Fraga do Calvo: O retomar de um sonho adiado

Fraga do calvo

Em 1951, José Marinho era apenas um jovem quando iniciou a aventura da emigração, longe das suas origens, do outro lado do Atlântico. As razões foram as mesmas de muitos conterrâneos e compatriotas: a busca de uma vida melhor. As longas horas de trabalho muito duro no Brasil não obstaculizaram alguns períodos de ócio que […]

Em 1951, José Marinho era apenas um jovem quando iniciou a aventura da emigração, longe das suas origens, do outro lado do Atlântico. As razões foram as mesmas de muitos conterrâneos e compatriotas: a busca de uma vida melhor. As longas horas de trabalho muito duro no Brasil não obstaculizaram alguns períodos de ócio que permitiram desenvolver ligações sociais. Num desses momentos de descontracção, conheceu Etelvina Alves, a mulher que o encantou e com a qual regressou a Portugal, na década de 60, para casar e constituir família.
Com o dinheiro amealhado resolveu retomar um velho sonho e comprou a Fraguita, uma propriedade no Douro com três hectares, situada em Cabeda, no concelho de Alijó, na qual desenvolveu com grande entusiasmo a produção de vinho, que depois vendia na movimentada taberna do centro da povoação, por onde passava a Estrada Nacional 15, sendo na altura a única ligação entre a cidade do Porto e os territórios situados para lá da Serra do Marão. Contudo, a finitude da vida colocaria um ponto final na sua paixão.
Em 2014, um dos netos quis dar continuidade ao legado do seu avô. “Foi preciso tempo e algumas pessoas para que o meu desejo de colocar as mãos na terra ganhasse a força necessária para eu recomeçar uma história e dar continuidade a um sonho antigo, o sonho adiado de José Marinho”. Refere Gil Taveira, o actual mentor e enólogo do projecto.

Uma nova fase de expansão

Como seria de esperar, os novos empreendimentos vínicos não estão isentos de numerosos desafios e dificuldades. “O meu projecto de vida é pautado por muitos episódios de luta e persistência, que desaguam em singulares momentos de felicidade”, diz Gil Taveira.
Um dos maiores constrangimentos que teve de ultrapassar foi o arrendamento de novos vinhedos, com características semelhantes aos originais, que oferecessem garantias de qualidade. Actualmente, o projecto apresenta um total de cinco hectares de vinha, compostos pelas castas brancas Códega do Larinho, Gouveio e Viosinho. Relativamente às castas tintas, o encepamento passa por Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Roriz.
Ano após ano, tudo foi crescendo, e o que começou com uma pequena vinha no Douro transformou-se num projecto vínico viável, que inclui uma parceria com viticultores na região da Beira Interior, iniciada em 2018, dando início a uma nova marca e a vários vinhos.
O sonho não acaba aqui porque, ao que parece, haverá novos desenvolvimentos. Diz o enólogo, “hoje sei que a emoção e o amor são duas das mais valiosas ferramentas que utilizarei para que este sonho não mais seja adiado. O futuro não está planeado, mas… é inevitável”.

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2023)

Vidigal Wines: Quando a sorte bate à Porta 6

vidigal Porta 6

Quem conhece Manuel Bio, CEO do grupo Abegoaria (na fotografia de abertura), já percebeu que é feliz a fazer negócios, quer seja vender ou comprar, de pequena ou grande escala. Com olho para potencial e oportunidades, grande visão estratégica e racionalidade financeira, já salvou empresas da falência e, até hoje, expandiu a Abegoaria às regiões […]

Quem conhece Manuel Bio, CEO do grupo Abegoaria (na fotografia de abertura), já percebeu que é feliz a fazer negócios, quer seja vender ou comprar, de pequena ou grande escala. Com olho para potencial e oportunidades, grande visão estratégica e racionalidade financeira, já salvou empresas da falência e, até hoje, expandiu a Abegoaria às regiões do Alentejo, Douro, Lisboa, Tejo, Dão e Vinhos Verdes, conquistando as casas dos consumidores portugueses com vinhos de enorme sucesso, sobretudo nos supermercados. A ambição, contudo, é também internacional, e, para isso, a Abegoaria concretizou recentemente um dos seus projectos mais arrojados, com a compra da totalidade da Vidigal Wines — sediada em Cortes, Leiria — que antes pertencia a António Mendes Lopes e a capital norueguês. A Vidigal tem origem ainda no início do século XX, numa quinta fundada por um cónego e, no início dos anos 90, alguns proprietários depois, passa para as mãos de António Mendes Lopes que, conjugando as suas vivências no estrangeiro com bastante criatividade e uma (boa) dose de loucura, levou a Vidigal Wines a ser uma das empresas de vinho portuguesas com mais sucesso na exportação, apoiada no fenómeno Porta 6, com milhões de garrafas vendidas lá fora, números que nunca pararam de crescer. A marca nasceu em 2012 e, neste momento, é o tinto português que mais vende fora de Portugal, e o segundo vinho europeu mais vendido no mercado inglês, com quase 5 milhões de garrafas comercializadas no Reino Unido. A seguir, vêm os mercados do Brasil, Israel e Canadá. A produção total anual do Porta 6 tinto supera os 8 milhões de garrafas. António Mendes Lopes não tinha, no entanto, intenções de continuar ligado à empresa após a aquisição, mas acabou por ficar como consultor, “porque o convenceram de que ali fazia falta”. Manuel Bio, e a restante equipa administrativa do grupo, conheceram António em pleno início de pandemia de Covid-19, com as primeiras conversas sobre um possível negócio em 2020. A concretização do acordo deu-se em 2022, mas em 2021 estava tudo quase fechado, e já trabalhavam em algumas coisas em conjunto.

vidigal Porta 6

 

 

Porta 6 é o tinto português que mais vende fora de portugal. E segundo vinho europeu mais vendido no mercado inglês, com quase 5 milhões de garrafas comercializadas no Reino Unido.

