem fala, depois transforma-te num contador de histórias”…

(Artigo publicado na edição de Julho de 2024)

Casa da Passarella: Clássicos novos e experimentais sedutores

Casa da Passarella

Há já alguns anos que o produtor Casa da Passarella nos confidencia que os seus vinhos esgotam muito depressa, sobretudo as denominadas entradas-de-gama que, no caso deste produtor do Dão, são praticamente já gama premium, com potencial guarda e a oferecer muito prazer. Ora melhor notícia não poderia haver num país (e mundo) com uma […]

Há já alguns anos que o produtor Casa da Passarella nos confidencia que os seus vinhos esgotam muito depressa, sobretudo as denominadas entradas-de-gama que, no caso deste produtor do Dão, são praticamente já gama premium, com potencial guarda e a oferecer muito prazer. Ora melhor notícia não poderia haver num país (e mundo) com uma imensidão de marcas, e logo para um produtor do Dão, região que, apesar da sua notoriedade, não tem sentido o apelo comercial de outras regiões.
Na verdade, a Casa da Passarella é uma história, e um farol, de sucesso: com um histórico de 130 anos na produção de uvas e vinhos de grande qualidade, no século passado para outros produtores da região e fora dela, a atual fase do projeto é, sem dúvida, ainda mais consistente e, porque não dizer, gloriosa. Com efeito, tudo em torno do projeto está pensado ao pormenor, desde a reabilitação das construções na propriedade à reestruturação de vinhas, passando pelo website no qual se pode ler uma verdade indesmentível: que a história da Casa da Passarella se cruza com a própria história do Dão! Brevemente abrirá um hotel que promete dar muito que falar e pôr a propriedade “de novo nas bocas do Mundo”, não fosse este um dos lemas do projeto.

Vinhos de nicho
Mas, para o enófilo, são sobretudo os vinhos que mais importam. E neste campeonato é mais que seguro dizer que todos os vinhos da Quinta da Passarella (e todos a partir de produção própria, diga-se) merecem prova atenta, com alguns deles a terem excelente relação preço-qualidade (destaque, neste tema, para as marcas A Descoberta e Abanico).
Por outro lado, e no que se refere a topos de gama, existem já verdadeiros best-sellers, caso do Villa Oliveira Encruzado (sobretudo na versão branco) e do ícone Casa da Passarella, um dos melhores tintos nacionais. Parte capital deste sucesso deve-se ao enólogo Paulo Nunes, há muito ligado à propriedade e ao Dão (ele que começou no Douro e oficia ainda na Bairrada, Trás-os-Montes e, mais recentemente, em Estremoz no Alentejo). Com efeito, Paulo Nunes tem conseguido potenciar, por um lado, a produção de vinhos a partir das muitas vinhas velhas da propriedade junto à Serra da Estrela e, por outro, a produção e lançamento de vinhos quase experimentais de nicho, em alguns casos como resultado de substituição de anteriores plantações. Talvez o melhor exemplo seja a casta Tinta Roriz que tem sido progressivamente expurgada da propriedade dando lugar, muitas vezes por enxertia, a outras castas como a Baga. Naturalmente, estes ensaios proporcionam uma dupla condição: permitem ao enólogo conhecer melhor o comportamento da casta e comprovar o acerto do perfil de vinificação escolhido, enquanto possibilita que o consumidor mais curioso vá provando vinhos únicos e muito originais.

Futuro risonho
Sob a chancela O Fugitivo, no passado foram lançados, e provados, edições de Tinta Pinheira, Bastardo e Uva-Cão, bem como um espumante de Baga e um branco de curtimenta, sendo agora lançados uma coleção de três tintos, um Tinta-Amarela, um Tinto Cão e um Baga. Com o passar dos anos, Paulo Nunes assume já ter um significativo conhecimento das vinhas da Casa da Passarella, pelo que o futuro não pode ser outro que não risonho. Difícil mesmo é superar o nível já alcançado!

(O autor escreve segundo o acordo ortográfico)

Artigo publicado na edição de Julho de 2024

Quinta do Carvalhido: Um projecto de família

Quinta do Carvalhido

O lugar, um vale rodeado de montanhas onde sulca o rio Tua perto de Abreiro, é encantador. É isso que se sente quando se observa a paisagem a partir da sala e da varanda da casa principal da família proprietária da Quinta do Carvalhido, parcialmente voltada para jusante do curso de água e para as […]

O lugar, um vale rodeado de montanhas onde sulca o rio Tua perto de Abreiro, é encantador. É isso que se sente quando se observa a paisagem a partir da sala e da varanda da casa principal da família proprietária da Quinta do Carvalhido, parcialmente voltada para jusante do curso de água e para as colinas de encostas, plantadas sobretudo com vinha e oliveiras e cobertas de mato. Fica longe, muito longe mesmo, a mais de quatro horas da capital, mas sabe bem estar ali, bem longe dos ruídos e da balbúrdia dos grandes centros urbanos. Terá sido certamente esta uma das razões que levaram Maria de Fátima Mendonça e Moura e o seu marido, Pedro Drummond Borges, a decidir investir na sua recuperação, quando a primeira recebeu a propriedade em herança da família, que é da região, em 2013.
“Nessa altura eu e a minha mulher fomos muito claros com os nossos filhos, quando lhes dissemos que queríamos investir nela, mas avançámos com a concordância de todos”, conta Pedro Drummond Borges, homem de negócios com vários franchisings da McDonalds desde 1997. Conta que, na altura, não tinha nenhum conhecimento de agricultura, mas como toda a sua vida tinha sido movida pela sua curiosidade em aprender, e pelo espírito empresarial que leva à construção de coisas, decidiu envolver-se na recuperação da propriedade, que tinha inicialmente 20 hectares, dos quais 5,4 de vinha e três de olival.
Os trabalhos começaram pela parte agrícola da quinta, com o apoio do viticólogo José Miguel Telles, que fez um projecto com tudo o que teria de ser feito para tentar recuperar algumas vinhas velhas e reconverter outras, que foi sendo desenvolvido entre 2014 e 2017. Neste último ano começaram a reconversão das vinhas, já com o apoio do consultor de enologia, Francisco Baptista. “Quando falei com ele, fui muito claro”, conta Pedro, dizendo que lhe comunicou que estava muito interessado em entrar no mundo dos vinhos, desde que conseguisse estar na parte superior da qualidade. “Nessa altura nem tinha grande quantidade de uva, pois tinha de cumprir o benefício legal de Vinho do Porto e sobrava pouca área de vinha para produzir vinhos DOC Douro”, conta.

