Adega de Redondo: Aqui nasceu o Porta da Ravessa

ADEGA DE REDONDO

A serra está sempre presente no horizonte, mas aqui, ao contrário de outras serras de outras zonas do Alentejo, quase não existem vinhas nas suas encostas. Há, de qualquer forma, uma influência evidente em termos de clima e a explicação é-nos dada por Mariana Cavaca, a enóloga da adega, que há vários anos assumiu a […]

A serra está sempre presente no horizonte, mas aqui, ao contrário de outras serras de outras zonas do Alentejo, quase não existem vinhas nas suas encostas. Há, de qualquer forma, uma influência evidente em termos de clima e a explicação é-nos dada por Mariana Cavaca, a enóloga da adega, que há vários anos assumiu a direcção de enologia. Diz-nos que ali conseguem “ter vinhos com mais frescura, mais elegância do que noutras zonas, onde os vinhos tendem a ser mais encorpados e estruturados, porque aqui temos noites mais frescas e isso faz a diferença”. Estamos, apesar desta frescura, em terras de clima quente e isso tem vantagens (menos pressão das doenças da vinha), mas também desvantagens – falta de água e baixa produção por hectare. A adega também recebe uvas de Cuba e de Caia (integradas em marcas de Vinho Regional), mas Mariana confessa que são substancialmente diferentes das que aqui se produzem. A falta de água reflecte-se depois nas produções que se conseguem, muito abaixo do que seria expectável em castas que produzem bem, como a Alicante Bouschet e a Arinto.

 

Tem-se verificado um aumento exponencial da produção do rosé, que hoje atinge as 300.000 garrafas. É sobretudo devido ao rosé que se tem mantido a casta Castelão.

 

Uma marca a apoiar o desporto
A marca Porta da Ravessa foi, durante anos e anos, um nome obrigatório no Alentejo, tendo atingido produções que chegaram a sete milhões de garrafas e o ciclismo foi uma das modalidades que mais apoio teve. Hoje ainda representa cerca de três milhões de garrafas e a diferença explica-se pela concorrência que, entretanto, se desenvolveu. Foi, no entanto, decidido manter a marca e alargar o leque de vinhos que usam o nome emblemático. Foram esses, essencialmente, que foram objecto da nossa prova.
Um dos vinhos provados tem o epíteto de Vinhas Velhas, mas a enóloga lembra-nos que “temos poucas vinhas velhas por aqui, porque quase tudo foi reestruturado e, por isso, só ocasionalmente é possível fazer esse vinho”. Fica-nos a dúvida: quais as castas que melhor podem representar o perfil dos vinhos do Redondo? A resposta não foi de rajada, mas veio: nos brancos o Antão Vaz, Rabo de Ovelha, Verdelho e Fernão Pires; outrora com mais presença, mas a perder fôlego temos Roupeiro, Rabo de Ovelha e a tinta Moreto Já no que respeita ao melhor lote para brancos, a resposta é imediata: Antão Vaz e Arinto, resposta esta que, cremos, poderá também ser dada noutras regiões do vasto Alentejo.
As castas da moda também aqui marcam presença, com crescimento da Touriga Nacional, Touriga Franca, Syrah e Alicante Bouschet. Quanto a estilos de vinho, tem-se verificado um aumento exponencial da produção do rosé, que hoje atinge as 300.000 garrafas. É sobretudo devido ao rosé, confirma a enóloga, que se tem mantido a casta Castelão mas, logo adianta, “a Castelão dá para fazer tudo!”
A adega tem vinhos nas grandes superfícies a €1,80. Isso faz-nos logo pensar na rentabilidade de um negócio deste tipo e Nuno P. Almeida confessa: “só se consegue com uma rentabilização do pessoal, uma organização minuciosa que tire partido das 55 pessoas que aqui trabalham e um planeamento também ele minucioso dos trabalhos de adega, sobretudo na vindima, quando chegam a entrar 600 toneladas de uva por dia”. Neste capítulo, Mariana acrescenta que, “quando marcamos o dia para entrada de uvas Verdelho, por exemplo, eu tenho sempre uma prensa pronta e destinada apenas a receber Verdelho e isso, tal como com outras castas, obriga a uma calendarização das tarefas. Mas a verdade é que não há um litro de vinho nesta adega que seja movimentado, seja para filtrar seja para engarrafar ou outro que não tenha a minha aprovação”.

 

A vindima obriga a um planeamento minucioso dos trabalhos da adega, porque chegam a entrar 600 toneladas de uva por dia.

 

Sustentabilidade e história vínica
Visitámos a adega em Março, num dos momentos-chave para os associados. É agora que se paga a terceira tranche da vindima de 2022; a de 2023, também em três fases, será paga até Março do ano que vem. As uvas pagam-se por grau/quilo, por serem DOC ou IG, e um reforço por casta. Tudo somado estamos a falar de um preço médio a rondar os 39 cêntimos/quilo, sendo certo que as uvas com direito a DOC são mais bem pagas que outras.
Por aqui, desde 2019 caminha-se no sentido do selo da sustentabilidade mas, dizem-nos, não é fácil porque é preciso garantir que 60% dos viticultores cumprem os requisitos e “a burocracia que envolve é desanimadora. Mas temos de conseguir, porque até para concorrer a alguns tenders (Concursos que ocorrem sobretudo nos países nórdicos, em que os potenciais candidatos são convidados a oferecerem propostas de venda dos seus produtos) é preciso o selo”.
Tínhamos alguma curiosidade em provar alguns vinhos velhos da adega. Ficámos a saber que foi um sarilho para encontrar algumas garrafas. Nada de estranhar, porque a regra do “vender tudo até à última garrafa” é norma em muitas casas de produtores e empresas deste país. Também por aqui (Alentejo) não há tradição de se partilharem garrafas entre as adegas cooperativas. Dar o conhecer os melhores vinhos e dialogar com outros só pode trazer benefícios mas… Isso ainda vai ter de esperar, dizemos nós. Ainda assim, duas boas notícias: a promessa que irão passar a deixar de lado uma quantidade mínima de garrafas das marcas mais emblemáticas (digamos, 10 dúzias…!) e a prova de um vinho que não tinha rótulo, mas que era um Garrafeira de 2001. Resultado? Um tinto notável e cheio de saúde, que nos ajudou na reclamação que fizemos por não haver cuidado com os velhotes…

 

(Artigo publicado na edição de Abril de 2024)

Grande Prova: Moscatel até 10 anos Qualidade e prazer a preço imbatível

Grande Prova Moscatel

Quem não ouviu falar de Moscatel? Pois é(!); a referência a Moscatel é bem conhecida de todos os portugueses e, não sendo rigorosamente polissémica, a verdade é que a utilizamos tanto para identificar a uva como fruto, como, genericamente, um tipo de vinho aromático e doce. Com efeito, para o mero apreciador, e independentemente da […]

