A massa para além da massa

Cada vez que olhamos para os cotovelinhos de massa alimentícia estamos a pôr os olhos em séculos de história. Desde sempre as massas nos fizeram falta, e hoje não fazem menos. Os portugueses adoram massa e a oferta actual permite muito mais por onde escolher. TEXTO Fernando Melo FOTOS Ricardo Palma Veiga SERIA tudo […]
Cada vez que olhamos para os cotovelinhos de massa alimentícia estamos a pôr os olhos em séculos de história. Desde sempre as massas nos fizeram falta, e hoje não fazem menos. Os portugueses adoram massa e a oferta actual permite muito mais por onde escolher.
TEXTO Fernando Melo FOTOS Ricardo Palma Veiga
SERIA tudo mais simples se o que tivéssemos à mão fosse tudo o que precisássemos de saber. O conhecimento, no entanto, é essa bola inexorável que aumenta à medida que vamos aprendendo e assimilando mais, com o efeito inevitável de aumentar indefinidamente a fronteira com o que não sabemos. Na alimentação, quanto mais simples é o que comemos maior e mais complexa é a sua história. Regra básica que resiste e assiste a tudo o que consideramos óbvio à mesa.
Não existe mundo sem massas alimentícias, desde as letrinhas com que brincámos em pequenos na canja de galinha até aos sofisticados ravioli trufados com que nos deliciamos nos melhores restaurantes. Assunto italiano por excelência, se não olharmos para a China, onde há 4 mil anos se pratica a arte da massa tal como a conhecemos. Farinha e água é a base mais cândida e elemento unificador do que entendemos por massa, sendo certo que até atingir a forma de produto final ainda leva gema, claras, e as sêmolas de trigo variam na composição e dureza.
As massas frescas, como o nome diz, são feitas no momento e é normal incorporarem ervas aromáticas frescas, condimentos diversos, quando não mesmo feitas na cozinha pela mão do cozinheiro, amassando mariscos ou legumes juntamente com a farinha, para depois produzir os formatos standard, spaghetti, tagliatele, linguini, capellini, ravioli, caneloni, penne, penne rigate, entre tantos outros. Não há limite para a criatividade e alguns atrevimentos já estão eternizados, juntamente com os seus autores. Os ravioli invertidos de Santi Santamaria, que os há-de estar a fazer todos os dias no Olimpo, e os de Heinz Beck, ainda disponíveis no Gusto, do hotel Conrad no Algarve, são dois grandes exemplos de uma mesma abordagem.
Esta forma de produzir massa, ainda que à base da mesma farinha das outras mesas, era uma variação vulgar entre os pescadores italianos de outrora. Trituravam os peixes mais pequenos que vinham nas redes e produziam uma massa com farinha, água e ovos – quando havia –, que comiam depois de dar a forma adequada. Raramente se secava, e tinham a grande vantagem de ser ricas em proteínas, com a dupla função de reposição de energias ao fim do dia e alimento para toda a família. Um pouco o mesmo que os nossos antigos faziam, fritando e escabechando os peixes de bitolas mais pequenas, reservando-se para comer mais tarde.
O aspecto do molho é muito importante e está intimamente relacionado tanto com a massa enquanto prato – relação evidente – como com a forma da massa. Pois é. O lado decorativo e o divertido que é ter recipientes transparentes em exposição na cozinha com os diversos tipos de massa, tem importância histórica. Arquéstrato (Grécia), no séc. IV a.C., e Apício (Itália), no séc. I d.C., referem-se-lhe como algo indiscutível e fundamental. As massas rugosas – rigate –, por exemplo, aumentam a superfície eficaz em contacto com o molho, mínima no caso das lisas. As massas perfuradas, ou ocas, caso extremo nos caneloni, exemplo sofisticado nos bucatini, que é spaghetti oco, apresentam a capacidade dupla de reter sabor.