Quinta do Carvalhido
O lugar, um vale rodeado de montanhas onde sulca o rio Tua, é encantador.

As primeiras experiências
A primeira experiência de produção de vinhos decorreu com uvas da colheita de 2017. Resultou num tinto produzido com as castas Touriga Nacional e Touriga Franca, engarrafado em 2019. Foram 1500 garrafas, as mesmas das duas colheitas seguintes, feitas sobretudo para procurar perceber se o perfil e a qualidade dos vinhos se mantinham ao longo dos anos. No final desse tempo, a equipa chegou à conclusão que estava preparada para dar o salto em termos comerciais, porque a qualidade vinho estava no segmento alto, aquele que tinha sido pré-determinado para o negócio da Quinta do Carvalhido.
Os vinhos das três primeiras colheitas tinham sido vendidos com facilidade, “o que não era difícil, porque a quantidade era muito pequena”, comenta Pedro Drummond Borges. Então foi necessário repensar a forma de a empresa e os seus vinhos estarem no mercado, já que isso implicavam novos investimentos, que avançaram, de novo, após decisão familiar.
Entretanto foi lançado um branco Quinta do Carvalhido, de 2021, e foi introduzida uma gama Colheita, de entrada, com a marca Carvalhido, lançada a partir de 2022, que inclui um branco, um rosé e um tinto. “Foi mais uma forma de despertarmos a atenção do mercado para a nossa marca”. E foi assim que a produção passou das 1500 garrafas nos primeiros três anos para as seis mil, em 2022 e 10 mil, no ano passado.
Em 2023, foi criada mais uma marca, para se posicionar entre a referência de topo e a de base, a Quinta do Carvalhido Concrete, cujos vinhos foram os primeiros a ser feitos na adega da quinta, um branco, um rosé e um tinto que estagiam em cubas de cimento. “Considerámos que o mercado estava com apetência para este tipo de vinhos e achámos que era uma boa forma de criar alguma diferenciação em relação ao que já estava a ser feito, embora outros produtores já tenham elaborado vinhos desta forma”, explica Pedro Borges. Diz, depois, que a sua empresa entrou agora em fase de amadurecimento, já que as três gamas lhe permitirão mostrar os vinhos que faz, e trabalhar para alcançar o reconhecimento do mercado.

Quinta do Carvalhido

 

Em 2023 foi criada a marca Quinta do Carvalhido Concrete, com vinhos estagiados em cubas de cimento.

 

Imagem e comunicação
“Temos tido o cuidado de explicar aquilo que estamos a fazer a todas as pessoas com que vamos interagindo, na distribuição, nas garrafeiras e na restauração e fizemos investimentos que considerámos importantes na selecção dos formatos e na rotulagem das garrafas”, explica Tiago Drummond Borges, filho de Pedro e “chief operating officer” da Quinta do Carvalhido, acrescentando que tudo é cuidado para realçar o posicionamento alto da marca. “É onde queremos que ela seja reconhecida e é para esse tipo de consumidores que queremos falar”, defende. “Claro que isso depende também do nosso trabalho de aproximação ao mercado”, salienta o pai. Para de investimento em comunicação, construíram um site e estão a implementar uma rede de distribuição em Portugal.
“Optámos por ter distribuidores pequenos, mais focados nas marcas que têm, por região do país, para ir trabalhando com eles com uma proximidade maior, de forma a percebermos como é que o mercado vai respondendo aos nossos produtos”, conta Tiago, acrescentando que foi assim que fecharam o Algarve, Porto, Leiria e Coimbra, e Lisboa com mais dificuldade. “É um mercado muito competitivo, onde se vendem 60-70% dos vinhos em Portugal”, explica, acrescentando que se foi apercebendo, com as apresentações que foi fazendo nas empresas de distribuição da capital, “que estas estão muito mais preocupadas com o preços do que as outras, devido à concorrência, o que fez com que este processo na capital levasse mais tempo”, conta Tiago, acrescentando que hoje têm o país praticamente coberto.
A Quinta do Carvalhido deverá vender 15 mil garrafas em 2024, uma evolução contida e assente com os “pés no chão”. “Não podemos ser demasiado ambiciosos, porque não temos capacidade ainda para responder a grandes aumentos de procura”, defende Pedro Drummond Borges. “Com a agência de comunicação, o site e as empresas que nos tratam das redes sociais, temos ido pé ante pé a todas as áreas, para criar curiosidade em relação à nossa casa e às nossas marcas”, conta o gestor, salientando que o objectivo, para o futuro, “daqui a dois a três anos”, é dar o salto e partir para outros voos, como a exportação. “Mas é, para mim, muito importante, ter um negócio sustentável em Portugal, antes de ir para fora”, diz. “Tenho de ter o mínimo de reconhecimento antes de avançar nesse sentido”, afirma.

Vinha e olival
Hoje a empresa tem 16 hectares de vinha, dos quais 13 hectares integram a propriedade principal, a que se juntam mais três situados na Verdeana, a 10 quilómetros da Quinta do Carvalhido. O encepamento é sobretudo de tintas, das castas Touriga Nacional, a Touriga Franca e a Tinta Roriz. A percentagem de uva branca ainda é pouco elevada, e são plantações mais recentes, apesar de Pedro Drummond Borges querer plantar mais quatro hectares nas zonas mais altas da propriedade, numa área que vai ser reconvertida. O seu objectivo é chegar aos 22/23 hectares de vinha, porque acredita que vai ter sucesso com a venda dos seus vinhos e tem de ter capacidade de resposta, em termos de produção, ao acréscimo das solicitações do mercado.
No início, a área de olival tinha apenas três hectares. Mas hoje já cresceu, por força de aquisição de parcelas vizinhas, para os 10, o que obrigou pai e filho a pensar em criar mais uma linha de negócio, a do azeite. “Vou fazer, aqui, exactamente o que fiz com o vinho, ou seja, estudar, planear e procurar conhecer e perceber, até ter a certeza de que o meu azeite tem a qualidade necessária que permita fazer investimento de mercado”, diz Pedro, acrescentando que, a jusante da produção, também fará o mesmo que fez com o vinho, começando por escolher a garrafa e quem faz os rótulos. “A nossa experiência com o vinho pode ajudar-nos bastante com este caminho”, defende.