Quem não ouviu falar de Moscatel? Pois é(!); a referência a Moscatel é bem conhecida de todos os portugueses e, não sendo rigorosamente polissémica, a verdade é que a utilizamos tanto para identificar a uva como fruto, como, genericamente, um tipo de vinho aromático e doce. Com efeito, para o mero apreciador, e independentemente da multiplicidade de castas com o mesmo nome, Moscatel é sinónimo de vinho generoso. Efectivamente, e apesar das variações não-licoradas no final dos anos 80 do século passado num perfil frutado meio-seco (com a marca João Pires à cabeça), é mesmo o perfil doce e untuoso para o qual mais remete a referência a Moscatel. E, note-se, esta dicotomia, ou plasticidade, noutra perspectiva, das várias castas moscatéis, é transversal a todo o mundo vínico mediterrânico (o mesmo acontecendo com outras famílias de castas, caso da Malvasia, por exemplo), onde perfis mais ou menos secos convivem lado a lado com versões assumidamente doces. Do Douro (na variante Moscatel Galego Branco) a Palmela, sem sairmos do nosso país, ou de Málaga em Espanha a Samos na Grécia, sem esquecer os múltiplos terroirs em França e Itália, e até no Novo Mundo, casos do Chile, Austrália e África do Sul. Em todos estes lugares, tão diferentes e longínquos entre si, existe uma significativa implantação de variedades de Moscatel, com declinações mais ou menos secas, mais ou menos doces. Curiosa e paradoxalmente, o Moscatel tem vindo a sentir um menor reconhecimento em quase todas as referidas regiões, sendo que, em vários desses lugares, é actualmente utilizado quase exclusivamente para destilação. Em Portugal não é assim (felizmente!), apesar do reconhecimento da qualidade dos vinhos Moscatéis também não acompanhar a sua significativa implementação no país, nem o agrado generalizado que a maioria dos consumidores tem pelos vinhos.

Setúbal e Roxo
Neste texto, iremos dedicar-nos ao Moscatel de Setúbal, vinho generoso certificado desde 1908, e ao Moscatel Roxo (mutação do Moscatel Galego) igualmente certificada como Setúbal. Sendo vetusta a certificação, na sequência da demarcação da região um ano antes, em 1907, não admira o reconhecimento e apreço da generalidade dos consumidores por estes vinhos. Tanto assim o é que, do centro do país para o sul, falar de Moscatel é falar de Moscatel de Setúbal. Acresce realçar que os últimos 40 anos têm sido responsáveis por uma maior afirmação e dispersão do gosto por Moscatel de Setúbal fora da região, para o qual muito contribuiu o aperfeiçoamento do método de produção (num vinho onde a maceração pós-fermentativa e o estágio são determinantes). A prova disso mesmo é que, enquanto há 30 anos era difícil encontrar um Moscatel de uma só colheita, pois o blend era quase inevitável, dada disparidade de qualidade entre colheitas, actualmente são muitos os vinhos que provêm de um único ano, aspecto para o qual o fenómeno climático de aquecimento também tem contribuído.
Acresce, que a região de Setúbal tem conhecido um renovado interesse dos produtores no Moscatel, depois de décadas em que a casa José Maria da Fonseca não tinha praticamente concorrência no que respeitava a Moscatel comercializado (coisa diferente era o produzido na região para consumo local…). Com efeito, a partir dos anos 80 passou a ter rivalidade com a produção levada a cabo pela então ‘J.P. Vinhos’ (actualmente, ‘Bacalhôa Vinhos de Portugal’). A par destes produtores, e da restante dezena presentes na nossa prova, existem ainda mais cerca de meia dúzia a produzir e comercializar, com certificação, habitualmente este belo generoso em várias (talvez demasiadas) categorias e idades. De resto, os dados da CVR de Setúbal confirmam o crescimento da área de vinha destinada à produção de Moscatel que, entre Moscatel de Setúbal e Moscatel Roxo, já ascende quase a 600 hectares, com claro predomínio para o primeiro, mas notório crescimento recorde do segundo durante a última década, que duplicou em poucos anos (graças sobretudo aos esforços pioneiros da Bacalhôa e, mais tarde, da José Maria da Fonseca), passando de quase extinto aos 50 hectares actuais.

 

Grande Prova MoscatelMesmo apenas com 10 anos de idade, todos vinhos revelam enorme complexidade, o resultado sobretudo do estágio prolongado em barrica ou tonel, muitas vezes em sistema de canteiro.

 

 

Uma casta antiga
Refere Jancis Robinson, no seu clássico Guide to Wine Grapes, que o Moscatel de Alexandria (Moscatel de Setúbal) é uma casta antiga, também conhecida como Moscatel Romano, o que permite inferir ser uma variedade com origem em territórios do norte de África, que foi dispersa no Mediterrâneo durante os séculos de domínio do Império Romano. Por seu lado, João Afonso, no mais recente livro As Castas do Vinho, segue a doutrina que a casta tem origem provável nos territórios que hoje são a Grécia e o sudeste de Itália, lembrando que se trata de um cruzamento natural da casta Heptakilo T e a mais conhecida e valorizada Muscat à Petit Grain branco.
Independentemente da origem, mais ou menos mediterrânica, é uma uva que prefere climas quentes (sendo sensível a doenças em climas frios) e que, por regra, produz vinhos cuja prova é percepcionada como adocicada, intensa e pouco complexa, ainda que, em certas localizações, proporcione vinhos verdadeiramente intrigantes, desde que se controle a produção abaixo dos 3000 litros por hectare (Note-se que o Moscatel Roxo pode chegar a produzir 15 ton/ha em Portugal se não for controlado). Pois bem, é, como sabemos, o caso da nossa portuguesa Região de Setúbal, uma vez que a casta aqui está perfeitamente adaptada, sendo a complexidade aditivada pela maceração pós-fermentativa e longos estágios em madeira. Tal como sucede com os demais vinhos da região, são diferentes os néctares que provém de vinhas junto à Serra da Arrábida, com solos argilo-calcários – com pH mais baixo e acidez total mais elevada –, daqueles que resultam de fruto provenientes de plantas nas areias de Palmela. No que toca ao nosso tema do Moscatel, os vinhos das areias tendem a ser mais expressivos e melosos, com menos nuances e frescura.
Finalmente, a distinção entre os perfis Moscatel de Setúbal e Moscatel Roxo (uma mutação rosada do Muscat à Petit Grain, ou Moscatel Galego), perfis esses, em parte essencial, determinados pelas próprias diferenças das castas. Para uma explicação rápida, o método comparativo ajuda. Por um lado, ambas as castas são nitidamente florais, com referências a rosa, tília, laranjeira, sardinheira, palmarosa e citronela, com notas a baga e grainha de uva. Porém, enquanto o Moscatel de Setúbal é mais cítrico (lembrando olfactivamente casca de laranja, torta de laranja, laranja desidratada) e com notas de nozes, mel e massapão, já o Moscatel Roxo revela um aroma mais barroco, seco e tostado, com menos frescura (mesmo quando tem menos álcool), com referências a figo, tâmaras, caramelo, e alfazema seca. Os registos antigos de Ferreira da Lapa, a propósito desta casta, revelam que a sua complexidade e fino paladar são há muito admirados. A nosso ver, e com vários anos de provas, essa complexidade e finura são particularmente evidentes em Moscatéis Roxos com mais de 20 ou 30 anos, sendo que, quando novos, podem revelar-se menos elegantes do que os meios-irmãos Moscatéis de Setúbal.

