À mesa do Tejo, de copo na mão

mesa tejo copo

Com trabalho, dedicação e muita qualidade, os vinhos do Tejo continuam a dar os passos que precisam para recuperar a grandeza e o prestígio de outrora. Com um aliado de peso nas boas mesas que vão surgindo um pouco por toda a região. À boleia dos prémios anuais da CVR local, este é um roteiro […]

Com trabalho, dedicação e muita qualidade, os vinhos do Tejo continuam a dar os passos que precisam para recuperar a grandeza e o prestígio de outrora. Com um aliado de peso nas boas mesas que vão surgindo um pouco por toda a região. À boleia dos prémios anuais da CVR local, este é um roteiro do que de melhor se come e bebe pelas margens do grande rio.

A marca de Luis santos está nos vinhos da Quinta do Casal Monteiro, quase todos destinados ao mercado externo.

Texto: Luís Francisco
Fotos:  Ricardo Palma Veiga

mesa tejo copoHá muitos séculos que se produz vinho no vale do Tejo, onde, aliás, muitos historiadores situam o epicentro da expansão desta cultura trazida pelos povos que nos visitavam vindos do Mediterrâneo. Deste caldo de influências nasceu também uma cozinha rica e intensa, alimentada pelo mar, pela água doce, pela fertilidade dos terrenos agrícolas e pelas coutadas de caça que a fidalguia de outros tempos instituiu. Mas a última metade do século XX pareceu trazer uma nuvem cinzenta sobre este panorama, com muitos vinhos a apontarem para a quantidade em detrimento da qualidade e as mesas a perderem alma. Fica a boa notícia: esses tempos já são passado.

“O grande problema da região é a percepção de qualidade que existe no público – e que é errada. Muitos produtores ainda insistem em colocar os seus vinhos nas prateleiras dos preços mais baixos… Acho que muitos dos nossos vinhos batem-se com outros, de outras regiões, dois ou três euros mais caros.” O diagnóstico é traçado por Luís Santos, distinguido este ano pela Comissão Vitivinícola do Tejo como Enólogo do Ano. E é também ele quem destaca a metade cheia do copo: “O rio é o grande normalizador climático desta região. É quente, mas as noites são frescas – no Verão chegamos a ter amplitudes térmicas de 30 graus! E isso é muito bom para o vinho. Outro factor positivo é haver muita gente com qualidade e saber.”

“Temos potencialidade para fazer volume e vinhos de nicho, com concentrações brutais ou grande delicadeza”, continua o enólogo. “Temos castas de qualidade reconhecida e somos uma região aberta. Por isso, temos de deixar de trabalhar pelo preço e ganhar a confiança de procurar maior valorização.” Um bom sinal desse processo é o crescente entusiasmo dos críticos e Luís, à semelhança do que acontecerá ao longo do nosso périplo com outros interlocutores, dá como exemplo os 94+ pontos Robert Parker conseguidos por um vinho da região, o Vinha do Convento Reserva tinto 2017, produzido pela Falua. “Ajuda a puxar a região para cima.”

Muito e bom

Luís fala-nos na adega da Quinta do Casal Monteiro, perto de Almeirim e local de nascimento de vinhos que a esmagadora maioria dos portugueses desconhece, porque “99 por cento vão para a exportação”. Lá fora, “Tejo” não tem estigma. Ao sabor da conversa, provamos três vinhos deste produtor. O Quinta do Casal Monteiro Chardonnay e Arinto é um branco fino, não muito exuberante no nariz, mas untuoso e comprido na boca.

A seguir apreciamos um tinto, o Clavis Aurea 2018, um field blend maioritariamente de castas portuguesas (tourigas Nacional e Franca, Tinta Roriz) que o enólogo cria, não directamente de uma vinha misturada, mas selecionando as uvas e juntando-as na adega. Muito equilíbrio, taninos ainda a mostrar juventude, temos vinho para durar no tempo. Finalmente, encerramos com o Quinta do Casal Monteiro Grande Reserva 2008, fruto das melhores parcelas de Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon e Syrah da quinta, com produção controlada – 4 a 5 toneladas por hectare, “o que nesta região é mesmo muito controlado”, explica o enólogo. Redondo, complexo, taninos domados e nítida vocação gastronómica.

São belos exemplos do trabalho deste enólogo nascido na Mealhada e formado em Agropecuária na Universidade de Coimbra, que já trabalhou no Dão, na Bairrada, em Itália, e que “chegou” ao Tejo em 2015. Para, aos 37 anos, ser reconhecido pelos seus pares com a distinção de Enólogo do Ano 2021. “Ainda sou demasiado novo para estes prémios”, desabafa.

Pousamos os copos e saímos para uma volta pelas vinhas, uma imensidão de 70 hectares em terreno plano, de aluvião, onde a extrema fertilidade desmente outras ideias feitas. “A Fernão Pires pode atingir aqui produções de 30 a 40 toneladas por hectare e isso não potencia a qualidade, claro. Mas há castas brancas que, mesmo perto das 20 toneladas por hectare, têm muita qualidade”, explica Luís Santos. Ou seja, “as pessoas podem mesmo viver da viticultura”. Há séculos que o fazem, a bem da verdade. E nós vamos partir à descoberta do que de bom por aqui se faz. Mas à mesa, que se está melhor.

Abrantes

Começamos por Abrantes, mais exactamente em Alferrarede, juntando a mestria gastronómica do chef Vítor Felisberto à longa tradição de qualidade dos vinhos Casal da Coelheira. A empatia é total – e também explica que restaurante e produtor tenham criado um vinho juntos, o Raízes, cuja primeira versão tinto (1500 garrafas) esgotou em seis meses. Vai regressar, agora acompanhado de um branco.

A Casa Chef Vítor Felisberto (distinguida pela CVR Tejo com o prémio Melhor Harmonização) cumpriu três anos de existência no Verão passado. Na cozinha, um homem que aos 18 anos já lavava pratos em Andorra, depois estagiou em França e rumou a Londres para oficiar em restaurantes de prestígio, alguns com estrela Michelin. “Muito stress, muita pressão dos proprietários… Aqui soltei-me mais!”, explica. Virou-se para os pratos tradicionais – o forno a lenha e os recipientes de barro são as imagens de marca da casa. “Mantêm a comida quente mais tempo, o que permite conversar à mesa, sem pressas.”

mesa copo tejo
Vitor Felisberto e Nuno Falcão Rodrigues: a cumplicidade já deu origem a um vinho de parceria.

Começamos com umas molejas (pedacinhos de uma glândula, o timo) fritas em pedacinhos estaladiços. No copo, o Casal da Coelheira Private Colection branco, um 100% Verdelho – “Numa casa de blends, este é uma das excepções”, explica Nuno Falcão Rodrigues, representante da terceira geração à frente desta casa do Tramagal (do outro lado do rio) com 64 hectares de vinha própria e que este ano foi distinguida pela CVR Tejo com o Prémio Excelência.

O vinho seguinte, o Raízes tinto 2017, também é um varietal, este de Alicante Bouschet e a sua força bem domada acompanha a preceito um cachaço de porco cozinhado durante longas horas e com toque final no forno de lenha. Envolvida pelo molho (cuja acidez é surpreendente) e, entre outras maravilhas, castanhas, favas e dois tipos de batata-doce, a carne desfaz-se em suculência.

A fechar, uma rica sobremesa (fondant, doce de ovos, sorvete de frutos vermelhos, também presentes ao vivo) e um copo de Mythos, o topo de gama do Casal da Coelheira. Feito com Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon e “um pouquinho” de Touriga Franca, é o ponto final perfeito para uma refeição que aliou uma mesa onde é crescente “a aposta em produtos locais” a um produtor que representa a tradição e a excelência dos vinhos do Tejo.

Torres Novas

Hugo Antunes tinha um bar em Torres Novas, mas o espaço deixou de estar disponível ganhou força e a ideia de criar um restaurante moderno e de qualidade. No próximo dia 26 de Dezembro cumpre-se o sexto aniversário do De’Gustar, um espaço onde o próprio Hugo lidera a cozinha. Assume-se como autodidacta – “aprendi ali dentro, a sofrer” – e conta com a ajuda da companheira, Carla Rosa, que trata das sobremesas. Desta vez, têm a companhia dos vinhos da Enoport, uma das maiores empresas privadas da região, trazidos em mão por Maria José Viana, a quem a CVR Tejo atribuiu o prémio Carreira.

mesa tejo copo
Maria José Viana, Hugo Antunes e Carla Rosa: o vinho da Enoport à mesa no De’Gustar.

Actualmente, Maria José está na direcção de Marketing e Relações Públicas, mas ao longo de 30 anos já fez um pouco de tudo, da enologia à gestão, da viticultura à representação institucional. “A única coisa que nunca fiz foi a parte comercial pura e dura”, ri-se. Advoga que os vinhos do Tejo “têm de conquistar notoriedade” e tem em Hugo Antunes um aliado: “A nossa carta terá uns 90% de vinhos do Tejo. As pessoas tendem a pedir o que já conhecem, mas nós gostamos de sugerir o vinho, se não gostarem, trocamos.”

À mesa chega, entretanto, um carabineiro, sobre uma pequena cama de algas e com molho espesso a preencher o prato. Recebe-o um copo de Cabeça de Toiro Grande Reserva branco 2019 (Fernão Pires, Chardonnay e Sauvignon Blanc). A seguir, um prato complexo, que Hugo apresenta como “o porco que se apaixonou pela perdiz” e que junta a bochecha do primeiro à perna da segunda, tudo cozinhado a baixa temperatura. O Quinta S. João Batista Grande Reserva tinto 2014 (Cabernet Sauvignon, Touriga Nacional, Touriga Franca e Alicante Bouschet) faz as honras no copo. Nasceu aqui bem ao lado, no concelho de Torres Novas.

O De’Gustar foi distinguido com o prémio Melhor Apresentação e os primeiros pratos já se tinham mostrado à altura, mas a sobremesa parece uma composição artística. Explode cor e sabores no prato (bavaroise de maracujá, disco laranja, chocolate, caramelo, manga, sorbet de baunilha…) e a sua incrível persistência e complexidade no palato serve para acolher o Quinta S. João Batista Reserva tinto 2016 (Touriga Franca e Alicante Bouschet) numa despedida em grande estilo.

Tomar

O restaurante Manjar dos Templários, que venceu o prémio Prova Teórica, uma iniciativa da CVR Tejo, fica a poucos quilómetros de Tomar. À nossa espera, uma casa que serve leitão assado (entre outras preciosidades, claro) e um produtor com muitas histórias para contar. José Vidal, trouxe da Quinta Casal das Freiras três vinhos, entre os quais um com 14 anos que há-de revelar-se um portento. Lá iremos.

Em 2015, Silvano Vaz sucedeu aos pais na gestão de um restaurante com 30 anos, que ganhou novo fôlego mas manteve a tradição. Do leitão, para começar. “O meu pai começou em França e o cozinheiro era da Mealhada… Aprendeu a assar leitões e quando veio para Portugal continuou a fazê-lo. Na altura era dos poucos sítios fora da Bairrada onde se servia leitão assado no forno!”

mesa tejo copo
Silvano Vaz e José Vidal: tradição familiar e belas histórias por terras de Tomar.

A história do Casal das Freiras, cujas vinhas, em linha recta, não ficam a mais de dois quilómetros da mesa onde nos sentamos, remonta a 1882, quando o avô de José Vidal, natural de Ovar, se instalou junto a Tomar. O primeiro vinho que abrimos, o Casal das Freiras Reserva 2007 é, acima de tudo, uma homenagem à neta, que nasceu nesse ano. “Achei que tinha de fazer alguma coisa de especial…” E como o fez! Rico, fresco e muito equilibrado, este vinho prova a capacidade do Tejo para trabalhar a longevidade. Acaba por nos acompanhar ao longo de toda a refeição.

Avançamos com o bacalhau na broa, esta é feita no restaurante com milho amarelo e chega à mesa inteira, com couve salteada e lascas do fiel amigo no interior. Ainda passamos pelo polvo assado antes de aterrarmos no leitão – comprado a produtores locais – e percebermos que a pele estaladiça, a carne suculenta e a apresentação em pequenos nacos homenageiam a tradição da Bairrada. Com uma novidade: o molho tem pimenta branca, não preta.

Desta vez, e porque o “ancião” de 2007 teima em não nos deixar o copo, não há um vinho para cada prato, mas todos se dão muito bem. Provamos um branco, o Casal das Freiras Reserva 2019 Vinhas Velhas, e um varietal tinto, o Casal das Freiras Syrah 2015, este nascido por inspiração de um vinho provado numa feira em França. “Fomos os primeiros da região a plantar Syrah!”, orgulha-se José Vidal, distinguido pela CVR Tejo com o prémio Carreira. Finalizamos com uma sobremesa típica, as fatias de Tomar.

Santarém

Desde as décadas de 1960 e 70 que o avô de Manuel Vargas servia petiscos aos amigos num espaço informal junto a Santarém. Consta que assava leitões muito bem, mas só nos anos 1980 o Oh Vargas se assumiu como restaurante e ganhou nova vida em 2019, quando, após profundas obras de remodelação, Manuel Vargas reabriu em grande estilo uma casa que é já uma referência na região – foi considerado pela CVR Tejo o Melhor Restaurante e arrecadou nada menos do que outros cinco prémios.

“Gostamos de nos considerar um restaurante tradicional, com grande âncora nas carnes grelhadas”, explica Manuel Vargas. Mas há muito mais. A carta de vinhos abriu com umas 200 referências – sempre a apontar para as gamas mais altas, como facilmente se percebe pela estante que enche uma das paredes – e agora já serão mais do dobro. Cerca de um quarto da lista (uns 100 vinhos) são do Tejo. Com destaque evidente para um vizinho, a Falua, instalada do outro lado do rio.

mesa tejo copo
Nicolas Gianonne e António Montenegro (diretores comerciais da Falua) e o chef Rui Santos Lima (Oh Vargas): o Tejo une-os.

 

Adquirida pelo grupo francês Roullier em 2017, a empresa foi criada em 1994 e, a par do foco na qualidade dos vinhos, sempre teve muita atenção às questões da sustentabilidade. “A adega construída em 2004 deu o sinal disso mesmo, em 2010/11 instalámos painéis solares, fomos os primeiros a ter uma ETAR própria…”, enumera Antonina Barbosa, directora-geral e de enologia da Falua. O que justifica plenamente o prémio Sustentabilidade atribuído pela CVR Tejo. “Está no nosso ADN e faz parte dos nossos objectivos anuais.” As próximas novidades surgirão nas poupanças com o vidro.

Na mesa, começa por brilhar estratosfericamente uma rica canja de robalo, acompanhada pelo Falua Reserva Unoaked 2019 branco, um 100% Fernão Pires sem madeira, como o nome indica. A seguir, uma costeleta maturada de carne barrosã divide a atenção com a versão tinta 2018 do Unoaked (varietal de Touriga Nacional) e o Conde Vimioso Reserva tinto do mesmo ano (percentagens semelhantes de Castelão, Cabernet Sauvignon, Aragonês e Touriga Nacional). No final, aproveitando o balanço e à boleia de uma tábua de queijos, ainda se prova o “tal” vinho que está a assumir-se como “ponta de lança” da região, o Vinha do Convento Reserva tinto 2017. Sublime.

Aveiras de Cima

Em Aveiras há uma marisqueira de referência, mas que está longe de servir apenas frutos do mar. Luís Rodrigues pegou no negócio do pai, que abriu portas há 37 anos, e transformou-o numa casa moderna e funcional, sem cortar na tradição, mas com a preocupação de se mostrar mais ao exterior. Nos últimos anos, ganhou estatuto de referência sem perder o ambiente familiar – ganhou o prémio para Melhor Atendimento. No final da refeição, a mãe de Luís ainda nos brinda com uma prova das suas compotas, uma das quais (de romã) ainda a apurar na panela…

Para acompanhar a comida, a Adega Cooperativa de Almeirim (prémio Empresa Dinamismo) traz-nos três vinhos, que mostram a sua capacidade para fazer vinhos brancos de grande circulação sem comprometer a qualidade. “Fazemos 15 milhões de litros de vinho anualmente, dos quais 12 milhões vão para garrafa. Somos das maiores adegas cooperativas do país”, resume Romeu Herculano, enólogo residente. Há pouco mais de uma década, o granel representava a fatia de leão, mas agora vale apenas 20% do total.

mesa tejo copo
Luis Rodrigues e Romeu Herculano: ambiente familiar e vinhos conviviais à mesa em Aveiras.

A Adega tem 190 sócios, 1200 hectares de vinha, equipas profissionalizadas em todos os sectores e continua a investir para acompanhar as exigências do mercado. Um bom exemplo disso são os 200 mil euros que custou o equipamento que permite injectar uma bolha mais fina e elegante no frisante Cacho Fresco, que abre as hostilidades no copo, ao lado de uma travessa de marisco.

Segue-se o Varandas branco 2020, um 100% Fernão Pires, oriundo da região da Charneca – genericamente, o Tejo divide-se em três grandes zonas: Campo (zona contígua ao rio), Bairro (nos terrenos mais montanhosos da margem direita) e Charneca (margem direita, terrenos mais arenosos). Acompanha a preceito o bacalhau com torricado e lapardana (pão e batata) de beldroegas. A seguir, uma costoleta Tomahawk Black Angus – “Esta é pequena, só tem 900g…”, explica Luís Rodrigues – espaldada por cogumelos, bata frita e grelos, a justificar um vinho mais volumoso e personalizado. Como a Adega de Almeirim é uma casa de brancos, venha então o Varandas Chardonnay/Arinto 2020, que se mostra à altura.