(Artigo publicado na edição de Julho de 2024)

CAZAS NOVAS: A virar a região do Avesso

Cazas Novas

A região dos Vinhos Verdes apresenta uma longa e curiosa história. Muito longe vão os britânicos tempos em que os elegantes vinhos tintos, de cor aberta, eram embarcados a partir da foz do rio Lima, em Viana do Castelo, rumo a longínquas paragens. Mais tarde, esses mesmos tintos evoluíram para colorações bem mais fechadas e […]

A região dos Vinhos Verdes apresenta uma longa e curiosa história. Muito longe vão os britânicos tempos em que os elegantes vinhos tintos, de cor aberta, eram embarcados a partir da foz do rio Lima, em Viana do Castelo, rumo a longínquas paragens. Mais tarde, esses mesmos tintos evoluíram para colorações bem mais fechadas e retintas, servidos em alvas malgas capazes de estabelecer uma melhor ligação com a característica gastronomia tradicional minhota.
Esses novos tintos “de pintar a malga”, mais ao gosto das gentes do Minho, não receberam a mesma aceitação fora da região e o seu consumo ficou mais limitado às zonas de produção. Ainda assim, com a lenta passagem do tempo, alguns produtores ganharam elevada reputação e a procura os seus vinhos era grande, sendo transacionados por quantias bem interessantes, na época.
Na década de sessenta, a tradição começou a ganhar outras colorações. As produções de vinho branco começaram a aumentar anualmente e com elas iniciou-se uma reconquista de novos mercados. Ainda assim, a produção declarada de vinho branco, nesta época, oscilou entre os duzentos e cinquenta mil e os quinhentos mil hectolitros, enquanto a dos tintos chegou a ultrapassar os dois milhões de hectolitros. A mudança estava em curso.
Vinte anos mais tarde, o prolífico e reputado agrónomo Amândio Galhano escreveu sobre a enorme reestruturação das vinhas da região e apontava para a escolha das castas brancas, como a Trajadura e a Loureiro, em detrimento das tintas, Vinhão e Brancelho. A preferência pelas primeiras estava em linha com a procura dos mercados urbanos e internacionais por vinhos com características mais acídulas e frutadas.
No início da década de noventa assistiu-se a uma verdadeira revolução, os vinhos brancos ultrapassariam, pela primeira vez na história da região, a produção dos tintos. No final desse mesmo decénio, a produção declarada de tintos representou apenas 40% do total.
No seguimento desta radical mudança assistiu-se a uma curiosa especialização e alinhamento em função dos principais vales que abraçavam os rios da região. A norte, o vale do rio Minho continuou a especializar-se na casta nobre de elevado potencial enológico, a Alvarinho. No vale do rio Lima e zonas adjacentes a Braga, Penafiel e Lousada dedicaram-se mais especificamente às castas Loureiro, Pedernã (Arinto) e Trajadura. No extremo sul da região pontifica um imponente e extraordinário rio ibérico, o Douro. Nas suas margens que integram a região sub-região de Baião predominam a Azal e a Avesso.
No ano de 2022 a revolução encontra-se absolutamente normalizada: segundo dados da CVR dos Vinhos Verdes, a comercialização dos vinhos tintos cifrou-se em apenas 4% do total.

Cazas Novas

Baião, Avesso e Cazas Novas
A sub-região de Baião é uma das nove sub-regiões dos Vinhos Verdes e localiza-se no extremo sul, na fronteira com a região do Douro. Integra os concelhos de Baião e parte dos concelhos de Resende e Cinfães. Neste território encontram-se os solos mais pobres da região que, aliados ao clima muito quente no verão e mais frio e seco no inverno, são perfeitos para a evolução da casta Avesso, conhecida pela necessidade de calor para o desenvolvimento da sua maturação tardia. Em função do tempo de colheita, as uvas da casta podem demonstrar atributos de expressão aromática, acidez, frescura e concentração, revelando potencial enológico para vinhos com capacidade de envelhecimento.
O veículo em que nos deslocámos para conhecer o projecto Cazas Novas já conhecia a longa montanha russa e o lânguido serpentear da Serra do Marão e da Estrada Nacional 101, entre a saída da A4 e o vale do rio Douro. Os muitos quilómetros percorridos nos dois sentidos desta estrada já desgastaram muitas vezes os calços de travões, pneus e a caixa de velocidades de muitos visitantes, quase sempre com as vinhas da região do Douro como destino. No entanto, desta vez o destino seria um pouco mais a jusante do que o costume.
À espera, na localidade de Mínguas, próxima de Santa Marinha do Zêzere, em pleno vale do Douro, estava Vasco Magalhães, um dos quatro sócios e responsável pelo departamento de marketing e vendas do projeto Cazas Novas.
Cunha Coutinho, outro associado e principal impulsionador do projecto vitivinícola Cazas Novas, assume-se como um empreendedor com investimentos em diferentes áreas de negócio, mas tem procurado manter a ligação ao que verdadeiramente o apaixona, a terra. A enologia está a cargo de Diogo Lopes, uma personalidade da nova geração de profissionais que se encontra igualmente envolvido em outros projectos no Alentejo, Douro, Lisboa e Açores. Por fim, o mais recente sócio da parceria, André Miranda, que aporta toda a sua experiência enquanto produtor na terra onde nasceu, mais precisamente na região dos Vinhos Verdes.
O projecto Cazas Novas, criado em 2008, tem o seu centro nevrálgico na Quinta de Guimarães, património da família Cunha Coutinho há sete gerações, referiu Vasco Magalhães. Esta propriedade, juntamente com a Quinta das Cazas Novas e ainda duas outras debruçadas sobre o Douro, a Quinta do Adro e Quinta das Tias, agregam um património florestal e agrícola superior a 100 hectares, dos quais 24 são dedicados exclusivamente à viticultura da casta Avesso.

