O branco mais brilhante
Editorial da revista nº36, Abril 2020 Uma edição especialmente dedicada aos vinhos brancos, é a proposta da Grandes Escolhas para este mês de Abril de 2020. E não é por ter chegado a Primavera – o consumo de brancos já deixou de ser sazonal – mas sim porque o tema merece por inteiro o destaque. […]
Editorial da revista nº36, Abril 2020
Uma edição especialmente dedicada aos vinhos brancos, é a proposta da Grandes Escolhas para este mês de Abril de 2020. E não é por ter chegado a Primavera – o consumo de brancos já deixou de ser sazonal – mas sim porque o tema merece por inteiro o destaque. Lojas, restaurantes e consumidores são unânimes: os vinhos brancos estão decididamente em alta.
Luís Lopes
Ao longo da minha vida profissional assisti, naturalmente a muitas tendências, modas, transformações nos perfis de vinho e nos hábitos de consumo. Avaliando tudo isto, não errarei em dizer que os vinhos brancos são, globalmente, a categoria de vinho onde ocorreram mais mudanças. Desde logo, qualitativas. Convenhamos, a qualidade média dos brancos portugueses do início dos anos 90 deixava bastante a desejar, porventura nivelada com a dos seus congéneres espanhóis, mas bem longe do que já se fazia em França, norte de Itália, Alemanha e, até, em diversos países do chamado Novo Mundo. A tecnologia de adega (prensas, inox e sistemas de frio, sobretudo) que os dinheiros europeus tornaram possível, aliada à vaga de enólogos recém formados que nessa época entrou na indústria, resolveu em poucos anos este problema, trancando no baú das memórias os brancos oxidados, de aromas a mofo e pano molhado e sabores desequilibrados e amargos (ainda que alguns procurem hoje ressuscitar o estilo em nome da sagrada “naturalidade”…).
Promover o carácter da região e da casta foi o passo seguinte, e esse passo crucial foi dado pela viticultura. Não apenas os enólogos deixaram de olhar para a uva à entrada da adega como uma simples fruta, avaliada unicamente pelo seu estado sanitário, como passaram a ser acompanhados por viticólogos conhecedores, que tratavam cada variedade de forma diferenciada em função da sua origem e características. A noção de “branco de terroir” que, apesar de tão abusada, continua a fazer sentido, instalou-se junto de produtores, técnicos e consumidores.
Foram estes últimos que apoiaram e sustentaram todo o movimento transformador dos vinhos brancos portugueses, reconhecendo esse incremento qualitativo, comprando e promovendo o produto no seu meio. Acompanhando esses consumidores cada vez mais exigentes, foram-se multiplicando os brancos cada vez mais ambiciosos, em qualidade absoluta, personalidade, longevidade e capacidade de desafiar os sentidos, enquanto algumas variedades se tornavam categorias de produto, pedidas pelo nome: Alvarinho, Loureiro, Encruzado, Antão Vaz, Arinto…
Olhando para a oferta de brancos portugueses de superior categoria que hoje chega ao mercado, oriunda de todas as regiões do continente e ilhas, é fácil esquecer que há apenas duas décadas havia “líderes de opinião” que escreviam e defendiam em público que: “Portugal é país de tintos, só em tintos podemos competir, os brancos serão sempre inferiores aos do resto da Europa; “os vinhos brancos devem ser bebidos no ano a seguir à colheita”; “Douro e Alentejo, pelo seu clima quente, nunca farão brancos de grande nível”; ou ainda que “o primeiro dever de um Porto é ser tinto”.
Felizmente, os apreciadores optaram por não ligar a estes disparates. A procura por brancos de qualidade continua a crescer e hoje, entre as uvas mais bem pagas de Portugal, a larga maioria pertence a variedades brancas (Verdelho nos Açores, Alvarinho nos Verdes, Antão Vaz no Alentejo ou Encruzado no Dão). É verdade que, no topo da pirâmide, os tintos atingem os preços mais elevados e alcançam os maiores índices de notoriedade – o mesmo se passa, aliás, com a generalidade dos vinhos do mundo. Mas não tenham dúvidas: os brancos portugueses ainda vão dar muito que falar.