Tudo tem uma razão de ser e é por isso mesmo que me custa que corra a ideia de que se escolhe a massa e depois se faz o molho. O melhor tira-teimas é produzir spaghetti e penne rigatti em quantidades semelhantes e depois aplicar-lhes um molho simples, de tomate, na mesma quantidade. A forma como cada uma estimula o palato é radicalmente diferente, chegando a parecer um outro molho. Talvez por isso, e porque estamos um pouco na era das alergias e sensibilidades gástricas, a procura por substâncias e massas mais anódinas veio exacerbar justamente a diferença entre molho e massa. O glúten é o primeiro grande inimigo a abater e neste capítulo não há discussão, a reacção pode ser mais rápida do que na asma e as pessoas podem mesmo morrer. Acontece pouco, porque as quantidades ingeridas são felizmente pequenas, mas há que ter conta o que desde há muito se sabe.
O trigo sarraceno é uma alternativa válida e à partida não tem glúten. Dizer que é trigo é um abuso de linguagem, porque é uma gramínea semelhante ao arroz, a partir da qual se obtém por moagem uma farinha de cor nacarada, escura. Por isso se chama sarraceno, ou mouro. Em princípio não contém glúten, mas há que ler com cuidado a embalagem, muitas vezes tem farinha de trigo misturada, ainda que em pouca quantidade. A massa de trigo sarraceno tem mais fibra e nutrientes do que as outras e liga na perfeição com legumes cozidos – mesmo quem não tem restrições alimentares deve um dia experimentar, por ser uma base bastante flexível para criar pratos novos. Os mais novos costumam gostar. A massa japonesa soba é de trigo sarraceno, quem já experimentou sabe o acrescento de gosto que tem.
Sabia que…
A ‘massa-maravilha’ é a shirataki. Não tem gordura, calorias nem açúcar, o que a configura como a dieta zero.
Semelhante em efeito é a massa de arroz integral, havendo, como em todos os cereais integrais, que adaptar os tempos de digestão e carregar menos na proteína animal ao compor o menu. De resto, de arroz saem massas maravilhosas, finas e neutras, que se usam muito na cozinha chinesa. Absorvem depressa fumos e temperos, além de fritar bem na wok. A massa tida como massa-maravilha é a shirataki. Não tem gordura, calorias nem açúcar, o que a configura como a dieta zero. Produz-se a partir de batata-konyaki, ou konjac, e tradicionalmente utiliza-se em saladas. É preciso cuidado com ela, apesar de inofensiva e inócua, porque não tem mesmo proteína alguma, pelo que há que a enriquecer bastante. Mais consensual mas também mais desconhecida é a quinoa, livre de praticamente tudo o que faz mal. Originária do Perú, já se encontra disponível em lojas especializadas, preparada e formatada para cozinhar como as massas normais.
Alguns legumes, levantada fervura, ganham consistências interessantes e permitem um manuseamento original. A batata-doce é um ingrediente bastante flexível e, dado o seu conteúdo misto de amido e açúcar disponível, permite produzir maravilhosos gnocchi, por exemplo. A beringela está na moda e pede corte em folhas como a lasanha, com o posterior processamento de acordo com o receituário clássico, incluindo o forno. Produz-se em casa sem grande dificuldade um fantástico e surpreendente prato de massa a partir de courgette, tagliatelle divinal, quando se junta um queijo fresco ou requeijão. A abóbora também gosta de se transformar em massa, e além de saudável tem um gosto em morna que é evocativo da sopa, pelo que facilmente é aprovada à mesa. O pepino depois de escaldado permite extrair folhas contínuas que pacientemente envolvidas em natas, queijo ou crème-fraiche ganham vida nova. Pode fazer-se de várias formas e acompanha aves como poucas outras. Importante é o prazer que dá e há muito prazer à espera de quem ousa sair do trilho da compra de produto standard no supermercado e transformação posterior como as de sempre.
Em quente, morno, frio ou gelado, a saga das massas italianas já se prolonga para além da própria massa. Boas provas e boa sorte!