O Avesso domina
Esta é a maior área dedicada ao encepamento desta casta branca portuguesa, revela Vasco Magalhães, um verdadeiro tesouro concentrado num local considerado como de excelência para a expressão desta variedade tão exclusiva. O seu nome é ele próprio um enigma, sugerindo uma ideia de aversão ou hostilidade a algo. A casta não está entre as mais produtivas e, é um facto, fora do seu terroir de excelência, a viticultura não é fácil. Também por aí se define a sua exclusividade.
Vasco não tem dúvidas de que esta zona de transição entre os Vinhos Verdes e o Douro, e já com o rio como influência, com vinhas de encosta em solos de granito que enfrentam amplitudes térmicas elevadas, origina vinhos únicos, sem paralelo em qualquer outra região, que se caracterizam pela sua frescura, mineralidade e potencial de evolução. É o território da Avesso, casta que a Cazas Novas pretende guindar ao patamar de excelência e reconhecimento que a Alvarinho e a Loureiro já alcançaram.
O primeiro vinho engarrafado surgiu em 2008, Cazas Novas colheita, com a curiosa soma de 3333 garrafas. A partir de 2011, já com o apoio do enólogo Diogo Lopes e de Vasco Magalhães, desencadeou-se o estudo da casta Avesso e a base para o atual projecto vitivinícola. Este desenvolvimento motivou a introdução no mercado de duas novas referências: o Cazas Novas Pure e o Cazas Novas Origem.
Anualmente, as três referências que compõem o projecto perfazem cerca de trinta mil garrafas, sendo vinte e duas mil do Cazas Novas colheita, seis mil do Cazas Novas Pure e duas mil da referência topo de gama, Cazas Novas Origem.
Os resultados, são desde já, muitíssimo prometedores. E num futuro mais ou menos próximo será muito interessante perceber até que ponto o projecto Cazas Novas está, de facto, a mudar a percepção dos vinhos desta casta, dentro e fora da região.

(Artigo publicado na edição de Julho de 2024)

Ilha de Santa Maria: O renascimento de uma paisagem vinhateira única

Ilha de Santa Maria

Não é difícil a alguém apaixonar-se pela paisagem de vinhas da Ilha de Santa Maria, nos Açores. Esta primeira visita, que decorreu num tempo especial para a ilha e as suas pessoas, quando foram apresentados publicamente os sua primeiros vinhos, lançados depois de muitos anos em que a sua produção chegou praticamente a zero, foi […]

Não é difícil a alguém apaixonar-se pela paisagem de vinhas da Ilha de Santa Maria, nos Açores. Esta primeira visita, que decorreu num tempo especial para a ilha e as suas pessoas, quando foram apresentados publicamente os sua primeiros vinhos, lançados depois de muitos anos em que a sua produção chegou praticamente a zero, foi surpreendentemente positiva.
A vitivinicultura faz parte da história da ilha desde o seu povoamento, há mais de 500 anos. Inicialmente o Verdelho era a casta mais abundante e a produção de uva e vinho destinava-se ao autoconsumo, para subsistência dos seus habitantes. “Foi, também, a forma de aproveitar os terrenos marginais de encosta da ilha”, conta Duarte Moreira, presidente da Agromariensecoop – Cooperativa de Produtos Agro-Pecuários da Ilha de Santa Maria.
Segundo Rui Andrade, 44 anos, vogal na direcção da Agromariensecoop, e um estudioso da história da viticultura da ilha, “os primeiros povoadores trouxeram com eles vinho, com certeza, porque é uma bebida enraizada na cultura e tradições portuguesas”. Conta, também, que está comprovado que a estrutura das vinhas actuais já existiam há mais de 400 anos e que a sua produção era já significativa, servindo provavelmente também para abastecer os barcos que aportavam na costa da Ilha de Santa Maria onde ficava a capital dos Açores nessa época, porque era nela onde estava o capitão donatário de todas elas. A actividade vitivinícola da época é atestada pelos diversos lagares rupestres da ilha, escavados na rocha.

Ilha de Santa Maria

 

Quem é Duarte Moreira?

Natural da Ilha de Santa Maria, Duarte Moreira, 58 anos, é o presidente da Agromariensecoop. Descendente de uma família de agricultores, cresceu no mundo rural até frequentar Universidade dos Açores na Ilha Terceira, onde se licenciou em Engenharia Zootécnica. Regressou depois à sua ilha natal para integrar o serviço de Desenvolvimento Agrário secretaria da Agricultura dos Açores. Em 1996 passou a chefe de Divisão do serviço, onde esteve até 2008, sempre ligado à parte técnica e bovinicultura de carne, em conjunto com a gestão do serviço. Entretanto geriu também a empresa de família, a Quinta das Quatro Canadas, com o irmão, que se dedica à bovinicultura de carne, que vendeu há cinco. Desde 2008 é o presidente da Agromariensecoop, cuja actividade inclui, entre outros, o abate de bovinos de carne, a transformação de produtos locais em doces e compotas, principalmente de meloa, que é certificada, mas também de mel e, agora, a produção de vinho.