O Tejo esconde muitas surpresas…

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2021)

 

Magnum Carlos Lucas – Uma história de Dão e Douro

Magnum Carlos Lucas

Completados os 10 anos da Magnum Carlos Lucas Vinhos, com um percurso feito sobretudo no Dão, o produtor inicia agora a sua aventura no Douro, com a Quinta das Herédias. Texto: Mariana Lopes Fotos: Ricardo Palma Veiga  A empresa Magnum Carlos Lucas Vinhos foi fundada a 13 de Setembro de 2011, há 10 anos, mas […]

Completados os 10 anos da Magnum Carlos Lucas Vinhos, com um percurso feito sobretudo no Dão, o produtor inicia agora a sua aventura no Douro, com a Quinta das Herédias.

Texto: Mariana Lopes
Fotos: Ricardo Palma Veiga

 A empresa Magnum Carlos Lucas Vinhos foi fundada a 13 de Setembro de 2011, há 10 anos, mas já bem antes disso o produtor se tinha ligado à Quinta do Ribeiro Santo, em Carregal do Sal, propriedade que sempre foi o coração do projecto (apesar de a Magnum também operar no Alentejo, Douro e Vinhos Verdes). O seu pai comprou-a em 1995, replantou os vinhedos que lá estavam em solo arenoso e remodelou a casa, tendo o primeiro vinho, com o nome da quinta, sido um branco Encruzado de 2000.

No Dão, Carlos Lucas — “coimbrinha” mas desde sempre ligado à terra, formado em Enologia na sua cidade e especializado lá fora — já produz um milhão de garrafas, o que faz dele um dos maiores players da região. Na adega da Quinta do Ribeiro Santo, com 2000 metros quadrados e totalmente equipada, incluindo linha de engarrafamento e uma novíssima sala de provas, vinificam apenas os vinhos de segmento premium, os mais especiais, cerca de 400 mil litros. Falamos de coisas como o Ribeiro Santo Vinha da Neve, Excellence Grande Escolha, Automático, Envelope, E.T., Vinha de Santa Maria, entre outros. Este último vem da quinta com o mesmo nome que Carlos Lucas adquiriu em Cabanas de Viriato, dez hectares de vinhas com mais de 20 anos e, como é usual nestas propriedades antigas do Dão, uma casa senhorial apanhada já em decadência mas com grande potencial de recuperação. Mais recentemente, o produtor adquiriu uma outra, apenas a 600 metros da Quinta do Ribeiro Santo: a Quinta da Bela-Vista, com cinco hectares no total e dois de vinha dos anos 60, também com uma casa que será recuperada para ser um hotel de luxo, no futuro. A foto de capa desta edição da Grandes Escolhas foi, precisamente, tirada numa das varandas deste edifício oitocentista. Os primeiros vinhos daqui provenientes serão lançados no próximo ano, só tintos de parcela e em formato magnum. Com solo franco-arenoso profundo, a quinta (que visitámos com Carlos Lucas e o seu “braço-direito”, o enólogo bairradino Carlos Rodrigues) tem uma vinha velha de ensaio, já com 50 anos, com castas como Bastardo, Alvarelhão, Rabo de Ovelha, Cerceal, Rufete, entre outras. A estas somam-se variedaes como Tinto Cão ou Touriga Nacional, com a placa antiga que identifica a parcela ainda a dizer “Tourigo”, nome que se dava à casta no Dão. Estas três quintas perfazem, grosso-modo, os 30 hectares de vinha que a Magnum Carlos Lucas tem na região.

Duas verticais de luxo

Para conhecer verdadeiramente a evolução do projecto Magnum, nada melhor do que uma (ou duas) prova vertical. Começámos com sete colheitas do Ribeiro Santo Vinha da Neve Encruzado branco. A Vinha da Neve é uma parcela de 1 hectare localizada em frente à casa de Carlos Lucas, virada para a Serra da Estrela, e é por isso que se chama assim. Segundo Carlos, é uma vinha tardia com muito granito, “o que confere o lado bem salino que se sente no vinho”. Originando entre 2500 e 3000 garrafas, este 100% Encruzado começa a fermentação em inox e acaba-a em barrica nova, aí estagiando durante um ano. Ultimamente, a opção tem sido reduzir a tosta das barricas utilizadas. A vertical iniciou com o 2018 (prova no final da reportagem), agora no mercado, notando-se um claro fio-condutor que atravessa a gama, com variações normais de ano para ano, um perfil muito definido. No 2017 (18 pontos) não se nota propriamente, no nariz, mais um ano de envelhecimento do que a nova colheita, o que é sempre bom indicador. Sente-se bastante o lado vegetal mas já traz outras coisas como grafite. Sério na boca, com enorme volume. O 2016 (18) mostra-se bem mineral no nariz, mas na mesma linha dos outros, muito cremoso, sílex, final altamente salino. Já o 2015 (18,5), vinho em que se nota mais a mudança de cor, apresenta-se fechado no nariz, mas apimentado, com espargo branco, pedra molhada, levíssima líchia. Explode na boca, amplitude enorme, nervo e complexidade. O 2014 (18) é um vinho de notas evolutivas mais intensas, frutos secos, fruta branca madura, sempre com rasgo vegetal. A evolução não causa estragos na boca, continua tenso, fresco, complexo. Por sua vez, o 2012 (17,5) embrulha-se um pouco no nariz, guardando tudo para a boca que tem acidez vegetal elevada, amplitude e uma boa secura de conjunto. Por fim, o 2011 (18,5) tem um nariz fantástico e inebriante de sílex, pólvora, verdes frescos, flor margaça, hortelã, ainda a denotar a madeira. Enorme cremosidade, frescura e finesse neste vinho, muito vivo e nervoso, a dar um kick de acidez incrível.

Magnum Carlos Lucas
Carlos Rodrigues à esquerda, trabalha há vários anos com Carlos Lucas, no Dão.

Depois, foi a vez do desfile de Ribeiro Santo Excellence Grande Escolha tinto, um Blend de barricas com “um pouco de tudo”, indica Carlos Lucas, sobretudo Touriga Nacional, Alfrocheiro, Tinta Roriz e Tinto Cão. As cerca de 2000 garrafas são numeradas, sendo que a partir do 2013 foram vinhos lançados sempre 5 anos após a colheita. Este tinto faz maceração prolongada em inox e fermenta com leveduras indígenas. Fica depois em barricas novas de carvalho francês, de 225 litros, durante 14 meses. Começámos mais uma vez no mais recente, o 2016, agora no mercado. Depois, o 2014 (18) mostrou-se mais contido no nariz, com fruta silvestre igualmente pura e pimenta. Rústico, balsâmico, adstringência positiva, quase a lembrar um estilo bairradino. Secura final sempre boa. O 2013 (18,5) marca a mudança de rótulo e a introdução da garrafa areada “mate”. Tem bagas vermelhas, verniz, nota vegetal, pimenta branca. Super elegante, com óptima densidade e envolvimento, muito rico e sumarento. O 2012 (18) é bem expressivo nas notas de bosque, frutos silvestres e mentolados, eucalipto e musgo. Puro e naturalmente fresco, harmonioso, taninos super sedosos. O 2011 (18,5) é de nariz fino, violáceo, vegetal, com pimenta branca, levíssima pirazina. Na boca é que se releva grandioso, elegância, classe, finura, complexidade, polimento. Ainda rústico, para ficar. Já o 2010 (17,5) tem muita expressão de fruta, cereja madura, laivo vegetal, barrica perceptível mas bem integrada. Boca viva, taninos agitados mas elegantes, enorme amplitude e prolongamento. Muito chão de bosque é o apanágio do 2008 (18) levemente iodado, profundo, especiado. Fino e elegante na boca. Conjunto bem harmonioso, vivo. Para finalizar, o 2005 (17,5), que ainda tinha o designativo “Escolha”, apresentou-se profundo no nariz de bagas maceradas, notas terrosas, cogumelo, exótico na sugestão encerada, sândalo. Sedoso mas muito presente e elegante.

Onde o xisto encontra o granito

No início de 2019, a Magnum Carlos Lucas adquiriu a Quinta das Herédias, em Tabuaço, no Cima Corgo do Douro, mas em 2018 a poda já foi feita por esta empresa. Desta quinta fazia parte o Mosteiro de São Pedro das Águias, do século XII, onde os monges de Cister desenvolveram a viticultura. Este edifício faz ainda companhia à Quinta das Herédias, bem como um eremitério do século XI. Não estamos na paisagem duriense mais óbvia: o rio Tabuaço, o maior afluente do rio Douro, está entre a quinta e São João da Pesqueira, e os solos aqui são completamente mistos, de granito e xisto. Escarpas rochosas impressionantes rodeiam a propriedade, num Douro “limpo”, onde não há vislumbre da paisagem urbana menos atractiva. Estas escarpas altíssimas descem até ao rio Távora, e de manhã estão escondidas por um nevoeiro místico, que levanta quando o sol decide marcar presença. A casa, com vários andares e já parcialmente remodelada, encontra-se a 315 metros de altitude, com 10 quartos que serão preparados para receber clientes e amigos, num ambiente intimista. Já a vinha, que totaliza 30 hectares, vai dos 120 aos 400 metros. Quatro desses hectares são de vinhas velhas centenárias (com muitas castas, entre as quais Malvasia Preta, Tinta Francisca, Tinta Pomar, Rufete…) e 20% do encepamento é branco. Em 2020, a Magnum plantou ali quatro hectares com Viosinho, Rabigato e Gouveio. Também há Malvasia Fina, e as tintas Touriga Francesa, Tinta Roriz, Tinta Barroca, Touriga Nacional, Tinta Amarela, Sousão, e outras. Uma das características mais singulares é de facto o solo de transição, com o granito e o xisto a conviver.

Magnum Carlos Lucas
Cave de barricas do Ribeiro Santo.

“A minha intenção é fazer aqui quantidade aliada a qualidade, construir marca. Este ano já comprámos muitas uvas”, explica Carlos Lucas, que tem de alugar a adega cooperativa de Tabuaço, Caves Vale do Rodo, para vinificar, pois não é permitido construir na quinta uma adega de cariz industrial. A ideia, a médio prazo, é fazer uma instalação a 10 quilómetros dali. Na quinta existe uma pequena adega antiga com três lagares — dois lagares e uma lagareta, se quisermos ser mais precisos — e duas prensas tradicionais. Quanto visitámos as Herédias, os dois maiores lagares estavam cheios de garrafas, um com o Vintage 2019 e outro com o topo de gama, que se chamará Quinta das Herédias + Cento e Trinta Anos, que será lançado mais tarde. “Estou muito contente com este projecto, era o meu sonho ter algo assim no Douro, uma quinta com uma adega antiga e lagares”, confessa Carlos. Além da vinha, o laranjal é uma presença forte na quinta, bem como a floresta e o olival, que se estende por uns impressionantes 35 hectares contínuos de oliveiras centenárias, uma área nada comum no Douro, e a uma cota baixa, pouco mais de 100 metros de altitude. Daqui já fazem azeite, extraído a frio.

Magnum Carlos Lucas
Carlos Lucas, Paulo Mota e Bernardo Santos na Quinta das Herédias.

Mas porque ninguém consegue estar em todo o lado ao mesmo tempo, Carlos Lucas é assistido por Bernardo Santos, jovem enólogo de 24 anos que ocupa o seu tempo entre a adega do Dão e o Douro. Durante o início da pandemia, Bernardo esteve, inclusive, confinado na Quinta das Herédias, bastante tempo ainda sem televisão ou internet, a fazer sobretudo intervenções intensivas e necessárias nas vinhas, como retanchas ou rearamações. Porém, é Paulo Mota, enólogo residente em Vila Real, que representa “os olhos” de Carlos Lucas no Douro. Já tinham trabalhado juntos, e com a aquisição da Quinta das Herédias, regressou à empresa. Bernardo explica que tiveram “de fazer um grande trabalho de recuperação, o local estava altamente abandonado e escondido por vegetação, com algum património destruído. As vinhas velhas eram autênticos diamantes em bruto à espera de ser lapidados”. Aqui, Carlos Lucas pretende uma evolução de negócio sustentada. “Estamos a fazer uma marca com pés e cabeça, tentando não cometer erros e sem facilitar nos pormenores. Pegámos em marcas que já existiam e criámos referências novas. Quero também fazer histórico e, no futuro, aparecer com grandes vinhos”, declara, fazendo também referência à marca que já tinha nesta região e que mantém, Baton. O conceito de vinhos é, por agora, muita qualidade situada numa gama média e um ou dois super-premium, que Carlos consideram serem o grande potencial nas Herédias. A produção total ronda as 100 mil garrafas, daquela que é a nova paixão de Carlos Lucas, que se mostra totalmente feliz quando chega à quinta e brinca com o seu Cão de Gado Transmontano, um “bebé gigante” que está ainda a aprender a guardar a propriedade. O projecto está a dar os primeiros passos, mas já mostra, com os vinhos que entram agora no mercado, o que é capaz de fazer.

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2021)

Magnum Carlos Lucas
O Baton é o Cão de Gado Transmontano que guarda as Herédias.

 

[products ids=”81809,81811,81813,81815,81817,81819,81821,81823″ columns=”4″

Grande Prova – Quando Verde não é uma cor

Grande Prova Verdes

O Vinho Verde não é uma categoria de vinhos. Se antigamente o consumidor ainda tinha desculpa para fazer esta confusão, por falta de conhecimento ou de vinhos com grande impacto, hoje é imperdoável. O Vinho Verde é uma denominação de origem que coincide geograficamente com a região do Minho. E é, sem dúvida, uma grande […]

O Vinho Verde não é uma categoria de vinhos. Se antigamente o consumidor ainda tinha desculpa para fazer esta confusão, por falta de conhecimento ou de vinhos com grande impacto, hoje é imperdoável. O Vinho Verde é uma denominação de origem que coincide geograficamente com a região do Minho. E é, sem dúvida, uma grande região para vinhos brancos no nosso país.

Texto: Valéria Zeferino
Fotos: Ricardo Palma Veiga

A região dos Vinhos Verdes tem o seu perfil diferenciador marcado pelas condições climáticas vincadas e pelas castas pouco ou nada utilizadas noutras regiões do país (com excepção de Arinto). O enorme sucesso de marcas de volume como Casal Garcia, Gazela ou Gatão não podem justificar generalização, impedindo ver o potencial qualitativo e a diversidade da região. Pensar que todos os vinhos daquela zona são simples, levemente doces e gaseificados, é uma visão redutora. Os vinhos com carácter mais sério e ambicioso, sem comprometer o perfil marcadamente fresco da região, representam hoje, segundo o Presidente da Comissão Vitivinícola Regional dos Vinhos Verdes (CVRVV), Manuel Pinheiro, cerca de 20% da produção em termos quantitativos, mas elevam o padrão e a percepção da qualidade e de valor do Vinho Verde, como a expressão do seu território.

Marcos históricos

 A menção mais antiga ao Vinho Verde data de 1606, num documento passado pela Câmara do Porto. Vinho Verde foi uma das primeiras regiões a ser demarcada em 1908 e desde 1929 tem os seus contornos actuais. É uma das maiores regiões de Portugal em termos de área de produção, a seguir ao Douro e Alentejo, ocupando mais de 24 mil hectares (dados estatísticos do IVV a 31 de Julho de 2020). Em termos de produção é a quarta maior região a seguir ao Douro, Alentejo e Lisboa, produzindo 816 396 hl na campanha 2019/2020 o que corresponde a 13% de produção nacional.

Nos últimos quatro anos (sem contar com 2020) a presença no mercado nacional estava a crescer continuamente, atingindo em 2019 quase 21,5 milhões de litros o que corresponde a uma quota do mercado de quase 18%. É a segunda maior em volume a seguir ao Alentejo (com 37,6% do mercado) e em valor fica no terceiro lugar após Alentejo e Douro, ocupando 15,5% do mercado nacional, segundo a Nielsen.

O preço médio também foi crescendo nos últimos 4 anos e em 2019 ficou nos 4,86 euros por litro, ultrapassando regiões como Beiras, Beira Atlântico, Lisboa, Tejo e Península de Setúbal.

96,6% dos vinhos da região são vendidos como DOC e nesta vertente o Vinho Verde lidera no mercado nacional. Mais de 70% é vendido na distribuição, mas também tem uma presença interessante na restauração.

Ao contrário da realidade histórica, na região produz-se muito mais brancos do que tintos.  Segundo os dados estatísticos da CVRVV, em 2020, de vinhos tranquilos (DOC Vinho Verde + Regional Minho) foram produzidos quase 62,5 milhões de litros de vinho branco e apenas um pouco mais de 4 milhões de litros de vinho tinto. Nota-se uma tendência forte na produção de rosés que estão a crescer exponencialmente. Só nos últimos 10 anos o volume de produção aumentou de 1 milhão para mais de 7 milhões de litros.

Os vinhos monovarietais (DOC + Regional) de Loureiro representam uma quantidade significativa de mais de 3 750 000 de litros e de Alvarinho quase 3 150 000 de litros.

Em termos de exportação, os Vinhos Verdes estão presentes em mais de 100 países, dos quais os principais mercados são Estados Unidos, Alemanha, Brasil, Fança, Reino Unido, Polónia e Canadá. Nos últimos 5 anos a exportação subiu em volume e em valor, atingindo 31.173.338 litros e 73.805.245 euros.

Grande Prova VerdeDinâmica da região

 A região do Vinho Verde não só mudou drasticamente nos últimos anos, como está em constante mudança. É uma das regiões mais dinâmicas do país. Para isto existem vários factores, partilhados por Manuel Pinheiro. O principal é a viticultura que melhorou imenso. As formas antigas de condução, quando a vinha era alta, apoiada em tutores (árvores ou postes) e dispersa pelas bordaduras dos campos com outras culturas como o milho, a batata e a forragem para o gado, já não são praticadas. Ainda se podem encontrar vinhas de enforcado com videiras a trepar até 3-6 metros de altura, ou ramadas e latadas – que hoje representam um autêntico museu ao ar aberto. A vinha está a ser restruturada e reconvertida até 500 ha por ano, permitindo ter a matéria prima de óptima qualidade, mesmo em condições desafiantes. As castas mais utilizadas na reconversão são Loureiro, Alvarinho, Arinto e Avesso e entre castas tintas aposta-se mais no Vinhão. Outro factor decisivo tem sido a geração de novos enólogos e produtores que trouxeram uma grande ambição e conhecimento a nível de enologia.

