Caves Velhas: O regresso de uma marca com história

Caves Velhas

A Enoport Wines apresentou recentemente, ao mercado, os três primeiros vinhos da gama Prestige da marca Caves Velhas, um branco de Bucelas, um tinto do Dão e outro de Lisboa. O evento decorreu na antiga adega das Caves Velhas, em Bucelas. Segundo Nuno Santos, CEO da empresa, a história da marca começou em 1940, quando […]

A Enoport Wines apresentou recentemente, ao mercado, os três primeiros vinhos da gama Prestige da marca Caves Velhas, um branco de Bucelas, um tinto do Dão e outro de Lisboa. O evento decorreu na antiga adega das Caves Velhas, em Bucelas.
Segundo Nuno Santos, CEO da empresa, a história da marca começou em 1940, quando as Adegas Camilo Alves — empresa de volume criada em 1881 por João Camilo Alves — já estava bem estabelecida no mercado nacional, sobretudo em Lisboa. A aposta na produção e comercialização de vinhos de melhor qualidade “foi uma iniciativa do neto do fundador da empresa, João Júlio Camilo Alves, que criou a marca Caves Velhas, a primeira de qualidade que as Adegas Camilo Alves tiveram”, explicou o gestor durante o evento. Os vinhos foram comercializados como “Garrafeira”, na altura o símbolo maior de qualidade para o mercado nacional.

Brancos e tintos de Bucelas

Caves Velhas eram vinhos de uvas de Bucelas. Não apenas brancos da casta Arinto, cuja qualidade já era reconhecida pelo mercado na época, mas também tintos, já que o encepamento da região, na altura, também incluía variedades que os produziam. Numa época em que não havia ainda grande preocupação em destacar denominações de origem como símbolo de qualidade, salientava-se a casa produtora, a marca e a qualidade do vinho contido nas garrafas.
Muitos anos mais tarde, as Caves Velhas, que já tinham bons resultados com os seus Garrafeira e Romeira, passaram a tê-los, a reboque, também com os seus vinhos do Dão. Entretanto, as Caves Velhas criaram uma pequena diferenciação, na altura com mais duas a três empresas que acabaram por desaparecer, o lançamento de garrafas de vinho envolvidas em juta, que se tornaram numa espécie de ícone das Caves Velhas. Isto foi o que ocorreu de mais significativo desde os anos 40 até 1980, os de maior sucesso da marca até agora.Em 2015, a Enoport Wines — empresa proprietária da marca Caves Velhas, após ter adquirido as Adegas Camilo Alves e outras empresas, e procedido à sua fusão — tinha um universo de marcas muito grande e não conseguia focalizar-se, ou desenvolver e investir em marketing em nenhuma delas.
“A solução encontrada foi parar para pensar e concluir que era impossível trabalhar com mais de 100 marcas”, contou Nuno Santos. A decisão tomada depois foi reduzir o portefólio para dez referências, que não deveriam ser apuradas de ânimo leve, já que isso poderia ter um impacto significativo no negócio. “O processo teve de ser bem estudado e fundamentado”. Foram definidos critérios para a escolha, como o volume de vendas, a margem libertada ou o potencial de crescimento das marcas seleccionadas. Como muitas referências reuniam as características necessárias, foram acrescentados mais dois critérios: a sua história e o património que lhes estava associado, o que levou a marca Caves Velhas a passar para o topo da selecção, apesar de, na altura, estar em grande declínio. “Quando entrou na esfera da Enoport, em 2000, Caves Velhas não era uma das referências que sobressaia no grupo, nem tinha potencial de crescimento significativo”, revelou Nuno Santos, acrescentando que a empresa até pensou em abandoná-la.

Quando foi definido o portefólio final, que incluiu a marca, iniciou-se o processo de investigação sobre a sua história, que tem hoje mais de 80 anos, “também para se descobrir o que tinha resultado em termos de gestão para a referência ter sucesso, e os problemas que levaram ao seu declínio”, salientou o gestor. Isso foi feito para se encontrarem formas de pegar no caminho feito pela marca nos seus anos de ribalta, actualizando-as para as exigências e critérios dos dias de hoje. “O objectivo era fazer com que a marca tivesse sucesso novamente, o que não aconteceria, necessariamente, de um dia para o outro”, disse Nuno Santos.

Nem sempre as modas resultam

Depois de definidas as características principais que definiam a marca, o que fazia os consumidores reconhecerem-na e valorizarem-na, “chegou-se à conclusão que foi o critério de não seguir modas”, explicou o gestor. De todo esse trabalho resultou um processo que levou à divisão da marca em três segmentos: Signature, o mais baixo, Prestige, o intermédio e Elite, o mais alto, que ainda não foi lançado. Após terem saído os vinhos da primeira, no ano passado, a Enoport lançou, este ano, a segunda, que inclui algumas aguardentes e vinhos Garrafeira da colheita de 2018.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)

Quinta Dona Sancha: Vinhos de vinha e vinhos de casta, em Silgueiros

É claramente um projecto muito local que nasceu da fusão de duas propriedades – quinta da Avarenta e quinta do Senhor Rocha. O mentor enológico do projecto continua a ser Paulo Nunes com suporte do responsável de viticultura Filipe Oliveira e o novo enólogo-residente Diogo Santos. Os vinhos da linha Vinha da Avarenta são de […]

É claramente um projecto muito local que nasceu da fusão de duas propriedades – quinta da Avarenta e quinta do Senhor Rocha. O mentor enológico do projecto continua a ser Paulo Nunes com suporte do responsável de viticultura Filipe Oliveira e o novo enólogo-residente Diogo Santos.
Os vinhos da linha Vinha da Avarenta são de lote por ter ênfase na vinha e não numa casta. Na composição do branco entram mais de três variedades, incluindo Cerceal-Branco, Malvasia Fina e Bical, curiosamente, sem Encruzado. “A matriz do vinho passa por Cerceal, uma das castas mais ácidas” – sublinha Paulo Nunes. Sem estágio em barrica, para preservar os aromas primários mais nítidos; para dar volume de boca e alguma untuosidade, faz-se batonnage na cuba.

O tinto da Vinha da Avarenta, desta vez com Jaen, Tinta Pinheira e Baga, ainda não está no mercado e só será lançado no final do 1º semestre – inicio do 2º semestre de 2024. Neste momento está a descansar em garrafa, mas a prova que fizemos revelou um vinho muito fino, de grande beleza sensorial a expressar a região e a sub-região. É só esperar por ele.
Novas colheitas de monovarietais incluem Encruzado e Cerceal-Branco (não confundir com Cercial na Bairrada e Sercial na Madeira).
Na quinta existe Encruzado de várias parcelas distintas. Para o estágio em barrica procuram uvas com acidez mais alta e o pH mais baixo. O vinho fermenta e estagia em barricas de carvalho francês e húngaro de 500 litros, novas e usadas. O Cerceal-Branco “é consistente em termos de produção e tem componente ácido forte, mas é uma casta subvalorizada no Dão” – conta Paulo Nunes. Na sua vinificação é preciso sempre trabalhar uma parte em inox (fermentação e estágio), porque ao contrário do Encruzado que “consegue romper a madeira, o Cerceal é mais lento no desenvolvimento dos aromas”. Por exemplo, mesmo sendo uma casta bastante contida em termos aromáticos, se fermentar o Encruzado a temperaturas mais baixas, consegue-se alguma exuberância. No Cerceal é mais difícil de conseguir. “A casta é muito neutra, mas evolui muito bem” – assegura.