 

 

Trabalho duro
A descoberta da história da produção vitivinícola da ilha até ao seu quase desaparecimento, cerca dos anos sessenta do século passado, devido sobretudo a condições sociais e económicas, é aliciante. O trabalho na vinha era e ainda é duro, hercúleo e certamente penoso devido às dificuldades de acesso aos currais de encosta onde se desenvolvem as vinhas, à baixa produtividade de cada pé, em cada curraleta, ao seu difícil maneio, vindima e transporte das uvas colhidas, ladeira abaixo, para serem transportadas depois, muitas vezes de barco até Vila do Porto, porque não até meados do século passado não havia outra forma de o fazer, devido à dificuldade de acesso por terra.
A produção de vinho chegou a ser enviada para outras ilhas do arquipélago, o continente e outros países há alguns séculos. Mas o aparecimento de pragas como a filoxera e doenças como o míldio e o oídio originaram o desaparecimento das variedades de videira europeia no final do século 19, princípio de 20, e a sua substituição por produtores directos vindos do continente americano, como o Isabella e o Jacquez, “que produziam tanto que as pessoas se esqueceram da videira europeia”, conta Duarte Moreira. Entretanto, como o vinho de cheiro de Santa Maria tinha qualidade e a produção era excedentária, era vendido também para S. Miguel para ser misturado com o desta ilha, “para lhe dar mais cor e grau”. Mas esse negócio foi decaindo no século passado até que, em meados dos anos 60, o vinho passou a ser feito apenas por algumas habitantes da ilha para autoconsumo e a ter má qualidade. “Era intragável”, afirma Duarte Moreira. Com o tempo, as pessoas desaprenderam de tratar das vinhas, de fazer o vinho e perdeu-se o conhecimento tradicional.

Ilha de Santa Maria

 

Projecto de recuperação
Em 2021, a Agromariensecoop foi desafiada a integrar o projecto de recuperação da paisagem vitivinícola da Ilha de Santa Maria, com o objectivo de criar condições para receber as uvas, transformá-las e produzir vinhos. Depois de algum tempo de estudo, o projecto de investigação e desenvolvimento em meio empresarial Santa Maria Wine Lab, que teve início em 2022, com cubas pequenas e material apenas para investigação e experimentação, deu origem aos vinhos apresentados publicamente agora, que foram produzidos sob a responsabilidade do enólogo residente da cooperativa, João Letras. “O projecto também serviu para transmitir conhecimento aos viticultores porque, sem eles, não podia ser desenvolvido”, explica Duarte Moreira, acrescentando que o pagamento das uvas é feito de forma a envolvê-los na produção de vinhos da ilha e incentivá-los a empenhar-se na recuperação da sua paisagem vitivinícola ancestral, que se estava a perder. “O objectivo, para a além de ter mais um produto que contribua para a economia da ilha, é tentar recuperar uma paisagem que inclui um património histórico edificado único, feito por gerações com um esforço heróico, que faz parte da cultura da ilha e poderá gerar também mais valias a nível do enoturismo, com visitas às vinhas e à adega, onde poderão provar o vinho produzir a partir das vinhas das encostas das ilha”, explica Duarte Moreira, acrescentando que o negócio do vinho também pode ser interessante para a cooperativa, por aportar mais um sector de produção ao seu negócio, diversificando fontes de receita essenciais à economia de num meio tão pequeno como o da ilha.
Actualmente estão envolvidos no projecto mais de 30 viticultores, mas o potencial é superior. Só nas baias da Maia e de S. Lourenço, as duas paisagens protegidas da vinha na ilha, há cerca de 80 hectares de vinha e, no total da ilha, falando apenas nas baías tradicionais, cerca de 120 hectares. A produção média por hectare actual anda no quilo de uva por pé, para as castas nobres. Mas poderá crescer com uma viticultura mais profissional. Hoje é o enólogo João Letras que faz o acompanhamento no campo, mas a cooperativa pretende contratar mais um engenheiro agrónomo ou agrícola para apoiar os viticultores. “É fundamental essa ajuda, porque as pessoas deixaram de fazer o maneio da vinha que esteve praticamente abandonada e precisam de reaprender”, defende Duarte Moreira, acrescentando que têm sido já desenvolvidas acções de formação com técnicos da ilha e de fora.
Uma das grandes dificuldades ao desenvolvimento deste projecto é a mão de obra, já que é extremamente difícil trabalhar nas vinhas das baías de Santa Maria, e a sua mecanização ainda está longe de ser alcançada, apesar de o desenvolvimento da tecnologia ser constante e já haver a hipótese de utilizar drones para tratamentos fitossanitários. Mas como as vinhas precisam de mão de obra e na ilha não há capacidade de resposta, “provavelmente terá de ser recrutada mão de obra noutras origens”, como já acontece em Portugal Continental.

 

Vinhos com personalidade
Desde o início do processo de recuperação do património e da tradição vitivinícola de Santa Maria, todo o projecto de desenvolvimento do Santa Maria Wine Lab, para a transformação das primeiras uvas, estudo dos vinhos produzidos e lançamento dos primeiros três vinhos certificados, um branco de uvas tintas, um monocasta de Verdelho, desde sempre a casta mais tradicional da ilha, e um rosé feito com base em quatro castas tintas, todos frescos e elegantes, delicados, com o perfil mineral e alguma salinidade comum aos vinhos de outras ilhas açorianas, por vezes com alguma pederneira mas também com fruta delicada, mostram que o trabalho feito de recuperação dos vinhedos tradicionais da ilha, alcantilados em currais em algumas das suas encostas viradas para o Oceano Atlântico, até agora resultou e teve sucesso. Mas ainda há muito a fazer para recuperar as suas vinhas tradicionais, cerca de 120 hectares, plantando mais área, para produzir um maior volume de uvas e garantir o fornecimento anual de vinhos, para que a ilha consiga responder às solicitações futuras dos mercados, que irão surgir em relação aos vinhos de Santa Maria.
Para já, a Agromariensecoop, que tomou em mãos o projecto e o seu desenvolvimento, com o apoio do Governo Regional Açoriano, tem envolvido agricultores incentivando-os a produzir uvas, quando muitos tinham deixado de o fazer, para depois as transformar em vinho com o apoio de João Letras. Alentejano chegado há pouco mais de um ano à ilha, está muito empenhado no conhecimento das suas tradições vitivinícolas ancestrais e no desenvolvimento deste projecto. O seu principal desafio, desde que iniciou o projecto tem sido a viticultura, porque as vinhas ficam em declive e são de acesso difícil, é preciso ensinar e garantir que todas as operações de maneio da vinha são feitas, e ainda há problemas climáticos como a salga, que decorre quando os ventos que sopram do mar transportam e depositam água salgada sobre as plantas, o que pode originar a perda de produção se não chover nas 24 horas seguintes. Já “a produção de vinho é simples: é mostrar aquilo que a uva tem”, explica, de forma clara e simples, João Letras.