Terceiro factor – atenção ao mercado e antecipação das tendências por parte dos produtores atentes ao feedback dos seus clientes nacionais e internacionais. Assim, em paralelo com vinhos de lote, começaram a produzir com bastante sucesso os vinhos monovarietais que mostram o carácter das castas da região. Os rosés do Vinho Verde são outro objectivo alcançado. A procura é tanta que neste momento não há vinho que chegue para a satisfazer. Segundo Manuel Pinheiro, a maior parte de vinhos produzidos na região, são brancos, representando 86-87%, mas os rosados em 2020 cresceram 32%.

O projecto mais recente promovido pela CVRVV consiste no desenvolvimento de uma estratégia de sustentabilidade que integrará os viticultores e produtores da região. Neste âmbito foi feito um acordo com a Agro.ges para efectuar um estudo de diagnóstico, com base no qual a CVRVV irá fazer acções de formação e apoio aos produtores para melhorarem a sua eficiência no uso de recursos.

Solos e climas

 A região do Vinho Verde situa-se no Noroeste de Portugal, o que se chamava antigamente entre Douro e Minho. A Oeste é naturalmente delimitada pelo oceano Atlântico, a Este confina com contrafortes de um maciço montanhoso constituído pelas Serras da Peneda, Gerês, Cabreira, Alvão, Marão, Montemuro entre outras. O rio Minho marca a sua fronteira Norte e o rio Douro a fronteira Sul. O seu relevo forma um anfiteatro exposto ao mar, recortado pelos vales e rios. Os ventos marítimos acabam por não encontrar grandes obstáculos, penetrando pelos vales orientados de Este para Oeste.

Tirando algumas excepções, quase todo o solo da região é formado pela agregação dos granitos. Em algumas partes o granito mistura-se com xisto e também há zonas de algum aluvião. Tem 9 sub-regiões, sendo Monção e Melgaço, a Nordeste a fazer fronteira com Espanha, a mais protegida da influência atlântica pelas cadeias montanhosas, com maior renome nacional e internacional, onde a casta Alvarinho goza (meritoriamente) um grande protagonismo. A sul de Monção e Melgaço fica a sub-região do Lima, dispondo-se na bacia hidrográfica do rio Lima, e está associada à casta Loureiro. A sub-região Cávado, Ave e Sousa esticam-se à volta dos rios com os mesmos nomes. A sub-região de Paiva ocupa a margem sul do rio Douro. Na parte interior fica a mais montanhosa sub-região de Basto. Mais a Sul continua a sub-região de Amarante, atravessada pelo rio Tâmega (afluente do Douro). Mais perto do Douro localiza-se a sub-região Baião – a terra da casta Avesso.

As alterações climáticas são uma realidade e já se sente o seu efeito na região. Antigamente, as geadas eram frequentes, agora acontecem cada vez menos, mas o excesso de insolação é outro problema. Com as alterações climáticas diminui a acidez e o grau sobe. O excesso de álcool não é positivo para os vinhos da região, que se têm afirmado como vinhos com uma frescura intrínseca e teor alcoólico moderado.

Nos Vinhos Verdes chove mais do que em Bordeux, mas a água é distribuída de maneira diferente. A chuva está concentrada nos meses de Outubro até Maio, chovendo muito pouco em Julho, Agosto e Setembro. As raízes normalmente não ultrapassam os 50-60 cm e nos solos bem porosos e nas encostas, a água vai logo para baixo, deixando as plantas em stress. Em certas zonas até a rega faz sentido, desde que seja feita com cuidado. Encostas franco-arenosas bem drenadas portam-se bem em anos mais chuvosos, mas quando chove pouco, é um problema. E ao contrário, nos anos muito secos o melhor resultado surge nos solos com maior capacidade de retenção de água.

Grande Prova VerdeCastas brancas de valor e personalidade

A casta mais plantada na região é Loureiro. Segundo dados estatísticos da CVRVV, lidera o top 15 de castas, ocupando mais de 4.000 ha. Foi conhecida como Loureira e mencionada pela primeira vez em 1790 em Melgaço e Vila Nova de Cerveira e só em 1875 na Ribeira do Lima, onde mais tarde encontrou a sua zona de eleição. No “Portugal Vinícola” de Cincinato da Costa, de 1900, também é chamada de Dourada e na altura já era cultivada nos concelhos de Arcos de Valdevez, Vila Nova da Cerveira, Ponte do Lima, Ponte da Barca, Melgaço, Monção, Caminha, Vila do Conde e Póvoa de Varzim.

Para além de produtividade elevada, é regular, dá muito rendimento em mosto. Gosta de solos profundos e de média fertilidade. Muito sensível ao sol e à seca, fica melhor mais perto da costa. Por isto adaptou-se bem ao vale do Lima. Sente-se bem em toda zona litoral da região.

É uma casta com elevada presença de compostos terpénicos livres (voláteis e facilmente perceptíveis) responsáveis pelos aromas florais. Os aromas característicos do Loureiro são acácia, flor de laranjeira, tília. Apresenta também aromas citrinos (lima, limão, laranja) e de folha de louro. Pode ter notas de maçã, pêssego e algum fruto tropical. De acordo com alguns estudos, apresenta a sua expressão máxima aromática depois da fermentação, mas também oferece nobreza de evolução. Anselmo Mendes considera que o Loureiro é muito mais aromático do que o Alvarinho e tem uma pureza de acidez a lembrar Riesling.

Segue-se Alvarinho, no segundo lugar, com 2.345 ha plantados. Casta ibérica por excelência, chamada de Albariño do outro lado da fronteira. Era praticamente exclusiva da sub-região Monção e Melgaço, ou seja, podia ser plantada noutras zonas da região, mas um rótulo não podia ostentar ao mesmo tempo o nome da casta Alvarinho e a denominação de origem Vinho Verde. Situação esta que muda definitivamente a partir da colheita deste ano de 2021 – o Vinho Verde Alvarinho pode ser produzido em qualquer parte da região.

Dá muito menos rendimento em mosto do que as outras castas. 65l de mosto de 100 kg de uvas (as outras castas, geralmente, dão 75l de mosto). É menos exuberante do que Loureiro, mas tem uma complexidade aromática extremamente interessante. Os seus aromas podem variar desde marmelo e pêssego, notas de fruta citrina (laranja, tangerina, toranja), fruta tropical (maracujá e por vezes, líchia). Notas florais de laranjeira de frutos secos (avelã, noz) também são comuns, podendo desenvolver nuances de mel com evolução. A sua composição aromática e perfil varia muito com a zona de plantação e abordagem enológica.

Tem uma boa acidez e bastante corpo, originando vinhos de grande longevidade. Anselmo Mendes vê o Alvarinho como uma casta que pode ser austera, mais redonda do que Loureiro.

O Arinto ocupa um pouco menos de 2.250 ha. É uma casta autóctone portuguesa, espalhada e apreciada em várias zonas do país, sendo a terceira mais plantada a nível nacional.

É popular também na região de Vinhos Verdes onde é conhecida como Pedernã, embora tenha muito menos protagonismo a nível varietal do que outras castas da região. Está bem presente em todas as sub-regiões com excepção de Monção e Melgaço, onde reina o Alvarinho.

Produz vinhos marcadamente citrinos, com notas de fruta branca (maçã e pêra) e ainda algumas notas florais a lembrar lantanas. Por vezes, pode desenvolver nuances de maracujá.

Para Anselmo Mendes é uma casta de outro mundo. Fica bem nas sub-regiões de Basto e Baião. Faz óptima parceria com Avesso, pois a acidez do Arinto é menos dura.

A Trajadura ocupa uma área com quase 980 ha. Não é das mais exigentes em termos de viticultura. Por um lado, tolera humidade no ar e no solo, por outro suporta, insolação. Adapta-se bem a qualquer tipo de poda e é bastante produtiva e regular. É utilizada sobretudo para lotes e o seu principal ponto fraco é a baixa acidez que pode levar ao desequilíbrio.

O enólogo e produtor António Sousa não vê a Trajadura numa vertente monovarietal. Se o Azal chega ao Verão com uma frescura fantástica, a Trajadura fica muito plana. Até pode ter aromas frescos, mas não tem frescura na boca. Falta-lhe alma, mas serve para “cortar” alguns Alvarinhos ou Loureiros demasiado intensos.

O Azal é plantado em quase 890 ha. É uma casta antiga mencionada desde 1790. Exclusiva da região Vinho Verde, e mesmo na região restringe-se a sub-regiões do interior, como Basto, Amarante, Baião e Sousa. É de ciclo longo, por isto precisa de solos secos e boa exposição, caso contrário não amadurece bem e fica excessivamente ácida. Anselmo Mendes aponta que é uma casta difícil na viticultura, “rebenta por todo o lado, obrigando fazer muita intervenção em verde”. Menos vista em vinhos varietais, antigamente só se usava em lotes, mas agora já se pode encontrá-la vinificada em estreme. Não tem um aroma muito intenso, mas transmite grande frescura com notas citrinas (limão) e de maçã verde.

Outra casta típica e exclusiva da região dos Vinhos Verdes é o Avesso. Presente em Amarante, Baião, Paiva e Sousa, com predominância na sub-região de Baião. Conhecida localmente como Borral, Bornal ou Borraçal branco, mas não tem sinonímias oficiais. Ocupa só 465 ha, mas é uma casta em ascensão. De viticultura difícil e de gostos contraditórios. Por um lado, tolera ambiente húmido, mas é muito sensível ao míldio, oídio e podridão cinzenta. Por outro, precisa de calor, mas facilmente apanha escaldão. António Sousa conhece viticultores que perderam 90% de produção desta casta por causa de escaldão. O sucesso e equilíbrio depende muito do sítio onde é plantada – precisa de zonas bem ventiladas, exposição a sul e alguma inclinação, terrenos secos e bem drenados. Virado para o Douro é onde se dá melhor, ali goza já um clima mais continental. Sensível a oxidação, não é uma casta intensamente aromática, fornecendo aromas de laranja, pêssego, notas amendoadas e leves florais. Precisa de algum tempo após a vinificação para potenciar os seus aromas.

É uma casta desafiante. Anselmo Mendes refere que o Avesso demonstra uma acidez quase metálica quando pouco maduro. Para António Sousa, Avesso transmite aos vinhos mais estrutura e por vezes, um toque amanteigado.

Algumas castas estrangeiras também estão presentes na região. Chardonnay e Sauvignon Blanc, por exemplo, já fazem parte dos top 15, mas são permitidas apenas para a produção de vinhos regionais.

Lotes e perfis

 Como atrás se disse, embora os varietais de Loureiro e Alvarinho, sobretudo, tenham vindo a crescer, a região dos Vinhos Verdes é feita de blends, misturas de vinhos de diferentes castas, com o objectivo de tirar o máximo partido de cada uma. A nossa Grande Prova deste mês assenta precisamente nesses blends. E estes são os principais:

Alvarinho e Trajadura – O seu casamento com Alvarinho é por conveniência, não é por amor. Quando não amadurece bem, tem muita acidez. Fernando Moura, para o Muralhas de Monção, por exemplo, usa o lote de 85% Alvarinho e 15% Trajadura. Como não é a casta mais aromática (maçã, pêra), neutraliza aromas do Alvarinho e não convém que ultrapasse 20% do lote, a menos que se procure outro estilo.

Alvarinho e Loureiro em proporções variadas, uma parceria de sucesso que alia a personalidade de duas grandes castas.

Alvarinho, Loureiro e Avesso, onde o Alvarinho confere corpo, solidez e estrutura, o Loureiro intensidade aromática e acidez e o Avesso acidez e mineralidade. A união de performance aromática das três castas traz complexidade.

O sucesso de um blend não se deve apenas à presença de Alvarinho. É como Cristiano Ronaldo, não precisa de jogar sempre para a equipa ganhar. O lote de Casa Grande Sant’Ana é de Azal, Avesso, Arinto e Alvarinho. No Singular, 45% do lote são vinhas velhas em conjunto com outras castas como Malvasia Fina, Avesso, Arinto, onde o Alvarinho está em minoria com apenas 8%. No San Joanne Terroir Mineral, o Alvarinho não entra de todo, tendo só Avesso e Loureiro e o Sem Igual é uma belíssima parceria de Azal e Arinto que resultou num vinho com muita personalidade.

A abordagem enológica varia em função da casta. A temperatura de fermentação é outro factor que pode influenciar o perfil do vinho. Para obter aromas imediatos, opta-se para conduzir fermentação alcoólica a baixas temperaturas (12-14ºC). Para potenciar aromas da casta e mais duradouros, as temperaturas preferem-se mais altas. O gás carbónico ainda é visto como um atributo de caracterização dos vinhos da região, mas há produtores que diminuem ou recusam a sua presença no vinho. Por outro lado, os vinhos são cada vez mais secos, sobretudo no mercado nacional. As operações como bâtonnage na cuba, fermentação ou eventualmente estágio em barricas também são feitas quando se procura um determinado perfil. Porque uma região não se resume apenas a um perfil de vinho. E na região dos Verdes, de enorme diversidade e potencial, os vinhos têm todas as cores, aromas e sabores.

Grande Prova Verde

(Artigo publicado na edição de Abril de 2021)

[/vc_column_text][vc_column_text]

Não foram encontrados produtos correspondentes à sua pesquisa.

Editorial: Do que eu não gosto

Editorial da revista nº57, Janeiro 2022 LUÍS LOPES Um recente trabalho de Ricardo Felner no Expresso identificou-me, de certo modo, como “inimigo” dos chamados vinhos “naturais”. Sinceramente, não sou inimigo de nada nem de ninguém. Mas existem, é verdade, comportamentos no sector do vinho que me incomodam. Com 60 anos feitos, 33 dos quais a […]

Editorial da revista nº57, Janeiro 2022

LUÍS LOPES

Um recente trabalho de Ricardo Felner no Expresso identificou-me, de certo modo, como “inimigo” dos chamados vinhos “naturais”. Sinceramente, não sou inimigo de nada nem de ninguém. Mas existem, é verdade, comportamentos no sector do vinho que me incomodam. Com 60 anos feitos, 33 dos quais a escrever sobre vinhos, acho que posso abrir o livro e deixar claro aquilo de que não gosto. Então aí vai.

Não gosto de colocar tudo no mesmo saco: orgânico, biodinâmico, leveduras indígenas, sustentabilidade, filtração, sulfuroso, “natural”. São produtos, práticas e conceitos diferentes e, alguns, até antagónicos. Só o Esporão, por exemplo, tem mais área de vinha orgânica do que todos os “naturais” juntos. Luis Pato faz alguns vinhos e espumantes sem adição de sulfuroso mas não é orgânico. A Casa de Mouraz é mesmo biodinâmica mas protege os seus vinhos com sulfuroso. Mário Sérgio Nuno, da Quinta das Bágeiras, nunca colocou uma levedura nos lagares ou nos toneis de fermentação. E o gigante espanhol Miguel Torres é referência mundial em produção sustentável e protecção ambiental e há muito que abandonou o modelo orgânico.

Não gosto de rótulos, a não ser nas garrafas. “Natural” por oposição a “tecnológico” é ver o mundo a preto e branco. O vinho, é tudo menos isso, é uma paleta infinita de cores, um universo de diversidade, estilos e conceitos, distintas formas de trabalhar e de transformar o fruto da videira numa bebida apaixonante.

Não gosto do primado da diferença sobre a qualidade. É fantástico quando conseguimos associar, num copo, qualidade e diferença. Mas prefiro qualidade sem diferença, do que diferença sem qualidade.

Não gosto de confundir gosto e qualidade. Gosto discute-se, qualidade não. A qualidade é imediatamente reconhecível, mesmo por quem não é especialista ou conhecedor. Se um vinho cheira mal, não há quem me convença de que cheira bem. Uma couve podre é uma couve podre, um guisado queimado é um guisado queimado. Não há volta a dar.

Não gosto de catequismos. Não sou crente, mas respeito todas as crenças. Desde que não insistam em catequizar-me. Quando um sommelier me disser, condescendente, que não aprecio um vinho que cheira e sabe mal apenas porque não estou acostumado a ele, irei responder como Susana Esteban o fez, nas mesmas circunstâncias: “pois não, estou habituado a beber vinhos bons”.

Não gosto da demonização da ciência. Rejeitar a enologia é como rejeitar a medicina. É verdade que alguns o fazem. Mas eu não queria estar na pele deles quando tiverem uma apendicite aguda.

Não gosto do elitismo. O vinho não pode ser algo apenas ao alcance de um grupo de iluminados que se acham superiores. Enquanto produto, o vinho é, e deve continuar a ser, democrático, acessível a todas as bolsas. Para poder ter preços acessíveis tem de ser feito em volumes grandes. Uma vez que estabilizar dois milhões de litros não é o mesmo que cuidar de duas barricas, existem para o efeito produtos enológicos, legalmente autorizados e fiscalizados. Bebo muitas vezes vinhos de €2,49? Raramente. Tal como raramente vou ao McDonald’s. Mas prefiro, de longe, comer um hambúrguer de carne fresca do que um robalo de mar com 15 dias de frigorífico.