3 restaurantes do Porto bonitos e bons

A cidade que foi outra vez eleita como o melhor destino europeu de 2017, através de votação online no site European Best Destinations, tem novas mesas que valem a pena. Restaurante Pedro Limão Em tempos, Pedro Limão teve um espaço mínimo nas Virtudes, que se afirmava como um “não restaurante” e servia uma degustação […]
A cidade que foi outra vez eleita como o melhor destino europeu de 2017, através de votação online no site European Best Destinations, tem novas mesas que valem a pena.
Restaurante Pedro Limão
Em tempos, Pedro Limão teve um espaço mínimo nas Virtudes, que se afirmava como um “não restaurante” e servia uma degustação feita no momento, sem carta, só o chef e três ou quatro mesas. A ideia agora, no novo espaço em São Lázaro, é recuperar parte desse espírito de surpresa, mas ser mais ambicioso. De dia serve-se um menu onde podem entrar ceviches e tártaros (15€), à noite há uma carta e uma degustação que resgata a ideia de improviso e os produtos de época. No menu vêem-se coisas como costela (8€), bife tártaro (8€) ou choco e limão (12€), tudo bonito, saboroso e feito com muito amor.
Euskalduna Studio
É o mais arrojado projecto do momento do Porto e uma daquelas cozinhas onde se emprata com pinças, mesmo em frente aos clientes, 16 lugares sentados num longo balcão em mármore e mais oito num espaço à parte. O menu de degustação é constituído por uma dezena de momentos (70€) e todos os dias há um prato do dia de edição limitada. O chef Vasco Coelho Santos tem no currículo alguns dos melhores restaurantes do mundo, do Mugaritz ao El Bulli, em Espanha, passando pelo Viajante, de Nuno Mendes, em Londres.
Oficina
Não é propriamente novo (nasceu em Setembro de 2016), mas o mais sofisticado restaurante da Miguel Bombarda é, hoje, uma oficina de confiança. Aberto no ano passado, tem à frente da cozinha o transmontano Marco Gomes, fundador do Foz Velha, e atrás o super-galerista Fernando Santos. Isso vê-se na mesa, com propostas que vão desde tripas a empadas de coelho quentinhas, nas paredes (há quadros valiosos) e na programação, com tertúlias regulares onde já participaram desde o escritor Mário Cláudio ao maestro António Vitorino de Almeida.
O regresso do rissol de peixe (e do seu companheiro de sempre)

ERAM uma receita de avó e um acepipe popular de tasca e restaurante, sobretudo na zona de Lisboa, até que nos anos 90 se tornou difícil ferrar o dente num rissol de peixe. Para nossa felicidade, Duarte Calvão, gastrónomo e director do festival Peixe em Lisboa, imbuído de nostalgia, propôs ao chef Bruno Rocha, do […]
ERAM uma receita de avó e um acepipe popular de tasca e restaurante, sobretudo na zona de Lisboa, até que nos anos 90 se tornou difícil ferrar o dente num rissol de peixe. Para nossa felicidade, Duarte Calvão, gastrónomo e director do festival Peixe em Lisboa, imbuído de nostalgia, propôs ao chef Bruno Rocha, do Flores do Bairro, em Lisboa — por sinal cozinheiro com pergaminhos na arte de fritar —, que os resgatasse do esquecimento. O resultado está na nova carta deste restaurante do Bairro Alto Hotel (dose a 12€) e é extraordinário. Feitos com carne das cabeças de corvina e pescada, os rissóis chegam sequinhos e crocantes à mesa. O prato faz parte da nova carta, onde cabem outros pratos regionais antigos, como o arroz de vitela com grão de bico negro ou os filetes de linguado com camarão, estes últimos proposta dos gastrónomos Fátima Moura e Virgílio Gomes. A iniciativa assinala o fim do restaurante tal como existe, uma vez que o espaço fechará para obras em Novembro, reabrindo no segundo semestre de 2018, com outro conceito.