Ilha de Santa MariaQuem é João Letras?

Com 31 anos, o enólogo da Agromariensecoop licenciado em Bioquímica e mestre em Viticultura e Enologia pela Universidade de Évora, fez também uma pós-graduação em Segurança Alimentar na sua Faculdade de Medicina Veterinária para complementar as áreas de viticultura e enologia. Fez vários estágios de vindima, onde passou pela Herdade das Mouras, Casa Relvas, Dona Maria e Fundação Abreu Calado, onde se iniciou como enólogo residente antes de se mudar para a Herdade da Comporta, onde trabalhou três anos antes de surgir o desafio do projecto das vinhas e vinhos de Santa Maria, que quis abraçar. Diz que decidiu mudar, porque achou que estava com a idade certa para abraçar o desafio de produzir vinhos atlânticos, que sempre tinha tido vontade de fazer e porque a vitivinicultura da Ilha de Santa Maria era um “diamante em bruto” que podia moldar à sua maneira.

 

Novo roteiro de enoturismo
Para já, o enólogo, tem usado os seus conhecimentos de viticultura e enologia para produzir vinhos com qualidade, distintos, a expressar não só as características das ilhas, mas também um terroir que é realmente único, por incluir uma paisagem moldada por mãos humanas ao longo de séculos, nas encostas da ilha de Santa Maria. Pelo menos pela mostra dos vinhos lançados quando lá estive, durante uma festa que decorreu na presença do secretário Regional da Agricultura dos Açores, António Ventura e de algumas dezenas de pessoas mais, envolvidos no projeto, ou não, no Ponta Negra, o único restaurante da Baía de S. Lourenço, uma daquelas onde o património vitícola já se encontra em franca recuperação, em conjunto com a da Maia.
A Ilha de Santa Maria produz sobretudo bovinos de carne para venda em vivo ou em carcaça, tem a sua produção de mel certificada, tal como a sua meloa e um queijo de ovelha de pasta semimole que vale mesmo a pena experimentar. Bom peixe, restaurantes que sabem preparar comida bem cozinhada, e para todas as carteiras, diversos caminhos pedestres marcados para quem gosta de caminhar são algumas das ofertas de uma ilha que prepara agora a sua oferta de enoturismo, já que o futuro está já ali, a acrescentar às rotas de natureza de terra e mar já existentes, que incluem a observação de cetáceos e jamantas, entre outros.
“Estamos a desenvolver, já para este verão, um projecto de roteiro turístico que irá envolver as empresas locais que desenvolvem este tipo de ofertas, com visita à adega e prova de vinhos e uma pequena prova complementar de enchidos e queijos da ilha de Santa Maria”, conta Duarte Moreira. Uma primeira rota, ainda em projecto para ser concretizado, deverá contribuir para aumentar o afluxo de turistas a Santa Maria e juntar o útil, a produção de vinhos de qualidade, para assegurar o pagamento das uvas aos agricultores e remunerá-los da forma adequada, ao agradável que é o aumento de receitas da ilha, com a futura venda dos seus vinhos, também nos mercados externos, e do aumento das receitas com os turistas que irão, a partir de agora, visitar também a ilha motivados pelo seu património vitícola e pela qualidade dos seus vinhos.

Ilha de Santa Maria

(Artigo publicado na edição de Julho de 2024)

Nova era na Quinta do Sampayo

Quinta do Sampayo

Ora a “Hospedeira Casa do Sr. L.S.” a que Almeida Garrett se refere, nas suas “Viagens na Minha Terra” é precisamente a Casa de Luíz Sampayo (L.S.), aquando da sua visita à quinta, em Julho de 1843. De facto, as raízes históricas da Quinta do Sampayo remontam a 1718, existindo registos históricos de produção de […]

Ora a “Hospedeira Casa do Sr. L.S.” a que Almeida Garrett se refere, nas suas “Viagens na Minha Terra” é precisamente a Casa de Luíz Sampayo (L.S.), aquando da sua visita à quinta, em Julho de 1843. De facto, as raízes históricas da Quinta do Sampayo remontam a 1718, existindo registos históricos de produção de vinho desde essa data.
Em Junho de 1860, D. Pedro V atribui o título de I Visconde do Cartaxo a Luiz Teixeira de Sampayo, conservando a actividade vinícola na Quinta do Sampayo, havendo, inclusive, registos do vinho já nessa altura ser engarrafado e rotulado sob a insígnia dos Viscondes do Cartaxo.
A Quinta do Sampayo é propriedade do Grupo Agroseber desde 1995. Localiza-se no concelho do Cartaxo, na União das Freguesias do Cartaxo e de Vale da Pinta, a menos de uma hora de Lisboa. O passado dia 23 de maio de 2024 marcou o início de uma nova era para a Quinta do Sampayo.
Ana Macedo – e restante equipa – apresentou, perante uma vasta plateia de convidados, todas as novidades da Quinta, honrando-se o passado e as suas memórias, mas brindando-se à mudança, ao futuro e, sobretudo, a novos princípios! Segundo Ana Macedo, filha de José Macedo (responsável maior pela grande transformação da Quinta), que assumiu desde Novembro de 2022 a decisão de reerguer a Quinta do Sampayo, após 10 anos de estagnação: “Voltar à Quinta do Sampayo significa honrar a visão do meu Pai e, de alguma forma, continuá-la, à luz da minha própria visão do que a Quinta pode ser, da marca que pode deixar na região e nos vinhos produzidos. É uma honra receber-vos hoje. A nova era da Quinta do Sampayo começa hoje, neste momento tão importante e especial para nós”.
O plano passa, pois, por colocar a Quinta do Sampayo de volta ao mapa vínico nacional, bem como estabelecer-se como referência no panorama do enoturismo.

Quinta do Sampayo

 

Ana de Macedo assumiu a decisão de voltar a reerguer a quinta após 10 anos de estagnação.