Não gosto da publicidade enganosa, das aldrabices, da mentira. Exemplos? Quando se impinge a turvação de um vinho como valorizadora, apenas porque não se esperou o tempo suficiente antes de engarrafar. Quando um produtor “orgânico” apanha com um ataque de míldio e utiliza o que for preciso para salvar as uvas. Quando se inundam as redes sociais de fotos das galinhas e ovelhas nos 2 hectares de vinha biodinâmica e se compram 200 toneladas de uva aos vizinhos que até glifosato usam. Quando se afirma que o espumante é “natural” porque não levou sulfuroso, mas depois leva 7 gramas de açúcar no licor de expedição. Quando dizem “fazer” vinho e não sabem podar uma videira, quando se assumem “vignerons” e não têm vinha. Em boa verdade, há muito mais coisas de que não gosto, mas acho que já chega.

Brancos que falam com o tempo

Brancos falam tempo

Nos anos mais recentes o gosto pelo vinho branco tem sofrido algumas mutações. Hoje há muito mais consumidores interessados em provar coisas diferentes que possam ir além dos aromas e sabores frutados e sem segredos. Recuperou-se assim, agora com mais saber, uma prática que vinha de longe. São os vinhos brancos com longo estágio ou […]

Nos anos mais recentes o gosto pelo vinho branco tem sofrido algumas mutações. Hoje há muito mais consumidores interessados em provar coisas diferentes que possam ir além dos aromas e sabores frutados e sem segredos. Recuperou-se assim, agora com mais saber, uma prática que vinha de longe. São os vinhos brancos com longo estágio ou de lote de várias colheitas.

 

Texto: João Paulo Martins

Fotos: Ricardo Palma Veiga e Adega Mãe         

A ideia para este trabalho nasceu de uma constatação: há cada vez mais produtores a lançarem no mercado, num segmento de gama alta, vinhos brancos que aqui há alguns anos não encontrariam apreciadores. São vinhos que reúnem uma de várias características: têm já muitos anos de garrafa mas só agora foram colocados à disposição do público; são de uma só colheita mas o estágio foi sobretudo feito em barrica durante vários anos e só então engarrafados; correspondem a um lote de vinhos de várias colheitas, em proporções diversas. Têm em comum o facto de serem vinhos fora de moda mas, ao invés de vinhos oxidados e mortos (que tantas vezes encontramos nas provas dos vinhos velhos), aqui temos brancos que, em virtude do muito acompanhados que foram, se mostram em muito boa forma, com invulgar complexidade e personalidade.

Recuar no tempo

A tradição portuguesa do consumo de vinhos brancos nunca os colocou no mesmo patamar dos tintos; sempre se quedaram num nível de menor apreço. Também por esta razão os vinhos brancos foram sempre parentes pobres a que poucos davam atenção. Os vinhos muitas das vezes não evoluíam bem, oxidavam num instante e perdiam interesse e procura por parte dos consumidores. Havia excepções em várias regiões, mas era sobretudo no Dão e na Bairrada que os brancos mais perduravam no tempo. Empresas da Bairrada que negociavam com vinhos do Dão – como é o caso das Caves S. João – tinham no seu portefólio brancos que resistiam muito bem e se mostravam com muita saúde durante muito anos. Também a Vinícola do Vale do Dão, propriedade da Sogrape, engarrafava vinhos brancos que adquiria em adegas cooperativas locais. A marca emblemática era Dão Pipas e são brancos que mostram que a região tinha muitas virtudes e capacidades para gerar vinho longevos. Esse Dão Pipas, marca que se manteve até aos anos 90, serviu um pouco de inspiração para um branco criado na Quinta dos Carvalhais e que, pode dizer-se, foi no Dão o vinho fundador destas novas tendências. Criado pelo enólogo Manuel Vieira, o Colheita Seleccionada ganhou foros de “estrela” pelo apreço que o importador belga mostrou em relação a este branco, tendo sido exportado e esgotado com grande sucesso. As barricas onde fermentava o Encruzado eram depois de novo atestadas para não ficarem em vazio e assim, lembra Manuel Vieira, “íamos juntando 30 a 40 barricas por ano; a certa altura já havia barricas a mais e resolvi fazer um lote e dei a provar à administração. A reacção foi tão entusiástica que logo se decidiu avançar com a produção periódica”. Na reorganização do portefólio dos Carvalhais houve necessidade de criar um branco Reserva – mais fresco e com mais madeira nova – e assim o Colheita Seleccionada deixou de se produzir. Como ainda assim havia muitas barricas nasceu a ideia do Branco Especial, neste caso, lote de várias colheitas.

Também na Quinta da Gaivosa se iniciou na colheita de 2001 produção de um vinho branco com as uvas recolhidas nas vinhas velhas de onde era costume fazer vinho do Porto branco e onde existia maioritariamente a Malvasia Fina. Inicialmente com o apoio enológico de Anselmo Mendes, era um vinho com uma confecção bem diferente dos outros brancos: dois dias de maceração pelicular, fermentação em bica aberta com híper-oxigenação em meias barricas, parcialmente novas. O resultado era um branco inicialmente castanho, quase com cor de café, como nos disse Tiago Alves de Sousa, mas com o tempo de estágio na barrica muitos polifenóis depositam-se e o vinho perde a cor acastanhada. De início o vinho mostrou-se muito austero (mais alcoólico do que nas versões mais recentes) mas exactamente por já ter a questão da oxidação resolvida, são vinhos que ainda hoje dão boa prova. Mas Tiago não tem dúvida que as actuais edições, com menos álcool e mais frescura, irão ainda mais longe, seguramente para lá dos 20 anos após o lançamento. À época foi uma novidade no Douro e depois do 2001 foram feitas edições anualmente até 2006. A partir daí teve edições mais espaçadas: 2008 (ano a partir do qual se vindimou mais cedo e a graduação baixou), 11, 12 e agora, a mais recente, 2015.

Nem sempre vinhos deste perfil que hoje falamos, resultam de uma ideia prévia ou um projecto arquitectado para atingir este fim; não raramente, o acaso tem aqui um papel importante, a lembrar-nos que nem sempre controlamos ou entendemos tudo o que se passa durante a evolução de um vinho. Celso Pereira, enólogo no Douro, conta-nos que o Quanta Terra branco 2012 nasceu torto mas acabou por se revelar uma grande e positiva surpresa. Naquele ano duas barricas de branco foram consideradas não aptas para entrarem no Grande Reserva e só passados alguns anos é que se percebeu que o vinho tinha evoluído muito bem e foi então comercializado. Só a partir de 2015 (que irá ser a próxima colheita comercializada mas pela qual ainda teremos de esperar uns anos) é que se começou a deixar intencionalmente vinho em estágio. O que aconteceu com Celso Pereira acontece com frequência nas adegas quando é preciso seleccionar barricas para um determinado lote. O que fazer ao que fica é a pergunta difícil de responder, mas os brancos actuais estão a sugerir vários caminhos.

Brancos falam tempo
O longo estágio em barrica faz parte da identidade do Quinta de Carvalhais Branco Especial.

Requisitos e exigências

Quando há a intenção de fazer um branco de longa guarda em barrica há que estar a tento às características as uvas. A acidez elevada é um requisito que ajuda muito: castas com acidez moderada ou baixa não podem ser usadas porque originam vinhos que não evoluem bem. Mas só a acidez não basta, é preciso, salienta Manuel Vieira, que os vinhos tenham gordura, volume de boca. Temos então de ter, como primeiro requisito, vinhos estruturados, de boa acidez. Para os vinhos que estagiem na madeira coloca-se sempre a questão da oxidação e por isso o atesto das barricas é fundamental. Há uma ligeira oxidação, controlada, mas essa oxidação é fundamental para que os vinhos resistam depois ao tempo; “os vinhos no futuro ficam inoxidáveis, já oxidaram tudo o que tinham de oxidar”, lembra Manuel Vieira. As meias barricas têm uma capacidade oxidativa maior e são mais manuseáveis e, por isso, funcionam muito bem para estes vinhos, algo que Tiago Alves de Sousa também subscreve. Se estivermos a falar de estágios em barricas já usadas os atestos podem ser mensais porque a barrica usada “bebe” muito menos que a barrica nova. E, para evitar uso excessivo de sulfuroso, é mesmo melhor ter as barricas atestadas.

No caso dos vinhos que juntam colheitas de anos diferentes, a arte do lote ganha toda a importância. É preciso fazer vários ensaios e, como lembra Manuel Vieira, “fazer o teste à mesa; levávamos o vinho para o restaurante e provávamos com a comida; se não funcionava fazíamos novo lote e foi assim que, passo a passo, chegámos ao lote final”. Neste tipo de vinhos pode ter mais peso o gosto pessoal do produtor ou do enólogo. Porquê? Porque é preciso dosear as percentagens de cada ano e, sobretudo, decidir que quantidade de vinho mais novo deverá levar o lote final. Assim, se levar uma percentagem significativa do vinho mais novo poderá não apresentar aquele carácter resinoso e oxidativo que associamos com estes vinhos; ao invés, com pouca percentagem de vinho novo o lote ganha um perfil mais austero e evoluído. São assim possíveis várias nuances. No caso do Branco Especial de Carvalhais, a actual edição no mercado (5000 garrafas), que já é da responsabilidade da enóloga Beatriz Cabral de Almeida, inclui 13 lotes de oito colheitas diferentes, começando em 2004 e acabando em 2018. O trabalho é ainda mais minucioso porque a adega dispõe de cerca de 100 barricas até à colheita de 2015. Além do Encruzado também por lá existe Sémillon e Gouveio. Agora procura-se fazer o Branco Especial com menos graduação, vindimando mais cedo e decidindo à partida o que vai ou não vai para estágio prolongado.

Brancos falam tempo
O Alves de Sousa Pessoal nasceu em 2001.

De Norte a Sul

Este tipo de vinho não é específico de uma região. Pelos exemplares que aqui mostramos até pode parecer que é um privilégio do Douro e Dão, mas de facto o número de amostras é maior nessas regiões do que noutras porque por ali houve mais produtores que se abalançaram nesta aventura. Vendo bem, até foi em Setúbal, com a marca Pasmados, que tudo começou e, como nos disse Domingos Soares Franco, da casa José Maria da Fonseca, “durante muitos anos sempre me criticaram por insistir neste modelo, mas agora dão-me razão, agora há mercado e consumidores para isto. Fermentou metade do mosto – Viosinho, Viognier e Arinto – em barrica e o resto em inox”. Também em Monção e Melgaço estão reunidas as condições para este modelo. Na Quinta do Regueiro juntaram-se vinhos de 2007 até 2010 para este primeiro lote e a próxima edição sairá este ano. A pequena quantidade produzida – 1900 garrafas – não chegou para os pedidos. Na região de Lisboa, a Adega Mãe lançou um branco de idade com Viosinho, Alvarinho e Arinto, castas que Diogo Lopes verificou que mantinham a acidez durante mais tempo, factor tido por fundamental. No Dão, é a casta Encruzado aquela que melhor se adapta a este conceito e os três produtores que aqui apresento foi nela que apostaram. Mas o vinho dos Caminhos Cruzados é o resultado de uma só colheita, neste caso de barricas que não entraram no Teixuga, a marca emblemática da casa. No Douro apresento aqui três vinhos de uma só colheita e outros três de lote de várias colheitas. Pisa a pé das uvas brancas, longas macerações peliculares, oxigenação intensa são algumas das técnicas usadas. Os resultados mostram-se muito bons e, sabemos entretanto, vários outros produtores estão a trabalhar neste modelo. É a vitória dos vinhos brancos!

Brancos falam tempo
Adega Mãe

E à mesa, como é?

Estes vinhos, digamos, difíceis, são muito desafiantes à mesa porque podem ligar muito bem com pratos inesperados, com culinárias diferentes. E o desafio estende-se a vários produtos – peixes, carnes, queijos – e a formas diferentes de confecção. Assim sendo, não adianta muito ter opiniões definitivas sobre os sins e os nãos na ligação com a comida. Por experiência própria já liguei, com um tremendo e inesperado sucesso, o Branco Especial de Carvalhais com uma sopa de peixe picante (tem mesmo a referência caseira de “estupidamente picante…”) mas Tiago Alves de Sousa leva o seu Alves de Sousa Pessoal para zonas menos óbvias como polvo à lagareiro, embora reconheça que “com foie-gras é a ligação preferida”, mas também sugeriu risotto de cogumelos. A ideia é ligar o vinho com pratos de sabores intensos para que assim exista um bom equilíbrio. Cremos que mesmo com cabrito assado ou peixes no forno estes vinhos podem tornar-se um enorme sucesso.

E, regressando às origens, ao tal Colheita Seleccionada da Quinta dos Carvalhais, lembro-me de um jantar num restaurante 3 estrelas Michelin – Oud Sluis – de Sergio Herman, algures na fronteira Holanda/Bélgica em que o vinho do Dão fazia parte do menu degustação e, não por acaso, dizia o importador que desde Janeiro (estávamos em Março) já tinha vendido 200 garrafas daquele vinho.

Estes vinhos têm uma relação inesperada com a música. Aqui os acordes não são Sol e Dó, aquela ligação simples que toda a gente entoa e que é fácil de entrar no ouvido; aqui temos acordes mais ásperos, com quintas diminutas e sétimas aumentadas. Tudo parece estranho até encontrarmos a fórmula de soarem bem. E, quem não gosta de desafios???

(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2021)

[products ids=”78848,78850,78852,78854,78856,78858,78860,78862,78864,78866,78868,78870,78872,78874″ columns=”4″

Quinta da Plansel: Pragmatismo alemão, alma alentejana

quinta da Plansel

Montemor-o-Novo ficou mais rico em 1975, com o nascimento da Quinta da Plansel. Quem lá chegou vinha de fora de Portugal, com clones de videira na bagageira, e nunca mais quis sair. Hoje, este projecto continua próspero, e apresenta novas colheitas com imagem renovada. Texto: Mariana Lopes Fotos: Quinta da Plansel É uma estória que […]

Montemor-o-Novo ficou mais rico em 1975, com o nascimento da Quinta da Plansel. Quem lá chegou vinha de fora de Portugal, com clones de videira na bagageira, e nunca mais quis sair. Hoje, este projecto continua próspero, e apresenta novas colheitas com imagem renovada.

Texto: Mariana Lopes
Fotos: Quinta da Plansel

É uma estória que já é história, e que muitos não conhecem. Hans Jörg Böhm —conhecido entre os portugueses por Jorge Bohm — é um alemão descendente de uma família ligada ao vinho há mais de 200 anos, sobretudo à comercialização, no estado da Renânia-Palatinado. Em 1961, há quase 60 anos, o seu veleiro naufragou no porto de Cascais e Jörg viu-se obrigado a desembarcar e permanecer durante algum tempo em Portugal. Aqui, o destino de toda uma família mudou. Böhm conheceu, por este acaso, várias paisagens portuguesas, apaixonou-se por elas e, quando retornou à Alemanha, foi com “termo certo”. Mais tarde, acabaria por regressar de vez, e em 1975, já como viveirista na área da viticultura, adquiriu uma propriedade em Montemor-o-Novo, aquela que viria a ser a Quinta da Plansel. Depois de muitos anos a estudar, aprofundar o conhecimento e escrever sobre as castas, as videiras e os clones (e até a aplicar todo esse conhecimento no terreno), foi-lhe conferido, em 2005, a Comenda de Mérito Agrícola, por parte da Presidência da República. A palavra “Plansel” é, precisamente, uma referência a Plan(ta) Sel(eccionada). “Portugal Vitícola – O Grande Livro das Castas” é a sua obra escrita mais aclamada no país e lá fora, mas Jörg, frequentemente encontrado na sua impressionante biblioteca na Quinta da Plansel, tem muitos outros livros publicados, uma bibliografia onde também se destaca o “Atlas das Castas da Península Ibérica”.

Plansel alma alentejana
Vinha da capela de Sta. Margarida.

 

Mas, não cabendo dentro de si toda a dedicação e paixão pelas castas portuguesas, Böhm acabou por transbordar tudo isso para a sua filha, Dorina Lindemann, que se formou em enologia e viticultura na Universidade de Geinsenheim, na Alemanha. Em 1996, Dorina criou o projecto de vinhos na Quinta da Plansel, e fez o primeiro vinho, 1500 garrafas do espumante Al-Xam, nome inspirado em Alentejo e Champanhe. Logo a seguir veio o primeiro Plansel, um tinto. Em 2004, juntou-se à equipa o enólogo Carlos Ramos que, juntamente com Dorina, ainda hoje faz os vinhos do já muito completo portefólio da casa, que inclui referências das marcas Marquês de Montemor, Plansel, DL, Capela de Sta. Margarida (bio) e também os topo de gama com os nomes de Dorina e das suas duas filhas, Luísa e Júlia, ambas já integradas no projecto, a primeira na enologia e viticultura e a última no marketing, publicidade e relações públicas.

A Quinta da Plansel é peculiar, tanto pela forte interligação com o estudo da planta, pela parte de Jörg, como pelo conceito imprimido nos vinhos por Dorina, mas também pela localização e características únicas da propriedade. O rio Almançor, por exemplo, atravessa a quinta a meio e, em época de chuva (que coincidiu com a nossa visita), para entrar lá entrar de carro é necessário passar por uma parte totalmente alagada. Outro pormenor assenta na impressionante colecção de arte do século XX, de Jörg, que ilustra o edifício por dentro e por fora, conferindo um “fun side” ao local. A Quinta em si tem cerca de vinte hectares mas, no total, a Plansel tem 75 hectares de vinha própria, divididos por três zonas, com a mais distante a apenas 10 quilómetros da Quinta, e a mais antiga com 30 anos de idade. Uma dessas três vinhas é biológica e tem, na mesma propriedade, uma capela do século XIII, de Santa Margarida, a mais antiga da região de Montemor. Plantadas por Jörg Böhm, as principais castas presentes no encepamento da empresa são as brancas Alvarinho, Arinto, Verdelho, Gouveio e Viosinho, e as tintas Touriga Nacional (a mais plantada), Aragonez, Tinta Barroca, Touriga Franca, Alicante Bouschet e Castelão. A presença, a poucos quilómetros, da Serra de Monforado, protege estas vinhas dos ventos quentes de Verão, fazendo com que, naquele terroir, se façam sentir menos dois ou três graus centígrados (por vezes menos ainda) relativamente a Évora, o que é importante para as uvas.