O chef Bruno Rocha dá-lhe o arroz
Os rissóis acompanham com outra especialidade, um arroz de tomate incrível, servido em tachinho à parte. Eis a receita, cortesia do chef para os leitores da Vinho – Grandes Escolhas.
“O arroz de tomate parte de uma base de tomate fresco assado no forno com alho e manjericão. Reduz-se depois a puré, que se junta ao refogado de cebola e louro. Utilizo arroz carolino Bom Sucesso e caldo de legumes. No fim da cozedura — e já fora do lume —, acertam-se os temperos, adicionam-se coentros picados, tomate fresco em cubos, puré de curgete (cozida sem casca, com um pouco de caldo de legumes) e manteiga sem sal.”
O dia mais longo de Luís Gaspar

O vencedor do Chefe Cozinheiro do Ano tem só 26 anos de idade e é um sobredotado da cozinha. Perfil do homem e anatomia da caldeirada vitoriosa. NO dia 8 de Junho, acordou ainda noite escura, pelas quatro da manhã. “Estava ansioso. Não conseguia dormir mais e vim para a Sala de Corte arrumar […]
O vencedor do Chefe Cozinheiro do Ano tem só 26 anos de idade e é um sobredotado da cozinha. Perfil do homem e anatomia da caldeirada vitoriosa.
NO dia 8 de Junho, acordou ainda noite escura, pelas quatro da manhã. “Estava ansioso. Não conseguia dormir mais e vim para a Sala de Corte arrumar o material.” No final do dia, após seis horas a cozinhar sem parar, tudo acabaria bem: um júri de luxo, composto por Nuno Mendes (do Chiltern Firehouse, em Londres), André Silva (Porta), André Magalhães (Taberna da Rua das Flores), João Rodrigues (Feitoria), José Avillez (Belcanto) e Nuno Diniz (Tágide), entregava-lhe o troféu de Chef Cozinheiro do Ano (CCA) 2017.
“Estava muito confiante. Tinha treinado 80 horas no menu que fiz na final [que inclui a caldeirada abaixo]. Testei-o mais de 10 vezes. Acabou por correr tudo na perfeição”, contou-nos, dias depois, já de regresso à Sala de Corte, em Lisboa, o restaurante do Grupo Multifood que ainda é a sua base.
O percurso começara, contudo, muito antes. Formado na Escola de Hotelaria de Leiria, entrou na cozinha do Pestana Palace com apenas 17 anos – e o chef Aimé Barroyer já não o deixou sair. Acabaria por fazer parte da equipa olímpica de juniores, em 2010, e depois da de seniores. A entrada para o grupo Multifood aconteceu em 2013, sendo que em 2015 estreava-se a liderar uma cozinha, com a Sala de Corte, o extraordinário restaurante de carnes (e não só), junto ao Mercado da Ribeira, em Lisboa. Hoje, dá também apoio ao Delidelux (também do Grupo Multifood) e espera-se que até ao final do ano voe para o estrangeiro. Com bilhete de regresso.
Receita de Caldeirada de bacalhau
Molho. Refoga-se a cebola com alho, pimentos, tomate, erva-príncipe e gengibre e coentros. Refresca-se com vinho branco e caldo de bacalhau (espinhas, coentros e barriga do peixe). Junta-se batata doce em rodelas e deixa-se cozinhar por 10 min e depois reservam-se. Crocante. Usa-se 80gr de caldo do bacalhau, com 20gr de farinha e 10gr de azeite e bate-se com varas. Coloca-se numa frigideira em lume forte só até formar uma película finíssima, 3-4 min. Seca-se de óleo e polvilha-se com alface do mar em pó. Bolinhos. Usa-se a batata doce do refogado, mais a barriga do bacalhau desfiada do caldo, e fazem-se bolinhos em forma de bombom, temperados com flor de sal e salsa picada. Panam-se com farinha, ovo e panko e vão a fritar a 170 graus. Pickle de cebola roxa. Deixar a cebola em 200ml de vinagre, com 100ml de água, 60gr de açúcar, durante 4 horas. Puré de pimento. Assam-se os pimentos no forno com azeite e sal durante 20 min. Retira-se pele e sementes e tritura-se bem. Bacalhau. O bacalhau é imergido em azeite numa panela e é confitado a 58 graus com alho e coentros. Finalização. Emulsionar molho da caldeirada com varinha mágica e dispor na base do prato. Colocar o bacalhau por cima e tentar fazer o magnífico quadro, na foto, com os restantes elementos.