Um fortificado muito especial
De uma forma absolutamente simplista, o Moscatel de Setúbal pode ser abreviado como um vinho generoso, obtido a partir da casta Moscatel plantada na região. Pode existir presença residual de outras castas (era o caso do Fernão Pires com Moscatel e do Castelão com Moscatel Roxo), mas se tiverem a designação às castas terão de ter pelo menos 85% da variedade em questão. Todavia, as fichas técnicas dos vinhos provados comprovam que os produtores da região optam quase sempre por vinhos 100% obtidos a partir de uma só casta. Ainda de forma simplicista, trata-se de um vinho cuja doçura natural é mantida pela paragem da fermentação mediante a adição de álcool vínico, sendo o estágio final do vinho em madeira, outra fase fundamental na medida em que, tal como sucede noutros produtos alcoólicos, proporciona um afinamento do produto. Naturalmente, quanto mais tempo de estágio em madeira, maior é a complexidade e concentração do vinho que será engarrafado (depois do engarrafamento, não tende a beneficiar de estágio, evoluindo pouco e de forma não homogénea, podendo até muitas vezes sofrer alguma turbidez, devendo a garrafa ser guardada ao alto).
Como sempre acontece no mundo dos vinhos, mais a mais quando estamos perante tradições e castas antigas, cada produtor tem a sua maneira própria de vinificar e estagiar. Mais detalhadamente, o processo, em todo o caso, é muito semelhante de casa para casa: inicia-se a fermentação lentamente com as películas, que será, contudo, muito curta (pode atingir os ¾ de fermentação em três dias), pois é parada (beneficiada, como também se diz) com adição de aguardente vínica selecionada. No que a esta fase diz respeito, existe alguma variação, com preponderância para aguardentes neutras, em tudo idênticas às utilizadas para o vinho do Porto e um teor de álcool compreendido entre os 52% e 86%, algumas de origem portuguesa, outras não (não existem restrições quanto à origem), sendo disso bom exemplo o recurso a aguardentes adquiridas quer na zona de Cognac, quer na de Armagnac, com bons resultados diga-se. Ocorre, depois, uma maceração pós-fermentativa durante o Inverno, que decorre entre cinco e seis meses dependendo, mais uma vez, da regra e do gosto de cada casa. Por exemplo, a José Maria da Fonseca e a Horácio Simões optam por uma maceração em películas de cinco meses, com final em fevereiro/março. Já António Saramago prolonga um mês mais. Esta maceração pós-fermentativa já com a aguardente adicionada é, portanto, feita com as películas das uvas, naturalmente ricas em aromas e sabores, o que também explica a tonalidade de topázio, cobre ou âmbar dos moscatéis mesmo em novos. Segue-se a trasfega e as massas são prensadas, sendo quase sempre utilizado esse vinho da prensa para ser loteado com o que resultou da sangra.

 

Apesar do registo naturalmente doce, vários foram os vinhos com percepção de frescura e muita vivacidade, o que os torna relativamente versáteis à mesa.

Estilos muito diversos
Igualmente relevante é o tipo de estágio, com a generalidade dos produtores a utilizar pequenas barricas (que podem chegar a apenas 100 litros), para assim contribuir com uma evolução mais acentuada. São quase sempre barricas antigas, mas varia o tipo de madeira (de Castanho a Carvalho Americano, passando pelo Carvalho Francês) e a anterior utilização e serviço. Entre outras situações, casos há de barricas com prévia utilização em vinho do Porto, outras servidas a Whisky. Várias casas não hesitam em colocar esses barris em armazéns “quentes”, com condições para provocarem concentração e intensidade, seguindo a técnica de canteiro (como sucede também no vinho da Madeira), aspecto bem evidente na prova de alguns vinhos que ficam, efectivamente, marcados por um estilo particularmente intenso e prazeroso, mesmo com apenas 10 anos. No espectro oposto, encontramos também produtores a optar por tonéis de 5000 a 6000 litros. Com estas variações, e como podemos comprovar na presente prova, o nível alcoólico dos vinhos provados varia entre os 17% e os 20,5% (sendo os limites legais 16% e 22%), e o açúcar residual desde os 105 g/l do mais seco João Pires 10 anos (José Maria da Fonseca), aos 240 g/l do mais doce Moscatel de Setúbal da Quinta do Piloto, passando pelos 140 g/l do Encostas da Arrábida (Adega Coop. Santo Isidro de Pegões) e pelos 171 g/l do Bacalhôa Moscatel de Setúbal Superior, entre outros. A título de comparação, veja-se que, nos vinhos mais velhos (com 20 ou mais anos) a doçura pode chegar aos 340 g/l (mas, para vinhos com menos de 20 anos, o limite é mesmo 280g/l.).
Como se constata, as diferenças são significativas, mas, verdade seja dita, todas essas diferenças não são particularmente notórias na prova organoléptica, sobretudo quando os vinhos são provados (e assim devem ser bebidos) frescos, por vezes mesmo frios (abaixo dos 10ºC). Naturalmente, provados a temperatura mais elevada, as nuances foram mais evidentes, apesar de em todos termos sentido o carácter e personalidade da casta – exuberante, floral e cítrica (laranja), perfil sacarino e afectuoso.
Quanto à referência à categoria 10 anos (e, bem assim, às demais 15, 20, 25, 30, 35 e 40) no Moscatel de Setúbal e Moscatel Roxo importa lembrar que, ao contrário de outros generosos, não se refere tanto a um estilo resultante de um lote de vinhos com uma idade média. Ao invés, na legislação de Setúbal, é obrigatório que os vinhos mais novos em cada lote tenham, no mínimo, a idade identificada.
Terminada a prova, (com)provámos a enorme qualidade destes vinhos, e demos algumas das notas mais elevadas registadas na nossa revista para este tipo de vinho. Tivemos vinhos que passaram cinco anos em barricas e outros quase 15, mas a qualidade esteve sempre presente. Se os mais leves e jovens devem ser servidos frios – não acima dos 8ºC – ao início de uma refeição, ou até em cocktails, os mais antigos e complexos podem acompanhar sobremesas e devem ser servidos a 10ºC. Nos destaques individuais, não podemos deixar de realçar a elegância do António Saramago Moscatel de Setúbal e a precisão do DSF Colecção Privada Moscatel Roxo, sem esquecer a concentração do Bacalhôa Moscatel de Setúbal e o equilíbrio do SVP Moscatel Roxo!

(Artigo publicado na edição de Abril de 2024)

Lusovini: Castas antigas, novos horizontes

Lusovini

Temos em Portugal muito orgulho em possuir uma enorme variedade de castas autóctones, mas, na realidade, em cada região trabalhamos com uma dúzia delas. Desde os anos 80, quando o fundador da Lusovini, Casimiro Gomes, resolveu iniciar um projecto vitivinícola no Dão, ouvia falar de castas “esquecidas”, das quais nunca encontrou os vinhos para experimentar. […]

Temos em Portugal muito orgulho em possuir uma enorme variedade de castas autóctones, mas, na realidade, em cada região trabalhamos com uma dúzia delas. Desde os anos 80, quando o fundador da Lusovini, Casimiro Gomes, resolveu iniciar um projecto vitivinícola no Dão, ouvia falar de castas “esquecidas”, das quais nunca encontrou os vinhos para experimentar. Até agora.
Em 2015, quando surgiu a oportunidade de adquirir a Vinha da Fidalga, propriedade do século XVIII com 25 hectares em Carregal do Sal, não pensou duas vezes. Ficou logo decidido expandir a selecção para além as castas habituais da região.
Em 2017 começaram a plantar a vinha experimental numa área de cerca de 3,5 ha com variedades minoritárias, algumas praticamente extintas. O processo demorou três anos. Inicialmente escolheram 22 castas, cerca de 1000 pés de cada. “É preciso perceber onde está o ponto crítico de cada casta”, diz Casimiro Gomes.
A condução das videiras foi delineada em monoplano ascendente, com poda longa por não existir informação técnica sobre a zona de frutificação destas variedades. O acompanhamento do comportamento das plantas na vinha foi um processo de aprendizagem que levou, também, a uma selecção que deixou algumas delas para trás (“ou apodreciam com facilidade, ou não produziam nada”). Hoje mantêm-se, nesta vinha, as 12 castas que conseguiram convencer os responsáveis da viticultura e da enologia: Arinto do Interior, Coração de Galo, Gouveio, Luzídio, Uva Cão, Terrantez, Barcelo, Rabo d’Ovelha, Douradinha, Malvasia Preta, Monvedro e Cornifesto. Este projecto gerou um grande entusiasmo dentro da empresa, conta Casimiro Gomes, sobretudo na altura das vindimas, pois todos queriam acompanhar uma nova história a ser construída.