Plansel alma alentejana
Jorge Böhm na sua impressionante biblioteca.

Os vinhos (segundo a equipa, feitos apenas das próprias vinhas), por sua vez, são totalmente “a cara” de Dorina, agora com nova imagem, da autoria do Atelier Rita Rivotti. A perdição da enóloga por castas originárias do Norte de Portugal, sobretudo pela Tinta Barroca, do Douro, tornam este projecto verdadeiramente diferente. A gama DL, por exemplo, inclui vinhos apenas de variedades nortenhas. Antes de provarmos algumas novidades, pudemos constatar em colheitas mais antigas — de 2007, 2010 e 2014 — que a Barroca tem ali o seu lugar, com uma qualidade e longevidade muito interessantes. Naturalmente, também as típicas do Alentejo têm muita importância, e a Quinta da Plansel continua a ter alma alentejana. E isso vê-se também na família que, apesar do “pedigree” alemão, está já muito enraizada na “região das planícies”. É bonito de se ver e de se beber, e vale a pena conhecer.

Plansel alma alentejana(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2021)

[products ids=”78150,78216,78250,78262,78344,78346,78436″ columns=”4″

O Moreto e as talhas da Granja-Amareleja

Granja Amareleja

Abegoaria e Adega Piteira Entre a margem esquerda do rio Guadiana e a fronteira com Espanha, situa-se a sub-região alentejana da Granja-Amareleja. Um terroir único que é o berço do grupo Abegoaria, e onde a casta Moreto se revela na sua plenitude. Texto: Mariana Lopes Fotos: Abegoaria e Luís Lopes  O Alentejo, região muito diversa […]

Abegoaria e Adega Piteira

Entre a margem esquerda do rio Guadiana e a fronteira com Espanha, situa-se a sub-região alentejana da Granja-Amareleja. Um terroir único que é o berço do grupo Abegoaria, e onde a casta Moreto se revela na sua plenitude.

Texto: Mariana Lopes
Fotos: Abegoaria e Luís Lopes

 O Alentejo, região muito diversa em terroirs, climas e perfis de vinho, tem oito sub-regiões. Uma delas — a mais quente, com mais horas de sol e com solos mais pobres — é a Granja Amareleja. Compreendida entre a margem esquerda do rio Guadiana e a fronteira com Espanha, esta sub-região abrange as freguesias de Amareleja e Póvoa de São Miguel, e também parte das freguesias de Santo Amador e São João Baptista (concelho de Moura) e de Granja, Luz e Mourão (concelho de Mourão). Apesar do clima e solo agreste, a Granja-Amareleja sempre foi explorada para produções agrícolas pelos que lá passaram, sobretudo para vitivinicultura. Quanto a vinhas, ali convivem tipos bem diferentes: as mais recentes, cultivadas com as técnicas modernas; e as antigas, de sequeiro, típicas do minifúndio regional, muitas delas em solos arenosos e em pé-franco, ou seja, plantadas sem porta-enxerto. Mais recentemente, a criação da barragem e do lago do Alqueva veio amenizar a secura e as temperaturas muito elevadas que ali se fazem sentir no Verão, tendo sido precisamente na Amareleja que se registou a temperatura mais alta de sempre em Portugal, 47.4 graus Celsius, no dia 1 de Agosto de 2003 (não bastava ter sido sexta-feira, dia em que já apetece fazer pouco…). Assim, tanto estas particularidades edafo-climáticas, como as do encepamento presente na sub-região, tornam os seus vinhos únicos. A casta tinta Moreto, por sua vez, é a mais identitária da Granja-Amareleja, a mostrar nos vinhos a sua faceta mais elegante, estruturada, ampla e até fresca, expressando-se como não se expressa em mais nenhuma região. Mas já lá vamos…

Granja AmarelejaAbegoaria, Adega da Granja e Manuel Bio

A Abegoaria é um grupo vitivinícola que nasceu na Granja Amareleja (primeiro com o nome Encostas do Alqueva), cuja história não pode ser dissociada da família Bio. Tudo começou quando Manuel Bio, com origem também na margem esquerda do Guadiana, decidiu assumir a presidência da Adega da Granja (Cooperativa Agrícola da Granja), em 2007, depois do colapso total desta em 2002. O gestor e empresário teve três grandes razões para o fazer, a pedido da própria cooperativa: a grande visão social e da economia local que sempre teve; o facto do seu pai ter sido associado da cooperativa; e a fama de excelente gestor e impulsionador de negócios que todos lhe reconheciam, com percursos irrepreensíveis em grandes empresas. “Decidi, também pelo meu pai, ir a uma assembleia geral da Adega, para ver o que se passava. Depois, com a ajuda do banco, pagámos todas as uvas que estavam em dívida de 2002 a 2006. Hoje, não devemos nada a ninguém. O negócio flui e já investimos mais de dois milhões de euros”, contou Manuel Bio. Sem surpresas, revitalizou completamente a Adega da Granja e aumentou as suas vendas exponencialmente, e reabilitou a sua importância social e económica, sendo esta cooperativa hoje responsável por 95% da produção da sub-região, com cerca de seis milhões de garrafas produzidas por ano e cem viticultores associados.

Este foi o ponto de partida para que Manuel Bio quisesse criar sociedade com o enólogo José Piteira (responsável pela Adega da Granja) e Filipe Lourenço, para criar um projecto ambicioso que hoje tem o nome de Abegoaria, e que produz vinho em várias regiões portuguesas, mas também azeites, queijos e enchidos. Produz um total de nove milhões de garrafas por ano, mas na verdade faz cerca de 18 milhões de litros de vinho, fornecendo em formato bag-in-box para as principais redes de supermercado em Portugal. Para 2021, prevê-se uma facturação de 30 milhões de euros. Várias empresas de menor dimensão foram criadas entretanto, sob a “umbrela” Abegoaria, como a Amareleza Vinhos, especificamente no Alentejo, que inclui os vinhos GA e Piteira (feitos na Adega da Granja), e também os José Piteira, do pequeno projecto de talhas Adega Piteira, na Amareleja. A maior parte do projecto Abegoaria é virado para o consumidor português, com apenas 12% da produção exportada, o que vai de encontro à filosofia da empresa. Só na Granja-Amareleja, estes três sócios gerem dois terços de toda a sua produção.

Em 2015, deu-se a compra da Herdade Abegoaria dos Frades, localizada em Alqueva, assumida como a “a jóia do projecto”, a propriedade-mãe. Antes da criação do lago e barragem, a antiga família proprietária tinha ali 5000 hectares, mas agora esta Herdade inclui “apenas” 500. Portadora de uma luz impressionante, estende-se por uma planície que se pode observar, quase na totalidade, a partir do topo das duas torres circulares que descansam na entrada principal e que são os depósitos de água que alimentam toda a Herdade. Com uma bonita zona de piscina, 30 quartos actualmente em finalização, canil, adega (com 34 talhas) e lagar de azeite, a Herdade Abegoaria dos Frades será em breve um destino enoturístico de luxo. “Vamos fazer nesta adega algumas especialidades, no futuro, mas servirá sobretudo para os hospedes fazerem o próprio vinho e azeite”, revelou Manuel Bio. Ali, a área de vinha é de 55 hectares, com previsão deste número crescer para 95, em 2022. São sete as castas tintas presentes — Alicante Bouschet, Syrah, Cabernet, Marselan, Touriga Nacional, Aragonez e Petit Verdot — e cinco as brancas — Verdelho, Viosinho, Arinto, Antão Vaz e Roupeiro.

Granja Amareleja
Manuel Bio, administrador da Abegoaria e presidente da Adega da Granja.

Duas vinhas muito diferentes

Foi com Manuel Bio, José Piteira e Luís Bio (responsável de internacionalização e exportação), que visitámos duas vinhas emblemáticas e importantes para a Adega da Granja e para a Amareleza Vinhos, totalmente distintas uma da outra.

A Vinha da Luz é a vinha comunitária, de 87 hectares, da nova Aldeia da Luz, lugar que tem cerca de 300 habitantes. Foi plantada quando da construção da nova aldeia, em 2002, tendo sido oferecido um hectare a cada família “realojada” (a antiga aldeia ficou submersa pelo lago do Alqueva). Hoje, alguns dos proprietários de parcelas desta vinha já as alugam a outros, e a Adega da Granja compra uvas a muitos destes viticultores. “Esta vinha foi muito importante para a sub-região da Granja-Amareleja, porque antes de existir só havia vinhas ou pouco produtivas ou em decadência”, explicou Manuel Bio. Sendo (ainda) a maior da sub-região, esta vinha tem Alicante Bouschet, Aragonez, Trincadeira e Tinta Caiada, entre outras.

A outra vinha que visitámos nada tem que ver com a primeira: é uma vinha de Moreto com cerca de 80 anos de idade, plantada em pé-franco, na Póvoa de São Miguel. O solo, de quartzo, xisto e calhau rolado, é de base arenosa, com pouca argila. A antiguidade da vinha nota-se na partilha do espaço entre oliveiras e videiras, e também na baixa produtividade, de menos de três mil quilos por hectare. José Piteira revelou-nos aqui que é nestas areias grosseiras que está o melhor Moreto, casta que, até aos anos 90, representava 80% do encepamento da Granja-Amareleja. Empenhados em recuperar cada vez mais a variedade identitária, no projecto Amareleza Vinhos, Manuel Bio e José Piteira prevêem plantar, em breve, uma vinha só de Moreto junto à Adega da Granja.

Moreto e Adega Piteira

Na Amareleja situa-se a Adega Piteira, pequena e tradicional adega de talhas de José Piteira. Neste exacto sítio, aos doze anos, o enólogo auto-didacta iniciou-se no Vinho de Talha, aprendendo e ajudando o seu padrinho, José Amante Baleiro. Dedicando-se totalmente ao Vinho de Talha até 1999, pegou na sabedoria que o padrinho lhe transmitiu e adicionou-lhe a sua própria impressão digital, fazendo hoje na Adega Piteira vinhos únicos, de qualidade superior, plenos de carácter, para os quais muito contribuem as castas Diagalves (branca) e Moreto, esta última também vulgarmente presente na Amareleja, em vinhas de pé-franco.

Granja Amareleja
Adega Piteira em Amareleja

A uva Moreto, citada já em textos do século XVIII, tem bastante tradição na Granja-Amareleja, mas em outras partes do Alentejo não é muito bem-amada. José Piteira, fiel protector da casta, falou-nos dela e fez-nos compreender a dicotomia: “É uma casta difícil, que precisa de condições muito próprias, que praticamente já não se encontra em viveiros. Acabou por se adaptar, ao longo de muitos anos, na Amareleja, presente inclusive em vinhas com quase 200 anos. Aqui tem muita qualidade, concentração e equilíbrio, com cor e maturações boas, sobretudo pela característica arenosa dos solos, onde está plantada em pé-franco — porque os solos de areia são menos propensos ao ataque da filoxera — e pela sua elevada resistência ao calor, ao míldio, ao oídio e a pragas como os ácaros e a cicadela. Outra razão para ser boa aqui é o facto de estar plantada nos solos menos produtivos, porque antigamente os melhores solos destinavam-se a trigo, os menos bons a oliveira e os piores a vinha. E a Moreto precisa de stress hídrico, por isso dá-se bem nesses solos mais secos. Também o compasso entre as videiras e a condução são muito importantes. Aqui, não podemos retirar muita folha nem ter as cepas altas, isso só nas regiões mais frescas. A condução em taça é a mais favorável, como um compasso de 1.80 por 1.80 metros, no mínimo”. Para José Piteira, “na adega também é difícil, tem de se fazer muita selecção. No entanto, dá bastante acidez e é muito aromática, e isso é muito bom. Na adega percebemos porque é que foi uma casta muito arrancada, dado que chegamos a ter Moreto com 18% de álcool provável, de vindimas mais atrasadas. Também por isso já só há cerca de 80 hectares de Moreto. Há-que recuperá-la aqui na Granja-Amareleja”.

Granja Amareleja
José Piteira, mestre das Talhas

Os brancos e os tintos de talha José Piteira estagiam sempre dois anos em garrafa, antes do lançamento para o mercado. Na vinificação, não levam leveduras extra nem engaço, apenas o mosto e películas da uva. A manta, que sobe naturalmente por efeito do gás carbónico até ao topo das talhas, é recalcada e mergulhada duas vezes por dia, de manhã e ao fim da tarde. José Piteira explicou tudo isto junto às suas talhas e mostrou, inclusive, alguma indignação em relação à adulteração que alguns fazem ao processo ancestral. “Vejo muitas talhas demasiado cheias, e depois não corre bem. O corpo humano tem um membro que indica perfeitamente a altura a que as massas devem ficar na talha, que é o braço”, demonstrou. Ali, no meio dos idílicos recipientes de barro de 1800 litros, fizemos uma prova vertical — de 2016 a 2020 — dos vinhos de talha José Piteira, branco e tinto, e provámos também os “não-talha” GA Moreto — de 2015 a 2019 — e o GA Moreto Oak 2015, um Moreto estagiado em barrica. O objectivo foi cumprido: perceber que o Moreto e as castras tradicionais brancas (neste caso Diagalves, Roupeiro, Fernão Pires e Arinto) têm uma longevidade e expressão incríveis quando feitos em talha, e uma frescura surpreendente…

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2021)

Não foram encontrados produtos correspondentes à sua pesquisa.

GRANDE PROVA – Late Bottled Vintage

Late Bottled Vintage

Porto de excelência, gastos comedidos  Este é o Porto do nosso contentamento. E tem tudo para nos dar bons momentos: tem complexidade, é polivalente à mesa, tem uma excelente relação preço/prazer e ainda permite a conservação em cave para usufruto futuro. É caso para perguntar: o que querem mais?  Texto: João Paulo Martins Fotos: Ricardo […]

Porto de excelência, gastos comedidos

 Este é o Porto do nosso contentamento. E tem tudo para nos dar bons momentos: tem complexidade, é polivalente à mesa, tem uma excelente relação preço/prazer e ainda permite a conservação em cave para usufruto futuro. É caso para perguntar: o que querem mais?

 Texto: João Paulo Martins

Fotos: Ricardo Palma Veiga

 Esta é sempre uma prova que tem tanto de fácil e agradável como de difícil; fácil porque os vinhos têm uma qualidade muito elevada (como se pode ver pelas classificações), agradável porque estes são vinhos do Porto muito sedutores e atraentes, e difícil porque maioritariamente são vinhos muito parecidos entre si. Esta é também um tipo de prova em que, outro provador, outro nariz e com outra ideia sobre o que é e não é um LBV, originaria porventura algumas avaliações diferentes.

Valerá a pena explicar melhor. A dúvida, se se pode pôr a questão nestes termos, é entre dois perfis de LBV: um que tem muitos pontos de contacto com o “estilo vintage”, profundo, vigoroso e concentrado, e outro onde se sente um Porto mais redondo e amaciado pela madeira, menos complexo e mais pronto para ser bebido de imediato. Qualquer produtor pode fazer dos dois tipos, consoante o perfil da marca, e fazer um ou outro depende muito da matéria-prima e da forma como conservou o vinho durante o estágio. Se a guarda for em grandes cubas ou balseiros há uma menor oxidação e maior preservação da fruta e do vigor; estágios em pipas ou em depósitos de menores dimensões facilitam alguma oxidação e arredondamento do perfil.

A lei que regulamenta as categorias especiais do Vinho do Porto (datada de 1973) é clara: para ter direito à designação de LBV o vinho, de qualidade reconhecida, tem de ser engarrafado entre o 4º e o 6º ano após a vindima. Temos então um vinho que esteve mais tempo em casco do que o vintage – este tem de ser engarrafado entre o 2º e 3º ano – mas que tem com ele muitas similitudes: a concentração da cor, a tonalidade bem escura, quando não opaca, e o mesmo vigor aromático. Cabe então ao produtor “desenhar” o perfil de LBV de acordo com o estilo que se pretende. A verdade é que, cada vez com mais frequência, os produtores estão a fazer os engarrafamentos ao 4º ano, obtendo assim vinhos de grande expressão de fruta e muito robustos que é, dizem os enólogos com quem falámos, o que se pretende neste tipo de vinho.

Enquanto no Porto Vintage os vinhos não são intencionalmente filtrados antes do engarrafamento, nos LBV podem ser ou não, dependendo do estilo de cada marca e de cada casa. Os LBV filtrados – um dos exemplos, nesta prova, é o Graham’s  – são vinhos que já não irão ganhar depósito na garrafa, têm rolha bar-top (com tampa de plástico) e não requerem cuidados no manuseamento. São por excelência os vinhos do Porto do canal HORECA mas que também estão disponíveis no comércio tradicional. Alguns dos outros que não são filtrados trazem essa indicação no rótulo – Unfiltered – sugerindo assim que podem ganhar depósito com o tempo em garrafa. Estes, por norma, são os que melhor enfrentarão a cave. Falo aqui da cave porque estes vinhos ganham com o tempo de guarda.

Há alguns anos promovemos uma prova que procurava exemplificar o que agora afirmo e a conclusão foi bem interessante: só provámos vinhos LBV com idade entre os 10 e 15 anos e mostraram estar ainda com grande saúde. São boas indicações para os leitores.

Temos então perfis de vinhos para todos os gostos. Esta é uma categoria a ganhar cada vez mais adeptos, sobretudo nos mercados externos, para onde é canalizada a grande fatia da produção dos grandes grupos do sector. Repare-se: o grupo que integra a Taylor/Fonseca/Croft tem nos LBV um dos seus principais activos, representando cerca de 20% da facturação; produzem 1 600 000 garrafas/ano, com a Taylor’s a ter aqui uma quota importante; é de resto a marca de LBV mais vendida no mundo. A exportação absorve 95% da produção. Nos outros grandes grupos notamos também que a exportação é o destino da esmagadora maioria dos LBV’s que se produzem. O quantitativo do grupo Taylor é bem significativo porque quer a Sogevinus quer a Sogrape se situam no patamar das 200 000 garrafas/ano nas várias marcas que detêm e o grupo Symington anda pelo milhão de garrafas de LBV.