Online
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Editorial da revista Nº43, Novembro de 2020
A internet aumentou desmesuradamente o seu peso nas nossas vidas profissionais (e pessoais!) desde março de 2020. No sector do vinho, a verdade é que o online, não resolvendo nada e, muito menos (longe disso), substituindo a interação pessoal, atenua os efeitos que o distanciamento social nos impõe. E em algumas áreas, quando bem usadas, as soluções online são de tal forma eficazes que, acredito, nunca mais voltaremos a trabalhar como antes da pandemia.
Luis Lopes
Reuniões, apresentações, vendas, muito do que fazemos hoje deixou de ser presencial e passou a virtual. No meu caso, nunca acreditei naqueles que, quando o covid-19 dinamitou os negócios, apontaram o e-commerce como solução milagrosa. Hoje, a grande maioria dos produtores de vinho portugueses possui uma loja online ou trabalha com um parceiro nessa área, mas quase todos confessam que as vendas são residuais.
No que respeita à comunicação produtor/líderes de opinião ou produtor/consumidor, também, confesso, desconfiei da eficácia do online. As muitas apresentações de vinhos a que assisti através das habituais plataformas (Zoom, Teams…) reforçaram essa desconfiança. Algumas foram absolutamente patéticas, com produtores calados e estáticos enquanto meia dúzia de jornalistas e sommeliers provavam, igualmente sisudos, o vinho que fora enviado para casa, interrompendo o desconfortável silêncio com uma ou outra pergunta do tipo “que grau tem este vinho?” mostrando que nem a ficha técnica do produto se tinham dado ao trabalho de consultar.
No entanto, no meio de tudo isso, uma ou outra apresentação dinâmica, bem conseguida, interventiva, sugeriu-me que o online poderia funcionar como ponte de comunicação, desde que bem utilizado. Recentemente, dois eventos completamente distintos, derrubaram as minhas dúvidas e revelaram-me o enorme potencial da ferramenta que temos em mãos.
Num deles, participei como convidado na adega de um produtor, enquanto através do Zoom era feita a apresentação de um vinho para um grupo de 20 jornalistas e sommeliers de topo no Brasil. Não foi uma apresentação vulgar. Espalhados pela gigantesca metrópole de São Paulo, esses 20 profissionais receberam, ao mesmo tempo, um kit composto por um prato de bacalhau elaborado por um famoso restaurante de cozinha portuguesa e um frappé selado com garrafa e gelo.
Na adega, um ecrã de grande formato revelava as caras dos participantes, incluindo o importador local. O almoço decorreu como se estivéssemos todos na mesma sala. O produtor, e eu próprio, fomos bombardeados com perguntas interessantes e interessadas, ouvidas e respondidas mais facilmente do que se nos encontrássemos numa comprida mesa. Saí dali a pensar que: primeiro, a acção deve ter saído muito mais barata ao produtor do que se tivesse voado para São Paulo e pago a refeição num restaurante; segundo, muitas daquelas pessoas nem sequer iriam comparecer no restaurante e ali estavam todas, confortavelmente, em suas casas; terceiro, nenhum deles se vai esquecer nem do momento nem do vinho.
O outro evento foi muitíssimo mais ambicioso, na escala e nos meios envolvidos. Nunca, no mundo, se fez algo como o Vinhos de Portugal, realizado nos dias 23, 24 e 25 de outubro e transmitido online para os domicílios de quase 1100 pessoas, que compraram os bilhetes (com a opção de packs de vinhos) no Brasil e em Portugal. O evento dos jornais Público, O Globo e Valor Económico, em parceria com a Viniportugal, e em que tive o privilégio de participar como um dos orientadores das sessões, realizou 62 lives/entrevistas de 25 minutos com produtores e 16 provas temáticas de 60 minutos. A milhares de quilómetros do local da acção, grupos de amigos e famílias abriam as garrafas recebidas, assistiam às provas, questionavam oradores e produtores.