Dona Sancha
O monovarietal de Touriga Nacional 2019 já está no mercado e foi provado pela GE anteriormente. Entretanto, merece ser mencionado por ter um carácter muito distinto da maioria das Tourigas e apresentar uma bela evolução. Há 15 anos Paulo Nunes pensou que era fácil de fazer um brilharete com Touriga Nacional. Hoje, está convencido que é uma das castas mais difíceis de trabalhar. “É tão impositiva que é preciso ter muito cuidado a tomar conta dela. Na Touriga Nacional como na Pinot Noir, é muito ténue a linha que separa o vinho que soa a música clássica daquele que é música pimba”. Sobretudo numa sub-região mais quente, como Silgueiros, cai facilmente na fruta muito madura, doce e enjoativa. No caso do Quinta Dona Sancha a Touriga não quer ser demasiado óbvia. Tem aromas de cereja (mas muito sóbria) e esteva, concentrado, mas não efusivo. Encorpado e austero, com energia de acidez perfeita, nada ostensivo, com grande vocação para mesa.

Dona Sancha

 

 

Um dos objectivos da casa é recuperar as castas antigas e tradicionais do Dão, para contrariar a tendência geral de afunilar o leque das castas em meia-dúzia principais, e para mostrar que há mais vida para além da Touriga Nacional ou Encruzado. A solução prática passou pela plantação das 39 variedades existentes no Centro de Estudo de Nelas numa parcela para avaliar o potencial de cada uma. Algumas, claro, ficam pelo caminho, até porque não se dão todas de igual forma em sítios diferentes dentro da mesma região. Por exemplo, uma das castas chamada Arinto do Interior (que, para variar, não tem nada a ver com Arinto) tem um comportamento em Nelas completamente diferente daquele que demonstra na quinta em Silgueiros. E há muitos factores por trás desta variação de comportamento. Um deles é o solo. Ao contrário da generalização, o solo no Dão não é todo granítico e não é todo pobre. “O solo da Serra é mais rico do que o solo no vale do rio Dão” – exemplifica Paulo Nunes.
Fazer ensaios com tantas castas plantadas é um projecto de longo prazo, mas o proprietário da Quinta Dona Sanha vê a sua missão neste trabalho minucioso: “a procura de irreverência, experimentação, que acaba por ser benéfico à região”. “Será um trabalho geracional e não só mais um projecto” – esta é a visão de Rui Parente.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)

Quinta Dona Matilde: A âncora da família Barros

Quinta Dona Matilde

Quem vai da Régua para o Pinhão pela estrada que acompanha o curso do rio, não pode mesmo deixar de ver a Quinta Dona Matilde, na margem direita, imponente na sua longa frente de rio, com casario de perfil antigo mas cuidadosamente restaurado. Está na posse da família Barros desde 1927. Apetece dizer (ou pensar) […]

Quem vai da Régua para o Pinhão pela estrada que acompanha o curso do rio, não pode mesmo deixar de ver a Quinta Dona Matilde, na margem direita, imponente na sua longa frente de rio, com casario de perfil antigo mas cuidadosamente restaurado. Está na posse da família Barros desde 1927. Apetece dizer (ou pensar) que é a quinta a visitar. A ideia vai agora ganhar forma com a existência de 5 quartos e com serviço de pequeno-almoço. A resposta ao “porquê só pequeno-almoço” é, infelizmente, fácil de dar: a região tem um gravíssimo problema de mão-de-obra, falta gente para a vinha, para a vindima e, como se imagina, com formação hoteleira ainda mais difícil é. Um passo de cada vez é o que procura.

A quinta esteve, durante muitas décadas, ligada à empresa Barros Almeida e apenas vocacionada para a produção de uvas para Vinho do Porto, situação generalizada a quase todas as quintas de região. A empresa foi vendida à Sogevinus mas Manuel Ângelo tomou a decisão de recomprar, regressando assim à posse da família. É por ser quinta inicialmente vocacionada para a produção de Porto que as vinhas mais velhas da quinta têm um plantio em field blend, ou seja, todas as castas misturadas na vinha. Só com o movimento dos DOC Douro, que começou nos anos 90 do século passado, é que se iniciou o plantio por casta. Essas vinhas velhas dão muito mais dores de cabeça do que uvas e por isso a decisão de as manter é sempre uma ousadia que não vale a pena prosseguir se o preço a que se vendem os vinhos feitos com uvas das vinhas velhas não compensar.

Quinta Dona Matilde
João Pissarra, enólogo, e Filipe Barros, administrador, apresentam juntos os novos vinhos.

O motivo principal desta apresentação foi o lançamento do tinto Vinha do Pinto, precisamente feito com uvas da vinha centenária. O responsável da viticultura, José Carlos Oliveira, salienta o carácter especial que estas vinhas têm, com enorme capacidade de resistir às variações climáticas e os seus vinhos trazem o selo do local, apesar da baixíssima produção por cepa, que se situa nos 300 ou 400 gramas por videira, com trabalho de vinha feito a macho, vindima manual e uma poda que exige inspecção cepa a cepa para se perceber o que se deve manter e cortar.
Este Vinha do Pinto, de uvas com exposição nascente, foi vinificado em inox onde permaneceu por 18 meses no inox e sobre borras finas com alguma bâtonnage. Foi este tempo que lhe permitiu adquirir mais complexidade, tentando no inox aquilo que por norma se procura no estágio em madeira. João Pissarra, enólogo, reconheceu que esta opção é original na região, sobretudo tratando-se de vinhas velhas. Levanta-se assim o debate relacionado com o tema: pode fazer-se um topo de gama tinto sem madeira?

A resposta cabe a cada um dar após a prova do vinho. Esta é a segunda edição, da primeira (2019) existem raras garrafas mas uma foi dada à prova e pudemos confirmar que o vinho se encontra ainda em fase ascendente e apesar de ter nascido no ano mais generoso da década, as vinhas velhas, sempre contidas na produtividade, originaram um tinto que se mostra capaz de desafiar o tempo. Além deste existe outro vinho de parcela – Vinha dos Calços Largos – já objecto de prova em anteriores lançamentos.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)

 

Herdade da Mingorra: Um tinto filho da Ira do Talhão 25

mingorra

Em 2004, Henrique Uva cria o seu projecto de vinhos na Herdade da Mingorra, em Beja, com as vinhas que já explorava desde a década de 80. Nos anos seguintes, estreita a relação com os consumidores e fideliza uns tantos pelo caminho. Mais tarde, em 2015, a filha Maria entra em cena e, com respeito […]

Em 2004, Henrique Uva cria o seu projecto de vinhos na Herdade da Mingorra, em Beja, com as vinhas que já explorava desde a década de 80. Nos anos seguintes, estreita a relação com os consumidores e fideliza uns tantos pelo caminho. Mais tarde, em 2015, a filha Maria entra em cena e, com respeito pelo legado do pai, dinamiza a marca e renova a imagem, solidificando-a. O novo Vinhas da Ira 2018, topo de gama da casa, nasce já neste contexto, de uma Mingorra com identidade familiar — onde as três irmãs de Maria Uva estão conjuntamente envolvidas — que produz apenas com uvas próprias. “Primeiro somos agricultores e, depois, produtores de vinho” é a máxima de Henrique Uva, para quem está fora de questão fazer vinho com uvas que não sejam suas. Praticamente da família é também o enólogo Pedro Hipólito, que actualmente acumula a enologia com o cargo de director geral.

A propriedade tem um total de 1400 hectares com muita floresta e montado, onde se inserem 170 de vinha, 110 de olival e 270 de amendoal. O projecto iniciou com 120 hectares de vinha e recentemente foram plantados mais 50, perfazendo os actuais 170, onde se encontram as tintas Trincadeira, Aragonez, Alfrocheiro, Castelão, Alicante Bouschet, Merlot, Cabernet Sauvignon, Touriga Nacional, Syrah, Petite Sirah, Petit Verdot, Baga e Tinto Cão; e as brancas Antão Vaz, Arinto, Verdelho, Semillon, Alvarinho, Viognier e Sauvignon Blanc. Em 2020, a adega foi alargada com a finalidade de produzir mais, e, pela mesma razão, foram recentemente plantados os adicionais 50 hectares de vinhedo, sobretudo para reforçar a quantidade de uvas brancas, com enfoque em Verdelho, Alvarinho, Viognier, Loureiro, Encruzado e Sauvignon Blanc. A produção anual era, assim, de um milhão de garrafas, número que aumenta para mais 300 mil com o alargamento da adega e da vinha.