 

 

“Para nós era talvez a única empresa que, nesta fase mais recente, ‘jogava’ connosco, porque éramos muito fortes no mercado interno, com uma posição bastante privilegiada na grande distribuição e consumo em casa. Estávamos a começar a olhar para o consumo fora de casa e a desenhar uma divisão de ‘fine wines’, mas ainda não era estratégia para o grupo, queríamos fazê-lo com tempo. Estávamos a tentar a exportação, sendo que começar na exportação com vinhos portugueses é difícil e o sucesso demora a chegar. Surgiu assim esta empresa, que não tinha nada do que nós tínhamos, e tinha tudo o que estávamos à procura. No fundo, a Vidigal veio antecipar 10 anos a nossa estratégia de exportação. É um grande investimento, mas ganhámos 10 anos lá fora, e também alguns vinhos muito interessantes para o consumo fora de casa e para a tal divisão ‘fine wines’, como o Brutalis”, explica Manuel Bio. Luís Bio, director de internacionalização da Abegoaria, acrescenta, “podemo-nos orgulhar, como grupo, de sermos hoje praticamente nº1 em off trade (supermercados); nº1 em Inglaterra, também nos supermercados; top 5 no Brasil; nº1 em Israel… ou seja, conseguimos consolidar nesta aquisição uma “value story” e um vinho como o Porta 6, que faz com que, hoje, sejamos produtores de dois terços do vinho português vendido nos supermercados em Inglaterra”. António Mendes Lopes interrompe: “Não é o vinho Porta 6, é a marca”. E continua, explicando que “o Porta 6 é todo imagem. O vinho é bom, mas isso não chega. O Porta 6 tem de ser como é porque a imagem está na cabeça das pessoas, é muito mais do que a qualidade do vinho.

O ex-proprietário da Vidigal Wines, que sempre defendeu aquilo a que chama um modelo horizontal de trabalho, acredita que é esta a fórmula que serve uma marca. “Cada um faz o seu papel e as pessoas não sabem nem se metem no dos outros. Porque temos de perceber que as pessoas não fazem bem tudo, nem é possível que assim seja. Há um enólogo melhor para transformar as uvas em vinho, outro melhor para finalizar o vinho e os lotes… Eu deito-me a pensar num rótulo e numa marca, no final de uma viagem tenho um texto feito… não me tirem isto, que é o que eu gosto de fazer! Mas não me falem em uvas e vinhas, porque eu não gosto. Só gosto de uvas quando já estão no tegão”, exemplifica António Mendes Lopes, convicto de que “é preciso cercarmo-nos de pessoas teimosas e criativas, pessoas capazes de dizer ‘não’ na nossa cara. Pessoas que conseguem pensar juntas. A inteligência colectiva funciona”, remata. Neste sentido, criou um departamento chamado Brand Defender, onde os accionistas não participam, para defesa das marcas e da qualidade das mesmas. “Quem tiver interesse em poupar, e não em gastar, não pode entrar neste departamento”, sublinha António Mendes Lopes, que advoga não haver ciência exacta para o sucesso, mas acredita em alguns princípios: “Começa-se por fazer as coisas com qualidade e por manter qualidade e o estilo teimosamente, aconteça o que acontecer. Não se pode comprometer a qualidade ou o estilo. E depois espera-se… espera-se que a sorte chegue. Por definição, a sorte não pode ser planeada. É por isso que se chama sorte”. E por falar em estilo, insere-se aqui uma das componentes mais importantes da marca Porta 6, a imagem. O rótulo icónico é a reprodução de uma pintura que estava a ser vendida a turistas nas ruas de Lisboa pelo próprio autor, o artista alemão Hauke Vagt, que residia no bairro de Alfama, perto do castelo de São Jorge. A pintura do famoso eléctrico amarelo chegou às mãos de António Mendes Lopes, que decidiu negociar com o autor e fazer dela o rótulo do Porta 6. “Qualquer pessoa poderia ter comprado aquela pintura e transformá-la num rótulo, mas fomos nós que o fizemos”, afirma, também numa alusão à sorte de que tanto fala.

vidigal Porta 6

Os enólogos António Ventura, Rafael Neuparth (à esquerda) e Arnaldo Simões (último à direita) com Luís Bio, Manuel Bio e António Mendes Lopes.