O enorme sucesso desta iniciativa substitui o contacto pessoal e a interacção numa sala de provas? Não, definitivamente. Mas evidenciou-se como um modelo alternativo, agora, e complementar, no futuro. O online é uma ferramenta, como um martelo ou um automóvel. Posso estragar uma parede quando queria pregar um prego ou atropelar alguém quando apenas pretendia levar-me a um local. No fundo, o online não é mais do que o reflexo das pessoas que o usam.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”default”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/3″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]
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O bazar de Istambul
A promoção, o desconto, está cada vez mais enraizado no sector do vinho. Aparentemente, os elos mais visíveis da cadeia de valor – hipermercados e clientes – estão satisfeitos. Mas a produção fica completamente estrangulada e refém de um modelo de negócio que não lhe deixa margem e não promove a justa retribuição para quem […]
A promoção, o desconto, está cada vez mais enraizado no sector do vinho. Aparentemente, os elos mais visíveis da cadeia de valor – hipermercados e clientes – estão satisfeitos. Mas a produção fica completamente estrangulada e refém de um modelo de negócio que não lhe deixa margem e não promove a justa retribuição para quem criou as uvas e fez os vinhos.
Luís Lopes
“O consumidor português é um bocado viciado em promoções (…) No sector alimentar, 50% das compras são feitas em promoções. Naturalmente que, a partir de certa altura, não há milagres. A indústria defende-se, empolando os preços, para poder absorver essas promoções. Mas, de facto, é um problema cultural. Como eu costumo dizer, há uma cultura, não sei se mediterrânica, que faz lembrar o bazar de Istambul” – João Vieira Lopes, presidente da Confederação de Comércio e Serviços, em entrevista ao Público, 28 de Novembro de 2019
O autor das frases que acima reproduzo definiu de forma perfeita as raízes em que assenta este modelo de negócio. O português adora, na verdade, discutir o preço, regatear, sair de um encontro negocial com a sensação de que levou a melhor sobre a outra parte. Está-lhe no sangue. Como nas lojas modernas o cliente não tem um interlocutor físico, e a discussão do preço não é possível entre comprador e vendedor, a loja presta diligentemente esse autêntico serviço social e cultural que é simular uma negociação na qual o cliente sai vencedor e satisfeito.
E o cliente tem razões para isso. Os vinhos tabelados a €9 e vendidos €3 são, na esmagadora maioria dos casos, bons vinhos, vinhos que valem inteiramente o que custaram. Foram feitos para valer €3 e não €9, é claro, mas se o consumidor bebe um bom vinho e ainda por cima julga que fez um grande negócio, qual é o problema?
Acontece que, se no sector alimentar 50% das compras são feitas em promoções, no que ao vinho diz respeito são mais de 70%. E isso traz não um problema, mas muitos. Desde logo, problema para toda a cadeia de valor a montante. Quem produziu e engarrafou fica com pouco ou nada de margem. Por conseguinte, para não perder dinheiro (e muitos perdem), reduz ao máximo os seus custos, o que significa também pagar o mínimo pelas uvas ou vinhos que comprou. Nada sobra para investir nas marcas. E o elo mais fraco, o mexilhão da nossa estória, quem trabalha a terra o ano inteiro para manter a vinha, empobrece a cada vindima.
Depois, problema para a marca do produtor. Um vinho vendido em promoção durante 9 meses por ano tem a sua imagem colada ao modelo. No dia (e esse dia virá) em que for substituído na prateleira por outro ainda mais barato, a marca nunca mais recupera o valor. Nenhum restaurante ou garrafeira a quererá comprar. Foi-se, já era, kaputt.
Problema ainda para a cotação do vinho português. Os muitos milhões de turistas que nos visitam, se gostam de vinho e entram num hipermercado para levar uma garrafa para o seu airbnb, devem pensar que chegaram ao paraíso terrestre. E regressam a casa não se lembrando da marca que compraram, apenas que era vinho português, era muito barato e era bom. E isso torna-se a identidade dos vinhos de Portugal.