Vinhos de excelência
Para o efeito conta com uma equipa composta por Marco Crespo, enólogo, Alberto Miranda, viticólogo, Renata Abreu, consultora comercial, bem como a chef Justa Nobre, responsável pela oferta gastronómica dos eventos.
Alberto Miranda revelou-nos que “a missão é ambiciosa: criar vinhos de excelência. Para isso, e desde que se tomou a decisão de retomar a produção de vinhos na Quinta do Sampayo, preservando a sua essência, apostámos numa nova abordagem: o RIR – Renovar, Inovar e Rejuvenescer.” Atentos às novas tecnologias, a novos métodos de produção, mas também às alterações climáticas e à sustentabilidade, a Quinta do Sampayo renovou equipamentos, apostou na diminuição da contaminação dos solos, promove activamente a biodiversidade, entre outras estratégias, que visam atingir os objetivos propostos.
Por seu turno, Marco Crespo, enólogo da Quinta do Sampayo partilhou que se pretende “um crescimento sustentável nas vinhas, que têm uma capacidade de produzir até 1 milhão de litros de vinho”. Ainda longe desses números, claro, Marco Crespo defende uma estratégia a longo prazo para que se aposte na qualidade dos vinhos produzidos e disponíveis no mercado, mas também na renovação do olival com uma idade média de 50 anos, que permitirá, mais tarde, num intervalo de 3 a 5 anos, avançar para a produção de azeite.
Renata Abreu, consultora comercial com historial e provas dadas em nomes importantes do panorama vínico português, definiu o posicionamento dos vinhos apresentados como pertencentes ao segmento médio. Serão distribuídos pelos canais tradicionais para posicionar e construir a marca, quer seja nos distribuidores regionais, canal HoReCa ou através do retalho especializado, permitindo assim um crescimento sustentado e de forma orgânica.
Foi ainda revelado que, o projecto de enoturismo avança, para já, sem alojamento, mas concentrado nas visitas à Quinta, provas de vinhos e eventos enogastronómicos corporativos e/ou privados. A Quinta do Sampayo dispõe de uma cozinha profissional, que contará com o selo de qualidade da chef Justa Nobre, e espaços próprios para a organização de eventos.
Uma menção especial é devida aos novos rótulos, que pretendendo traduzir a identidade da Quinta do Sampayo, conseguem transmitir uma dualidade visual bastante agradável, isto é, a casa principal da Quinta rodeada pelo tracejado dos campos das vinhas é, ao mesmo tempo uma impressão digital em tamanho gigante… precisamente a nova identidade da renovada Quinta do Sampayo!

(Artigo publicado na edição de Julho de 2024)

 

Quinta do Noval: Cada vez mais Douro, sem deixar o Porto

Quinta do Noval

Tal como muitas outras empresas da região, a Quinta do Noval começou por apenas produzir vinhos do Porto. Mas o apetite por vinhos DOC Douro levou a empresa, que hoje pertence à AXA Millésimes (Ch. Pichon Baron, Ch. Suduiraut, Ch. Pibran, entre outros) a interessar-se, inicialmente pelos tintos e mais recentemente pelos brancos. Foi assim […]

Tal como muitas outras empresas da região, a Quinta do Noval começou por apenas produzir vinhos do Porto. Mas o apetite por vinhos DOC Douro levou a empresa, que hoje pertence à AXA Millésimes (Ch. Pichon Baron, Ch. Suduiraut, Ch. Pibran, entre outros) a interessar-se, inicialmente pelos tintos e mais recentemente pelos brancos. Foi assim que começámos por conhecer uma primeira marca DOC Douro – Quinta do Noval – e logo de seguida uma segunda marca – Cedro do Noval – também ela inicialmente apenas tinto, mas agora muito forte também nos brancos. O interesse nos tintos estendeu-se também a vinhos varietais de castas portuguesas – Touriga Nacional e Tinto Cão – e de fora, como a Syrah, a Petit Verdot ou Cabernet Sauvignon. Mas a grande surpresa, como nos confessou Carlos Agrellos, que lidera a enologia da quinta “é a procura de brancos que nos vai levar a plantar mais área de vinha com castas brancas (e reenxertar outras), porque na quinta só temos 5,6 ha de uva branca. A procura estendeu-se também aos vinhos do Porto brancos, especialmente o Dry que está a crescer, ao contrário o Porto Lágrima (mais doce) cuja procura tem vindo a diminuir”. A Quinta do Noval tornou-se mundialmente conhecida pelos seus vinhos do Porto mas, reconhece Christian Seely, o CEO da empresa, “os tempos não correm de feição para os vinhos doces e mesmo em Sauternes, o Ch. Suduiraut está hoje a fazer mais vinhos secos do que doces com Botrytis (o clássico Sauternes); é triste dizer mas estamos agora a ganhar mais dinheiro com os brancos secos do que com os Sauternes!”
O Noval alargou a sua área com a inclusão da Quinta do Passadouro, adquirida em 2019, e cujas uvas podem entrar nos vinhos da quinta, considerada como é uma parcela do Noval. No entanto, do Passadouro continuaremos a ter quer vinhos DOC Douro quer vinhos do Porto.
Este momento foi aproveitado para dar a conhecer uma boa parte do portefólio da empresa. Juntaram-se aqui as novidades, com a forte aposta nos brancos, os vinhos da colecção Terroir Series e os novos vintages, todos da edição de 2022: Quinta do Passadouro, Quinta do Noval e Quinta do Noval Nacional.
Recordemo-nos que a empresa Quinta do Noval está intencionalmente fora da clássica dicotomia (desde sempre conotada com as empresas inglesas) entre Vintage Clássico e Vintage Single Quinta. A quinta do Noval tem declarado Vintage quase todos os anos, seja ou não o ano considerado como clássico por outros operadores. O ex-libris da casa continua, naturalmente, a ser o Vintage Quinta do Noval Nacional, um vinho original e raro, envolto numa aura de mistério que, na realidade, ninguém quer mesmo desvendar. É raro, faz-se em pequena quantidade e é muito caro. Neste ano de 2022 agora provado, não houve dúvidas: como a escala só tem até 20…não pudemos dar uma nota mais alta.