Já António Ventura e Rafael Neuparth são os enólogos responsáveis pelos vinhos da Vidigal Wines, e Arnaldo Simões dedica-se à finalização dos lotes, estando residente na empresa. Como se faz um vinho de 8 milhões de garrafas, como o Porta 6 tinto, mantendo a qualidade e consistência? Perguntamos. “Acabou por ser fácil, porque tudo isto foi crescendo ano após ano, não começámos com 8 milhões, foi mais com duas paletes…”, diz António Ventura, entre risos. O que mudou tudo foi, na verdade, o “momento James Martin”, o chef-celebridade inglês que se lembrou de afirmar, no programa BBC Saturday Kitchen, que o Porta 6 era um dos melhores tintos que tinha provado em dez anos. Nessa altura, a única distribuidora da marca no Reino Unido era a Majestic que, depois do programa ir para o ar, viu o seu site “ir abaixo” com tanta solicitação. “Foi aqui que a sorte nos bateu à porta. Coube-nos recebê-la, acarinhá-la e trabalhar com ela”, lembra António Mendes Lopes. Nessa altura, foi difícil ter vinho para tanta procura, e um incremento revelou-se obrigatório. “Estavam a pedir-nos dez contentores, e tivemos de fazer esse trabalho. No ano seguinte já estávamos preparados. Nesse ano não tínhamos vinificação, o vinho era adquirido a terceiros, mas em 2014 nasce a adega das Encostas do Atlântico [empresa junto a Caldas da Rainha que é 70% da Vidigal Wines e que detém também as vinhas do projecto] e passámos a ter a nossa vinificação, o que nos facilitou muito e nos permitiu criar volume com qualidade. Temos uma equipa de enologia lá, liderada pelo Mauro Azóia, e outra na Vidigal, onde se faz apenas a finalização, mas cruzamos muito a informação e estamos sempre a provar juntos”, desvenda António Ventura. A Vidigal Wines explora, através da Encostas do Atlântico, cerca de 350 hectares de vinha, que se situam maioritariamente nas regiões de Alenquer e das Caldas da Rainha.

Para algo completamente diferente…

Embora o porta-bandeira da empresa (passe-se a expressão) seja o Porta 6, há outro elemento no portefólio com conceito e posicionamento totalmente distintos, o topo de gama Brutalis. Fazendo jus ao nome, é um tinto de potência, desaconselhado aos fracos de coração (ou, por outra perspectiva, talvez funcione como desfibrilhador), com Alicante Bouschet na base do lote e 20% de Cabernet Sauvignon. António Mendes Lopes, que viveu na Dinamarca, chamou Brutalis ao vinho inspirando-se num rinoceronte com o mesmo nome, que se encontrava num jardim zoológico daquele país. “Era meio louco, levava tudo à frente”, descreve. Mesmo os mercados mais fortes para o Brutalis são, na sua maioria, completamente diferentes dos do Porta 6, passando sobretudo por Portugal, Alemanha, Brasil, China e Macau. Uma prova vertical de oito colheitas deste tinto, do mais antigo para o que está actualmente no mercado, revelou algumas surpresas, com algumas edições a chocar pela juventude e vivacidade, e outras até mais elegantes, que resultaram um pouco menos “Brutalis” do que a equipa da Vidigal pretendia. O primeiro, de 2005 (ainda Regional Estremadura), foi o único feito com uvas da Quinta da Cortesia, na Merceana, mas rapidamente se percebeu que não era a vinha ideal para o perfil que se procurava. Apresenta um perfume exótico de fruta negra, especiarias, sândalo e cera de abelha. Na boca é mais leve do que se esperava, bem vegetal e maduro na fruta, chão de bosque e leve balsâmico no final (16,5 valores).

vidigal Porta 6

A partir do 2008 e até ao 2013, entram as uvas da “vinha do cemitério” (precisamente por ser perto de um), também na zona da Merceana. O 2008 foi uma das surpresas positivas, bastante vivo no nariz de fruta silvestre madura, muita pimenta branca, um leve lado resinoso, e outro mais lácteo e fumado. Na boca tem o tanino ainda aguerrido, muito novo, quase infante. Agradavelmente adstringente, largo e longo (17,5). O 2009 entra no mesmo registo do anterior mas mais vegetal, com uma gordura fumada bem presente. Na boca é um pouco mais magro, choveu cedo nesse ano e António Ventura diz ser a causa (17). O 2012 é, curiosamente, talvez o menos Brutalis de todos mas o que mais impressiona ao nível da qualidade absoluta. Nariz muito elegante e fino no perfume, onde balsâmicos encontram chão de bosque, eucalipto, mirtilo e arando. Na boca é vivo no lado especiado e balsâmico, potente e com muito carácter mas extremamente elegante em simultâneo, longo e sedoso no final (18). Já o 2013 é talvez o mais especiado de todos, com muita pimenta preta, cardamomo, levíssimo açafrão e agulha de pinheiro. Na boca está muito novo, imponente, tanino adstringente e final de potência. Para esperar em garrafa (17). O 2015 muda totalmente de cenário, passando a ter origem numa vinha perto do Cadaval, no lado Norte da Serra de Montejunto. Mais balsâmico no nariz do que os outros, com nota vegetal e bagas silvestres. Na boca tem uma juventude pornográfica, muito intenso e vegetal, tanino bruto e por limar. Longe do momento certo (17,5). No 2017, os balsâmicos juntam-se a fruta silvestre e cera de abelha no aroma. Bem adstringente, mas com volume a suportar, tem a particularidade de fazer sentir o álcool no final um pouco quente e medicinal (17). No mercado está o 2018, que se revela bem diferente das anteriores colheitas, a denotar mais as notas típicas do Cabernet Sauvignon. Ganhou equilíbrio e frescura balsâmica, mantendo a intensidade dos taninos. Promete crescer em garrafa (17,5).

vidigal Porta 6

Em apenas três anos, desde a aquisição, a Abegoaria duplicou as vendas globais da Vidigal Wines. “Sempre fomos uma empresa comercialmente muito agressiva, o que ajudou muito a que isso acontecesse. Aproveitámos, claro, o momento óptimo em que a Vidigal estava, sobretudo ao nível do produto e da imagem. Depois, foi abrir os canais, aproveitando clientes que já tínhamos na Abegoaria, nacionais e internacionais, e fazendo o mesmo com os vinhos da Abegoaria nos clientes da Vidigal”, adianta Manuel Bio. Um dos grandes objectivos do grupo é aproveitar as suas valências comerciais no mercado nacional, para levar a marca Porta 6 a ter, em Portugal, o mesmo sucesso que tem no mercado internacional. Para isso, a Abegoaria conta com a sinergia que já tinha com a distribuidora Vinalda, que assumiu a tarefa de trabalhar a marca no canal on trade (a sua especialidade) e continuar a alavancá-la no off trade. A tarefa é difícil, como reconhece Manuel Bio, mas não impossível, e os resultados, atesta, têm sido muito positivos…