Os hipermercados fazem o seu trabalho, que é ganhar dinheiro e satisfazer o cliente, e fazem-no muito bem. O consumidor, esse, leva um bom vinho por pouco dinheiro e está na maior. Que pode fazer, então, quem produz? Colectivamente, o sector perdeu uma excelente oportunidade para subir preços, após duas colheitas sucessivas de escassa quantidade. 30 ou 40 cêntimos que fossem, fariam toda a diferença. E nesta euforia pós-troika, em que o consumidor acredita que é rico, se as garrafas de €2.49 passassem a €2.89 ninguém se iria queixar e as vendas não se ressentiriam. Mas para isso seria preciso que as associações do sector funcionassem, e não funcionam. Será cada um por si, como sempre foi. E o bazar de Istambul soma e segue.
Edição nº 34, Fevereiro 2020
Nota do Director: Os dias do coronavírus
A edição de Abril da Grandes Escolhas que no início do próximo mês chegará às bancas foi planeada, escrita, fotografada e produzida semanas antes da pandemia do coronavírus (COVID-19) atingir Portugal com todo o seu impacto. É certamente a última revista “normal” que iremos editar, até ao momento em que, esperemos, uma relativa normalidade seja […]
A edição de Abril da Grandes Escolhas que no início do próximo mês chegará às bancas foi planeada, escrita, fotografada e produzida semanas antes da pandemia do coronavírus (COVID-19) atingir Portugal com todo o seu impacto. É certamente a última revista “normal” que iremos editar, até ao momento em que, esperemos, uma relativa normalidade seja reposta. As medidas, absolutamente necessárias, que foram decretadas pelo Governo, têm profundas implicações na vida pessoal e profissional de todos nós.
A equipa da Grandes Escolhas está, como deve ser, a trabalhar em casa. Mas, mesmo assim, é um trabalho muito condicionado: não é possível visitar produtores, é mais difícil receber e provar vinhos, os enoturismos e restaurantes estão fechados. Os eventos de vinhos e gastronomia (feiras, conferências, acções de formação) cujo sucesso e qualidade muito tem contribuído para solidificar a nossa imagem de marca, estão em suspenso, sem sabermos quando poderão ser realizados.
É hoje impossível prever o futuro com um mínimo de segurança. E mesmo depois da tempestade, quando vier a bonança (que virá, não podemos duvidar), nada será como dantes.
De momento, as palavras de ordem são prevenir e resistir. Prevenir, tomando todos os cuidados e seguindo todas as recomendações da DGS, pela saúde das nossas famílias, dos nossos amigos, dos nossos vizinhos, dos nossos concidadãos. Resistir, para que o trabalho que fazemos desde há mais de três décadas, disponibilizando informação séria e credível aos apreciadores de vinhos de qualidade e organizando eventos vínicos e gastronómicos de referência, possa continuar a ser feito. Estamos aqui e estamos convosco.
Hoje, são os dias do coronavírus. Outros e melhores dias virão, certamente.
Luís Lopes
2020
É um número bem redondinho, o do ano que agora se inicia. E como é natural, todos esperam ou desejam que o novo ano seja melhor do que o anterior. Ao nível individual, as previsões não fazem sentido. “Prognósticos, só no final do jogo”, como dizia o outro. Mas sectorialmente, podemos sempre descortinar tendências. No […]
É um número bem redondinho, o do ano que agora se inicia. E como é natural, todos esperam ou desejam que o novo ano seja melhor do que o anterior. Ao nível individual, as previsões não fazem sentido. “Prognósticos, só no final do jogo”, como dizia o outro. Mas sectorialmente, podemos sempre descortinar tendências. No que vinho diz respeito, aqui deixo o meu contributo sobre o que podemos esperar de 2020.
Luís Lopes
Espumantes. As bolhas parecem estar, finalmente, a conquistar o coração e a boca dos portugueses. O mercado pede mais espumante e praticamente todos os produtores procuram incluí-lo no seu portefólio. Muitos esquecem, no entanto, que o espumante é um produto altamente especializado em termos de vinha, cave, equipamento e know-how. E que para se alcançar um patamar elevado, para além desses requisitos, é preciso dar-lhe tempo. E tempo é dinheiro. Porém, para quem quer um bom espumante a um preço muito acessível, o método “cuba fechada” é sempre uma boa solução, e com tendência para crescer.