Mingorra
O Vinhas da Ira, tinto produzido apenas em anos que a equipa da Mingorra considera excepcionais, tem origem numa vinha de 1978, o Talhão 25. É, segundo Maria Uva (hoje a cara da Mingorra) e Pedro Hipólito, a vinha mais antiga da zona de Beja, plantada em “field blend” (mistura de castas na vinha) com 54% de Alicante Bouschet, 30% de Aragonez, 7% de Alfrocheiro e mais nove castas como Moreto, Tinta Grossa, Castelão, Trincadeira, e outras antigas da região. Já o vinho tem este nome porque a vinha causou discórdia na altura de se decidir se seria ou não arrancada. Henrique Uva lutou por ela e decidiu mantê-la, quando todos à sua volta o aconselhavam a arrancar, por ser uma vinha “feia”, pouco produtiva e pouco consistente, algo que ia contra o objectivo da “antiga” Mingorra, que era vender uva. Os tintos Vinhas da Ira comprovam que a decisão foi acertada e, em 2018, ano de colheita do vinho agora lançado, isso foi ainda mais flagrante: no início do mês de Agosto, uma onda de calor associada a vento provocou um forte escaldão na generalidade das vinhas, mas não no Talhão 25. Pedro Hipólito atesta que, nesse ano, a maturação decorreu equilibrada nesta vinha, com concentração e sem perder a frescura.
A fermentação do Vinhas da Ira tinto 2018 foi feita em lagares, seguindo-se maceração prolongada em depósitos de inox, antes de um estágio de 18 meses em barricas novas de carvalho francês, o que resultou num vinho complexo, muito elegante e cheio de carácter.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)

Novas estrelas no universo Bacalhôa

Bacalhôa

A marca Bacalhôa é fortemente associada à Península de Setúbal, mas na realidade, a empresa Bacalhôa Vinhos de Portugal está presente em 7 regiões vitivinícolas de Portugal, tendo uma aposta forte na Bairrada através da Caves Aliança adquirida em 2007, um dos produtores mais prestigiados dos espumantes e aguardentes, agora conhecido como Aliança Vinhos de […]

A marca Bacalhôa é fortemente associada à Península de Setúbal, mas na realidade, a empresa Bacalhôa Vinhos de Portugal está presente em 7 regiões vitivinícolas de Portugal, tendo uma aposta forte na Bairrada através da Caves Aliança adquirida em 2007, um dos produtores mais prestigiados dos espumantes e aguardentes, agora conhecido como Aliança Vinhos de Portugal. Por isto não é surpreendente o lançamento do novo vinho branco Bacalhôa 1931 Bical 2021, feito na Bairrada, surpreendente é o vinho em si.

A Quinta da Rigodeira, que pertence à Aliança, é localizada em pleno coração da Bairrada, entre Fogueira e Ancas e dentro do seu património vitícola possui uma parcela plantada em 1931, exclusivamente com castas brancas – Bical, Maria Gomes, Sercialinho, Cercial, Arinto, Rabo de Ovelha, Alicante e Chardonnay. De todas as castas o Bical pareceu mais interessante para fazer uma vinificação em separado, até porque já havia o histórico na quinta de a produzir como monovarietal.
Com produtividade muito reduzida, era pouquíssima a quantidade de uva que chegava à adega por dia. Tiveram que guardar no frio o mosto depois da cada prensagem para acumular a quantidade que desse para vinificar. Fizeram-se quatro vinhos: um totalmente em inox, duas barricas novas, duas barricas de segunda utilização e mais duas de terceira utilização para construir um lote final o mais complexo possível. O estágio durou um ano e depois de engarrafado em Setembro de 2022, o vinho ficou mais um ano em garrafa. A câmara de provadores da região atribuiu-lhe a designação Bairrada Clássico e fizeram-se apenas 2891 garrafas.

Os Moscateis da Bacalhôa são um caso à parte, com uma abordagem algo diferente da prática habitual na região. Para além da extensa maceração pelicular, que visa extrair mais aromas e até estrutura das películas das uvas, o vinho é submetido à variação térmica em estufa própria, com o objectivo de enriquecer mais a vertente aromática e concentrar açúcares e ácidos, resultando num produto final mais intenso e rico em todos os aspectos.
Mas antes de chegarmos a esta técnica, é importante mencionar que o Moscatel de Setúbal é um produto de terroir a 100%. A principal variedade é Moscatel de Alexandria, localmente conhecida como Moscatel de Setúbal. É uma casta de maturação tardia, plantada no solo argiloso e argilo-calcário das encostas da Serra da Arrábida virada a norte, por uma razão muito simples – todas as encostas viradas a sul, são escarpas – explica o coordenador da enologia da Bacalhôa Vasco Penha Garcia. Nestas condições, a uva normalmente é apanhada em Outubro, mas com 11-12% de álcool provável e ácidos bem presentes, o que acaba por garantir a frescura e contrabalançar o elevado teor de açúcar nestes vinhos generosos.
A casta Moscatel Roxo (uma mutação do Moscatel Galego) é uma uva rosada que amadurece cedo e é vindimada no início de Setembro. Produz vinhos generosos riquíssimos, mas há 20 anos estava em vias de extinção. A Bacalhôa Vinhos de Portugal, já tendo videiras dispersas desta casta em vinhas de Moscatel de Setúbal, promoveu o plantio das duas maiores vinhas de Moscatel Roxo da região.

MOSCATÉIS DE SONHO

O processo de vinificação é igual para ambos os vinhos e começa com uma breve maceração pelicular. A fermentação é interrompida com aguardente vínica de 77% (por opção da empresa, pois o regulamento dá liberdade de escolha de entre 52% e 86%). A maceração continua por vários meses, normalmente até à primavera. Durante este processo, a aguardente força a extracção, por isso não é raro sentir o tanino e um certo amargo que sensorialmente equilibra a doçura. Quando este processo finaliza com a prensagem e trasfega, começa uma nova fase em “estufa”, onde o vinho é submetido a uma amplitude térmica significativa. Na realidade, é uma variante do método de canteiro, utlizado na produção do Vinho da Madeira. A “estufa” da Bacalhôa é um armazém cuja construção com a cobertura baixa, permite grandes amplitudes de temperatura e humidade ao longo do ano. Assim, a temperatura varia de 56,7˚C em Julho até 5,6˚C em Janeiro e a humidade vai dos 100% na altura mais chuvosa até 10,9% no pico do verão. Neste armazém, os vinhos permanecem em pequenos barris de carvalho de 180 e 225 litros, muitos deles previamente usados para estagiar o vinho de Jerez e whisky de malte. Nunca sendo atestados, os vinhos demonstram uma grande concentração por evaporação.

Bacalhôa

É assim que são feitos o Moscatel de Setúbal 20 anos e Moscatel Roxo de Setúbal 20 anos. A designação Superior é atribuída quando um vinho, com mais de 5 anos de estágio, apresenta uma qualidade destacada. Existe mais uma particularidade que tem a ver com a visão da empresa – estes vinhos com indicação de idade, não representam um lote de vários anos. Na Bacalhôa, os Moscateis são sempre provenientes de um único ano, sendo este indicado no rótulo. Assim, o Moscatel de Setúbal 20 anos é de 2000 e o Moscatel Roxo de Setúbal 20 anos é de 2002. O produtor acredita que desta forma “conseguem proporcionar a pureza de um ano só”.