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2023)

 

 

Herdade de Espirra: O Castelão continua a ser aposta

Herdade da Espirra

Em sessão aberta à imprensa, o projecto Herdade de Espirra apresentou os vinhos Pavão de Espirra tinto 2020 e Herdade de Espirra Reserva tinto 2018. O primeiro é um vinho de entrada de gama, com um perfil assumidamente consensual, onde o aroma vivo a frutos vermelhos e um equilíbrio de corpo e taninos procura adequar-se […]

Em sessão aberta à imprensa, o projecto Herdade de Espirra apresentou os vinhos Pavão de Espirra tinto 2020 e Herdade de Espirra Reserva tinto 2018. O primeiro é um vinho de entrada de gama, com um perfil assumidamente consensual, onde o aroma vivo a frutos vermelhos e um equilíbrio de corpo e taninos procura adequar-se a momentos de consumo descontraídos e informais. O Reserva é bastante mais ambicioso. As uvas, provenientes de vinhas com mais de 40 anos, são colhidas manualmente e pisadas a pé, fermentando em lagares e beneficiando de um estágio de 24 meses em barricas de carvalho francês, a que se seguem mais doze meses em garrafa. A intenção é, como explicou Ana Varandas, mostrar a tipicidade do Castelão sem maquilhagem: fruta preta, encorpado, bons taninos. Esta casta, que atinge nos terrenos de areia de Pegões uma das suas melhores expressões, permite fazer vinhos de forte carácter e grande identidade.
Na ocasião foi também mostrada uma nova embalagem do Pavão de Espirra rosé 2021, num formato Bag in Tube, de três litros, rotulada com papel Navigator e produzida a partir de florestas geridas de forma sustentável e devidamente certificadas.

Estas preocupações ambientais atravessam toda a política da empresa. The Navigator Company é um produtor integrado de floresta, pasta, papel, “tissue”, soluções de packaging e bioenergia. A administração do grupo, presente neste encontro, reforçou este compromisso na sustentabilidade ambiental, nas soluções recicláveis e biodegradáveis e na diversidade de culturas e plantações patente em mais de 130 espécies diferentes de árvores e arbustos, muitas sem viabilidade económica, mas que são mantidas e financiadas para garantir a continuidade das espécies. A meta da neutralidade carbónica é uma aposta a médio prazo. A manutenção das vinhas e a produção de vinho na Herdade de Espirra são um exemplo vivo desta política. Representando um valor absolutamente residual no negócio global da companhia, esta foi herdada da anterior Portucel e integrada em 1985, sendo mantida e valorizada como mais um exemplo nessa aposta na biodiversidade. Por isso, as vinhas convivem pacificamente na herdade de Pegões com um total 1700 hectares, com outras actividades agro-florestais como a produção de pinhão, pastoreio, viveiros florestais e madeira. Apesar de, recentemente, se ter introduzido na propriedade novas castas como Aragonez, Touriga Nacional e Alicante Bouschet, o Castelão continua e continuará a ser o eixo da produção de vinho da Herdade, todo ele obtido a partir de vinhas em Produção Integrada.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2023)

Morgado do Quintão: Para uma arqueologia dos vinhos algarvios

Morgado do Quintão

Nas mãos da família Caldas Vasconcelos há quatro gerações, a casa foi fundada em 1810 pelo 1º Conde de Silves e sempre ali se produziu vinho, a par de outras culturas, nesses tempos sobretudo para consumo próprio, a exemplo de muitas outras propriedades na região. O que aqui merece relevo, é que os seus proprietários […]

Nas mãos da família Caldas Vasconcelos há quatro gerações, a casa foi fundada em 1810 pelo 1º Conde de Silves e sempre ali se produziu vinho, a par de outras culturas, nesses tempos sobretudo para consumo próprio, a exemplo de muitas outras propriedades na região. O que aqui merece relevo, é que os seus proprietários souberam resistir à tendência geral da região nos anos 80 e 90 do século passado de abandono da vinha e porfiaram em manter a produção, entregando as uvas na adega cooperativa local. Mas foi só mais recentemente, em 2016, que Filipe Vasconcellos e sua irmã Teresa, com a morte de sua mãe assumiram a gestão da propriedade e resolveram ensaiar a produção de vinho engarrafado. Primeiro, de uma forma tímida, com o lançamento de 2000 garrafas e depois a pouco e pouco, à medida que estendiam a área de plantação até chegar hoje aos 18 hectares e com uma produção que anda em média nas 30 000 garrafas. Mas Filipe e Teresa tinham ideias claras do que queriam fazer e foram em contramão à tendência de reproduzir no Algarve as castas e os métodos que fizeram o sucesso dos vinhos alentejanos. Com vinhas muito velhas, algumas com mais de 90 anos e de produção exígua, resistiram ao impulso de as arrancar e fizeram delas a imagem de marca da sua casa. Negra Mole e Castelão nos tintos e Crato (Síria) nos brancos eram as cepas tradicionais do Algarve de antanho. E foram nestas que apostaram, com o incentivo entusiasmado da enóloga Joana Maçanita que assumiu a direção de enologia e que hoje dá a cara e, ouvindo como fala, o coração, pelo projecto.