Sabores: Tomate coração-de-boi

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga É bom lembrar que os tomates têm uma época, por sinal curta, e que todos os que forem colhidos fora do período Junho-Outubro não passam de bolinhas vermelhas para enfeitar. Os tomates grandes do tipo coração-de-boi já andam aí desde Maio – e grandes e bonitos –, […]
TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga
É bom lembrar que os tomates têm uma época, por sinal curta, e que todos os que forem colhidos fora do período Junho-Outubro não passam de bolinhas vermelhas para enfeitar.
Os tomates grandes do tipo coração-de-boi já andam aí desde Maio – e grandes e bonitos –, à conta das estufas; os outros estiveram nas bancas de supermercado o ano inteiro, como se sabe. Mas ambos são imprestáveis antes da estiva. É agora, a partir de Julho, que estão no seu melhor.
A mais impressionante prova disso é o facto de o restaurante Manjar do Marquês, em Pombal, dono de um dos melhores arrozes de tomate do mundo, ter na cave uma arca frigorífica gigante onde conserva os tomates que compra no Verão para depois usá-los todo o ano no seu célebre malandrinho.
De resto, os bons coração-de-boi, com as suas pregas, dão também excelentes saladas e é assim que eu os prefiro. Sumarentos, doces mas com acidez, devem ser cortados às rodelas e espalhados numa travessa de alumínio como as das tascas, sem se sobreporem, só com pedras de sal marinho, cebola nova em meias luas e azeite. No fim, sobra um suco que é um extraordinário vinagrete para ensopar em pão ou reservar e espalhar depois por cima de basicamente tudo, seja um bife ou um peixe grelhado.
Dica: pode comprar o fruto verde (sim, comemos o fruto do tomateiro), porque ele amadurece bem fora da planta, em casa. Se quiser apressar o processo, envolva-o em papel de jornal. De resto, não guarde no frigorífico: estraga a textura e, sobretudo, o aroma.
Terá sido o Noma México a melhor refeição da década?

DEPOIS de ter conquistado o mundo, o Noma de Copenhaga encerrou portas (temporariamente), fez as malas e partiu para a península de Yucatan. Na areia caribenha de Tulum, no México, debaixo de palmeiras, o restaurante, quatro vezes vencedor do concurso O Melhor Restaurante do Mundo, assentou mesas – e reinventou outra vez a cozinha. Entre […]
DEPOIS de ter conquistado o mundo, o Noma de Copenhaga encerrou portas (temporariamente), fez as malas e partiu para a península de Yucatan. Na areia caribenha de Tulum, no México, debaixo de palmeiras, o restaurante, quatro vezes vencedor do concurso O Melhor Restaurante do Mundo, assentou mesas – e reinventou outra vez a cozinha.
Entre os poucos que conseguiram lugar para o espectáculo culinário, em exibição de 12 de Abril a 28 de Maio e esgotado duas horas depois de a bilheteira abrir (apesar dos 540 euros por cabeça), estavam alguns dos mais célebres críticos gastronómicos do mundo.