Uvas no estado puro
Entre 2021 e 2022 fizeram-se microvinificações. Desta última colheita provámos os primeiros cinco vinhos, que saíram para o mercado em quantidades muito limitadas (entre 1000 e 1200 garrafas). A enologia idealizada por Sónia Martins foi a mais neutra possível para “testar as uvas no seu estado puro, como base para recriar muitas outras coisas”. Fermentação e estágio sem madeira, com levedura neutra, sem qualquer tipo de bâtonnage. No final foram retiradas as borras groseiras, com uma ligeira clarificação (com bentonite) e filtração. As uvas tintas foram desengaçadas, manta mexida manualmente duas vezes ao dia no pico da fermentação. A prensagem ocorreu em prensa vertical de madeira, seguida de fermentação maloláctica espontânea, clarificação natural e ligeira filtração antes de engarrafamento. A colheita de 2023 também foi feita nesta óptica, para ter mais anos de comparação e aprendizagem.
Cada um dos cinco vinhos tem uma imagem diferente no rótulo, transmitindo alguma ligação à casta que representa: Terrantez, Uva Cão, Douradinha, Malvasia Preta e Monvedro. O nome pode confundir, mas a variedade Terrantez cultivada no Dão não tem nenhuma ligação genética com a Terrantez da Madeira, nem do Pico, nem da Terceira. É uma casta referenciada na Península Ibérica desde o século XVI, disseminada no século XIX em quase todo o país, do Minho até ao Algarve. A partir do Século XX passou a estar presente quase exclusivamente no Dão, onde em 1986 representava menos de 0,03%. É das castas ainda pouco estudadas. Sabe-se que de ponto de vista agronómico é uma casta de abrolhamento e maturação em época média. Como é muito susceptível ao desavinho e bagoinha, necessita de bom arejamento na zona das inflorescências. Tem um porte retumbante e é assim que aparece no rótulo. Os mostos desta casta apresentam teor alcoólico relativamente baixo e acidez bastante alta. O vinho mostrou um grande equilíbrio num perfil fresco e consensual.

Grande frescura de boca
A Uva Cão é de origem desconhecida. Mas é famosa pela sua elevada acidez. É uma casta muito antiga, mencionada em 1711 por Vicêncio Alarte. No Dão existe principalmente nas vinhas velhas dos concelhos de Tondela e Carregal do Sal. De abrolhamento médio a tardio, tem boa fertilidade, com alguma sensibilidade ao desavinho. Amadurece tardiamente e precisa de estar bem exposta ao sol e em solos com pouca humidade. É resistente ao stress hídrico e aguenta bem as vagas de calor, o que lhe projecta um futuro interessante. Entretanto, foi referido que os mostos são bastante sensíveis à oxidação. O vinho surpreendeu pela sua amplitude aromática e ofereceu uma grande frescura de boca.
A Douradinha é filha das variedades Amaral e Alfrocheiro, mencionada pela primeira vez em 1851 e, depois, em 1880. Referenciada no Dão em 1986, com uma percentagem de plantação muito reduzida, foi desaparecendo ao longo do tempo, sendo hoje uma das castas antigas mais raras na região. Tem cacho com aspecto dourado quando atinge a plena maturação, o que provavelmente originou o nome. Muito sensível à podridão cinzenta, se não estiver bem exposta no período de colheita. Surpreendentemente, apresenta uma acidez ainda mais alta do que a Uva Cão. Este vinho talvez seja mais desafiante, mais intenso na acidez e mais austero na performance aromática.

O Dão a recuperar património
A Malvasia Preta é originada por cruzamento natural de Alfrocheiro com Cayetana Blanca (Sarigo). Com primeira referência em 1866, está mais presente no Nordeste de Portugal. Na região, figura em 1986 como “Negro Mouro”, com uma presença próxima dos 4% de plantação. Transmite acidez bastante elevada e aroma com fruta mais imediata e fácil de gostar.
A casta Monvedro é a filha de Alfrocheiro com outro progenitor desconhecido. Presente na região em quantidades diminutas (em 1986 menos de 0,01%), é medianamente produtiva, abrolha cedo e amadurece tarde. Mostrou-se bastante sensível às vagas de calor. Por isso precisa de estar numa zona mais fresca e sombria. Sensorialmente, é um caso para dizer: “primeiro estranha-se, depois entranha-se”. É menos consensual, com carácter muito próprio que exige uma prova atenta e alguma paciência para o descobrir.
É importante acrescentar que, depois da prova, todos os vinhos se portaram muito bem à mesa. São vinhos de nicho, alguns mesmo únicos no país (e no mundo!). Quando começarem a surgir mais, será muito bom sinal: o Dão a recuperar o seu património e a basear nele o seu futuro.

(Artigo publicado na edição de Março de 2024)

 

Filipe Wang: O Sommelier do Ano

Filipe Wang

Filipe Wang representa bem a sua geração, enquanto profissional com excelente formação. Parte dessa formação ocorreu no estrangeiro, e teve experiência profissional nos melhores locais, também fora e, mais recentemente, dentro do país, revelando enorme vocação e descrição. Com a restauração a correr-lhe no sangue – os seus pais têm um restaurante – centra a […]

Filipe Wang representa bem a sua geração, enquanto profissional com excelente formação. Parte dessa formação ocorreu no estrangeiro, e teve experiência profissional nos melhores locais, também fora e, mais recentemente, dentro do país, revelando enorme vocação e descrição. Com a restauração a correr-lhe no sangue – os seus pais têm um restaurante – centra a sua formação na gestão hoteleira e logo na Suíça, na prestigiada Swiss hotel management school. A sua primeira experiência no terreno é na fervilhante capital inglesa em 2016, e logo no Dinner, o mediático restaurante londrino do não menos mediático Heston Blumenthal (então um dos 50 melhores restaurantes do mundo na lista Pellegrino), ainda não como sommelier mas já de olho nos vinhos. De tal forma que, pouco depois, seria convidado para oficiar no Launceston Place, também em Londres, agora na fileira do vinho e sob a responsabilidade de Piotr Pietras MS, um dos mais premiados sommeliers da sua geração. Volta a Portugal, em meados de 2019, para o conceituado (e estrelado) Alma do chef Henrique Sá Pessoa e logo como head sommelier, gerindo toda a operação dos vinhos. O maior desafio ainda estava para vir… e surgiu no final de 2021, quando é chamado para colaborar na abertura do Kabuki em Lisboa, a delegação lusitana de um dos mais icónicos restaurantes madrilenos, um dos fundadores da chamada cozinha de fusão. Aqui se mantém, na gestão de uma sala com clientes exigentes –situada no hotel Ritz, agora com uma estrela Michelin –, e que organiza vários eventos de vinho por ano.