Os dados do IVDP confirmam que tem havido um crescimento do quantitativo de vinho certificado nesta categoria; é verdade que 2020 foi um ano atípico mas de 2017 a 2019 o crescimento teve algum significado e a quota do mercado interno também tem subido com consistência, situando-se nos 14% dos vinhos do Porto comercializados.

Late Bottled VintageUma história com estórias

A ideia de fazer um vinho que tivesse um estilo próximo do Vintage terá surgido no pós-guerra, quando era difícil vender vinho, o poder de compra era fraco, as exportações diminutas e o clima económico muito retraído. A aposta foi então criar um vinho que pudesse ter edição anual (ou quase) e que fosse mais competitivo em termos de preço. Ora, quando a legislação saiu, como dissemos em 1973, foi possível, dada a conta corrente que o IVDP dispunha de todos os stocks das firmas, autorizar na categoria LBV vinhos que por uma qualquer razão estivessem engarrafados e que cumprissem o requisito do “entre o 4º e o 6º ano”. É por essa razão que a Ramos Pinto tem um LBV dos anos 20, quando na altura a categoria nem sequer existia e a Burmester tem também um LBV de 1964. Aos poucos todas as casas foram percebendo que este era um negócio interessante porque não obrigava a tanto tempo de stock como os tawnies com indicação de idade e por isso havia um retorno mais célere do investimento. Hoje quase todos os produtores, grandes e pequenos, apostam nesta categoria embora, como é normal, as excepções também existam, como é o caso da marca Pintas, que não contempla a categoria LBV.

Em relação ao LBV 1964 da Burmester há uma pequena história curiosa: num curso de iniciação à prova de vinho do Porto, fiz questão de levar este LBV para as provas, um pouco para demonstrar que este não era o tipo de vinho mais aconselhável se queríamos conservar em cave por muitos anos. A minha ideia saiu furada porque, apesar de apresentar uma concentração muito ligeira e na cor ser apenas um “rosé um pouco mais carregado”, o que é certo é que, aromaticamente, estava tão bom que foi o Porto que os alunos mais apreciaram. Temos então como ideia a reter: a guarda é possível e em muitos casos desejável. Tudo com pouco investimento inicial, o que é factor a ter em linha de conta.

Neste momento existem já muitos vinhos da colheita de 2016 (os tais 4 anos a que a lei obriga) mas em prova tivemos igualmente muitos de 2015 (pode especular-se que por diminuição de vendas em 2020 e por isso os 2016 ainda não estão no mercado) e também de 2013. Segundo fonte do IVDP, destas três colheitas e até Dezembro de 2020 estão aprovados 79 rótulos para LBV. Seguramente que no final das contas este número subirá, e muito.

Late Bottled VintageOs destinos e a falta deles

Na resposta a esta pergunta temos um primeiro destinatário óbvio: o Reino Unido e, crescentemente, os Estados Unidos. Os portugueses ficam com uma quota de 14% do que se produz mas canadianos e dinamarqueses são também bons consumidores; são mercados seguros que não têm as mesmas oscilações que os mercados emergentes podem ter, como a Rússia, a China e em geral o Extremo Oriente. Os ingleses sempre tiveram uma atitude cerimoniosa com o Porto Vintage e o LBV procura dessacralizar o consumo e torná-lo mais despreocupado e possível em qualquer momento e não apenas a acompanhar o queijo Stilton.

Por cá não fazemos bem o trabalho que nos competia. A restauração não inclui por norma o Porto nos menus degustação e, mesmo que fosse um “mimo do Chefe”, tudo se teria a ganhar em oferecer um Porto no final da refeição mesmo que não tenha sido pedido e não seja incluído na conta. É uma forma barata de segurar a clientela e fazê-la voltar. Mas as empresas também pouco fazem pelo vinho e as promoções incidem sobre tawnies correntes que podem vender muito mas não acrescentam valor e não são atractivos para camadas mais jovens. Na própria região do Douro é lamentável o que se serve de Porto na restauração e como se serve. As poucas excepções não ajudam a melhorar o panorama geral que é muito desolador. Sabendo-se que um LBV se manterá de boa saúde cerca de um mês após a abertura, não há desculpas para não ser mais usado como complemento da refeição.

Que farei eu com este vinho?

É perante a prova que podemos decidir o que fazer com o vinho. Alguns dos mais vigorosos – como os que classifiquei com notas mais elevadas – podem ter uma dupla forma de consumo. A mais evidente é com o queijo seco no final da refeição. A tradição sugere o Stilton, queijo azul de leite de vaca, e os britânicos do sector do Vinho do Porto também seguem o mesmo padrão, a ver pela sobremesa que habitualmente se serve na Feitoria Inglesa, no Porto. É uma ligação feliz mas que pode ser usada em relação a outros queijos, sempre no registo de queijo seco. E se se quiser manter o queijo inglês, um bom Cheddar (não confundir com as versões baratas de supermercado de bairro) pode também ser perfeito companheiro, tal como será um queijo holandês Gouda Velho de 1000 dias de cura (Corte Inglés, Lisboa) e, claro, os nossos bons queijos secos, desde o Terrincho ao Serra muito curado. Uma proposta mais ousada – já tentada e comprovada – é a ligação destes LBV jovens e taninosos com um steak au poivre; a ligação espúria entre carne e um vinho doce pode ser ultrapassada porque a enorme quantidade de pimenta que o bife leva não facilita a ligação com qualquer outro tipo de vinho.

Num registo de sobremesas doces, a ligação pode ser feita com tartes de frutos vermelhos ou negros, gelados que sejam acompanhados de compotas de ameixas, mirtilos ou outros. E, claro, chocolate. Em qualquer caso o LBV, com a polivalência que apresenta, é sempre uma grande aposta a um preço muito interessante.

(Artigo publicado na edição de Janeiro 2021)

[/vc_column_text][vc_column_text]

Não foram encontrados produtos correspondentes à sua pesquisa.

Luís Pato e Mário Sérgio Nuno: Os amigos da Baga

Amigos Baga

Há 20 anos, a esmagadora maioria das empresas e produtores apontava a Baga como a razão principal da perda de mercado da Bairrada. Dezenas de variedades entraram então na denominação de origem e a Baga perdeu a posição dominante. Hoje, no entanto, ganhou estatuto de nobreza, é crescentemente utilizada nos vinhos mais cotados da Bairrada […]

Há 20 anos, a esmagadora maioria das empresas e produtores apontava a Baga como a razão principal da perda de mercado da Bairrada. Dezenas de variedades entraram então na denominação de origem e a Baga perdeu a posição dominante. Hoje, no entanto, ganhou estatuto de nobreza, é crescentemente utilizada nos vinhos mais cotados da Bairrada e experimentada fora da região. Globalmente, que motivos encontram para esta alteração na forma de encarar a Baga por parte de produtores e consumidores?

LP – Para responder a isso é preciso contextualizar o momento que se vivia há pouco mais de duas décadas. Logo após a sua demarcação, em 1979, a Bairrada passou a rivalizar com o Dão como as duas mais importantes regiões de vinhos. Uma marca como Frei João era encontrada em todo o lado. Mas o vinho de Baga era fornecido às empresas engarrafadoras pelas cooperativas, que pagavam em grau/quilo. E a cepa de Baga dá bastante uva, pelo que os produtores produziam o máximo possível. E depois, havia outra desvantagem: o vinho tinto era duro, ácido, era preciso esperar por ele, o tinto de Baga não se vendia jovem. O mercado passou a procurar menos Bairrada e as maiores empresas da região apostaram na introdução de castas estrangeiras como a “salvação” do negócio.

Pessoalmente, nunca me incomodei muito com isso. Sempre achei que, independentemente do que cada um plantasse, a economia, o mercado, se encarregaria de resolver o assunto e definir qual o melhor caminho. E a verdade é que resolveu. Hoje estamos a voltar à Baga, como casta diferenciadora e como casta que acrescenta valor. A razão para o retorno à Baga?  Aí, sem puxar a brasa à minha sardinha, acredito que os Baga Friends foram os principais responsáveis, individualmente e enquanto organização. O outro impulso para a mudança de atitude em relação à Baga, foi quando se descobriu que a casta podia originar espumantes de grande qualidade.

MSN – Desde que me iniciei como produtor que assisto e participo em colóquios e debates sobre a região e é verdade que a Baga era apontada por muitas das maiores empresas e cooperativas como a desgraça da Bairrada. Algo que nunca entendi, embora reconheça que nós todos, enquanto produtores, tivemos uma quota de responsabilidade na quebra de confiança da região relativamente à Baga. Primeiro, num determinado período, houve uma reestruturação vitícola que se apoiou em enxertos pouco adequados à casta, demasiado produtivos. Por outro lado, a instalação da Sogrape na região, no final dos anos 70, com adega vinificação para rosé (sobretudo), e a pagar bem as uvas, levou os pequenos produtores a entregar a colheita, deixando de vinificar para vender a granel às caves. Muita da melhor Baga desapareceu aí.

 LP – Lembro-me que, para esses debates, a Comissão Vitivinícola trouxe grandes nomes da viticultura e enologia francesa, que depois de estudarem as vinhas e os vinhos concluíam, invariavelmente, que a Baga era o caminho. Mas os locais achavam que não, diziam que os franceses não queriam que plantássemos Cabernet e Merlot para evitar a concorrência que lhe iríamos fazer! (risos)

Amigos Baga
“Acredito que os Baga Friends foram o principal motor da notoriedade da Baga junto dos produtores e consumidores” – Luís Pato

MSN – No entanto, já desde os anos 80 e 90 havia produtores a fazer vinhos de Baga de excelente qualidade. Deixando de lado o caso do Luís e o meu, refiro, entre outros, Casa de Saima, Sidónio de Sousa, Gonçalves Faria, Quinta da Dôna. Isso deveria ser indicador mais do que suficiente de que afinal era possível fazer coisas muito boas com Baga, bastava trabalhá-la na vinha para produzir qualidade e não quantidade. É claro que era muito mais fácil colocar uma vinha a produzir Merlot em quantidade e de forma consistente. Mas isso não nos traria valorização nem futuro. No fundo, sempre faltou uma visão estratégica para a região.

O que mudou? Estou de acordo com o Luís, os Baga Friends foram determinantes na viragem, não porque tenham feito realizações ou eventos especialmente importantes, mas porque deram um sinal de confiança para quem cá estava. E foram (e são) individualmente, exemplos de sucesso com Baga, mostrando que é com esta casta que podemos valorizar economicamente a região.

 

Como se comporta a Baga na vinha, quais os seus principais defeitos e virtudes?

 LP – O principal problema da Baga é o excesso de produção, sobretudo quando enxertada em bacelos vigorosos ou plantada em locais menos adequados. Mas uma coisa é a produção da Baga para tinto, outra é para espumante. Quando utilizada para espumante, a produção “ideal” é completamente diferente. Dez toneladas/hectare, para espumante, não é nada de mais, antes pelo contrário. Mas para fazer um Baga de superior qualidade já não serve.

Para os detractores da Baga, a pior característica da uva é o facto de ter a película fina e apodrecer facilmente com a chuva na altura da vindima, a partir da segunda quinzena de setembro, que é quando está madura. E tudo piora se estiver plantada em terrenos de areia, onde as videiras, carentes, se “embebedam de água”, absorvendo de imediato as primeiras chuvas. Já na argila e calcário, as raízes levam vários dias até receberem a água. Por acaso, neste aspecto, o aquecimento global, até tem ajudado, hoje a chuva no equinócio é mais rara. Mas, mais uma vez, quando se pensa em Baga para fazer espumante, esse problema nem existe, pois as uvas são colhidas muito mais cedo. A maior virtude vitícola da Baga é ser muito resistente ao oídio e ao míldio. É uma casta muito bem adaptada a esta região, foi formatada pela natureza, está aqui há séculos…

MSN – Para mim é inquestionável que a Baga tem um comportamento completamente diferente no argilo-calcário e na areia. A Baga é uma casta de argilo-calcário, de preferência de encosta ou meia-encosta, para não ter problemas de excesso de humidade. Mas muitos desses terrenos foram abandonados por serem difíceis de mecanizar. No início da década de 90, quando veio dinheiro para a vinha, muita gente abandonou a Baga dos terrenos mais complicados de trabalhar e plantou-a nas zonas baixas de areia. Um erro tremendo. Mas isso também se explica pela pequena propriedade, dispersa por muitas parcelas. As pessoas não faziam só vinha, tinham batata, milho. Possuiam um único tractor que servia para tudo, mas não conseguia entrar nas encostas de barro…

Para além da resistência às doenças, uma grande vantagem da Baga, quando plantada nos solos certos, de argila e calcário, é que dificilmente tem problemas de stress hídrico, mesmo nos anos mais secos e quentes. E a Baga resiste muito bem ao escaldão.

Amigos Baga
“Eu trabalho com algum empirismo, a experiência é importante para mim, mas respeito muito a ciência, não há evolução sem ciência” – Mário Sérgio Nuno

 

O trabalho efectuado ao nível do apuramento dos clones de Baga foi importante para vocês ou, quando plantam uma nova vinha de Baga, preferem confiar na reprodução das melhores cepas das vinhas antigas?

MSN – As duas situações são importantes. Ao longo dos últimos anos, nas vinhas que originam os meus melhores vinhos, tenho feito uma seleção das melhores videiras, para tirar varas e enxertar nas vinhas novas. São cepas que conheço, sei o que dali vai sair. Mas a Estação Vitivinícola da Bairrada tem feito um óptimo trabalho de selecção clonal que eu tenho usado também em algumas plantações. Eu trabalho com algum empirismo, a experiência é importante para mim, mas respeito muito a ciência, não há evolução sem ciência.

LP – A selecção clonal é fundamental para a Baga. E dou um exemplo. Em 1990 plantei a vinha da Quinta do Moinho. E verifiquei que as uvas eram muito mais regulares em termos de maturação, muito mais homogéneas no cacho, do que antes. A história de que a Baga amadurecia mal era também devida a não se ter feito um trabalho de selecção clonal. Infelizmente, nessa época, a Estação Vitivinícola, em vez de trabalhar para melhorar a Baga, seleccionando os melhores clones, por imposição dos agentes económicos entreteve-se a estudar e plantar Cabernet Sauvignon… Quando resolveu apostar na Baga o resultado foi imediato. Sou fiel adepto da selecção clonal, mas não devemos ter só um clone à disposição, devemos poder escolher entre clones mais ou menos produtivos, com bago mais pequeno ou cacho menos fechado, etc.

MSN – Para a região evoluir, é crucial haver um estudo rigoroso sobre a Baga e, nomeadamente, sobre a maturação. Porque o resto, ela tem tudo: cor, corpo, tanino, acidez. Se for feita uma selecção no sentido de obter clones com maturação um pouco mais precoce, para fugir às chuvas, será o ideal. É que ainda há muita vinha de má qualidade na Bairrada. E as pessoas que tem vinhas más de Baga, acham que o problema é da casta, não acreditam que ela pode ser excelente com os clones certos nos locais certos.

Esse é um trabalho que a Estação Vitivinícola deveria desenvolver, orientando os viticultores para clones adequados ao seu modelo de negócio, clones adequados a vinhos tintos e clones adequados a espumantes, estes necessariamente mais produtivos.

 

O Luis foi o primeiro produtor em Portugal a mencionar as vinhas velhas na rotulagem como elemento diferenciador. Também o Mário Sérgio, desde há muito, comunica as vinhas velhas como mais valia qualitativa em alguns dos seus vinhos. As vinhas velhas da Bairrada, onde a Baga se destaca, fazem realmente a diferença? E porquê?

LP – As vinhas velhas fazem diferença. Primeiro, produzem menos. Depois, são conduzidas num sistema típico da Bairrada, amparadas numa estaca, em que ficam em três dimensões com os cachos dispersos e arejados. Agora, com a mecanização, já ficam em duas dimensões, mais apertadas e por vezes com os cachos sobrepostos. E finalmente, as raízes são mais profundas o que lhes proporciona um superior nível de resiliência. Por exemplo, na Vinha Barrosa as cepas são muito velhas e nos anos de calor extremo ela quase não sente nada…

MSN – Eu acredito que, na vinha velha, o enraizamento profundo é mesmo o factor qualitativo mais importante. É que nem sempre a vinha velha produz pouco… Como o Luís já referiu, há muitos exemplos de vinhas velhas plantadas com porta enxertos que fomentam o vigor e a produção, e que originam fruta de baixa qualidade. Por isso, eu prefiro, de longe, uma vinha nova (15, 20 anos) plantada num local de excelência do que uma vinha velha mal concebida e no local errado. O local, o terroir, é o fundamental.

 

Como caracterizam, então, o terroir ideal para a Baga?

LP – Em poucas palavras, meia-encosta, solo argilo-calcário e exposição este-sul-poente. A exposição norte é para vinhos brancos.

MSN – Eu também procuro sempre a exposição sul-poente. Da experiência que eu tenho, a Baga de argilo-calcário sofre pouco com o calor, não tem problema em estar virada para o sol. Por vezes, mesmo nas épocas mais secas, basta levantarmos umas pedras na vinha e encontramos humidade…

 

E, na Bairrada, onde estão, em vosso entender, esses locais de excelência?

LP – Para mim, as melhores zonas da Bairrada para fazer grandes tintos de Baga são Silvã, Enxofães, Murtede, Ventosa, Óis, Ancas e também, a zona já a caminho do Luso, Vacariça.