 

Quinta do Noval
O Noval alargou a sua área com a inclusão da Quinta do Passadouro, adquirida em 2019.

 

Seguem-se algumas indicações sobre a origem e vinificação dos vinhos provados:

Passadouro branco 2023 – prensagem cacho inteiro, solo de xisto; a casta Códega do Larinho entra aqui em 35%, é uma variedade pouco usada noutros vinhos, o que acontece também com a Fernão Pires e Gouveio.
Cedro do Noval branco 2023 – O lote inclui Códega do Larinho, Viosinho, Gouveio, Arinto e Rabigato. A Rabigato é uma casta tardia, tal como a Arinto e foram plantadas em zonas mais quentes para se poderem vindimar mais cedo; a Viosinho resiste muito bem à madeira nova não ficando muito marcada e por isso aqui esta casta fermenta em casco. As barricas estão sobre esferas para facilitar a bâtonnage sem abrir a barrica – durante um mês a bâtonnage é diária e depois passa a semanal – e decorrem sete meses desde a fermentação até ao engarrafamento. Neste vinho, em consequência da procura, a produção passou de 6.000 para quase 50.000 garrafas.
Cedro do Noval Reserva branco 2023 – Uvas compradas em Alijó. Aqui usa-se barrica da Borgonha e Bordéus para fermentar parte do mosto. Agrellos recorda que “sempre que o Viosinho se portar bem, como em 2023, teremos Cedro do Noval Reserva branco”. 14 500 garrafas produzidas
Quinta do Noval Reserva branco 2023 – Estas uvas vêm de uma vinha situada na cota mais alta da quinta; o mosto é 100% fermentado em barrica. Na totalidade, o vinho entre fermentação e estágio fica seis meses na madeira. Este branco é também a resposta à procura crescente de brancos secos, “a categoria que mais cresce no Douro”, diz Carlos Agrellos.
Passadouro Reserva tinto 2020 – Uvas desengaçadas e fermentação em cuba. Como nos recordou o enólogo: “este ano a Touriga Francesa foi muito precoce e ficou em passa logo no início da vindima, não se sabe porquê. A casta era a espinha dorsal do vinho e deixou de ser por causa disso. Já no caso das vinhas velhas, elas estão sempre bem, faça chuva ou faça sol”. O vinho esteve 12 meses em meias barricas, 90% novas.
Quinta do Noval Reserva tinto 2020 – Neste tinto Quinta do Noval, cerca de 40% dos encepamentos são Touriga Nacional e 9% são vinhas velhas. Este tinto, após fermentação em inox, esteve um ano em barricas de 225 litros, 40% novas e 60% de segundo ano.
Terroir Series Vinhas da Marka tinto 2020 – Esta é uma colecção especial; como nos informam “aqui mandam as vinhas velhas de castas misturadas, mas nada impede que possa haver um dia um vinho desta colecção que seja varietal, quer branco quer tinto, assim surja uma parcela especial”. Esta vinha foi plantada em 1930, tem um rendimento de 15 hl/ha. A exposição da vinha é curiosa: fica em frente à Vinha Maria Teresa (Quinta do Crasto) e apesar de ter orientação sul/poente, a meio da tarde deixa de ter sol directo, o que favorece a maturação mais lenta. Esta é a 2ª edição deste tinto. Feito em inox e estagiado em barrica (80% nova).
Terroir Series Vinhas do Passadouro tinto 2020 – Vinhas com orientação NW com 5500 pés por ha e uma produção de 12 hl/ha. O momento certo da vindima “é um feeling”, refere Agrellos. Este vem de uma parcela de menos de um hectare, plantada nos anos 30. Tem todas as castas das vinhas velhas antigas, aqui são cerca de 20. Desengaçado, fermenta em cubas troncocónicas, estagia um ano em meias barricas, 90% novas.

Quinta do Noval
A Quinta do Noval tornou-se mundialmente conhecida pelos seus vinhos do Porto.

 

Os Vintage, sempre
No caso dos vinhos do Porto, a empresa irá manter as marcas Passadouro e Quinta do Noval. Mas a marca Silval, que abandonaram em 2015, não voltará ser editada. Para a elaboração dos vinhos do Porto são adquiridos três a quatro lotes diferentes de aguardente e, depois, aqui fazem o lote conforme o tipo de Porto. Os Vintage agora apresentados foram de 2022, “um ano semelhante ao 2017, o mesmo calor e secura, mas os vinhos surpreenderam pela frescura apesar do calor”. Com muita regularidade têm também declarado o Noval Nacional: de 2017 a 2022 declararam todos os anos com a excepção do 2018 por causa da granizada de Maio.
Passadouro vintage 2022 – O ano 22 foi muito seco, choveu metade do que choveu em 2021. Ano seco – cachos pequenos – pouca produção – ano vintage! Esta é a sequência clássica. No entanto o classicismo choca com as alterações climáticas. “Já estávamos a fazer vinhos do Porto em finais de Agosto, não estes, mas isso é o reflexo do calor do ano”, refere o enólogo, acrescentando que “choveu a 12, 13 e 14 de Setembro, parámos a vindima e a recta final correu bem com boa maturação fenólica mas é preciso correr riscos”. Este Passadouro foi feito com pisa a pé nos lagares e estagiou 18 meses em toneis.
Quinta do Noval Vintage 2020 – O normal é começar a vindimar para Vintage em meados de Setembro e estender a vindima até Outubro. Este vintage corresponde a 6% da produção da quinta. “Seria possível fazer cinco vezes mais, mas não queremos aumentar”, afirma Christian Seely.
Quinta do Noval Nacional 2022 – A quinta tem viveiros de cepas da vinha do Nacional (uma pequena parcela em pé-franco) mas demoram vários anos a enraizar. Replantam 20 a 30 pés por ano. A vinha de pé franco demora 7 anos a dar os primeiros cachos; “fazemos uma autêntica jardinagem na vinha e na vindima pára tudo no dia x, dia em que se vindima tudo de seguida”. Pisado a pé num lagar pequeno e envelhece sempre no tonel antigo de carvalho e castanho com 2500 litros de capacidade.

(Artigo publicado na edição de Julho de 2024)