Com efeito, Filipe tem sido responsável para que o Kabuki seja cada vez mais uma casa também reconhecida, precisamente, pelo serviço de vinhos, e procurada por enófilos apaixonados. Depois, a quarta-feira é o dia semanal em que os clientes são convidados a trazer uma garrafa de casa sem cobrança de qualquer taxa ou encargo; um luxo num restaurante de tão elevado nível! A carreira de Filipe está no seu melhor momento, em velocidade cruzeiro, revelando-se tranquila sem perder ambição. Apaixonado por todos os tipos de vinho – com brancos à cabeça e depois champagnes – a serenidade e a boa disposição são atributos que manifestamente lhe são reconhecidos. A enorme competência ainda mais! N.O.G.

TEJO: ODE WINERY

Ode Winery

Muitas interpretações ao longo dos séculos tem tido esta Ode, dirigida a uma mulher, Leucónoe. Na verdade, diz tão somente que não sabemos que vida nos espera para além da morte, os deuses sabem o que nos convém ainda que não o entendamos, por isso, aproveita o dia que passa. No fundo, tecnicamente, Ode é […]

Muitas interpretações ao longo dos séculos tem tido esta Ode, dirigida a uma mulher, Leucónoe. Na verdade, diz tão somente que não sabemos que vida nos espera para além da morte, os deuses sabem o que nos convém ainda que não o entendamos, por isso, aproveita o dia que passa. No fundo, tecnicamente, Ode é uma composição poética lírica, que se caracteriza pela eloquência e elevação de estilo, sobre um determinado assunto solene ou digno de registo, podendo versar sobre os temas mais diversos, sejam eles heroicos, amorosos, trágicos ou, porque não, vínicos! É também uma palavra quase universal, entendível por uma imensidão de idiomas.

Uma Ode ao Tejo?
Fundada por uma família local em 1902, em Vila Chã de Ourique, ampliada e completamente remodelada em 2000, com a utilização e integração dos melhores equipamentos de processamento e armazenamento, e novas instalações de enoturismo, a agora baptizada Ode Winery passou por vários momentos até ser adquirida, em 2022, pelo Grupo Immerso Collective.
A Immerso Collective é uma empresa com foco no luxo e sustentabilidade, criada por David Clarkin, australiano, o qual conta com mais de trinta anos de experiência em investimento e desenvolvimento imobiliário de futuro, nos mercados asiático e australiano, e Andrew Homan, igualmente australiano, advogado de formação mas com vasta experiência em diferentes indústrias, nomeadamente na gestão de fundos de investimento imobiliários. Os projectos desenvolvidos pela Immerso, pretendem sempre dinamizar a região e a comunidade em que se inserem de forma integrada, desde propriedades comerciais e residenciais a ofertas mais direcionadas para o turismo, numa perfeita ligação entre o cuidado e respeito pelo ambiente e os altos padrões de luxo e conforto. A empresa começou a operar em 2021 em Portugal, primeiro país europeu em que está presente, com a aquisição da agora designada Ode Winery, Farm & Living.
Por sua vez, Jim Cawood, também ele australiano, é o “Director of Wines and Good Times” da Ode, conforme consta no seu cartão profissional. Anfitrião por excelência, apaixonado pelo projecto e pelo terroir Ode, tem mais de 30 anos de experiência em todas as vertentes do negócio do vinho, tendo sido sommelier, importador, distribuidor e retalhista, e também produtor em Espanha.
Jim confessou-nos que um dos motivos que os levou a apostar neste terroir onde está inserida a Ode foi a sua semelhança com o clima e o pH dos solos de Hunter Valley, situado a norte de Sydney, no Estado de Nova Gales do Sul, uma das principais regiões vinícolas da Austrália, com uma longa história ligada à viticultura que remonta ao Século XIX, reconhecida internacionalmente pelas variedades Sémillon e Shiraz.

Ode Winery

O solo rico em calcário, onde estão implantadas as vinhas da Ode, permite o cultivo de uma grande variedade de castas, desde as locais Arinto, Fernão Pires, Alvarinho, Touriga Nacional, Tinta Barroca, a variedades internacionais como a Sémillon, Viognier, Pinot Gris, Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Merlot e Syrah. A menos de uma hora de Lisboa, a Ode Winery localiza-se em pleno coração ribatejano, no concelho do Cartaxo e nasce em 2022 com o objectivo de dar outra dimensão à região, à sua cultura do vinho e, sobretudo, com o desejo de elevar o patamar qualitativo e a percepção do consumidor sobre a realidade dos vinhos do Tejo.
Integrado num projeto maior, designado Ode Winery, Farm & Living, tem cerca de 96 hectares, onde estão inseridos os 22 hectares de vinha, responsáveis por dez vinhos produzidos até ao momento, cinco brancos e cinco tintos, que marcam pelo seu carácter diferenciado, equilíbrio, e boa qualidade da fruta, aliada uma acidez fresca vinda do Tejo, sempre ali tão próximo.
Neste momento, a ODE Winery apresenta dez referências: os brancos Ode Semillon 2022, Ode Viognier 2022, Ode Fernão Pires 2022, Ode Arinto 2022, Ode Enóloga Arinto Fernão Pires 2022; e os tintos Ode Touriga Nacional 2022, Ode Quarteto 2022, Ode Lagares Touriga Nacional 2022, Ode Amphora Alicante Bouschet 2022, Ode Única Touriga Nacional 2023.
Num país com tradição de lote, na Ode a cultura é claramente internacional e monovarietal, o que não deixa de ser extremamente interessante também, vermos castas como a Viognier, por exemplo, tradicionalmente com baixa acidez, a receberem uma vida nova e toda uma frescura vinda do Tejo.

Ode Winery
Sob a coordenação da enóloga Maria Vicente, a Ode Winery segue os princípios orgânicos, sustentáveis e regenerativos.

Sob a coordenação da enóloga Maria Vicente, com mais de 20 colheitas no seu percurso profissional, sendo a maioria delas no Tejo, a Ode Winery segue os princípios orgânicos, sustentáveis e regenerativos para garantir solos saudáveis, matéria orgânica positiva e um ambiente livre de doenças, estando a Certificação Orgânica e Biológica prevista para 2025.
Para além da vinha e adega, complementam o projecto Ode as vertentes Farm & Living. A Ode Farm simboliza o respeito pelo ambiente, com foco na sustentabilidade, conservação e desperdício mínimo. É na quinta que são cultivadas não só as vinhas, mas também outros produtos utilizados no espaço de restauração da Ode Winery, Farm & Living, seguindo os valores da agricultura sintrópica, uma abordagem inovadora à agricultura sustentável. Este método regenerativo enfatiza a diversificação de espécies vegetais, que imitam a estrutura e a função dos ecossistemas naturais para gerar ciclos de crescimento autossustentáveis. Na Ode Farm, os visitantes podem, não só ver a utilização de práticas sustentáveis, mas também vivê-las. A Ode Living integra não só o espaço de eventos, um salão com mais de 1000m², como o restaurante Cellar Door, de inspiração asiática, onde se juntam os sabores portugueses, asiáticos e do mundo na cozinha, oferecendo uma experiência diferente do habitual nesta região. Adicionalmente, no Cellar Door o menu e os ingredientes são de acordo com a estação do ano, e vários dos ingredientes utilizados são plantados na quinta, numa aposta num conceito de “farm to table” – da quinta para a mesa. Para dar suporte a todas estas valências está projectado um resort de luxo, com vários modelos de alojamento. Tudo a menos de uma hora de Lisboa! E, nem de propósito, no próprio dia em que decorria a nossa visita, recebeu-se a notícia de que a aprovação do projecto havia finalmente sido emitida pelas entidades competentes. Um dia para recordar, portanto!