Este ano, em estreia absoluta foi apresentado o Bacalhôa Moscatel de Setúbal 40 anos de 1983, um licoroso de qualidade excepcional. Permaneceu os primeiros 20 anos da sua vida na Estufa nº 1 com grandes emplitudes térmicas e de humidade; em 2004 foi transferido para o Armazém das Selecções, com pé-direito mais alto, suavizando as variações da temperatura e promovendo, a partir deste ponto, um envelhecimento mais lento. Criou-se um vinho extraordinário, onde a riqueza e a concentração estão interligadas de tal ordem que o teor de açúcar de 324 g/l está em harmonia com a acidez de 8,1g/l e o pH 3,14 e o prazer sensorial que oferece está por cima de qualquer parâmetro técnico existente. Nesta edição ultra limitada foram para o mundo apenas 300 garrafas de 0,5L.

Quando será o próximo engarrafamento desta magnifica colheita de 1983, só o tempo dirá.

 

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)

Teixinha: o toque de Midas da Malhadinha

Albernoa, de todo, não era uma região ligada a vinho, mas a família Soares conseguiu, através do seu labor e exemplo e em estreita ligação com outros produtores entretanto chegados ao local, conferir a esta zona do Baixo Alentejo uma rápida mas notória visibilidade no panorama dos vinhos alentejanos. Desde 2020 os mais de 80 […]

Albernoa, de todo, não era uma região ligada a vinho, mas a família Soares conseguiu, através do seu labor e exemplo e em estreita ligação com outros produtores entretanto chegados ao local, conferir a esta zona do Baixo Alentejo uma rápida mas notória visibilidade no panorama dos vinhos alentejanos. Desde 2020 os mais de 80 hectares de vinha têm certificação biológica, e a Herdade da Malhadinha Nova é auto-suficiente em uvas para as suas diversas marcas.

Este é um projecto com forte carácter familiar. Os irmãos João e Paulo, com as respectivas cônjuges Rita e Margarete, dão a cara e o corpo ao manifesto, e envolveram até os seus filhos logo desde o princípio, com os desenhos infantis a ganharem vida nos rótulos dos vinhos, como hoje veremos os seus textos a ilustrarem os novos vinhos, de que vos falarei já a seguir. E não falo já, porque, entretanto, devo explicar a referência a Midas. É que a CEO Rita liderou o projecto da Malhadinha para encarar com enorme e reconhecido sucesso um outro desafio: tornar a herdade um apetecível destino de turismo de luxo. Vejamos, os Soares vieram do Algarve, onde não faltam atracções. Na Albernoa quais são as atracções? Simples, mas arriscado e complexo: a atracção é a própria Malhadinha, e a sua capacidade de atrair e entreter com grande qualidade os seus hóspedes. A grande gastronomia sempre foi um eixo, o enoturismo outro, e o resto é uma panóplia de actividades que inclui passeios de balão ou de moto4, a vivência dos animais da quinta, desde cavalos a abelhas, os workshops de pastelaria ou panificação, nem consigo listar tudo, vejam o site deles na internet. Autenticamente, os Soares colocaram Albernoa no mapa, com vinho, turismo, hotelaria. Fazem sustentabilidade, oferecem aos seus funcionários mais do que um salário, com recuperação de casas para eles viverem, ou oferecer suporte familiar. Praticar o bem, e receber em troca o sucesso de um negócio autenticamente criado do nada, apenas com origem na ambição e convicção de fazer bem. Todos os louvores para eles.

E agora vieram para Norte. Não muito para Norte, vieram do Baixo Alentejo para o Alto Alentejo. Em 2021 visitaram a Quinta da Teixinha, propriedade com 105ha no Parque Natural da Serra de São Mamede, a 700m de altitude. Encantaram-se com o sítio, onde ainda por cima havia já 4ha de vinha, e passadas três semanas estavam a fechar negócio. Segundo Rita Soares, “as características únicas de frescura e elegância dos vinhos da região de Portalegre são um grande complemento ao portefólio da Herdade da Malhadinha Nova.” A Quinta tem 2ha de vinha velha com Aragonez, Alicante Bouschet, Bical, Fernão Pires, Salsa e Tamarez, mais um hectare de Aragonez e outro de Roupeiro, ambos plantados em 2017. Vão ser plantados ainda mais 8ha de vinha, para juntar aos 80ha de floresta de cerejeiras, sobreiros e castanheiros centenários. Também aqui há várias casas, umas mais velhas do que outras, e um ambiente campestre que fascinou os Soares e os vai levar a investir também no turismo.

Os novos vinhos da Quinta da Teixinha tiveram apresentação em Lisboa, no elegante Círculo Eça de Queiroz, um jantar elaborado pela equipa de chefes da Malhadinha (Joachim Koerper, Cintia Koerper e João Sousa) e iluminado pelas belas canções de Ana Paula Russo e o pianista Pedro Vieira de Almeida (lá está, sempre a querer fazer bem). Por agora são dois brancos e dois tintos, 1500 garrafas do Roupeiro e 3000 do branco “field blend”, e 3000 garrafas do tinto e 1000 de outro tinto a que chamam “Tava”, uma pequena ânfora de terracota usada na vinificação. Os rótulos são ilustrados por evocações escritas pelas crianças da família, o que os torna mais ternurentos. Mas a sua leitura não é fácil, pelo que vou usar as suas cores para identificar inequivocamente os vinhos na nota de prova. Os vinhos têm enologia de Nuno Gonzalez e Luís Duarte, e em 2021 foram ainda vinificados e estagiados na Malhadinha Nova, com as uvas a serem transportadas em camiões frigoríficos. A qualidade, como era de esperar, é excelente. Não quero terminar com encómios, por isso menciono apenas um pormenor: todo o jantar foi acompanhado por água que veio da própria Quinta da Teixinha, 700m de altitude e pureza, que soube tão bem como os vinhos. Um mimo carinhoso para os convivas.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)

Anselmo Mendes e Mário Sérgio entram num bar…

corta fogo

Muitos momentos de conversa entre dois grandes amigos, circa 2019, originaram um grande vinho. Reza a lenda que foi numa caminhada nocturna, tarde e a más horas, que se “selou o negócio”. Anselmo Mendes, referência incontornável do Alvarinho de Monção e Melgaço, e Mário Sérgio Nuno, ícone da Bairrada, decidiram produzir um branco em conjunto […]

Muitos momentos de conversa entre dois grandes amigos, circa 2019, originaram um grande vinho. Reza a lenda que foi numa caminhada nocturna, tarde e a más horas, que se “selou o negócio”. Anselmo Mendes, referência incontornável do Alvarinho de Monção e Melgaço, e Mário Sérgio Nuno, ícone da Bairrada, decidiram produzir um branco em conjunto e à sua medida.

Para isso, o primeiro foi buscar o seu melhor Alvarinho, e o segundo o seu melhor Bical, ambos provenientes de parcelas especiais, “representativas do melhor que as regiões podem produzir”: a Vinha do Paço, na Quinta da Torre, em Monção — com solo de terraços fluviais e origem granítica — e a Vinha do Cabeço, na Quinta das Bágeiras — de solo argiloso com forte componente calcária — encaixaram que nem duas peças de puzzle. “Se não tivesse enólogo e pudesse escolher um, seria o Anselmo, sempre disse isto.

Há uma identificação não só no estilo de vinho, mas na parte humana. Crescemos os dois numa família de agricultores, e há muita coisa que temos em comum na nossa ‘meninice’”, confessou Mário Sérgio Nuno, na apresentação do Corta Fogo à imprensa. Na verdade, esta é a primeira vez que a Quinta das Bágeiras entra numa parceria deste género. “Eu nunca estive inclinado para este tipo de colaborações, porque o nosso projecto é muito focado em uvas próprias e na nossa região. Por isso, ao fazer um vinho ‘partilhado’, só poderia ser com o Anselmo, pela nossa afinidade”, desenvolveu o bairradino, nascido e criado na Fogueira, uma pequena aldeia da freguesia de Sangalhos, Anadia. Anselmo Mendes reiterou: “Pensámos, toda a gente se junta a fazer vinhos, porque não nós?”. O resto é história.

