Red line

Editorial da revista nº46, Fevereiro 2021

Figurativamente, a linha vermelha representa uma fronteira, uma demarcação, um limite. Ultrapassada essa linha, existem sempre consequências, e normalmente não são boas. No entanto, muitas das mais geniais obras da humanidade derivaram precisamente da capacidade de arriscar, de caminhar sobre a linha vermelha. E no vinho não é diferente. 

Luís Lopes

Gosto das pessoas e das coisas que são diferentes, quando são boas. Prefiro, de muito longe, algo diferente e bom do que algo apenas bom. A diferença mexe comigo, faz-me pensar, questiona-me, desafia-me. Isto é válido para tudo, da pintura ao futebol, da literatura aos comportamentos sociais, da comida ao vinho. Porém, é impossível fazer a diferença sem correr riscos. A segurança está, sem dúvida, na base da eficácia e até, admito, da perfeição. Mas dificilmente é um caminho para a singularidade 

Tenho por isso uma admiração sem limites por aqueles que arriscam e que, na sua vida ou na sua actividade, caminham na chamada red line. É uma linha muito fina, onde é extremamente difícil manter o equilíbrio. Um passo em falso, e o que podia ser brilhante transforma-se numa coisa sem préstimo. 

Deixem-me puxar pela minha paixão futebolística para fazer uma analogia com dois jogadores de vanguarda, Zlatan Ibrahimovic, sueco de ascendência bósnia e croata, e Mario Balotelli, italiano de ascendência ganesa. Dois egos do tamanho do mundo, ao ponto de um e outro, frequentemente, se compararem a deuses. Dois talentos extraordinários com a bola, duas personalidades complexas, no limite do risco na sua vida pessoal e profissional. Zlatan sempre caminhou na red line, deslizando na borda do precipício. Aos 39 anos, joga no Milan (equipa que lidera o campeonato italiano) e ainda esta época já marcou por cinco vezes dois golos numa partida. Mario, que tinha tudo para chegar ao mesmo nível e jogou nas melhores equipas do mundo, foi expulso de quase todas por comportamentos inaceitáveis recorrentes e, aos 30 anos, joga (até ver…) no Monza, segunda divisão italiana.  

Uma última analogia, esta vinda da experiência pessoal: todos os que fazem ou fizeram competição automóvel sabem que, para ambicionar resultados, é preciso arriscar e andar muitas vezes na faixa vermelha do conta rotações. Mas também conhecem as consequências de um motor partido… 

Tudo isto para, finalmente, falar de vinho. Cada vez aprecio mais vinhos diferenciadores, vinhos que me surpreendem com aromas e sabores que fogem do habitual. Para os fazer, é preciso arriscar, é necessário assumir um certo descontrolo controlado. Ao contrário do que muitos pensam e dizem, a menor utilização de produtos químicos nas videiras e nas cubas, que eu defendo em absoluto, deve corresponder sempre a uma muito maior intervenção física na vinha e na adega. A chamada “enologia de não intervenção ou intervenção mínima”, é uma irresponsabilidade que conduz, quase inevitavelmente, a maus vinhos.  

Só quem sabe muito de viticultura e enologia se pode dar ao luxo de abdicar da segurança e correr riscos. Mas só correndo riscos se criam vinhos que nos seduzem e impressionam pela sua qualidade, originalidade, personalidade. E mesmo com todo o conhecimento, talento e atenção, quem caminha na linha vermelha sabe que, por vezes, as coisas correm mal. Aí há que admitir o falhanço, descartar o vinho, e tentar de novo. Andar na red line não é para todos. Uns são Zlatan. Outros, Mario.

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