(Artigo publicado na edição de Março de 2024)

Santos & Seixo: Dar mais sentido à vida

Santos & Seixo

Foi a constatação da vida como conceito efémero e de inexorável finitude que levou Pedro Seixo à reflexão sobre o sentido de uma existência dedica-da a uma actividade profissional que, não obstante ser desafiante, não per-petuava princípios, nem criava raízes. Estava quase com 40 anos e sentia-se precocemente envelhecido. Interiormente, desejava dar maior sentido à […]

Foi a constatação da vida como conceito efémero e de inexorável finitude que levou Pedro Seixo à reflexão sobre o sentido de uma existência dedica-da a uma actividade profissional que, não obstante ser desafiante, não per-petuava princípios, nem criava raízes. Estava quase com 40 anos e sentia-se precocemente envelhecido. Interiormente, desejava dar maior sentido à vi-da, criando algo, uma marca perene para deixar aos filhos.
Para esta aventura desafiou uma amiga de juventude da sua mãe, a investi-dora Alzira Santos, amante de longas viagens e grande apreciadora de vi-nhos, que se desalentava por não ver os vinhos portugueses nas prateleiras mundiais. Bastou uma breve conversa e um plano meticulosamente gizado, para colocar, nas mãos de Pedro Seixo, a responsabilidade de se afirmar no leme de um barco em constante crescimento, dando-lhe, como única res-ponsabilidade, a obrigação de rectidão em todos os passos de um negócio que se tornou projecto de vida, levando os vinhos portugueses mais longe e de modo coerente e sustentado. A Santos & Seixo nasceu oficialmente em 2014. Hoje, a empresa produz no Alentejo, Vinhos Verdes, Tejo e, também, no Douro, visitado agora pela Grandes Escolhas. É onde palpita o coração desta empresa, que pretende ser um dos grandes referenciais dos vinhos portugueses na próxima década.

Santos & SeixoQuinta de Cevêr
A história começou a construir-se nela própria. Situada em Santa Marta de Penaguião, a Quinta de Cevêr foi adquirida em 2018 à família Mergulhão, que a mantinha desde 1878 e por onde passaram cinco gerações de viticul-tores. Pedro Seixo, com ligação próxima à família, quis manter todo o espó-lio da casa, preservando, assim, uma conectividade à herança passada, man-tendo incólume todo o acervo mobiliário do século XIX e biblioteca, crian-do uma sensação de viagem ao passado ao circular-se na casa, hoje alocada à componente de enoturismo, com oito quartos disponíveis, piscina e uma série de comodidades que permitem usufruir do saber receber duriense.
Com 20 hectares de vinhas, dispersas em quatro parcelas, é aqui que a San-tos & Seixo privilegia a criação de tintos, aproveitando as características dos solos e as cotas mais baixas, onde há maior constância de temperaturas ele-vadas no processo de maturação até à vindima da uva. O encepamento vi-gente segue o alinhamento tradicional duriense, com presença de Touriga Franca, Tinta Amarela, Sousão e Touriga Nacional que, nas cotas mais altas, potencia a criação de rosés de rara elegância e fineza, mais frescos e com uma acidez potencial mais elevada, do qual o “Duas Famílias” rosé é refe-rencial. A Alicante Bouschet é, também, uma aposta para os tintos do futu-ro, a pensar nas condicionantes do aquecimento global, que no Baixo Cor-go é bastante menos notório do que nas outras duas sub-regiões. Não pro-duzindo ainda uva suficiente para suprir as necessidades, a empresa recorre a viticultores locais, que fornecem 25% da que chega à adega.
Para Pedro Seixo, os vinhos Douro DOC são o caminho mais sensato para a especificidade deste território duriense, colocando de parte os vinhos do Porto. O trajecto ascendente do volume de exportação dá-lhe a confiança necessária.
Hoje a sua empresa já exporta 65% da sua produção total, tendo, como mercados mais influentes, o polaco e brasileiro. Contudo, a aposta é na di-versificação e, sobretudo, nos mercados emergentes, dos quais destaca Isra-el e Índia, entre outros países asiáticos onde a consistência das vendas se mostra forte. Como exemplo do potencial de crescimento, referencia o Bra-sil onde, sem a barreira linguística e com uma forte tendência de consumo, se criam as condições favoráveis ao aumento das vendas. “Começámos com um valor de exportações para o Brasil de 10 mil euros anuais e, no fim de 2023, atingimos já os 600 mil euros, com previsão para chegarmos a um milhão a breve trecho”, refere Pedro Seixo. “Contudo, é um mercado muito exigente em termos pessoais. Por norma, vou ao Brasil por altura do Car-naval e arrendo uma casa onde faço a maioria das minhas reuniões com os clientes, dou a cara pelo nosso negócio e mostro como produzimos vinhos de imensa qualidade. É com muito regozijo que recebo, destes meus clien-tes, palavras de elogio sincero pelo trabalho que desenvolvemos com mar-cas tão recentes, às quais acrescentamos história”, reitera o líder da empresa.
O “Duas Famílias” Folgasão, edição limitada a 600 garrafas, retrata um pouco essa relação emocional que se cria entre as pessoas e o vinho. Foi um pedido especial que fez à sua equipa de enologia, no projecto que o juntou a Alzira Santos: a criação de vinhos singulares, de produção restrita, que despertem emoções para além da racionalidade financeira. Para Pedro Sei-xo, os membros da sua equipa de enologia são representantes exemplares de uma nova geração de enólogos nacionais, que busca a elegância escon-dida no Douro alterando culturalmente a forma de interpretar a região e a vinificação, encontrando respostas de contemporaneidade em vinhos que, mais que lembrados, virão a ser recordados.

 

Ser Santos & Seixo
Da conversa com Pedro Seixo, o rosto visível da Santos & Seixo, surgiu a curiosidade de conhecer a intervenção da sua sócia e investidora no projeto, Alzira Santos. A resposta resume, na perfeição, aquela que é a postura da empresa no mercado dos vinhos. “A participação da minha sócia no dia a dia da empresa é muito reduzida. Mas ela deu-me os ensinamentos básicos que me regulam todos os dias: ser sério, não pactuar com esquemas, mos-trar rectidão em todos os procedimentos e dar, ao mundo, vinhos portugue-ses que nos orgulhem pessoal e colectivamente, enquanto País”.