 

 

Filipe Vasconcellos e a sua irmã Teresa assumiram, em 2016, a gestão da propriedade.

 

 

 

 

 

As vinhas novas entretanto plantadas respeitam esta filosofia da casa e reproduzem em alguns aspectos as condições das vinhas primitivas: castas misturadas, ou como hoje dizemos “field blend, pouca intervenção na vinha e na adega. Mas as preocupações na sustentabilidade e a aposta na produção biológica que está em vias de ser certificada são bem contemporâneas. Na prova que nos proporcionaram sob a sombra generosa de uma oliveira milenar (Filipe avançou que ela teria mais 2000 anos!) ficou muito claro o perfil pretendido dos vinhos ali produzidos. Joana Maçanita explicou que esta era a verdadeira identidade dos vinhos do Algarve e aquilo que defende ser o seu futuro. Vinhos brancos frescos e com boa acidez e tintos com pouca cor e também carregados de frescura, para se beberem no verão escaldante. Por isso a aposta vincada na Negra Mole, a porta bandeira dos vinhos algarvios, fazendo com ela os seus Claretes de Negra Mole, com os quais fizemos uma prova vertical muito interessante, lembrando os Pinot Noir. O espírito inquieto de Joana tem convencido os proprietários a avançarem por experiências desafiantes que também nos foram dadas a provar, como é o caso do Espumante de 2019, um pouco resinoso mas delgado na boca, um Palhete que junta Negra Mola com Crato, um Branco de Ânfora 2021 carregado de salinidade e outro Branco de Tintas 2021.

 

A casta Negra Mole é a grande aposta do projecto

Esta aposta tem sido bem conseguida, os grupos de visitantes (a maior parte estrangeiros) sucedem-se aos portões da propriedade e os vinhos do Morgado do Quintão são hoje um dos principais pontos de atracção na exploração do enoturismo, para o qual a casa está muito bem apetrechada com os seus pequenos chalés pitorescos e com o suporte de uma cozinha criativa e bem apresentada, baseada nos produtos e sabores tradicionais da região.

 

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2023)

Aliança: Como alfaiataria para espumantes

Aliança Espumantes

Foi em 2018 que a Aliança Vinhos de Portugal decidiu dar mais um passo na produção dos seus espumantes de topo na Bairrada, com a casta Pinot Noir. Em versão blanc de noirs (branco de uvas tintas), este “bruto natural” vem juntar-se à gama onde já se encontrava o Aliança Grande Reserva branco, um lote […]

Foi em 2018 que a Aliança Vinhos de Portugal decidiu dar mais um passo na produção dos seus espumantes de topo na Bairrada, com a casta Pinot Noir. Em versão blanc de noirs (branco de uvas tintas), este “bruto natural” vem juntar-se à gama onde já se encontrava o Aliança Grande Reserva branco, um lote de Chardonnay e Baga cuja colheita de 2018 sai também agora para o mercado.

No evento de apresentação de ambos, que teve como palco as Caves Aliança e o Underground Museum, em Sangalhos (concelho de Anadia) a equipa da casa proporcionou um dia totalmente dedicado a este tipo de vinhos. Mas, antes de uma prova de bases de espumante, de outra das várias colheitas do Grande Reserva branco e do novo espumante Pinot Noir, conduzidas pelo enólogo Francisco Antunes, foi visitada a nova vinha da empresa em Sangalhos — Quinta da Rigodeira II — concebida exclusivamente para originar vinhos base para os espumantes. E isto, na verdade, é coisa rara…

Aliança Espumantes

Em solo argilo-calcário, com algumas manchas arenosas, a Quinta da Rigodeira II teve os seus primeiros quinze hectares plantados em 2021, e mais nove já em 2023, sendo que para 2024/2025, estão previstos seis hectares adicionais. O que se encontra nesta vinha em início de vida, que terá este ano a sua segunda produção, são as castas mais emblemáticas na produção de espumantes da Bairrada: Baga, Chardonnay e Pinot Noir.

“Os clones deste Chardonnay e deste Pinot Noir são específicos para espumante. Já o material vegetativo da Baga, que provém da Estação Vitivinícola da Bairrada, é enviado para Itália, voltando enxertos já prontos para plantar”, elucidou Francisco Antunes. O director de enologia da Aliança, que chegará aos 30 anos de casa em Setembro de 2023, é actualmente um dos maiores especialistas em espumante do país. Também responsável pelos vinhos de outras regiões onde o grupo opera — Vinhos Verdes, Douro, Beira Interior e Dão — e pelas aguardentes, Francisco Antunes formou-se em Engenharia Agrícola na Universidade de Évora, e em Enologia em Bordéus.

“Queremos ter matéria-prima nossa, que possamos controlar totalmente, para o projecto dos espumantes de topo” afirmou, junto à vinha da Quinta da Rigodeira II, onde Eduardo Medeiro, vice-presidente executivo do grupo Bacalhôa (proprietário da Aliança Vinhos de Portugal), salientou ter sido “muito importante definir um foco para a Bairrada, nomeadamente os espumantes e a casta Baga”. Este incremento na região levou a que, segundo o viticólogo e director técnico Clemente Almeida, o custo da uva Baga passasse de cerca de 15 cêntimos, por quilo, para mais de 50 cêntimos em apenas 15 anos.

Aliança Espumantes

Francisco Antunes, director de enologia da Aliança, chegará aos 30 anos de casa em Setembro. É um dos maiores especialistas em espumantes do país.