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Vindima da casta Bical na Quinta das Bágeiras.

A vinificação foi feita em separado, cada um na sua adega, mas da mesma forma, em barricas usadas de 400 litros no caso do Alvarinho, e de 500 litros no caso do Bical. O estágio foi de nove meses nas barricas, e depois juntaram-se os vinhos na adega de Anselmo Mendes, em Melgaço, para o engarrafamento em Junho de 2021. “Antes de chegarmos ao lote final, trouxemos várias hipóteses para cima da mesa, sobretudo para a mesa do Mugasa”, brincou Anselmo Mendes, referindo-se ao reconhecido restaurante de leitão, na Fogueira.

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Quinta da Torre (crédito hugo Pinheiro)

A escolha do Alvarinho por parte do monçanense, para integrar o lote do Corta Fogo, é óbvia. Mas Mário Sérgio Nuno poderia ter considerado outras castas brancas típicas da Bairrada, como Cercial ou Maria Gomes. Então, porquê Bical? “Porque, para ser com uma uva branca rainha da Bairrada, para mim teria de ser esta. Por exemplo, face à Maria Gomes, acho que a Bical daria sempre mais estrutura ao vinho”, explicou o produtor. “Eu já contactei de forma próxima com a Bical, e é uma casta que tem imensa personalidade. Em prova cega, consigo sempre dizer onde está a Bical”, completou Anselmo Mendes, que dá apoio enológico ao projecto bairradino Kompassus.

Quanto ao nome, Corta Fogo, Mário Sérgio Nuno não se retraiu ao invocar alguma emoção. “Primeiro, fogo tem que ver com Fogueira. Depois, uma linha de corta fogo pode significar muita coisa, nomeadamente um caminho que estreita laços de amizade. Uma linha de equilíbrio. Além disso, ‘corte’ pode ser sinónimo de ‘lote’. Há várias interpretações possíveis”. E avançou, convicto: “Com este vinho, queríamos também fazer algo pelo vinho português. Se há algo que eu aprendi com as minhas viagens, sobretudo a França, é que temos de fazer alguma coisa por nós, enquanto país produtor. Mostrar ao mundo o que pode ser o vinho português. Lá fora dizem-me que os meus vinhos de 20 euros são mais caros que os de 100 de qualidade equivalente. E esta é uma percepção que temos de alterar. Um vinho como este pode ser um contributo”.

O Corta Fogo, de apenas 2622 garrafas, é, acima de tudo, um branco com a ambição e genuinidade dos seus criadores. “Isto não nasceu de um grande ‘business plan’, nem houve aqui um plano de marketing elaborado, a pensar que íamos fazer um grande negócio por nos juntarmos num vinho”, esclareceu Anselmo Mendes. Conhecendo a dupla, é fácil perceber que é assim mesmo. Um vinho que surgiu da vontade de dois amigos com os mesmos valores, inspirado nas vivências de quem ouviu muitas estórias dos avós à lareira.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)

Três séculos de Alorna

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Para celebrar 300 anos de vida, o produtor de vinhos da região do Tejo preparou especialmente 712 garrafas do vinho “Quinta da Alorna 1723 Grande Reserva tinto”, que será disponibilizado em edição limitada num belíssimo conjunto comemorativo, juntamente com o livro “Da Índia ao Tejo, do Tejo para o Mundo: 300 anos da Quinta da […]

Para celebrar 300 anos de vida, o produtor de vinhos da região do Tejo preparou especialmente 712 garrafas do vinho “Quinta da Alorna 1723 Grande Reserva tinto”, que será disponibilizado em edição limitada num belíssimo conjunto comemorativo, juntamente com o livro “Da Índia ao Tejo, do Tejo para o Mundo: 300 anos da Quinta da Alorna”, da autoria da jornalista Maria João de Almeida, com prefácio do Professor António Barreto.
A Quinta da Alorna foi fundada em 1723 por D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal que, após ter conquistado a Praça Forte de Alorna, na Índia, regressou a Portugal e recebeu do Rei D. José I o título de Marquês de Alorna, concedendo à propriedade o nome que ainda hoje mantém. Poucos anos depois, em 1725, mandou construir o imponente Palácio, que sobrevive até aos nossos dias e cuja imagem está representada no logótipo da Quinta.
A Quinta da Alorna permanece na família Lopo de Carvalho desde há cinco gerações, após ter sido adquirida pelo Dr. Manuel Caroça em 1918 aos herdeiros do Visconde da Junqueira que, por sua vez, a havia adquirido, em finais do Século XIX, às filhas da 4.ª Marquesa da Alorna, D. Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre. Foi uma das mulheres mais cultas da sua época e a primeira escritora pré-romântica em Portugal. Mulher de letras, muito ligada à cultura e à política, e com influência junto das Cortes portuguesa e europeias, deve-se à sua persistência junto da Rainha D. Maria I, a abertura da primeira escola feminina em Portugal. Empresta o seu título aos vinhos premium da Casa.

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Martta Reis Simões, responsável de enologia.

A tradição vinícola da Quinta da Alorna remonta praticamente à data da sua fundação, tendo sido nessa altura que foram plantadas as primeiras vinhas, juntamente com pomares, jardins de amoreiras, florestas e oliveiras, adicionando pontes levadiças, lagos e buxos, copiando o modelo francês, tão em voga entre as elites europeias da altura.
No entanto, foi apenas no início do Século XX que a produção de vinho foi encarada de maneira mais profissional, embora sempre como fazendo parte do todo universal em que consiste a “Alorna”.
A “Alorna” é hoje 2600 hectares ao longo de 16 quilómetros de comprimento, dos quais 1900 hectares são de floresta, inclusive com árvores centenárias que datam da época de D. João, filho do primeiro Marquês de Alorna, 500 hectares de área agrícola onde são produzidos azeite, cereais e horto-frutícolas, e 180 hectares de vinha. A casa também se orgulha bastante do seu Centro Equestre, com cavalos puro sangue lusitano, e é, inquestionavelmente, uma parte integrante da história da região, das antigas casas aristocráticas do Ribatejo, com as explorações agrícolas ligadas à terra, às gentes, aos cavalos e à tradição.

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Pedro Lufinha, Director Geral da Quinta da Alorna.

Quando em finais do Século XVIII os Marqueses de Alorna se deslocavam até Almeirim faziam-no de barco, Tejo acima, demorando uma noite inteira desde Lisboa, onde à chegada uma carruagem da casa prontamente aguardava para os levar alameda acima até ao Palácio. No passado dia 26 de Outubro chegamos à Quinta da Alorna pela Estrada Nacional, mais rápido é certo, mas com menos glamour todavia, passamos o imponente portão e atravessamos a mesma alameda que nos conduziu ao Palácio, onde nos esperavam Pedro Lufinha e Martta Reis Simões, director geral e enóloga, respectivamente, da Quinta da Alorna.