Diferença. O consumidor de nicho ambiciona ser reconhecido enquanto tal. E para isso, nada como beber diferente. De tal forma o “conhecedor” valoriza a singularidade que, em alguns casos, a qualidade deixa de ser importante. Mas a qualidade e diferença são compatíveis e estão disponíveis no mercado, basta escolher os produtores que não abdicam da primeira para ter a segunda. Para atingir o factor distintivo tão valorizado no consumo de nicho, toda a diferença serve: altitude, atlântico, castas raras, orgânico, vegan, “natural”, talha, branco de curtimenta ou branco de tintas, pet nat. Separar o trigo do joio, é o desafio para o apreciador.
Marcas. O mercado não vive dos nichos. A esmagadora maioria dos consumidores quer beber vinho, não estatuto. Com as prateleiras inundadas de marcas e designativos, o cliente que procura ir além dos exclusivos super promocionados dos hipermercados, tentará defender-se com aquilo que conhece e que, normalmente, não o desaponta. As marcas que fizeram nome assente na consistência qualitativa e na boa comunicação, vão ser cada vez mais um porto seguro no revolto oceano de vinho. E fazer marca, construir marca, será também a forma dos produtores se defenderem e garantirem o futuro.
Aquisições. Para quem produz, o negócio tornou-se muito competitivo e difícil. Para ganhar dinheiro, dentro e fora de portas, é preciso ser-se muito talentoso e muito profissional. E mesmo para aqueles que são tudo isso, frequentemente, falta músculo financeiro. Um número considerável dos agentes do sector do vinho, em Portugal, arruma-se em dois tipos: os amadores, que não vivem de e para o vinho; e os de média dimensão, nem tão pequena que permita viver do mercado de nicho, nem suficientemente grande para alcançar economia de escala e capacidade de investimento. A solução é vender. Há muitos negócios, propriedades e marcas apetecíveis que irão mudar de mãos em 2020.
Sub-regiões. Afinal, elas existem. Depois do grito do Ipiranga dado por Monção e Melgaço, os produtores de outras sub-regiões começam a perceber a mais valia que pode haver na afirmação identitária de uma unidade geográfica mais pequena. E a pouco e pouco, as sub-regiões vão aparecendo nos rótulos e na comunicação empresarial: Lima e Baião, nos Vinhos Verdes, Douro Superior, no Douro, Portalegre e Vidigueira, no Alentejo, Serra da Estrela, no Dão, são algumas das que já iniciaram esse caminho. E a tendência será sempre o reforço dessas identidades regionais.
Sustentabilidade. É absolutamente incontornável. A consciência ambiental generaliza-se junto de produtores e consumidores. Cada vez mais, os primeiros sentem uma genuína necessidade de introduzir práticas e modelos amigos do ambiente, na vinha e na adega. E cada vez mais, os segundos querem saber que essas medidas são implementadas, mesmo que não estejam dispostos a pagar mais por um vinho “eco-friendly”. Todos somos escrutinados nas nossas acções e comportamentos ambientais. Sem fundamentalismos, que nada trazem de positivo para o ambiente e para o mundo, é bom que assim seja.
Edição nº 33, Janeiro 2020
30 anos não são 3 dias
Neste mês de dezembro de 2019 atinjo três décadas consecutivas de escrita sobre vinhos. Não sei se é muito ou pouco, mas talvez seja o suficiente para poder transgredir a regra de ouro do jornalismo (nunca se tornar o sujeito da notícia) e deixar aqui uma reflexão, tão lúcida quanto possível, sobre a minha passagem […]
Neste mês de dezembro de 2019 atinjo três décadas consecutivas de escrita sobre vinhos. Não sei se é muito ou pouco, mas talvez seja o suficiente para poder transgredir a regra de ouro do jornalismo (nunca se tornar o sujeito da notícia) e deixar aqui uma reflexão, tão lúcida quanto possível, sobre a minha passagem por esta profissão.
TEXTO Luís Lopes
Tenho 58 anos de idade, sou jornalista há 35 e escrevo sobre vinhos há exatamente 360 meses, sem interrupção. Não trocaria esta profissão por nenhuma outra e adorei todos (ou quase todos) os momentos que passei aprendendo, provando, conversando, visitando pessoas, vinhas, adegas, mercados, em Portugal e no mundo.