De volta às caves, estiveram em prova três bases de espumante, de vinhos que sairão a partir de 2026: Quinta da Rigodeira 2022, um novo espumante que nasce na vinha agora plantada, de Baga, Chardonnay e Pinot Noir; Grande Reserva branco 2022 e Pinot Noir Grande Reserva branco 2022. Surpreendentemente, os três mostraram enorme equilíbrio e harmonia, a fugir da “agressividade” que se espera numa base de espumante. Depois da prova vertical do Grande Reserva branco — colheitas 2012, 2015, 2016, 2017 e a mais recente 2018 — chegou-se à estrela do dia. O Aliança Pinot Noir Grande Reserva branco 2018 viu o seu vinho base estagiar durante 5 meses, antes do engarrafamento, e permaneceu depois, “sur lies”, 43 meses em cave.

A Aliança produz, de acordo com Francisco Antunes, um milhão de garrafas de espumante por ano, das quais 156 mil são do Baga-Bairrada, outro produto “flagship” da empresa. Ainda segundo o alfaiate dos espumantes Aliança, em Setembro deste ano será lançado um vinho branco Bairrada Clássico, 100% Bical, proveniente de uma parcela descoberta na Quinta da Rigodeira… de 1931.

(Artigo publicado na edição de Julho de 2023)

Domínio do Açor: À procura de Borgonha em terras de granito

Domínio do Açor

A tarefa de procura pelo terroir perfeito coube a Guilherme Correia, um sommelier brasileiro que mora em Portugal, já há alguns anos, e é bem conhecido na comunidade vínica pela sua competência profissional e delicadeza no trato. Trabalha na indústria do vinho há quase 30 anos e foi duas vezes o melhor sommelier do Brasil. […]

A tarefa de procura pelo terroir perfeito coube a Guilherme Correia, um sommelier brasileiro que mora em Portugal, já há alguns anos, e é bem conhecido na comunidade vínica pela sua competência profissional e delicadeza no trato. Trabalha na indústria do vinho há quase 30 anos e foi duas vezes o melhor sommelier do Brasil. Guilherme também é um dos sócios da distribuidora Temple Wines. Descobriu a Quinta Mendes Pereira (que estava à venda) situada junto à vila de Oliveira do Conde, no concelho de Carregal do Sal, rodeada de floresta, com um património fabuloso de vinhas velhas com mais de 60 anos, inseridas num ambiente com forte apelo cultural e histórico, onde ruínas milenares dos celtas e romanos assinalam os nomes das parcelas.

A sub-região Terras de Senhorim, onde a quinta está enquadrada, fica praticamente no meio da região do Dão, entre dois rios (Dão e Mondego), e goza de um mesoclima mais fresco do que nas zonas mais quentes e menos frio e húmido do que na Serra da Estrela. Os solos são de origem granítica, de textura arenosa e franco-arenosa, pobres em matéria orgânica e fraca capacidade de retenção de água, duas características que não induzem grande vigor na planta e naturalmente regulam a produção.

 

João Costa, enólogo residente, e Luís Lopes, enólogo consultor, partilham da visão de Guilherme Corrêa, um dos proprietários.

 

Os sócios desta aventura avançaram com aquisição da quinta em Maio de 2021, o ano que deu origem aos primeiros vinhos da Domínio do Açor. O nome do projecto é inspirado no conceito francês de “domaine” — sítio/propriedade com/dedicada à produção de vinho — mais associado à Borgonha, ao qual se junta o nome da Serra do Açor, moderador climático das vinhas daquela zona. A necessidade de ir para além de um “feeling”, motivou os sócios para contratar um dos maiores especialistas em solos, o Mr. Terroir chileno, Pedro Parra.

Como diferem as parcelas entre si? Quais têm o maior potencial? Como devem tratar as uvas de cada parcela na adega? Dos 11 plotes, através do estudo de granulometria e conductividade electromagnética dos solos, Pedro Parra identificou que mais de metade “corresponde” a Grand Cru e Premier Cru, os outros a Village e um não apresenta grande qualidade. Por muito potencial que o terroir tenha, a equipa de enologia tem que ser bem escolhida, partilhar a visão com o produtor e ser capaz de trazer o terroir até ao copo.

Domínio do Açor
Vinha da Ruína

Nesta aposta contam com o enólogo consultor Luís Lopes, formado em enologia na UTAD. Estagiou no aclamado Comte Lafon, na Borgonha, e posteriormente no Martinborough Vineyards, na Nova Zelândia. Em Portugal, era enólogo na Quinta da Pellada e apoiou o projecto de António Madeira e da Quinta das Marias. O papel do enólogo residente foi assumido por João Costa, natural do Dão e com ligação à agricultura familiar, que recentemente trabalhou na Quinta da Lomba (Niepoort), no Dão.

O primeiro vinho é um blend de Cerceal-branco, Malvasia Fina e Encruzado, mantido em inox quase um ano com borras finas. Ao lote juntraram-se mais 20% de Encruzado vinificado em barrica de 500 litros. Estágio sem sulfuroso, sobre borras, não passam a limpo, só tocam no vinho quando for para engarrafar, para fixar a tal “redução intelectual”, como lhe chamou Guilherme Correia. Deste vinho foram produzidas 3550 garrafas. O monovarietal de Cerceal foi originado pelas uvas da melhor parcela da vinha Ruína, feito só em inox. Fermentou com leveduras indígenas, pois gostaram mais do resultado final. Um ensaio com leveduras inoculadas não correu bem, “o vinho perdeu drama”, explicou Guilherme Correia. Foram produzidas apenas 230 garrafas magnum.