 

 

 

 

Oferta muito consistente

A festa que assinalou o 300.º aniversário da Quinta da Alorna decorreu nos jardins do Palácio e juntou mais de 150 convidados, contando com a presença de figuras ilustres do sector que se reuniram para brindar ao legado, impacto e história da Quinta da Alorna. A maior parte das vinhas da Quinta da Alorna encontra-se em área de charneca, na margem esquerda (Sul) do Tejo, em zonas de planície e planalto, onde se percebem claramente os solos de calhau rolado e areia, nada homogéneos, passando a areia pobre em apenas poucos metros. As vinhas mais antigas encontram-se precisamente nestas zonas. No entanto, Martta Reis Simões, enóloga na Quinta da Alorna desde 2003 e directora de enologia desde 2010, decidiu também apostar recentemente nos solos de transição, localizados junto ao palácio.
Nos vinhedos da Alorna existem 19 castas, portuguesas e internacionais, sendo as mais emblemáticas e representativas a Castelão, a Touriga Nacional, a Cabernet Sauvignon, a Alicante Bouschet, Fernão Pires, Arinto, Chardonnay e Sauvignon Blanc. A produção anual da Quinta da Alorna é de dois milhões de garrafas das quais se exportam 50%, divididas por 23 países.
Os vinhos da Quinta da Alorna são muito consistentes e bem representativos do carácter da região, como bem tivemos oportunidade de comprovar durante o cocktail que precedeu a apresentação do tão aguardado “1723”. Foram servidos os Reserva Alorna Alvarinho/Viognier 2021 e Alorna Arinto/Chardonnay 2022 para uns tacos de peixe no forno, almendrados de brie e cremoso de pêra, brigadeiros de alheira com espinafres e sementes de sésamo, mini cones de queijo da serra, mel e figo, entre outras iguarias, e o Reserva Alorna Touriga Nacional/Cabernet Sauvignon 2019, em garrafas magnum, para uns croquetes de rabo de boi com maionaise trufada, tiborna de perdiz em escabeche, maçã e agrião e espetadinhas de cordeiro com molho tandoori.

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Um vinho de celebração

E o momento mais importante da noite chegou com o Quinta da Alorna 1723 Grande Reserva tinto 2019. Este tinto comemorativo surge da chamada “Vinha do Planalto”, onde as castas Tinta Miúda, Castelão e Alicante Bouschet exibem a sua verdadeira essência, patente num vinho que sobressai pela sua elegância e carácter do princípio ao fim.
Foi feita vindima manual em caixas de 18 kg, seguindo-se selecção em mesa de escolha para tanques horizontais abertos de 500 Kg a simular lagares. A fermentação iniciou-se com cacho inteiro como se de uma maceração carbónica se tratasse, iniciando-se assim uma fermentação intracelular para promover a fruta. As uvas foram desengaçadas a 2/3 da fermentação, pisa a pé até final, seguindo para prensa vertical. Individualmente, o vinho de cada casta estagiou durante 10 meses em barricas de carvalho francês usadas anteriormente para o Marquesa de Alorna tinto 2016. O vinho foi engarrafado a 18 de Novembro de 2020.
Seguiu-se o jantar volante, onde começou por ser servido um creme de couve flor caramelizado com cogumelos e crocante de presunto, devidamente acompanhado pelo Quinta da Alorna Reserva das Pedras Branco 2018, um 100% Fernão Pires em solo de calhau rolado, que se apresentou delicado no nariz, com aromas de flores brancas, notas de limão e fruta de caroço, bom volume de boca, revelou desde logo o seu carácter gastronómico, com boa textura e bem suportada pela acidez, final de boca longo e marcadamente mineral.
Não poderia faltar os Marquesa de Alorna Grande Reserva, branco e tinto, servidos em garrafas magnum, o branco de 2021 acompanhando salmão selvagem com arroz negro, espinafres e molho de alcaparras, revelando enorme finesse, equilíbrio e frescura, enquanto que, a sua versão tinta, de 2019, acompanhou uma bochecha de vitela estufada com esmagada de batata, bacon, acelgas salteadas e cebola pérola, demonstrando um perfil sofisticado, exuberante e convidativo, mas sempre com grande requinte. Finalizou-se com um Colheita Tardia Tinto 2015 e um Abafado 5 anos, para acompanhar doçaria a condizer.
E assim, terminada a noite de celebração do tricentenário da Quinta da Alorna, voltámos a atravessar a alameda que nos havia conduzido ao Palácio, mas desta vez em sentido inverso, que nos conduziu de volta à Estrada Nacional… e de regresso a Lisboa.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)

Herdade do Peso: O encanto da terra dobrada

Herdade do Peso

“O grande desafio que os produtores da região têm agora, é sincronizarem-se para trabalhar a vinha em mais detalhe e profundidade, sobretudo o sentido de lugar”. É uma das primeiras coisas que nos diz Luís Cabral de Almeida junto a uma das lareiras da Herdade do Peso, e que introduz muito daquilo que tem sido […]

“O grande desafio que os produtores da região têm agora, é sincronizarem-se para trabalhar a vinha em mais detalhe e profundidade, sobretudo o sentido de lugar”. É uma das primeiras coisas que nos diz Luís Cabral de Almeida junto a uma das lareiras da Herdade do Peso, e que introduz muito daquilo que tem sido o foco, dos últimos tempos, na propriedade. “Sempre defendi a existência do microclima da Vidigueira, com a influência da Serra do Mendro e das outras até ao mar, e as amplitudes térmicas enormes em Agosto, com noites de 14 graus centígrados, que nos permitem ter excelentes maturações”, desenvolve. Enólogo do Peso desde 2012, Luís Cabral de Almeida está hoje mais em contacto com a natureza do que com as “ribaltas” da vida, e isso reflecte-se na aura de tranquilidade e serenidade que emana.

Quando nos aponta como as vinhas e as outras plantações pautam o terreno da herdade, é a “terra dobrada” que vemos, expressão dos locais para orografia ondulada. E aí também nós ficamos tranquilos e serenos, numa época do ano em que tudo começa a descansar: as cepas, as árvores, o vinho.
A Sogrape chegou ao Alentejo em 1991 e, no ano seguinte, fez um contrato para a compra das uvas da Herdade do Peso, em Pedrógão, na Vidigueira. A opção pela Vidigueira foi óbvia na altura, não só pelo potencial vitivinícola da região, mas também pela ligação familiar ao proprietário da Herdade do Peso, cunhado de Fernando Guedes, ex-líder da Sogrape e filho do seu fundador, o que abria uma possibilidade de privilegiada cooperação. Não se perdeu tempo antes do lançamento de um produto para o mercado, e o Vinha do Monte tinto 1991 foi o vinho de estreia do grupo no Alentejo, uma marca actualmente independente do resto do portefólio.

Mais tarde, em 1996, a Herdade do Peso é adquirida pela Sogrape. Na verdade, a equipa técnica já conhecia os cantos à casa, pois, até ao ano da aquisição, tinha vindo a assessorar o processo de plantação de novas vinhas. Estas plantações tiveram, naturalmente, um incremento após a compra da propriedade, e sucedeu-se a construção de um centro de vinificação no local, com capacidade para processar, à época, 750 mil quilos de uvas. A adega foi alvo, entretanto, de mais duas remodelações, uma em 2013 e outra terminada em 2022, tendo hoje capacidade para 2,500,000 quilos de uva. Mas 2013 foi também o ano do primeiro Trinca Bolotas, uma das marcas mais importantes para a operação da Herdade do Peso, cujo tinto representa hoje 1 milhão e 100 mil garrafas anuais.

 

Herdade do Peso

 

Luís Cabral de Almeida iniciou a sua carreira na Sogrape em 1991. No Dão, e desde 2012 chefia a enologia da Herdade do Peso

 

Vinha, onde faz sentido

A Herdade do Peso ocupa uma área total de 465 hectares em solos argilo-calcários, onde 160 são de vinha, 140 dos quais de uvas tintas, como Aragonez, Syrah, Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Touriga Nacional, Petit Verdot, Grand Noir, Touriga Franca, Tinta Miúda e Tinto Cão. Os 20 hectares de uvas brancas incluem Antão Vaz, Arinto, Moscatel Graúdo, Chardonnay, Viognier e Verdelho. “A nossa base aqui é Alicante Bouchet e Touriga Nacional nas tintas, e Antão Vaz e Arinto nas brancas, não descurando Chardonnay, Verdelho e Viognier, por exemplo. Estamos progressivamente a cortar no Aragonez e a plantar mais Alicante no lugar dele, não reduzindo tudo. No entanto, penso que uma das próximas revoluções na região, ao nível das castas, será a Tinta Miúda”, declara-nos Luís Cabral de Almeida.