MSN – Os meus locais preferidos são muito coincidentes com os do Luís, acrescentando aí Barcouço, Pisão, e, mais a sul, Ourentã, Cordinhã e Souselas, que originam um estilo de Baga diferente daquele que nós produzimos aqui. Mas dentro destas zonas, há de tudo. Em Ancas, por exemplo, de um lado da estrada temos areia, do outro existe barro. No Pisão, temos aquelas encostas cheias de argilo-calcário, mas também zonas cobertas de areia de pinhal. A heterogeneidade de solos é enorme.

 

Falemos de adega e de vinho. Aos 72 anos de idade, Luis é desde há décadas apontado como revolucionário. E Mário Sérgio, ainda que mais jovem (54), ganhou notoriedade como conservador/clássico. Apesar dos vossos conceitos e vinhos serem bem distintos chegam aos mesmos consumidores e são valorizados no mercado por essa assinatura de identidade. Em termos de Baga e Bairrada, o que é ser revolucionário ou rebelde, o que é ser clássico ou conservador? Ou colocando as coisas de forma mais simples, como gostam de trabalhar a Baga na adega?

LP – Logo que comecei a trabalhar em vinhos procurei levá-los para fora da região e do país. E percebi que muitos consumidores, gostando dos vinhos, os achavam algo adstringentes e difíceis, só amaciando com a idade. Aí, a minha “rebeldia” foi procurar perceber como tornar a Baga mais redonda e apreciada desde cedo. Eu fazia uma quantidade grande de vinho tinto e não podia esperar dez anos para o vender. Fazendo a monda de cachos para antecipar a maturação fenólica, utilizando o desengace (tirar o lenho do cacho antes da fermentação), com controlo de temperatura, a minha preocupação foi sempre fazer os vinhos mais elegantes. Mas sempre com Baga, não com Merlot! Aí sou um tradicionalista como o Mário! Há dois anos um crítico internacional disse-me que os vinhos que agora faço são tão redondos e elegantes que já não vão durar o mesmo que antes. E eu respondi-lhe que sim, tem razão, agora só vão durar 30 anos e não 40. Mas para mim chega, já cá não estarei! (risos)

MSN – Eu tenho uma dimensão muito menor do que o Luís [28 para 55 hectares de vinha] e trabalho também por isso de maneira diferente. Basicamente, quando comecei a engarrafar, na colheita de 1987, prossegui o trabalho dos meus avós na adega que eles mesmo fizeram. A dimensão é muito importante aqui, determina tudo. E apesar de os meus vinhos serem mais difíceis para os consumidores que os provam pela primeira vez, a minha dimensão permite-me ir ao encontro dos apreciadores que os valorizam precisamente por isso. Acredito que há mercado para todos os estilos, desde que o vinho seja de qualidade. O meu classicismo vem assim de aproveitar o que já havia: manter os lagares, manter o engaço, utilizar para estágio os grandes e velhos tonéis de madeira. Madeira nova, ali não entra! (risos)

 

Fazem vinhos de Baga há muitos anos e, naturalmente, a experiência e as exigências de qualidade, levam à evolução. Quais foram as principais mudanças que fizeram na vossa forma de trabalhar a Baga?

MSN – No meu caso, claramente, a grande mudança foi feita na viticultura, sobretudo com a monda de cachos. Ainda tive a sorte de trabalhar dez anos com o meu avô, que me ensinou muito, mas quando comecei a deitar cachos para o chão fui quase excomungado. A monda permitiu uma maturação muito mais regular e acabou com aquela história de “em cada década há dois bons anos de Baga”. Os cuidados na vinha fizeram, na Quinta das Bágeiras, a grande diferença. Depois, o facto de termos um alambique para fazer aguardente e, a partir de determinada altura, termos começado a produzir espumante rosé, permitiram fazer duas ou três passagens na vinha em cada vindima, deixando apenas a melhor Baga para os tintos. De resto, em termos de vinificação, houve muito poucas alterações no processo de vinificação desde 1987. Talvez, a utilização de barricas velhas borgonhesas para o estágio do Pai Abel tinto seja a mais relevante. Claro, fomos aprimorando um ou outro detalhe, mas nada de mais.

LP – Quando comei a fazer o vinho em casa da minha sogra, era em lagares. Em 1980 fui a Bordéus e fiquei fascinado com a remontagem mecânica. O pessoal que trabalhava na adega era mais velho do que eu sou hoje e era complicado e até perigoso andarem em cima do lagar. Fiz então os primeiros vinhos em cuba, ainda com engaço. Na vindima de 1985 comecei a desengaçar. Depois, em 1988 iniciei as fermentações com controlo de temperatura. Em 1989, começaram as experiências de monda (apesar dos professores de viticultura serem, na época, contra a monda…) que só ficaram afinadas em 1995. A partir de 2001, comecei utilizar os cachos da monda para fazer espumante branco de uvas tintas. Hoje, os meus tintos são feitos com cepas que tiveram 50 a 70% de monda.

MSN – Para fazer um tinto a sério, a Baga tem de produzir pouco. Por isso, os Bairrada de Baga só podem ser caros…

 

Amigos Baga
Luis Pato e Mário Sérgio Nuno

Mas a Baga não serve só para tintos. Como avaliam o desempenho da casta no espumante e nos rosés?

LP – Na Bairrada podemos produzir uvas de Baga para espumante muito mais baratas do que para um tinto. Assim, em minha opinião, o espumante de Baga pode alavancar o negócio de vinho da Bairrada em todo o mundo. Desde que os agentes económicos não pensem que vender espumante é vender aos preços miseráveis que encontramos no nosso mercado…

O Baga em espumante é uma categoria fantástica para colocar, sobretudo, no mercado externo. Porque lá fora pagam melhor do que cá aquele nível de qualidade. De qualquer forma, mesmo por cá, o espumante Baga já tem um preço médio acima do espumante Bairrada feito de uvas brancas. E tem mais carácter. Assim, eu vejo o espumante Baga como o produto que vai espalhar o nome da casta e a sua origem. É no espumante Baga que vamos conseguir fazer volume, criar massa crítica. Depois, os grandes tintos serão a cereja no topo do bolo.

MSN – Eu utilizo apenas 5 ou 10% de Baga no meu espumante branco de entrada de gama. Todos os outros espumantes brancos Bágeiras são “blanc de blancs”, só uva branca, porque acredito que a Bairrada tem condições extraordinárias para fazer vinhos brancos e bases para espumantes brancos. Por isso, quando penso na Baga em espumante, penso em rosé. Acho que é aí que ela pode expressar melhor as suas qualidades, em termos de fruta e complexidade. Mas ressalvo que, na Quinta das Bágeiras, não temos ainda um histórico que me permita ser definitivo sobre isto. Vamos continuar a experimentar, claro, mas a minha grande aposta com a Baga é o vinho tinto, primeiro, e o espumante rosé, depois.

 

O grupo Baga Friends foi criado em 2008 com o objectivo de criar um núcleo duro que ajudasse a promover a região e a casta. Como avaliam os resultados obtidos?

LP – Os resultados são visíveis. Acho que os Baga Friends conseguiram inverter a imagem da Baga na região, levámos os outros produtores a reconhecer que afinal a Baga identificava a Bairrada. Hoje, todos querem ter um vinho de Baga.

MSN – Os Baga Friends são, acima de tudo, um exemplo. Assim como eu vi o Luís Pato a fazer monda e resolvi experimentar e avaliar os resultados, também os produtores da região viram este grupo de produtores, com preços médios bem acima dos seus, conquistar notoriedade no mercado nacional e internacional com vinhos de Baga. E acho que mesmo sem fazer muita coisa, porque nós não fizemos muitos eventos ou acções de comunicação, os Baga Friends acabaram por mudar o modo da Bairrada encarar a Baga. E a mudança veio através do seu exemplo individual e colectivo, isso é incontornável.

LP – Até o sucesso do espumante Baga-Bairrada junto dos agentes económicos e consumidores beneficiou da notoriedade que os Baga Friends trouxeram à casta…

 

Como sabem, desde 2002, numa garrafa que ostenta a denominação de origem Bairrada pode estar um vinho de uma enorme variedade de castas nacionais e internacionais. Nestas condições, qual a melhor forma de destacar e comunicar a identidade da Baga e da região?

LP – Com tanta casta, eu nem sei como uma câmara de provadores regional consegue detectar se é Bairrada ou não… O Bairrada é Merlot, Syrah, Petit Verdot, Baga, Cabernet? Se juntarmos a isto o facto de a Baga, hoje, significar talvez menos na vinha da Bairrada do que as outras castas tintas juntas, pode estar aí a explicação para o meu vinho mais puro de Baga, o Pé Franco plantado em solos de argila e calcário, ter reprovado na câmara de provadores. E não por questões analíticas, por não cheirar a Baga! A enormidade de castas que foi admitida para DOC teve como consequência que um vinho de Baga hoje não é reconhecido pelos provadores regionais.

 

Quer isso dizer que, por um lado, temos uma maior notoriedade da casta Baga, mas por outro, uma perda de identidade regional devido às muitas castas exógenas admitidas?

LP – Exactamente, sem dúvida alguma.

MSN – Não devia ter acontecido. Até porque a Bairrada tem o que muito poucas regiões têm: a possibilidade de produzir, comunicar e vender várias categorias de produto: espumante, branco, tinto… Não consigo entender porque é que um produtor da Bairrada, sobretudo se for de pequena dimensão, aposta em vinhos elementares de Cabernet, Syrah ou Merlot. Onde vai fazer a diferença? Ainda se for misturado com Baga… Não sou fundamentalista quanto aos varietais de Baga, até porque sabemos que a Bairrada, tradicionalmente, tem outras castas misturadas na vinha, Jaen, Tinta Pinheira, Castelão, Bastardo, etc. Mas comunicar a sua identidade, nesta região, através de uma casta estrangeira? Não percebo.

 

É possível fazer marcas de volume, na Bairrada, em torno da Baga, ou as características da casta e da região, nomeadamente o minifúndio, tornam isso muito difícil?

LP – É difícil fazer tintos de grande volume na região. A Bairrada vitícola é pequena (bem menor do que era há 15 anos) e os custos de produção da Baga são elevados.

MSN – Na década de 80, as Caves de São João vendiam 600 mil garrafas de Frei João de muito bom nível. O Frei João era uma grande marca associada a uma grande consistência de qualidade. Só que, entretanto, boa parte das vinhas que o sustentavam desapareceram ou foram plantadas outras castas. Hoje, seria impossível fazer Baga de qualidade naquela quantidade. Também por isso, acredito que os tintos de Baga na Bairrada devem ser vinhos especiais, vinhos cuidados e valorizados pela qualidade, carácter e identidade regional.

 

Há quem diga que, internacionalmente, Baga é mais conhecida que Bairrada, e o Luís Pato até tem alguma “culpa” no assunto. Isso é bom ou mau?

LP – Eu acho que é bom. É que, apesar de poder existir noutras regiões, a Baga é praticamente indissociável de Bairrada. Portanto, quando se fala de Baga, fala-se quase sempre de Bairrada. E a casta tem uma enorme vantagem internacional: é mais fácil de identificar do que a região e é muito simples de pronunciar em qualquer língua. É uma boa marca.

MSN – Nós não temos só Baga na região. Temos outras castas tintas e temos, acima de tudo, vinhos brancos de nível mundial. Mas a Baga é a nossa casta identitária e devemos associar sempre a casta à região. É o mesmo que o Alvarinho. Hoje planta-se Alvarinho em todo o país, mas para o consumidor português, Alvarinho é Monção e Melgaço. E a Bairrada ainda tem a sorte de a Baga ser menos adaptável do que o Alvarinho, viaja pior para outras regiões. Também há Pinot em muito sítio, mas Pinot a sério é Borgonha. Por isso, bem trabalhada, a Baga pode abrir caminho para comunicar a Bairrada e os outros grandes vinhos que aqui fazemos.

 

Por último, exceptuando os vinhos de ambos, que tintos de Baga escolhem para a vossa mesa?

LP – Os outros vinhos dos Baga Friends (Sidónio de Sousa, Quinta de Baixo, Filipa Pato e Quinta da Vacariça), e também Outrora, Vadio, Kompassus…

MSN – Acho que estamos sintonizados nas escolhas (risos). Mas dentro do estilo que eu mais gosto, acho que se destacam Sidónio de Sousa, Kompassus, Filipa Pato e Outrora.

 

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2021)

Portalegre – O apelo da Serra

Serra Portalegre

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Integrada na denominação de origem Alentejo-Portalegre, a Serra de São Mamede possui características muito particulares que fazem dela um polo vitivinícola absolutamente diferenciador, mesmo dentro desta sub-região. Para perceber o carácter dos seus vinhos, visitámos quatro produtores […]

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Integrada na denominação de origem Alentejo-Portalegre, a Serra de São Mamede possui características muito particulares que fazem dela um polo vitivinícola absolutamente diferenciador, mesmo dentro desta sub-região. Para perceber o carácter dos seus vinhos, visitámos quatro produtores com histórias, conceitos e abordagens distintas, mas com um denominador comum: a resposta apaixonada e entusiástica ao irresistível apelo da Serra.

Texto: Luis Lopes

 

ADEGA DE PORTALEGRE WINERY

A Adega Cooperativa de Portalegre foi fundada em 1954, mas apenas no início dos anos 90, com a demarcação do Alentejo vitivinícola, ganhou estatuto de primeira linha. Os mais antigos recordam o famoso “VQPRD” de 1991 e tantos outros que se seguiram, vencedores crónicos dos concursos locais e nacionais. Já na altura, a Adega recebia a esmagadora maioria da sua matéria prima de pequenos viticultores instalados nas cotas altas de Serra de São Mamede. Em 2005, a então ainda cooperativa terá dado um passo maior do que a perna, adquirindo à família Avillez a Quinta da Cabaça, propriedade de 22 hectares situada no Reguengo, entre 600 e 700 metros de altitude. Devido a conjunturas económicas desfavoráveis, os grandes empreendimentos (nova adega, enoturismo) previstos para a Cabaça acabariam por não se realizar, a Cooperativa entrou em dificuldades, e parte dos seus activos foram adquiridos em 2017 pela família Redondo, proprietária do Licor Beirão, que constituiu a Adega de Portalegre Winery (APW). Desde então, a família tem revitalizado e revolucionado o projecto, procurando tirar o máximo partido da singularidade daquele terroir de excelência.

Serra Portalegre
Miguel Sistelo e João Gabriel dão vida nova à Adega de Portalegre.

Para além da Quinta da Cabaça, seu principal património, a APW possui igualmente a vinha Serra da Penha, com oito hectares e diferentes castas plantadas em solos graníticos, que vão dos 450 aos 650 metros, e compra uva a um conjunto de lavradores locais, cerca de 60 antigos associados da Adega Cooperativa, 40 dos quais situados no Parque Natural da Serra de São Mamede, desde Urra até Marvão e Castelo de Vide. À antiga cooperativa, a APW arrendou as instalações de vinificação e engarrafamento. A consultoria enológica está a cargo de Nuno do Ó, com Miguel Sistelo como enólogo residente e João Gabriel  –  que veio do “grupo Licor Beirão” em 2018 – a assumir a direcção geral.

A Adega de Portalegre foi o primeiro avanço no mundo do vinho por parte da família Redondo, até então centrada nas bebidas espirituosas. Porquê Portalegre, pergunta-se. “Sentíamos que esta região, que na altura começava a mexer, era um diamante por lapidar”, refere João Gabriel, “um Alentejo de altitude, que permite perfis de vinho diferentes.”

A APW arrancou a sua actividade comercial com base nos stocks produzidos pela antiga cooperativa e a primeira vindima, já feita segundo o modelo e perfil pretendido aconteceu em 2017. Em 2020, estreou-se Miguel Sistelo, hoje com 31 anos, vindo da UTAD, com passagem pelos EUA, Nova Zelândia, Austrália e Bordéus. É pois uma equipa jovem mas experiente, e sobretudo motivada, que tem como missão recuperar a notoriedade da marca Adega de Portalegre.

Miguel Sistelo acompanha de perto os viticultores que entregam uvas na APW, dando-lhes apoio técnico no sentido de garantir que recebe a matéria prima correspondente ao pretendido. “Queremos acidez, frescura, capacidade de envelhecimento em garrafa”, diz Miguel Sistelo. Mas também “vinhos fáceis de beber, prontos a apreciar enquanto jovens e capazes de dar prazer passado muitos anos, refere.”

A Quinta da Cabaça é o coração da APW. Com uma parte dos 22 hectares em sequeiro e outra com rega, reúne uma grande variedade de castas regionais, incluindo parcelas plantadas em field blend e ainda um campo experimental com uma colecção de cerca de 30 variedades, uma linha de cada. Miguel Sistelo confessa-se surpreendido com a qualidade das uvas e carácter dos vinhos que a APW conseguiu obter na vindima de 2020. Quando indagado sobre as suas preferências, não hesita: “Para além das vinhas velhas, claro, castas como Trincadeira, Castelão, nos tintos, e Bical e Tamarez, nos brancos, fazem toda a diferença em Portalegre.”

Serra Portalegre
A Quinta da Cabaça tem uma fantástica coleção de castas tradicionais.

No total, a APW vinifica anualmente cerca de 500 mil litros, tendo recentemente efectuado uma parceria comercial com a Niepoort, que seleciona e elabora lotes ali produzidos para engarrafar com as suas marcas. No portefólio da APW, a o vinho bandeira continua a ser o sucessor do icónico “VQPRD”, simplesmente denominado Portalegre. Mas a linha Conventual e o histórico Morgado do Reguengo (marca outrora pertencente à família Avillez) continuam a merecer especial atenção. A ideia não é produzir mais, antes pelo contrário. “Queremos reduzir”, diz João Gabriel, “fazer menos vinho e criar mais valor.”