O monovarietal de Bical provém das vinhas velhas, plantadas nos anos 60 do século passado. Para a vinificação usaram 2 barricas usadas de 228 litros de Chenin Blanc. Demorou 2 meses para acabar a fermentação. Foram produzidas 677 garrafas. O Encruzado foi submetido ao estágio longo sobre borra, sem bâtonnage, em madeira maioritariamente nova mas “invisível”. Foram produzidas 1364 garrafas. O Jaen da melhor parcela fermentou com 30% de engaço no lagar (no granito com mais limo esta uva precisa de engaço). Ao fim de 10 dias prensaram na prensa vertical. A fermentação maloláctica ocorreu em inox e depois o estágio em barrica usada Taransaud de 400 litros. Foram produzidas 511 garrafas.

A Tinta Pinheira queima-se com sol e apodrece com chuva, razão pela qual perdeu a popularidade. É uma casta vegetal, e apesar de estar no solo delgado, não precisa de engaço. Delicada e tem uma presença texturada, precisa de delicadeza na vinificação. Provém só de uma parcela, desengaçada e vinificada em lagar. Pisada à mão… é mais uma infusão do que extração. Fez a fermentação maloláctica em inox, estagiou numa barrica de 500 litros e foi engarrafada sem colagem nem filtração. Foram produzidas 645 garrafas.

Este é um projecção com bom senso. Não só tem pernas para andar, como tem a cabeça para escolher o melhor caminho. A elegância, finesse e precisão dos vinhos são marcantes. Dá para acreditar que os amigos-produtores encontraram a sua Borgonha em terras de granito.

(Artigo publicado na edição de Julho de 2023)

Lagoalva: Fernão Pires de primeira linha

Quinta da Lagoalva

A quinta possui cerca de 42 hectares de vinha (num total de 5.500 hectares com muitos outros cultivos e produções, desde cortiça a azeite, passando por cavalos), plantados junto ao rio Tejo e constituídos por uma grande variedade de castas, nacionais e mundiais. Como não poderia deixar de ser, dada a região onde está, as […]

A quinta possui cerca de 42 hectares de vinha (num total de 5.500 hectares com muitos outros cultivos e produções, desde cortiça a azeite, passando por cavalos), plantados junto ao rio Tejo e constituídos por uma grande variedade de castas, nacionais e mundiais. Como não poderia deixar de ser, dada a região onde está, as vinhas mais velhas são de Fernão Pires e têm cerca de 70 anos, sendo de destacar também as vinhas de Syrah, plantadas em 1984, das primeiras em Portugal. A longa tradição da Quinta da Lagoalva como produtora de vinho é atestada em 1888, na Exibição Portuguesa de Indústria, onde esteve presente com 600 cascos de vinho. Todavia, é mesmo a referida data de 1989 que consagra o primeiro registo como produtor engarrafador no IVV, então com a marca “Cima” (aliás, a propriedade girou muitos anos com a marca Lagoalva de Cima), com a primeira certificação atribuída pela Comissão Vitivinícola Regional do Tejo a ocorrer pouco depois, em 1992, então já como “Quinta da Lagoalva”. Mais de 3 décadas volvidas, e já com uma história significativa no universo vitivinícola português, elegeu 2023 como um ano de mudança. Essa mudança foi materializada, desde logo, no rebranding do logótipo e dos rótulos do seu portefólio de vinhos, que vão chegar ao mercado até ao final do ano, à medida que são lançadas novas colheitas. Actualmente, a produção de vinhos ronda as 650 mil garrafas, a representar cerca de 1,5 milhões de euros de faturação em 2022. As vendas em Portugal correspondem a 65% do negócio, sendo os restantes 35% alocados a mercados de exportação, com maior destaque para Alemanha, Bélgica, Brasil, China e Polónia.

Quinta da Lagoalva

A nova imagem foi desenvolvida pela agência portuguesa OM Design, em estreita colaboração com as equipas de enologia, comercial e enoturismo da Quinta da Lagoalva, num processo que demorou um ano a concretizar. Isso mesmo nos confirmou Pedro Pinhão, o actual coordenador de enologia do projecto que já leva 2 décadas ao serviço da Lagoalva, e que, desde há pouco tempo, beneficia da ajuda do jovem enólogo Luís Paulino. Os novos rótulos retratam a casa e palácio, e procuram homenagear o legado da icónica propriedade, com 830 anos de história e 660 hectares contíguos, e beneficiaram de contributos de toda a família (assumindo o legado histórico, os rótulos passaram a integrar a menção “Circa 1193”, data do primeiro registo da Quinta da Lagoalva).

A par deste rebranding foi lançado um vinho em estreia absoluta, nada menos nada mais do que um Grande Reserva Fernão Pires da colheita de 2021. As uvas deste Fernão Pires provêm da referida vinha velha com 70 anos, sujeitas a prensagem dos cachos inteiros, e fermentação em barricas usadas (de 2.º, 3.º e 4.º anos) de carvalho francês com capacidade 500 litros, nelas estagiando durante 12 meses com bâtonnage semanal durante 2 meses. A surpresa não vem propriamente do uso da casta, que é maioritária aliás na região, mas no facto de ser usada em estreme e logo posicionada como topo de gama, algo menos comum na região do Tejo, mas que é de aplaudir. Tanto mais que este lançamento se insere no âmbito do movimento de promoção desta casta, promovido pela Comissão Vitivinícola Regional do Tejo, a nível nacional e internacional, movimento que se aplaude com entusiasmo.