 

 

Santos & Seixo
Quinta do Outeiro

Quinta do Outeiro
É na improbabilidade que surgem tantas vezes as melhores oportunidades e se firmam os negócios mais consistentes. A aquisição da Quinta do Outeiro, também ela situada em Santa Marta de Penaguião, nasce de um acaso e de uma visita aconselhada pelo enólogo que prestava apoio à empresa.
Acompanhado pelos filhos e sem qualquer pretensão de compra, Pedro Seixo enamora-se pela propriedade e pelo imponente Solar que a encima. Logo ali, no alto, vislumbra todo o projecto vitivinícola e o seu potencial enoturístico.
Perante a relutância inicial da proprietária, a veemência negocial de Pedro Seixo ajuda a concretizar a aquisição. E, logo de seguida, o empresário ar-regaça as mangas para o projecto mais ambicioso do universo da empresa.
A primeira vinificação ocorre em 2021, com as obras de recuperação das adegas em curso. Mais uma vez, impera a vontade de preservação e, ao in-vés de se demolir para construir de novo, houve uma delicada obra de re-cuperação dos grandes armazéns de xisto, implicando a movimentação dos antigos lagares de granito no interior do edifício para montar a bateria de cubas troncocónicas, ideais para a construção de tintos reserva, e as verti-cais de inox que conferem modernidade e eficácia à adega que, nos perío-dos entre vindimas, é operada apenas por dois colaboradores.
Foram igualmente preservados dois dos vários toneis existentes na adega antiga, de modo a mostrar aos visitantes um pouco das práticas do século passado, transmitindo um ideal de continuidade e sentido da história. Todos os depósitos foram especificamente concebidos para a dimensão da adega, procurando-se uma conjugação natural entre o tradicional e o contemporâ-neo, centrando a produção dos vinhos tintos mais exclusivos nos lagares de pedra, com pisa a pé, procurando aportar ao vinho um sentido de terroir. Com esta prática, e segundo Rui Lopes, enólogo consultor, acentua-se a di-ferenciação dos vinhos entre as três sub-regiões durienses, trazendo-lhes um cunho de maior identidade e personalidade.
No dia-a-dia, é Alexandra Guedes, enóloga residente, quem comanda as operações, vivendo com intensidade o decurso das obras, as operações na vinha e na adega. São 30 hectares contínuos, com solos diversos, entre os xistosos pobres e os ricos em matéria orgânica, que se estendem pela encos-ta e vale contíguos à adega. Da sala de refeições, que também acolhe clien-tes nacionais e estrangeiros, avista-se a nova plantação de sete hectares de vinha que se ergue na encosta oposta. Aqui já estamos entre as cotas dos 450 aos 550 metros, altitudes óptimas para a produção de brancos de cariz mais fresco e acidez mais elevada. Neste Douro do futuro, crê-se que castas como a Viosinho, Rabigato, Côdega, Gouveio e Folgasão marcarão vinhos mais elegantes e desafiantes para o consumidor. Na Gaivosa, freguesia da Cumieira, não muito longe do Outeiro, ficam as restantes parcelas de vinha, quatro delas mais pequenas (entre os dois e três hectares) e uma de maior dimensão, com oito hectares, em cota mais baixa, reservada para a produ-ção de uva para tintos de qualidade superior. Actualmente, a adega possui capacidade para vinificar um milhão de quilos, que ainda não é toda usada. Mas isso deverá ocorrer nos anos mais próximos, dada a dimensão dos in-vestimentos e o crescimento das vendas. Há ainda espaço para as pequenas experiências e micro-vinificações, destinadas sobretudo ao estudo das po-tencialidades de cada casta naquele território do Baixo Corgo.

 

O enoturismo é olhado como pedra basilar deste projeto no futuro, visando potenciar uma maior ligação do consumidor de vinho ao território

 

Um olhar sobre o futuro
O enoturismo é olhado como pedra basilar do projeto no futuro, visando potenciar uma maior ligação do consumidor de vinho ao território. É um convite a permanecer para conhecer o passado, presente e futuro de uma sub-região que se afirma, de modo categórico, como baluarte do Douro.
Em mente, e para iniciar em breve, está a reconversão do Solar numa uni-dade de boutique hotel, com 11 quartos com vista privilegiada para o patri-mónio vitícola da Santos & Seixo. Exclusividade e qualidade é o lema que pretende levar a Santa Marta de Penaguião o turista apreciador de vinho, revelando um outro Douro que fica para além das margens do rio principal.
Com uma produção actual anual de 400 mil garrafas, encontra-se igualmen-te em curso a criação de uma nova unidade de engarrafamento na Zona In-dustrial de Santa Marta de Penaguião, que tornará as operações mais efici-entes e deverá abrir a porta à prestação de serviços externos a outros produ-tores da região.

(Artigo publicado na edição de Março de 2024)

Tintos de 2014: A perfeição num ano imperfeito

tintos 2014

O ano em si até nem correu mal. De vários relatórios do ano vitícola concluímos que as temperaturas se mantiveram relativamente amenas, com alguma oscilação, mas sem ondas de calor no verão. A Sogrape, que tem produção no Douro, Alentejo, Dão e Vinhos Verdes refere que “a chuva foi uma constante ao longo do ano, […]

O ano em si até nem correu mal. De vários relatórios do ano vitícola concluímos que as temperaturas se mantiveram relativamente amenas, com alguma oscilação, mas sem ondas de calor no verão.
A Sogrape, que tem produção no Douro, Alentejo, Dão e Vinhos Verdes refere que “a chuva foi uma constante ao longo do ano, marcando também presença na época de vindima na maior parte das regiões vitivinícolas”.
A humidade elevada originou uma maior pressão de doenças criptogâmicas (míldio, oídio e podridão), obrigando à realização de um maior número de intervenções na vinha (desfollha, desponta) e tratamentos fitossanitários.
O mês de Agosto foi particularmente seco, mas boas reservas de água no solo permitiram que as videiras não entrassem em stress hídrico, ao mesmo tempo que as temperaturas amenas e noites frescas contribuiram para uma boa e equilibrada maturação das uvas e até faziam esperar uma vindima fantástica. A chuva de Setembro é que estragou as expectativas de muitos viticultores.
Em alguns locais choveu o dobro da média ou mais. Aqui, factores como a proximidade do litoral e orografia podem complicar ainda mais. Na Bairrada, por exemplo, não foi um ano feliz. Alguns dos produtores habituais nesta prova não mandaram vinhos. A Baga não teve hipótese de amadurecer antes das chuvas.

Antes ou depois da chuva

Tive a sorte de acompanhar a vindima de 2014 com as mãos na massa, na Quinta do Vallado. Durante duas semanas fiz controlo de maturação, selecção de uvas no tapete de escolha, remontagens manuais, pisa a pé, controlo de fermentações, análises de mostos e tudo que se faz numa adega. Lembro-me que cheguei à quinta no dia 8 de Setembro e já tinha chovido dois dias antes. A apanha de uva foi intermitente em função das chuvas. No tapete de escolha a selecção foi exigente, mas dependia muito dos locais e das parcelas de onde vinha a uva. E isto claramente constitui o factor diferenciador, sobretudo no Douro, onde as diferentes altitudes e exposições modificam significativamente as condições da região.
De um modo geral, a vindima 2014 ficou dividida em antes e depois da chuva. E aqui o terroir e a casta tiveram um papel preponderante.
O produtor e enólogo Rui Reguinga, que tem as vinhas no calhau rolado em Almeirim, não teve qualquer problema na vindima. Explica que aquela zona “é muito quente, ainda por cima o calhau rolado acaba por acelerar a maturação, o que permitiu colher as uvas maduras e em óptimas condições antes das chuvas”.
Na Herdade do Mouchão, no Alentejo, começou a chover a partir da segunda semana de Setembro, mas o melhor Alicante Bouschet da vinha dos Carapetos, implantada em solos de aluvião bem drenados, foi vindimado antes das primeiras chuvas. Estas uvas são a espinha dorsal do Mouchão 2014, que mostrou uma qualidade estrondosa nesta prova.
Francisco Olazabal conta que na Quinta do Vale Meão, Douro Superior, começou a chover no dia 7 de Setembro, mas eles conseguiram apanhar a maior parte das parcelas que entram no lote entre o 29 de Agosto e 6 de Setembro. As uvas apanhadas mais tarde estavam maduras e não foram muito afectadas pelas chuvas. O resultado está na prova.

tintos 2014

2014 foi o ano em que vingou o terroir e as decisões acertadas.