TERRENUS

Com raízes na região do Tejo e vinhas herdadas de seu pai, em Almeirim, seria natural que o enólogo Rui Reguinga se tivesse estabelecido naquela região enquanto produtor. Mas, embora ali mantenha o seu projecto Tributo, foi no Alentejo e em Portalegre que veio instalar-se, sendo dos primeiros “de fora” a apostar nas vinhas velhas da Serra. “No início da minha carreira, em 1991, enquanto enólogo assistente de João Portugal Ramos, acompanhei vindimas na Tapada do Chaves e, sobretudo, na então Adega Cooperativa de Portalegre”, diz Rui. “Na Adega de Portalegre entrei em contacto directo com as vinhas velhas da Serra e percebi que era aquilo que, um dia, queria para mim. Fui alimentando o sonho com muitas visitas à região – passava as férias em Marvão – até que o sonho se tornou realidade em 2004, nascendo o Terrenus.”

Serra Portalegre
Rui Reguinga instalou o seu projecto na Serra de São Mamede em 2004.

Todas as vinhas do projecto Terrenus se encontram inseridas dentro do Parque Natural da Serra de São Mamede. Foram aquisições espalhadas no tempo, há medida da disponibilidade financeira, e as parcelas escolhidas por serem muito velhas, pela altitude entre os 600 e 760 metros e, em alguns casos, pela exposição a norte. De entre as vinhas Terrenus, três destacam-se claramente não apenas pela qualidade produzida, mas também pelo enquadramento paisagístico. A mais impressionante será, porventura, a Vinha Clos dos Muros, que dá origem ao vinho com o mesmo nome. É a vinha mais antiga de Rui, plantada em 1902, com dois terços de uvas tintas (destaque para a Grand Noir) em pouco mais de meio hectare. “O anterior proprietário contou-me que o seu avô ainda fez a vindima desta vinha antes de partir para a primeira Guerra Mundial”, diz o produtor. Mas não é só a idade que a torna tão especial. O muro de xisto que que a rodeia totalmente, feito com as pedras retiradas do terreno durante a plantação, confere-lhe uma beleza inédita. E a elevada densidade de plantação (mais de 8000 plantas/ha, dois terços de castas tintas) é outro factor singular.

Mas a Vinha da Serra, a primeira a ser adquirida para o Terrenus, não lhe fica atrás. Aqui, a 760 metros de altitude, este vinhedo centenário cultivado em modo orgânico evidencia-se pelo seu declive acentuado, tendo por isso sido plantado em patamares, como no Douro. Cerca de 80% são castas brancas, maioritariamente Bical, entre muitas outras.

Já a vinha da Ammaia, no concelho de Marvão, assim denominada por se encontrar muito próxima das ruínas da cidade romana homónima (séc. I), consiste em 0,6 hectares murados, com cepas de 80 anos de idade, brancas e tintas em igual proporção. Daqui saem as uvas para os vinhos Terrenus “de barro”, com fermentação em talhas antigas e estágio em ânforas novas.

Esta quase obsessão pelas vinhas velhas tem, para Rui Reguinga, inteira razão de ser: “As vinhas velhas fazem muita diferença. Originam vinhos mais complexos, mais minerais.” E para quem torce o nariz à expressão, tão usada e abusada, o produtor reforça: “Sim, a mineralidade nos vinhos existe! E quem tem dúvidas compare um vinho branco de vinhas velhas – e, no meu caso, vinha velha tem mais de 90 anos – e um vinho branco de uma vinha jovem.”

A idade das vinhas é um detalhe, sem dúvida importante. Mas mais importante ainda será o carácter da Serra. “Os vinhos que nascem aqui, a mais de 600 metros de altitude, são mais frescos, com uma acidez mais presente, e obviamente com um grande potencial de envelhecimento em garrafa”, diz Rui. “Além disso, a Serra de São Mamede tem um micro clima, com mais chuva anual – comparado com o resto do Alentejo – e uma grande amplitude térmica entre o dia e a noite, especialmente no verão, com lenta maturação das uvas, preservando acidez e aromas.”

Serra Portalegre
Todo o projecto Terrenus assenta em vinhas velhas da Serra.

Certamente por tudo isso, Rui Reguinga é dos que defende uma zonagem mais precisa dentro das 8 sub-regiões alentejanas, e particularmente em Portalegre. E aí tem mais um objectivo, ambicioso, a conquistar: “Gostaria de lançar as bases para uma associação dos produtores da Serra de São Mamede, para a promoção dos vinhos locais, com vista à criação futura, dentro da DOC Portalegre, da micro-região Serra de São Mamede.”

O projecto Terrenus abarca já cerca de 70.000 garrafas. Até agora, a vinificação tem sido feita em espaço de adega arrendado. Mas na vindima de 2021 foi cumprido mais um sonho: estreou-se a adega Terrenus, em Marvão, na Ponte dos Olhos de Água. Pequena, dimensionada para as diferentes vinhas, permite vinificar cada parcela em recipientes separados e variados: inox, ovo de cimento, balseiro de carvalho, talha antiga. O Terrenus ganhou, finalmente, casa própria.

SUSANA ESTEBAN

Espanhola de nascimento (ou melhor, galega, de Tui), Susana Esteban tem desde há muito Portugal como país de adopção. Foi por aqui que a enóloga construiu carreira, primeiro no Douro, a partir de 1999, depois no Alentejo, desde 2007, trabalhando em diferentes produtores e acumulando em cada vindima um enorme capital de prestígio, assente no seu conhecimento, capacidade de trabalho, segurança e talento. Como todos (ou quase todos) os enólogos que atingem um elevado nível profissional, também Susana sentiu, a dada altura, a necessidade de um projecto vitivinícola a que pudesse chamar seu. Dois anos andou à procura em várias regiões do Alentejo, por vinhas que fizessem sentido para os vinhos que queria fazer. E certamente por isso, quando finalmente encontrou o que buscava, em 2011, o vinho de estreia chamou-se Procura.

Na verdade, não foi uma, mas sim duas vinhas, situadas em Portalegre, que a fizeram dar a busca por concluída. A primeira, uma vinha velha em Salão Frio, pleno Parque Natural da Serra de São Mamede, com muitas castas misturadas e baixíssima produção. A outra, uma parcela de Alicante Bouschet, na altura com 25 anos. Aqui teve início a aventura (já agora, Aventura é o nome de outro vinho da enóloga/produtora).

Serra Portalegre
Susana Esteban aposta na mistura de castas existente nas vinhas antigas.

“Quando encontrei Portalegre, deparei-me com um Alentejo que não parecia Alentejo”, diz Susana Esteban. “Ainda que erradamente, associamos sempre Alentejo a planície, quando há muitos Alentejos. Mas Portalegre foi para mim uma enorme surpresa, pela altitude, pelo granito, pelas castas tradicionais. Vi desde logo que era, para mim, a região perfeita, com as vinhas perfeitas”, acrescenta.

A frescura que a região de Portalegre, e em particular a Serra de São Mamede, imprime aos vinhos foi algo que desde logo a fascinou. “A altitude, a maior humidade, o granito, fazem com que um tinto com 14,5% de álcool tenha uma enorme frescura natural”, realça. “A vinha, aqui, é completa. Podemos interpretá-la de uma forma ou de outra, mas ela dá-nos tudo o que precisamos para fazer o vinho que queremos.”

Granito. Outro factor que Susana não dispensa. Todas as vinhas que trabalha hoje em Portalegre estão plantadas em solos de granito, embora também exista bastante xisto na sub-região. “O granito oferece vinhos muito mais directos, francos, minerais”, defende. A quase obsessão pelo granito não veio pré-concebida, no entanto. Desde 2011 que Susana Esteban experimenta e vinifica uvas de diferentes origens em Portalegre e, a dada altura, tomou consciência de que o granito era o denominador comum aos vinhos que mais gostava.

Numa dezena de anos, o portefólio de Susana Esteban, que representa hoje 35 mil garrafas por vindima, entende-se já por 10 referências diferentes. A “culpa”, mais uma vez, é das vinhas, pois cada um destes vinhos tem uma origem concreta, uma parcela, um terroir. As fontes de matéria prima distribuem-se por distintas áreas de Portalegre e resultam de contratos com lavradores locais. Quatro pequenas parcelas estão na localidade de Salão Frio, todas com vinhas velhas, entre 80 e 90 anos de idade, a cerca de 700 metros de altitude e viradas a norte. Ali, as castas brancas dominam em 60%. Susana compra igualmente uvas de uma parcela maior, em Castelo de Vide, com 2 hectares, cepas com 45 anos e uma mistura de uvas brancas e tintas que utiliza na linha de vinhos Aventura. Em Marvão, a produtora arrendou recentemente duas parcelas de vinha velha, das quais em breve irão sair novos vinhos. Finalmente, Alicante Bouschet e o Castelão têm origem em vinhas mais recentes (cerca de 35 de anos) e a vinha de Touriga Nacional tem à volta de 25 anos.

Todas estas vinhas estão sob contratos de arrendamento ou de compra de uvas. A única excepção é a mais recente paixão de Susana, a Quinta das Sesmarias, que adquiriu em Alegrete, com vista para o castelo. Com 24 hectares, 15 deles de montado de sobro, plantou ali este ano 5 hectares de bacelo, em sequeiro, bacelo esse que será enxertado em 2022 com varas das melhores cepas das vinhas velhas que utiliza. A ideia é reproduzir o encepamento e o carácter das vinhas tradicionais. “Vou fazer ali uma vinha à antiga, para durar 100 anos!”, diz Susana Esteban com um brilho nos olhos.

Serra Portalegre
A bacelada da Quinta das Sesmarias, em Alegrete, vai ser enxertada no próximo ano com varas das vinhas velhas.

Mas afinal, o que procura nas vinhas velhas? “Antes de mais, uma vinha não é boa por ser velha. E já fiz excelentes vinhos com vinhas jovens. Mas a verdade é que os melhores vinhos que consigo fazer aqui, na Serra de São Mamede, têm por base as vinhas velhas. E acredito que a razão para isso está na mistura de castas, e na complexidade que isso traz. Mas não sou fundamentalista de vinhas velhas. Estou certa, aliás, que a vinha que estou a fazer em Alegrete, em field blend, vai em poucos anos atingir a riqueza de uma vinha velha pois, além da mistura de castas, não tem água, terá de lutar para viver. Por isso, para mim, a vinha velha é mais um conceito do que uma idade concreta.”

Até agora, Susana Esteban tem vinificado os seus vinhos num espaço arrendado em Mora, onde montou uma pequena adega. Como fica fora da DOC Alentejo-Portalegre não tem tido, por isso, direito à denominação de origem, com os vinhos a serem comercializados como Regional Alentejano. Um problema que fica resolvido a partir desta vindima de 2021. A vinificação foi feita em aluguer de serviços na Herdade do Porto da Bouga, bem dentro da sub-região, e os vinhos serão depois estagiados na sala de barricas já montada em “casa” de Susana, a Quinta das Sesmarias, em Alegrete, onde mais tarde nascerá também uma adega.

QUINTA DA FONTE SOUTO

A aquisição, em 2017, da Quinta da Fonte Souto a João Lourenço (fundador do projecto Altas Quintas) por parte da família Symington, apanhou quase toda a gente de surpresa. Não apenas porque estávamos a falar de uma das maiores e mais imponentes propriedades da Serra de São Mamede, com 207 hectares no total, dos quais 42 hectares de vinha, como também por serem os compradores quem eram. Profundamente enraizada no vinho do Porto e no Douro desde há 135 anos e 5 gerações, com todos os seus investimentos empresariais e pessoais naquela região, poucos imaginavam a família Symington a sair da sua “zona de conforto”, que conhece como poucos, para se lançar numa região que até então desconhecia.

Serra Portalegre
Charles e Rupert Symington acreditam que o primeiro investimento da família, fora do Douro, tem tudo para dar certo.

“Já tínhamos há algum tempo a ideia de diversificar investimentos, fora do Douro”, diz Rupert Symington, administrador do grupo familiar. “E a partir de muita pesquisa e muitas conversas com diferentes pessoas, chegámos à conclusão de que Portalegre, e em especial a Serra de São Mamede, seria o local ideal para encontrar a qualidade e perfil de vinhos que buscávamos”, acrescenta. Mas o “mapa” para o tesouro escondido em Portalegre veio também com um aviso: “Fomos alertados de que a generalidade dos investimentos feitos na produção de vinho do Alentejo, por parte de empresas de fora da região, tiveram dificuldades de afirmação. Mas avançámos mesmo assim, conhecendo os riscos – desde logo, não sabíamos se os vinhos iam atingir o nível que esperávamos – , mas também o potencial. O resto é história…”, refere Rupert.

A verdade é que, para quem está acostumado a vinhos Porto e Douro de primeira grandeza, a vindima de estreia na Quinta da Fonte Souto foi uma enorme surpresa. “O branco, de 2017, foi logo uma revelação, pelo seu brilho e personalidade, qualidades que se vieram a confirmar nas colheitas seguintes”, lembra Charles Symington, director de enologia da casa. “Do mesmo modo, o topo de gama tinto, Vinha do Souto 2017, embora fechado no início, como por vezes acontece num grande vinho, evidenciou rapidamente toda a sua classe”, reforça. “Até fazer os vinhos, nunca sabemos se demos o passo certo numa nova propriedade. Mas aqui, não podíamos ter começado da melhor forma.”

Ainda assim, a dimensão e diversidade da Quinta obrigou a um estudo profundo das suas características, para suprir carências nos vinhedos e orientá-los no sentido pretendido. O enólogo José Daniel, que trabalha com a família Symington desde 2010, foi logo em 2017 “deslocado” para Portalegre. “Viemos para cá sem quaisquer preconceitos, antes de tudo queríamos conhecer a vinha e aprender com ela”, assume. Para a sua primeira vindima, realizada na adega existente na quinta (entretanto bastante reformulada) trouxeram com eles pequenas cubas para experimentar diferentes castas em distintas fases de maturação, o que desde logo lhes trouxe novos conhecimentos. E nada é deixado ao acaso, quando se trata de tomar decisões com efeitos de longo prazo, como reestruturar uma vinha: pequenas quantidades de uvas de vinhas da serra têm sido compradas localmente e microvinificadas, para “perceber o terroir”. “Não estamos amarrados ao que sabemos do Douro, nem sequer ao que é o vinho ‘clássico’ de Portalegre”, diz José Daniel, “pretendemos fazer o melhor que pudermos e soubermos”.

Plantada entre os 490 e 550 metros de altitude, em solos de xisto e granito, a vinha de 42 hectares que encontraram em 2017, com cerca de 20 anos de idade,  já não é exactamente a mesma, com mudanças quer ao nível das práticas vitícolas (nutrição, podas, etc.) quer das variedades. Isto, apesar de, como faz questão de vincar Charles Symington, “o encepamento inicial estava, globalmente, muito bem escolhido.” Assim, e sempre através de sobreenxertias (técnica que permite mudar castas conservando um vinhedo maduro), foi reforçada a aposta nos brancos, Arinto e Verdelho (Gouveio, no caso), eliminado o Cabernet Sauvignon, reduzido o Aragonez, e introduzido o Grand Noir (casta tradicional de Portalegre) e a Touriga Nacional (já com alguma presença na região). Para além destas, a propriedade conta igualmente com Syrah, Alicante Bouschet (as duas castas que, com 5 vindimas feitas, Charles coloca no patamar mais alto de consistência qualitativa), Tinta Amarela, Alfrocheiro, e ainda 2,5 hectares de vinha velha em field blend.

Serra Portalegre
Sala de barricas, na Quinta da Fonte Souto.

Que estilo de vinho pretende a família Symington para Fonte Souto? “Queremos vinhos, brancos e tintos, com grande potencial de envelhecimento, mas também com muito boa fruta, sem precisarem de esperar muito tempo para serem bebidos”, esclarece Charles Symington. “E, acima de tudo, estamos focados em vinhos que, além da superior qualidade, evidenciem o carácter da Quinta da Fonte Souto e da Serra de São Mamede.”

A Quinta da Fonte Souto é um “work in progress” permanente. “Desde que chegámos que ainda não parámos de fazer obras”, diz Rupert Symington. O enoturismo vai, por isso, ser uma ambição concretizada a breve prazo. “Fonte Souto tem dimensão, com floresta, montado, vinha, castanheiros, e um potencial tremendo em termos de turismo de natureza. Juntando a isso os maravilhosos vinhos que aqui produzimos, temos tudo o que ambicionámos.”

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2021)

[/vc_column_text][vc_column_text]

Não foram encontrados produtos correspondentes à sua pesquisa.

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”default”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/3″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

Siga-nos no Instagram

[/vc_column_text][mpc_qrcode preset=”default” url=”url:https%3A%2F%2Fwww.instagram.com%2Fvgrandesescolhas|||” size=”75″ margin_divider=”true” margin_css=”margin-right:55px;margin-left:55px;”][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/3″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

Siga-nos no Facebook

[/vc_column_text][mpc_qrcode preset=”default” url=”url:https%3A%2F%2Fwww.facebook.com%2Fvgrandesescolhas|||” size=”75″ margin_divider=”true” margin_css=”margin-right:55px;margin-left:55px;”][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/3″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

Siga-nos no LinkedIn

[/vc_column_text][mpc_qrcode url=”url:https%3A%2F%2Fwww.linkedin.com%2Fin%2Fvgrandesescolhas%2F|||” size=”75″ margin_divider=”true” margin_css=”margin-right:55px;margin-left:55px;”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom” url=”#” size=”small” open_new_tab=”” button_style=”regular” button_color=”Accent-Color” button_color_2=”Accent-Color” color_override=”” hover_color_override=”” hover_text_color_override=”#ffffff” icon_family=”none” el_class=”” text=”Assine já!” margin_top=”15px” margin_bottom=”25px” css_animation=”” icon_fontawesome=”” icon_iconsmind=”” icon_linecons=”” icon_steadysets=”” margin_right=”” margin_left=””][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][/vc_column][/vc_row]