Foi também tempo de conhecermos as novas de parte do portefólio do produtor, caso dos colheitas do Lagoalva branco, rosé e tinto; Lagoalva Sauvignon Blanc; Lagoalva Reserva branco e tinto (ambos bi-varietais). Revelaram-se todos muito atraentes, sendo de destacar uma clara tendência para redução do álcool (vários vinhos abaixo dos 12%) e maior percepção da acidez (com uma excepção, todos os vinhos acima dos 6 g/L), aspectos que muito nos agradaram, e que revelam a atenção do produtor às novas tendência de consumo.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2023)

Trois: 1, 2, 3, Setúbal nasce outra vez

Trois Setúbal

Filipe Cardoso, Luís Simões e José Caninhas são os Trois, e querem mudar o Mundo. Pode não ser o Mundo inteiro, mas o mundo onde nasceram, cresceram e hoje trabalham: a Península de Setúbal. Além de uma amizade bonita, à qual a enternecedora diferença de idades confere carácter, o trio partilha uma visão muito única […]

Filipe Cardoso, Luís Simões e José Caninhas são os Trois, e querem mudar o Mundo. Pode não ser o Mundo inteiro, mas o mundo onde nasceram, cresceram e hoje trabalham: a Península de Setúbal. Além de uma amizade bonita, à qual a enternecedora diferença de idades confere carácter, o trio partilha uma visão muito única para os vinhos locais, sobretudo os não-fortificados, campo onde acredita haver potencial para se fazer muito melhor do que o ”bom vinho a bom preço” por que afina grande parte da região. E esta não é uma visão qualquer, mas sim a de três enólogos que falam com propriedade e que fazem, ou já fizeram, parte das equipas técnicas (e das famílias, nalguns casos) de importantes casas da Península de Setúbal, como Quinta do Piloto, Casa Horácio Simões, Quinta Brejinho da Costa ou Sociedade Vinícola de Palmela.

É convicção dos Trois que a região pode produzir, utilizando as vinhas certas e combinando de forma inteligente os métodos tradicionais e ancestrais com o conhecimento científico de hoje, grandes vinhos brancos e tintos, capazes de resistir ao teste do tempo e que espelhem verdadeiramente o carácter da Península de Setúbal e dos vários terroirs que a caracterizam. Para o comprovar, o primeiro vinho da Trois – Vinhos com Identidade, um Castelão de 2015, foi lançado em 2016, e a partir daí, ninguém os parou. O foco do projecto é, precisamente, esta casta tinta e a branca Fernão Pires, e também nas vinhas velhas, dos próprios e de viticultores com quem o trio mantém estreita relação. Estas estão localizadas em diferentes zonas e terroirs da região, desde as areias de Palmela às de Melides, passando pelos solos argilosos e calcários da Arrábida, mas, porque nem tudo é tão linear assim, e como explica Filipe Cardoso, “as zonas de transição também existem”, e algumas destas vinhas situam-se precisamente nesses locais.

Trois Setúbal

Agora, saem para o mercado mais três vinhos, as novas colheitas dos dois DOC Palmela Trois Curtimenta Fernão Pires e Trois Castelão, de 2021 e 2018, e um Moscatel Roxo de 2017, da marca de “entrada” Flor de Trois. O Fernão Pires (vinha com 40 anos), fermentado em lagar com curtimenta total e estagiado 12 meses em barricas de carvalho francês usadas, é o resultado da convicção destes enólogos de que a casta atinge o seu auge quando sujeita a vinificações mais tradicionais. Mas com uma advertência. “Um branco de curtimenta não tem de ter características de oxidação e cor dourada. Temos a sensação de que a generalidade das pessoas acha que é assim que deve ser um branco deste tipo, mas acreditamos que a curtimenta, como os nossos antepassados faziam, pode conferir coisas positivas e que não são necessariamente essas”, sublinha José Caninhas. O Castelão, de vinhas velhas, fermenta também em lagar e estagia um ano em barricas de carvalho francês usadas, e 6 meses, no mínimo, em garrafa. No copo, consegue-se sentir o seu lado clássico vinoso, mas num perfil de elegância e precisão que se coaduna com as exigências do mercado moderno. Era esse o objectivo com este vinho, e foi indubitavelmente cumprido. O Moscatel Roxo de Setúbal, por sua vez, vem responder à necessidade de um vinho deste género na gama Flor de Trois, com preço competitivo mas, de acordo com o trio, a mostrar alguma complexidade e sem se cair na tentação (frequente) de carregar na doçura.

Ao assistir à dinâmica entre os três enólogos, percebe-se que são pessoas muito diferentes, unidas por uma causa, e é isso — além dos excelentes vinhos que têm colocado no mercado, obviamente — que dá graça ao grupo. José Caninhas, uma década mais novo do que Filipe e Luís e com passado no sector agro-alimentar, assume-se como “rato de laboratório” e é nele que encontra conforto. A par disso, curiosamente, é através das emoções que sente os vinhos e admite que estes podem transportar-nos para locais e momentos específicos, “como a casa dos avós”. O copo do laboratório é o seu melhor amigo, e é neste que mais gosta de provar os vinhos. Por outro lado, Luís Simões imprime no grupo uma componente enológica “pura e dura”, fala sem rodeios e com a experiência que acumulou ao longo de anos na área. Já Filipe Cardoso harmoniza em si os dois lados, cruzando a experiência com a emoção, o que resulta no sorriso e boa disposição que apresenta onde quer que vá. Todos concordam: “Tentar dar o exemplo numa região, tem tanto de duro como de gratificante…”.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2023)