Ao contrário do que se vê por aí, eu não renego o passado e muito menos procuro reescrever a história, apagando ou omitindo factos e personagens à boa maneira estalinista (nos dias de hoje, com o digital, seria ainda mais fácil fazer desaparecer das fotos os antigos líderes do regime…). Pelo contrário, olho para trás com saudade, respeito e prazer. Orgulho-me de, em 1989, ter fundado a Revista de Vinhos (estão a ver, escrevi o nome e não fui fulminado por um raio…) e ter orientado essa publicação ao longo de quase vinte e oito anos. Tanto quanto me orgulho destes dois anos e meio enquanto director da Grandes Escolhas.
Ao longo da minha vida assisti à ascensão de muitos produtores, castas, técnicas enológicas, perfis de vinho, conceitos, padrões de consumo e modelos de negócio, e ao desvanecer de outros tantos. O meu trajecto profissional permitiu-me conhecer pessoas extraordinárias e criar com algumas delas relações de grande amizade. Aprendi (e continuo a aprender) muitíssimo com todos, desde o viticultor ao enólogo, do produtor ao vendedor na loja. Mas foi junto do consumidor que mais profundos ensinamentos recolhi. Perceber porque é que alguém prefere este vinho àquele é algo que continua a fascinar-me. Entender os mecanismos do gosto e tudo aquilo que condiciona a compra de uma garrafa é, para mim, uma verdadeira paixão.
Cometi erros de avaliação, certamente muitos. A todos os produtores que viram o seu esforço prejudicado por uma prova menos acertada, deixo aqui as minhas desculpas. Acreditem, porém, que sempre procurei escrever e provar com o máximo de concentração, isenção e profissionalismo. A classificação de um vinho encerra sempre alguma subjectividade e, também por isso, exige total sentido de responsabilidade, que deverá estar obrigatoriamente presente quando levamos um copo à boca. Nesse aspecto, estou de consciência tranquila.
Os projectos são feitos de pessoas, e na Revista de Vinhos e na Grandes Escolhas muitas foram aquelas e aqueles que ajudaram a tornar o sonho realidade. Alguns ficaram pelo caminho (ou por vontade própria ou porque a lei da vida não os deixou prosseguir), com outros continuo a trabalhar diariamente. A todos agradeço sentidamente o terem-me ajudado a fazer o que gosto e que espero continuar a fazer por muitos e bons anos, assim leitores e consumidores tenham paciência para me ler e ouvir.
Na última década, sobretudo, muitas vezes me questionaram sobre o que de mais significativo ajudei a mudar ou desenvolver no sector do vinho ao longo da minha carreira. Uma pergunta à qual tenho respondido, invariavelmente, da mesma forma: o progresso é feito de contributos colectivos, não individuais, e o que verdadeiramente me deu gozo foi poder assistir, na primeira fila, à fulgurante caminhada que o Portugal do vinho tem feito desde 1989. De agora em diante, porém, quando surgir a questão a resposta será outra. O contributo de que mais me orgulho, o meu legado, se quiserem, é presente e futuro e não passado: chama-se Mariana, tem 28 anos e é jornalista de vinhos.
Termino como comecei, solicitando a vossa indulgência por desperdiçar espaço editorial desta revista a falar sobre a minha pessoa, coisa que, como sabem todos os que minimamente me conhecem, não é algo que me agrade. Mas enfim, há momentos para tudo, e trinta anos não são três dias.
Edição n.º32, Dezembro 2019
A minha vinha é mais velha do que a tua
Os mais ambiciosos tintos do Douro são tema em destaque nesta edição da Grandes Escolhas. Entre as quase seis dezenas de vinhos provados surgem denominadores comuns: a muito grande qualidade (em alguns casos atingindo o brilhantismo) e o vincado carácter regional estão na primeira linha. Transversalmente, emergem as palavras mágicas: vinhas velhas. TEXTO Luís Lopes […]
Os mais ambiciosos tintos do Douro são tema em destaque nesta edição da Grandes Escolhas. Entre as quase seis dezenas de vinhos provados surgem denominadores comuns: a muito grande qualidade (em alguns casos atingindo o brilhantismo) e o vincado carácter regional estão na primeira linha. Transversalmente, emergem as palavras mágicas: vinhas velhas.