Jonathan Gold, vencedor do prémio Pulitzer, iniciou o seu relato épico para o “Los Angeles Times” com três pratos que foram, tão só, a melhor coisa que ele comeu nesse mês – e se ele come muito…
Tom Sietsema, do “Washington Post”, por sua vez, foi ainda mais exuberante nos encómios. “Poderá ter sido a refeição da década”, titulou, para depois descrever o início da experiência: “O restaurante mais hot do planeta não perde tempo a fazer-te sentir como um dos comensais mais sortudos do universo. No segundo em que te sentas, é-te servido Champanhe e os primeiros minutos são um misto de cor e descoberta (porcos brilhantes com gordura de coco! Gelado que deixa a língua em fogo!), ao mesmo tempo que um mar de gente te apresenta pratos sobre os quais, certamente, irás falar depois de o restaurante se apagar.”
Os elogios vieram também dos próprios colegas de René Redzepi, fundador e mentor do Noma. David Chang, o famoso chef de Nova Iorque, encheu o seu Instagram de fotografias e deixou a legenda: “Esmagado com o nível de detalhe. Acho que este pode ter sido o melhor pop-up do Noma, até agora. Do que consegui provar, acho que os comensais vão ter uma experiência épica. O espaço é lindo. Cheio de ciúmes da variedade de ingredientes e dos fornos de lenha. Estejam preparados para algum picante: adeus endro, olá malagueta.”
Comida à parte, o projecto foi todavia criticado pelos próprios mexicanos, que acusaram o Noma México de “colonialismo gastronómico” e recordaram que metade da população de Tulum vive na pobreza. Pratos como o polvo com molho de sementes de abóbora, as natas de coco fresco com caviar ou o ceviche de banana —três dos pratos mais icónicos do restaurante —, só puderam ser apreciados através das redes sociais pelos locais.
Redzepi justificou o preço com o custo de transferir uma cozinha inteira para o outro lado do Atlântico. E acrescentou que boa parte dos lucros foram distribuídos por bolsas para estudantes de cozinha mexicanos, produtores e fornecedores locais.
Polémica à parte, o Noma voltou aos píncaros. Mesmo num acampamento das Caraíbas, o farol nórdico continua a guiar o mundo gastronómico.
Chefs com sangue na guelra manifestam-se

Movimento quer um maior reconhecimento internacional da gastronomia portuguesa. FOTOS Cortesia Amuse Bouche NÃO foi uma manifestação de megafone e cartaz, mas houve palavras de ordem. Um grupo de chefs portugueses, gastrónomos e jornalistas da especialidade decidiu que estava na hora de definir o que é isso da cozinha portuguesa. Durante semanas, um rascunho […]
Movimento quer um maior reconhecimento internacional da gastronomia portuguesa.
FOTOS Cortesia Amuse Bouche
NÃO foi uma manifestação de megafone e cartaz, mas houve palavras de ordem. Um grupo de chefs portugueses, gastrónomos e jornalistas da especialidade decidiu que estava na hora de definir o que é isso da cozinha portuguesa. Durante semanas, um rascunho andou de email em email, de versão em versão, até se chegar ao Manifesto para a Cozinha Portuguesa 0.0.
O título tem o dedo de Miguel Poiares Maduro, ex-ministro Adjunto e reconhecido gourmet, envolvido na iniciativa desde o primeiro minuto, mas no texto participaram os 18 chefs portugueses que subscreveram o documento.
A apresentação ao público aconteceu no primeiro dia do festival Sangue na Guelra, a 5 de Maio, durante o Simpósio “Cozinha portuguesa, e agora?”. A ideia partiu das cabeças de Ana Músico e Paulo Barata, da Amuse Bouche, a agência de comunicação que criou e produziu novamente o evento.
Este ano, para além dos habituais jantares de peixe e marisco com jovens talentos, houve ainda o Blood n’Guts Lisboa Food Festival, um festival de comida de rua que teve lugar no HUB Criativo do Beato e reuniu cerca de 20 cozinheiros, a maioria gente ligada à alta cozinha, de Henrique Sá Pessoa (restaurante Alma) ao chef pasteleiro Diogo Lopes (Lab), passando por Alexandre Silva (Loco) e Ljubomir Stanisic (100 Maneiras).