Entre 2020 e 2022, foram plantados mais nove hectares de videiras, com várias castas e uma particularidade: “Recorremos ao sistema de condução antigo em vaso, ou taça [gobelet]. A poda é mais difícil, mas as uvas ficam mais à sombra”, explica o enólogo.
Depois de um estudo profundo sobre os solos da propriedade, foram identificados 12 tipos de solo diferentes, todos derivados do argilo-calcário. Com esta informação, os técnicos da Herdade do Peso passaram a plantar vinha “apenas nos solos mais indicados para potenciar a qualidade das vinhas”, desvendou Luís Cabral de Almeida. Isso já é totalmente visível quando se passeia pela herdade, pois há muitas zonas que já não têm vinha contínua, tendo sido criados corredores de biodiversidade entre as parcelas. Para estes corredores, e não só, foi feito mais um estudo no sentido de apurar as espécies verdes naturalmente presentes: foram apontadas 157 espécies de plantas, oito das quais em grande risco de extinção. Assim, 37 destas espécies estão a ser plantadas nos sítios menos indicados para vinha. Luís Cabral de Almeida diz que o objectivo é “recuperar a flora tradicional da propriedade”.

Quanto a olival, este também representa uma parte importante da área plantada, com 50 hectares de tradicional e 50 de intensivo. Estes últimos serão, segundo o enólogo, para arrancar quando acabar o contrato vigente. Mas dentro deste tema há algo ainda mais impressionante: a alegada oliveira mais antiga de Portugal, que Luís Cabral de Almeida diz rondar uns impressionantes 3700 anos de idade. Estar na sua presença é quase desconcertante, tal a imponência e a beleza da sua velhice. “Temos um desafio, que é fazer um azeite com as azeitonas das oliveiras que têm mais de mil anos. Vamos ver se conseguimos…”, adianta. Para suportar tudo isto a nível hídrico, a Herdade do Peso conta com uma preciosa barragem, que ocupa uma área de vinte hectares. Toda a vinha da propriedade é regada, mas apenas com recurso à barragem e em sistema de gota-a-gota.

Uma adega completa

O projecto nunca parou de crescer e, em 2022, ficou concluída a mais recente ampliação da adega da Herdade do Peso, para acompanhar esse crescimento. A simples mas bonita edificação, com tecto ondulado inspirado na “terra dobrada”, contempla uma área de vinificação com 18 cubas de brancos, 13 cubas para brancos premium (5 delas em betão), 28 cubas de tintos e 12 cubas para tintos premium (2 em betão), bem como três prensas pneumáticas e uma prensa vertical de pratos. Quanto ao estágio e armazenagem, a adega dispõe de 56 cubas de inox, entre 2 mil a 35 mil litros, e dez talhas de barro, cada uma com capacidade para 1500 litros. Entre todo estes recursos, Luís Cabral de Almeida apontou-nos aqueles que estão dedicados aos “fine wines” do peso: as túlipas de betão, as cubas tronco-cónicas de inox e as talhas. Estão ainda a apostar nos grandes formatos, com tonéis de três mil litros para estágio. “Esta é uma adega com preocupação ambiental e pragmatismo em simultâneo, com grande isolamento térmico. Fazemos também re-aproveitamento da água da ETAR para lavagens e rega dos jardins”, explica o enólogo.

Os vinhos

Recentemente, a Herdade do Peso reorganizou e actualizou a sua gama de “estate wines”, que hoje inclui as sub-marcas Sossego e Trinca Bolotas, e as referências Herdade do Peso Revelado, Herdade do Peso Reserva, Herdade do Peso Parcelas e o topo de gama Herdade do Peso Ícone. Estes e outros vinhos perfazem uma produção anual de um milhão e oitocentas mil garrafas, mas é nos últimos quatro tintos que agora nos focamos.

Herdade do Peso Revelado nasceu com o propósito de ter toda a herdade engarrafada. É um blend de todos os solos e das castas mais representativas (Alicante Bouschet, Syrah e Cabernet Sauvignon), levando, desta forma, “a Vidigueira e o Alentejo de volta ao mundo”, dizem os próprios. A uvas do Revelado são desengaçadas, fermentam em inox e o vinho estagia um ano em barricas de carvalho francês. Já com Reserva, pretende-se combinar a tradição vitícola com a inovação na adega. É escolhida uma parte das uvas das “melhores” parcelas e são utilizados “materiais nobres e deixa-se o tempo actuar, fazer a sua magia”, adianta a equipa. Neste caso, as uvas provêm do talhão 28 de Alicante Bouschet, do talhão 94 de Touriga Nacional e da melhor parcela de Syrah. A fermentação dá-se em cubas tronco-cónicas de inox e, após fermentação maloláctica, o vinho estagia, separado por casta, em barricas e nos tonéis de 3 mil litros de carvalho francês durante 12 meses. Para o blend final, são escolhidos os vinhos das melhores madeiras.

O Parcelas, por sua vez, é feito com uvas das parcelas que mais se destacaram pela qualidade em cada vindima. Neste 2019 entraram o talhão 21, de Alicante Bouschet, e o talhão 101, de Petit Verdot (a edição anterior foi um 100% Alicante Bouschet, por exemplo). A fermentação ocorre em cubas tronco-cónicas e o estágio nos tonéis, durante um ano, escolhendo-se depois os melhores para o lote final. Por último, o topo de gama Herdade do Peso Ícone é o vinho que surge apenas nos anos que a equipa considera como excepcionais: o histórico deste tinto inclui 2007, 2014 e agora o 2018. Depois da selecção dos melhores bagos da Herdade do Peso, é preciso vinificar primeiro para se decidir se é engarrafado como Ícone ou não. Neste 2018 entraram as melhores uvas de Alicante Bouschet, Touriga Nacional e Petit Verdot. As uvas foram desengaçadas, mas, na fermentação em tronco-cónicas de inox, adicionou-se 30% de engaço ao Alicante Bouschet, “para dar mais complexidade e estrutura”. Após fermentação maloláctica, o vinho estagiou nos tonéis por 12 meses e, mais uma vez, foram depois escolhidos os melhores.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)

Barão de Vilar: Porto, Douro e algo mais

Barão de vilar

O nosso encontro começou no Pocinho. À porta de um enorme armazém, que de bonito não tem nada, estão centenas de meias barricas, todas vazias. Isto é para Porto? Indagamos, mas Álvaro van Zeller, o nosso guia e anfitrião, responde: é e não é! Como assim? Insistimos. A explicação vem logo: “este é dos bons […]

O nosso encontro começou no Pocinho. À porta de um enorme armazém, que de bonito não tem nada, estão centenas de meias barricas, todas vazias. Isto é para Porto? Indagamos, mas Álvaro van Zeller, o nosso guia e anfitrião, responde: é e não é! Como assim? Insistimos. A explicação vem logo: “este é dos bons negócios que temos na empresa; recebemos barricas (normalmente 200 por mês) vazias que serviram a vinho tranquilo e depois de cheias com água e tratadas com metabissulfito, são, depois de lavadas, avinhadas com Vinho do Porto pelo tempo que o cliente quiser: 3, 5, 6 e 12 meses. O cliente neste caso são empresas de bourbon americano, o whiskey que, desta forma, ganha um plus em virtude de a barrica ter estado avinhada com Porto. Mais tempo, mais caro. O negócio torna-se muito interessante porque o Porto, uma vez esvaziadas as barricas, fica em cubas de inox e volta a ser usado nas próximas que chegarem.