TEXTO Luís Lopes
O Douro é hoje, inquestionavelmente, a região de eleição dos consumidores portugueses nos segmentos superiores de preço. Um sucesso inteiramente merecido e que assenta, sobretudo, na qualidade dos seus vinhos, produzidos num território especialmente vocacionado para a excelência vínica. Mas também no elevado nível de profissionalismo, dedicação, foco, por parte da maioria dos seus produtores, que fazem um trabalho de formiguinha incansável junto das lojas de vinho e dos líderes de opinião (em Portugal e no mundo) batendo às portas certas e tocando a melodia perfeita. Do lado da estratégia comunicacional, a chave que abre mais portas chama-se “vinhas velhas”.
Dos 58 vinhos durienses de topo que apreciámos no nosso painel de prova, mais de metade apresenta-se no rótulo, no contra-rótulo ou na ficha técnica, como sendo oriundos de vinhas velhas. Se olharmos para estes números, podemos ser levados a acreditar que, ou no Douro a maioria das vinhas são velhas, ou a vinha velha é determinante para fazer um grande vinho nesta região. Conclusões absolutamente erradas que partem de uma premissa errada. É que ninguém sabe definir, em concreto, o que é isso de uma vinha velha.
O problema não se manifesta apenas no Douro, longe disso. “Vinhas Velhas” tornou-se um designativo que, por falta de enquadramento legal, é usado indiscriminadamente como bandeira de qualidade um pouco por todo o país. Noutras regiões, já visitei “vinhas velhas” com 20 anos. E porque não, se é a vinha mais velha do produtor? Para ele, faz todo o sentido. Mas sentido, significado, valor, é precisamente o que vamos perder se continuarmos a banalizar a expressão “vinhas velhas” ao sabor da vontade de cada um. Numa pesquisa rápida pelos sites das cadeias de retalho, encontro tintos intitulados “vinhas velhas” a €4,50. Acho que isto resume tudo.
Vinha velha não significa necessariamente qualidade, todos os produtores o sabem, mas a expressão tem sido vendida ao consumidor como um sinónimo de excelência e personalidade. O Douro, sendo a região de Portugal onde se preservaram mais vinhas antigas e, consequentemente, aquela que mais utiliza o conceito para promover os seus vinhos, tem aqui responsabilidade acrescida. Deverá por isso ser o Douro, no seu próprio interesse, a liderar o processo de definição e regulamentação da designação vinhas velhas. Uma associação de viticultores, a Prodouro, que congrega 72 agentes económicos regionais, já deu o primeiro passo propondo, para definir uma vinha velha duriense, resumidamente, algo como isto: “vinha plantada até ao ano 1965 segundo o modelo comum ‘socalco pós-filoxera’, embora, por razões de topografia do terreno, possa não ter obrigado à construção de socalcos suportados por muros de pedra posta. Contudo a vinha velha em socalco pós-filoxera constituirá um subgrupo de eleição a que sugerimos chamar ‘vinha velha histórica’.”
É um ponto de partida, para ser apreciado e discutido no Douro. Como é evidente, este modelo, idade e descritivo não serve a todas as regiões de Portugal. Por isso, cada uma deverá encontrar critérios e regras adequadas ao seu passado e presente vitícola. Mas acredito que, se o Douro der o exemplo, as outras regiões o seguirão. E se o fizerem, conseguiremos duas coisas: primeiro, deixar de iludir/confundir os consumidores; e depois, trazer verdade e valor ao conceito de vinhas velhas e aos vinhos que originam, contribuindo assim para preservar esse tão importante património genético, histórico e cultural do Portugal do vinho.