Alguns deles já tinham começado a trabalhar semanas antes, em grupos de pesquisa ligados a quatro elementos essenciais: o sal, o sangue, frituras e pão. João Rodrigues, do Feitoria, por exemplo, chefiou uma equipa que andou a redescobrir salinas antigas, como as do Samouco, e a testar salmouras com fruta. Henrique Sá Pessoa, por sua vez, liderou um grupo que fez do tulicreme um tulisangue. Já da cabeça de Alexandre Silva e seus chefs nasceu um óleo aromatizado com cereais fermentados, ideia que podia muito bem tornar-se comerciável. No que respeita ao pão, o grupo onde estava José Avillez e o chef pasteleiro do Loco, Carlos Fernandes, trouxe as sopas secas de Penafiel para cima da mesa do simpósio “Cozinha portuguesa, e agora?”, onde os projectos foram apresentados.
A ideia do manifesto é “incentivar a união de toda a comunidade gastronómica em torno da cozinha portuguesa”, bem como “partilhar conhecimentos, proteger tradições e incentivar mudanças”.
O documento começa com uma demonstração de “orgulho” na cozinha tradicional, mas deixa claro que cozinhar “não se esgota na procura do bom sabor” e deve ter uma dimensão “cerebral, interventiva, criativa, subversiva”. No final, ficou uma ambição para o futuro: os subscritores consideram a cozinha tão importante para as crianças “como aprender a ler e a escrever”.
Quem quiser subscrever é só ir a www.sanguenaguelra.pt/manifesto/
3 restaurantes para comer o mar

Pangeia . Nazaré Instalou-se numa antiga moradia, e dificilmente é possível ter uma vista melhor para a Nazaré e para o Atlântico. O casario estende-se de um lado e ao fundo é só mar. Não vai ver as famosas ondas gigantes da Praia Norte, até porque estamos em época baixa, mas pode acontecer cruzar-se com […]
Pangeia . Nazaré
Instalou-se numa antiga moradia, e dificilmente é possível ter uma vista melhor para a Nazaré e para o Atlântico. O casario estende-se de um lado e ao fundo é só mar. Não vai ver as famosas ondas gigantes da Praia Norte, até porque estamos em época baixa, mas pode acontecer cruzar-se com Garrett McNamara, o surfista que pôs a vila no mapa mundo. Imperdível o polvo assado com azeite picante e batata doce, bem como os camarões Pangeia, com um molho de lamber os dedos. Serviço requintado e atencioso, espaço cuidado e confortável — preço a condizer: com menos de 30 euros não faz a festa.
Camilo . Lagos
Era uma barraquinha instável à beira de uma arriba da praia do Camilo, hoje é um restaurante moderno mas sem coisas supérfluas. A vista continua a ser deslumbrante, sobre o espelho cintilante do Algarve, e a comida e o serviço melhoraram com as novas condições. Peixe fresco no mostrador, serviço honesto e competente, carta de vinhos acima da média dos restaurantes de veraneio da região e servidos a temperaturas correctas. Não perca as lulinhas fritas, as ostras da Ria do Alvor, e tudo o mais que vem do mar. Por encomenda faz-se coelho frito e tamboril com ervilhas. Os preços são abaixo dos que o Algarve pratica. Com um belo peixe de mar incluído pode safar-se com 25 euros.
Adraga . Praia da Adraga, Sintra
É um dos sítios da Grande Lisboa mais consistentes a servir peixe de mar. Há quase sempre robalos e douradas, mas na vitrina à entrada aparece o que os pescadores apanham nas águas portuguesas. É apontar e escolher uma mesa junto à janela (reserva antecipada obrigatória, sobretudo aos fins-de-semana e no Verão) ou então sentar-se e esperar que lhe tragam um exemplar para que o avalie antes de o levarem para a grelha. A grelha fica numa divisão longe da vista e é uma construção artesanal gerida com rigor científico. O areal da praia da Adraga é logo ali e, não fossem os vidros, conseguia-se sentir a maresia.