 

Decisões acertadas

Mas nem todos tiveram a sorte de apanhar as uvas antes das chuvas e tiveram que gerir a vindima em função do estado da maturação das uvas e do seu sexto sentido, tomando decisões rápidas e, por vezes, arriscadas.
Sandra Tavares (Wine & Soul) relata que o ano estava a correr muito bem. As uvas para o Pintas foram apanhadas antes da chuva, mas as vinhas da Quinta da Manoella ficam numa zona mais fresca e ainda não tinham sido colhidas. Quando souberam da previsão das chuvas, fizeram mais desfolha para os cachos ficarem mais expostos e secarem mais rápido. Optaram por vindimar à chuva e nunca pararam a vindima. O objectivo era colher tudo o mais depressa possível, porque as uvas demoram a absorver a água. Os solos drenam bem e as uvas não ficaram muito diluídas. O facto de serem vinhas velhas também ajudou. “Acabam por ser mais calibradas, mais resistentes às adversidades do tempo”. Tiveram atenção redobrada na selecção de uvas, naturalmente.
Segundo o enólogo da Quinta do Noval, Carlos Agrellos, no caso deles as uvas provêm das vinhas expostas a sul e a poente e, com esta localização, estavam quase maduras. A primeira parcela de Touriga Nacional foi colhida a 14 de Setembro e outra parcela no dia seguinte – as duas juntas fazem 80% do lote. A chuva não as afectou muito. Pela Touriga Franca tiveram que esperar até dia 5 de Outubro. Foi colhida já depois das chuvas. Conseguiu recuperar. “Era o risco total, mas valeu a pena”. Diria que estamos perante “um ano mais sóbrio, do que full-bodied” – conclui Carlos. Na adega fizeram delestage mais vezes para extrair mais estrutura (as uvas que entraram no lote estavam em óptimas condições sanitárias).
Jorge Moreira (Poeira) partilha a sua experiência da vindima 2014. “Quando os bagos começaram a rachar com as chuvas, primeiro pensei vindimar, mas depois resolvi esperar porque as uvas ainda não estavam maduras”. Com as vinhas viradas a norte, confessa que nunca consegue vindimar antes de 20 de Setembro. “Os vinhos acabaram por ter um pouco de diluição” – continua – “mas no Douro, com a tradição do Porto Vintage, medimos a qualidade pela concentração, estrutura e um pouco de sobrematuração. Nos anos 90 era o que procurávamos, mas o tempo ensinou-nos que os anos mais frescos, com pH mais baixo, evoluem melhor, pois temos estrutura na mesma. Por isto, no Douro é preferível ter maturação a menos do que a mais. Nos anos menos maduros tem de se ter mais cuidado com as extracções para não extrair taninos verdes.”
Manuel Vieira, enólogo consultor na Caminhos Cruzados, conta que também tiveram que esperar que a chuva passasse. A Touriga Nacional (maior parte das vinhas velhas do Teixuga) é uma casta importante no Dão, porque tem elasticidade suficiente na película para aguentar as chuvas sem rebentar (ao contrário da Alfrocheiro, por exemplo). Com vindima adiada para os finais de Setembro, obtiveram mostos com pH baixo, acidez alta e grau alcoólico mais baixo o que é normal.

Uma década depois

Há duas conclusões fundamentais que podemos retirar desta prova. Primeiro, as generalizações são sempre uma abordagem redutora no que toca à produção de vinho, porque muitas vezes o terroir sobrepõe-se às condições climatéricas, e ainda mais nos anos difíceis. Agora, passada uma década e com os vinhos provados, podemos constatar que mesmo num ano imperfeito como o 2014, existem muitos vinhos próximos da perfeição, cheios de vida e força. Depois, concluímos que com pH mais baixo e acidez mais alta estes vinhos acabam por ter uma evolução mais lenta (alguns parecem bem mais novos do que uma década de vida sugeriria), não pecam por falta de estrutura, e mesmo, perdendo algum corpo, vencem pela elegância.

Domínio do Açor e Herdade da Cardeira: Os produtores revelação do ano

Produtor revelação

A história começou em 2020, quando um grupo de amigos brasileiros, apreciadores e colecionadores de vinho, se juntaram na ambição de encontrar uma elegância borgonhesa em Portugal. Onde iriam parar? Ao Dão, claro. A tarefa de encontrar o local certo coube a Guilherme Corrêa, experiente sommelier brasileiro há alguns anos sedeado no nosso país onde […]

A história começou em 2020, quando um grupo de amigos brasileiros, apreciadores e colecionadores de vinho, se juntaram na ambição de encontrar uma elegância borgonhesa em Portugal. Onde iriam parar? Ao Dão, claro. A tarefa de encontrar o local certo coube a Guilherme Corrêa, experiente sommelier brasileiro há alguns anos sedeado no nosso país onde já lançou vários negócios. A outrora chamada Quinta Mendes Pereira, situada em Oliveira do Conde, Carregal do Sal, foi o alvo selecionado. Rodeada de floresta, com um importante património de vinhas velhas, tinha tudo o que ambicionavam. Com o apoio de consultoria do famoso especialista de solos, o chileno Pedro Parra, e do enólogo Luís Lopes, com provas dadas no Dão, lançaram-se a criar brancos e tintos assentes na elegância, mais do que na potência. Os primeiros vinhos sob a marca Domínio do Açor nasceram em 2021 e desde logo conquistaram os apreciadores com vinhos de perfil “artesanal”, muito cuidados, e que expressam um Dão leve, fresco e vibrante como poucos.

Entre Oliveira do Conde (Carregal do Sal) e Orada (Borba) há um mundo de distância em termos de terroir e perfis de vinho. Mas a busca incondicional da excelência está sempre lá.

produtor revelação
Domínio do Açor

O projecto da Herdade da Cardeira, localizada em Orada, Borba, iniciou-se dez anos antes. Mas o casal suíço Erika e Thomas Meier levou tempo a fazer desta propriedade de 100 hectares, hoje com 21ha de vinha, aquilo que hoje é. Logo após a aquisição, Erika iniciou um curso de três anos em viticultura e enologia, e tornou-se a principal força motriz da Cardeira. O casal vê a propriedade como muito mais do que um simples investimento. É o seu espaço, o seu canto de felicidade, onde participam em todos os trabalhos que o vinho implica, da vinha à adega. A produção com a marca da casa iniciou-se apenas em 2016, contando com Filipe Ladeiras como enólogo residente e Paulo Laureano como consultor. As uvas da Cardeira, sempre vindimadas à mão, são objecto de muita seleção de modo a manter a produtividade baixa, não excedendo as quatro a seis toneladas por hectare. No total, enchem apenas 50 mil garrafas por ano, vendidas para Suíça e Luxemburgo, sobretudo, só recentemente iniciando a distribuição mais alargada em Portugal. A tremenda consistência qualitativa dos seus varietais (Verdelho e Touriga Franca) e Reservas branco e tinto, para além de um espumante e um “Talha”, impressionaram fortemente os nossos provadores. L.L.