Edição n.º31, Novembro 2019
Factor X
Existem muitas definições para o chamado factor X. Aquela de que mais gosto explica-o desta forma: “Uma variável, numa dada situação, que pode vir a ter o impacto mais significativo no resultado final”. No caso do vinho, não tenho qualquer dúvida: a variável principal, o factor X, é o factor humano. TEXTO Luís Lopes O […]
Existem muitas definições para o chamado factor X. Aquela de que mais gosto explica-o desta forma: “Uma variável, numa dada situação, que pode vir a ter o impacto mais significativo no resultado final”. No caso do vinho, não tenho qualquer dúvida: a variável principal, o factor X, é o factor humano.
TEXTO Luís Lopes
O vinho é um produto da civilização. Ao contrário de outros bens que a natureza nos oferece, o vinho não pode existir sem a intervenção humana. Essa intervenção começa na própria videira, a vitis vinifera, resultado da domesticação da videira selvagem, e prolonga-se em todos os trabalhos de campo, sem os quais a videira não frutificaria. Diferentemente do que acontece com uma ameixeira ou macieira, por exemplo, uma vinha abandonada, passados alguns anos, deixa de dar frutos.
A progressiva banalização da palavra terroir pode levar-nos a pensar que a natureza tudo determina, e que o perfil de um determinado vinho é quase exclusivamente definido pelas características do local. Mas não é verdade.
A natureza é importantíssima na definição de um vinho, todos o sabemos. A mesma casta, trabalhada na adega da mesma forma, origina vinhos diferentes consoante o local onde nasceu, ou as condicionantes climáticas do ano vitícola. Mas a quantidade de variáveis introduzidas pela intervenção humana acaba sempre por sobrepor-se aos desígnios da natureza, com um impacto determinante no resultado final. Um exemplo, muito simples: perante um dado talhão de vinha, posso vindimar agora com 11% de álcool provável ou optar por colher as uvas mais tarde, com 14%. A decisão é minha, e desse exercício de livre arbítrio nascem vinhos completamente distintos. Multipliquemos isto por todo o tipo de variáveis aplicáveis na vinha e na adega decorrentes da intervenção humana e facilmente percebemos que cada decisão (mesmo a de não intervir) condiciona sempre o resultado final.
Nesta edição da Grandes Escolhas temos vários exemplos do poder do factor X na definição do perfil de um vinho. Desde logo, a grande prova de vinhos brancos de Monção e Melgaço. Em pouco mais de 30 vinhos provados, a diversidade de estilos patenteada é enorme. Estamos a falar da mesma casta (Alvarinho) e da mesma região, ainda que com diferenças de produtor para produtor ao nível de tipologia de solos, exposição solar ou altitude, que introduzem nuances distintas no aroma e sabor. Mas quando avaliamos dois vinhos produzidos em vinhas contíguas e nos deparamos com um deles exuberante, intenso e tropical, e outro, austero, citrino, mineral, percebemos então facilmente o efeito do factor humano no perfil de um vinho.
Veja-se, também nesta edição o caso de Cortes de Cima. Um produtor da Vidigueira resolve plantar vinha à beira mar, em Vila Nova de Milfontes. Podia ter dado mau resultado, pois não havia histórico vitivinícola no local. Dez anos depois, com muito trabalho para superar os exigentes desafios que a humidade atlântica traz, o novo terroir é uma aposta ganha. O mesmo se pode dizer de José Afonso, um médico que gosta (literalmente) de deitar as mãos à terra, em Souropires, Pinhel. Ali, a quase 700 metros de altitude, trabalha as vinhas antigas com as castas tradicionais, mas também faz belos vinhos das “imigrantes” Verdelho ou Chardonnay. Esses vinhos são, tal como os outros, produto daquele terroir. Um terroir do qual o Homem faz obrigatoriamente parte.
O factor X tem obviamente limites. Não é possível fazer um grande vinho num terroir que não está vocacionado para isso. Do mesmo modo, o ser humano é capaz, e demonstra-o com frequência, de desperdiçar um terroir de excelência fazendo vinhos vulgares. Ainda bem que assim é. É preferível tomar decisões, agir e aprender com os erros, até alcançar o máximo que um terroir pode dar, do que deixar um produto criado pelo Homem ao cuidado dos insondáveis desígnios da natureza. A natureza não faz vinho. Mas pode fazer um bom vinagre….
Edição n.º29, Setembro 2019