Como lembra Álvaro, “apenas fazemos prestação de serviços, vêm cá pô-las e buscá-las, o negócio que depois fazem com elas já não é connosco”. A dimensão enorme do armazém climatizado comporta, para já, 1500 destas barricas e poderá atingir as 2000 quando se alargar a instalação, algo já previsto.

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Os irmãos Fernando e Álvaro van Zeller têm uma longa experiência no negócio Douro e Porto

 

 

Aqui descansam também muitos tonéis e balseiros de vinho do Porto. Ao todo estamos a falar de 2,2 milhões de litros Porto de todas as categorias, ou seja, a maioria do stock que, no total atinge os 3 milhões de litros de fortificado, dos quais um milhão de vinhos velhos e Colheita datados. A estes números acrescem 2 milhões de litros de vinhos Douro. A empresa tem apenas tem 24 ha de vinhas próprias, adquirindo uvas em mais 280 hectares de várias zonas do Douro.
As vinhas próprias estendem-se desde a Quinta do Castro do Saião (que faz marca própria e vende vinho à Barão de Vilar, até vinhas no vale da Vilariça (Quinta do Tombo). A Quinta de Zom, em Freixo de Espada à Cinta, com 22 ha de vinhas, não pertence à empresa: fornece uvas e cede o nome. Existe a intenção de “puxar” pelo Saião, criando mais marcas, eventualmente com nomes de vinhas da quinta.
Para vinificar os DOC Douro a empresa criou desde 2008 uma adega em Santa Comba da Vilariça onde conta com Mafalda Machado como enóloga residente. E, para conseguir espaço para tudo armazenar, a Barão de Vilar ainda dispõe da adega de Romarigo (Régua), com capacidade de armazenagem de 6 milhões de litros e um centro de engarrafamento em Vila Nova de Gaia.

A Barão de Vilar passa agora a fazer parte deste grupo Van Zeller Wine Collection (e tem mesmo um terceiro sócio apenas a ela ligado). No conjunto a empresa aposta muito forte nos mercados externos e, assim, temos que o mercado interno apenas corresponde a 10% da facturação.
Tudo começou, devagarinho, quando a família van Zeller vendeu a Quinta do Noval à AXA Millésimes e quando os irmãos herdaram algum vinho do Porto da família. A partir daí, sobretudo com o impulso empreendedor de Fernando e as qualidades de Álvaro como enólogo, a empresa cresceu tremendamente e tudo aponta para que o crescimento vá prosseguir. A Van Zeller Wine Collection vai continuar a marcar pontos no Douro.

MUITAS COLHEITAS E MARCAS

As provas decorreram na adega da Vilariça e a equipa técnica (com Mafalda Machado) aproveitou a ocasião pare revisitar colheitas mais antigas de algumas marcas. O portefólio é de tal maneira amplo que seria impossível fazer aqui uma prova da totalidade dos vinhos. Dos que provámos, aqui ficam algumas notas e impressões.
A prova estendeu-se pelas várias marcas do grupo. Começámos com a colecção de vinhos Kaputt, uma marca nascida ocasionalmente, quando foi preciso encontrar nome para um vinho que reunia lotes de várias colheitas; começou por ter edição em branco, de que deixamos aqui a nota da 2ª edição. A primeira teve engarrafamento em 2016 e fizeram-se, na altura, 2645 garrafas. Provado agora mostrou que continua numa forma excelente, leve aroma de pólvora, até com notas longínquas a lembrar Sauternes. Dá muito prazer a beber e, curiosamente, num patamar ligeiramente acima da 2ª edição. Poderá custar agora €70. Todos os anos tentam o Kaputt quer no branco quer no Orange. Estão a deixar brancos de reserva para ver o que acontece. Provam duas vezes por ano para ver como estão a evoluir. É assim expectável que novas edições surjam no futuro.

A marca Zom não corresponde a vinhas da quinta de Zom. Para já é um nome apenas e estende-se por três patamares de vinhos: os Colecção (topo de gama), Grande Reserva e Reserva, Garrafeira e genéricos. Nesta gama fizemos uma prova extensa, tendo ficado de fora o branco Reserva e o rosé. O Reserva tinto (15000 garrafas/ano) e o Grande Reserva já foram provados em várias edições pela Grandes Escolhas; é o caso do Grande Reserva 2017 que, provado agora, se mostrou muito bem, ainda cheio de pequenas nuances aromáticas de muita qualidade. O preço de mercado rondará agora os €30. Provámos a 1ª edição do Garrafeira mas, dizem-nos, será para continuar em próximos anos. Os tintos Zom Colecção – apresentados numa garrafa de formato original desenhada em conjunto com Martin Berasategui – só terão edição em anos considerados de muito nível, com produções entre 3500 e 5000 garrafas. Além dos dois aqui notados provámos também o Zom Colecção 2009 que mostrou estar agora no zénite, no seu melhor momento de prova, com todos os elementos a darem muito boa conta de si. O registo é de elegância mas a dar-nos sinais de que tem ainda argumentos para continuar em cave.
A gama Reserva é bem mais acessível em termos de preço, com uma qualidade assinalável. Foi um pouco para mostrar esse aspecto que provámos duas edições mais antigas que nos confirmam a aptidão destes vinhos para a vida em cave.

A gama dos vinhos do Porto da empresa estende-se por várias marcas (a mais conhecida será a Barão de Vilar), umas destinadas sobretudo aos mercados externos – como é o caso da Feuerheerd’s, marca adquirida à família Barros – outras mais vocacionadas para uma forte presença no mercado interno, como a Maynard’s e uma, mais discreta, onde estão incluídos alguns dos topos de gama, com a marca Palmer, apenas destinada ao canal HORECA. O que houver de melhor sairá com a marca Palmer, quer Colheita, quer Vintage. A Maynard’s, ainda que dos mesmos anos, vai continuar a ter vinhos do Porto mas de lotes diferentes, de outro patamar em termos de preço.

 

Os melhores lotes vão para umas marcas, as segundas linhas para outras. O portefólio da empresa é um puzzle que não será fácil de gerir.

 

A Van Zeller Wine Collection dispõe de stocks para todas as gamas de Porto e as várias marcas de vinho do Porto incluem também praticamente todas as categorias, que vão dos vinhos de entrada de gama até aos Vintage e Colheitas que se prolongam até aos anos 40 do século passado. Os melhores lotes vão para umas marcas, as segundas linhas para outras. Ao ver o portefólio da empresa conseguimos perceber que se trata de um puzzle que não será fácil de gerir. Com a excepção da Feurheerd’s, todas as outras marcas, incluindo a Barão de Vilar, correspondem a antepassados dos van Zeller, ligados ao negócio do Vinho do Porto. Os lotes de vinhos do Porto mais antigos correspondem a compras feitas na Casa do Douro que dispõe de um enorme acervo de vinhos velhos e onde, com frequência, as empresas do sector adquirem vinhos mas que, como nos referiu Álvaro van Zeller “são vinhos que precisam depois de ser educados em cave, desde retirar cobre, corrigir a aguardente e a acidez, nomeadamente a volátil, que por vezes vem em níveis muito baixos e isso exige estágio em barricas não atestadas para forçar a oxidação e fazer subir a volátil”. No entanto sublinhou que, mais do que vendedores de Porto a terceiros, são sobretudo compradores, uma vez que têm necessidade de grande stock para todas as marcas.

No caso do Porto Vintage, diz-nos Álvaro “enviamos sempre amostras para aprovação mas nem sempre comercializamos. O 2012 está em venda agora mas, por exemplo, anda não lançámos o 14 ou o 15; mas o 16 e 17 já foram editados; os vintages de 2018, 19 e 20 estão engarrafados e logo se vê. Se não comercializarmos, podemos abrir as garrafas, pede-se ao IVDP para desclassificar o vinho e é integrado na conta corrente do ano”.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)