Guimaraens: o outro Vintage da Fonseca

Guimaraens vintage fonseca

A Fonseca, tal como muitas outras casas de vinho do Porto, declara dois tipos de Vintage, o “clássico” – nos anos de excelência – e uma segunda marca que pode ou não ser de uma única quinta. No caso dos Vintage Fonseca Guimaraens, está desde há muito assumido que só têm edição nos anos não […]

A Fonseca, tal como muitas outras casas de vinho do Porto, declara dois tipos de Vintage, o “clássico” – nos anos de excelência – e uma segunda marca que pode ou não ser de uma única quinta. No caso dos Vintage Fonseca Guimaraens, está desde há muito assumido que só têm edição nos anos não clássicos. Nascidos nos anos 30, são sempre vinhos gulosos, têm muita qualidade e um preço bastante conveniente. A vertical em que estivemos presentes demonstrou isso tudo. E alguns mistérios ficaram por resolver…

Texto: João Paulo Martins  Fotos: The Fladgate Partnership

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O enólogo David Guimaraens, com Adrian Bridge, CEO da The Fladgate Partnership.

O sector do vinho do Porto tem uma tradição que merece grande aplauso: as casas têm de manter um histórico dos vinhos, único garante da valia de tudo o que os antepassados fizeram. Essa tradição remonta quase ao séc. XVIII embora as garrafas existentes dessa época sejam em número muito reduzido. O mais interessante desta história é que essas garrafas, religiosamente guardadas nas caves de Gaia, resistiram a tudo. Por lá há algumas do tempo da monarquia exilada no Brasil (1804 da Real Companhia Velha ou 1815 da Ferreira), por lá há garrafas que resistiram a guerras civis, à queda da monarquia, às Guerras Mundiais e ao 25 de Abril. Dizer que é notável, é pouco. O povo bem que pode ter gritado na rua os “morras” e os “abaixo o grande capital”, o que é certo é que as garrafas lá continuaram em seu sossego. Provavelmente só mesmo num país de brandos costumes isto foi possível.

De tempos a tempos, chega o momento da prova destas preciosidades. Por antiguidade nestas lides, e por sorte, temos estado presentes em muitas destas verticais, com destaque para Ferreira (esta remontou ao séc. XIX…), Taylor’s, Ramos Pinto, Niepoort, Croft, Cockburn’s, Graham’s e da Dow’s (esta em Londres) ou a monumental prova dos Vintage do séc. XX que abrangeu muitas casas. Uma vertical de Vintage Guimaraens é um acontecimento, já que, pelo menos nos últimos 40 anos, nunca foi realizada. A história dos Guimaraens sem til, essa, merece ser conhecida.

Para chegarmos à fundação da Fonseca – nome incontornável no sector do vinho do Porto – teremos de recuar a 1822, já que foi então que Manoel Pedro Guimaraens fundou a empresa, após compra da Fonseca & Monteiro (criada em 1815), então uma pequena firma do sector, como tantas outras que à época existiam. Em Portugal viviam-se tempos politicamente difíceis, com o país dividido entre liberais e absolutistas, algo do tipo esquerda e direita dos nossos dias. A diferença é que, então, os assuntos se discutiam de armas na mão e os conflitos culminaram na guerra civil (1832-34) que foi dura e devastadora. Manoel Pedro, liberal dos quatro costados, viu-se obrigado a partir para o exílio, escondido num casco vazio de vinho do Porto. Foi para Inglaterra e terá sido lá que, para facilidade de compreensão dos locais, mudou o seu apelido, retirando-lhe o til. Por lá ficou e o regresso a Portugal deu-se em 1827, seguramente quando sentiu que não correria perigo por ser um adepto do liberalismo. Esse apego à causa liberal valeu-lhe a Ordem de Cristo em 1834, a maior honra então atribuível a um cidadão.

A importância e fama da empresa cresceram e em 1840 a Fonseca já era a segunda maior exportadora de Porto. Nessa sequência lançou em 1847 o seu primeiro Vintage Fonseca, então exportado para Inglaterra que era o mercado principal dos melhores vinhos do Porto jovens, também conhecidos como “Novidade”. Com a vitória do liberalismo em 1834, vários ingleses ligados ao sector vieram para Portugal, como foi o caso de John Fladgate que chegou ao Porto em 1836. Tinha na altura 28 anos. No ano seguinte, juntamente com Joseph Taylor e em 1844 com Morgan Yeatman formou a empresa conhecida como Taylor, Fladgate and Yeatman. Para a história que aqui nos interessa é Fladgate o centro das atenções; teve um filho (que se associou à empresa) e quatro filhas. Todas se casaram com personagens do sector: com James Forrester (Offley), com Albert Morgan (Morgan Brothers), com Charles Wright (Croft & Ca.) e com Pedro Gonçalves Guimaraens (M P Guimaraens, actual Fonseca Guimaraens). Percebe-se assim a ligação secular que existe entre estas duas empresas (Taylor e Fonseca), que integram a The Fladgate Partnership, onde actualmente também incluímos a Croft, a Delaforce, a Romariz e a Wiese & Krohn. A estrutura familiar continua a ser a espinha dorsal da Fonseca. David Guimaraens, actual responsável da enologia da Fladgate é tetraneto do fundador da empresa, Manoel Pedro que, após colocar a Fonseca “no mapa”, veio a falecer em Londres em 1858. No séc. XX, todos os Vintage da Fonseca foram da responsabilidade de apenas quatro enólogos: Frank Guimaraens (desde o 1896 até ao 1948), Dorothy Guimaraens (Vintage 1955), Bruce Duncan Guimaraens (de 1960 a 1991) e actualmente David, desde o Vintage de 1992. Dorothy foi assim a única profissional (ao que consta era exímia provadora…) responsável pelo único Vintage clássico dos anos 50, uma década madrasta para o sector do vinho do Porto: aos anos fracos juntaram-se as enormes dificuldades para sobreviver à devastação pós 2ª Guerra Mundial e à consequente estagnação dos mercados. A Fonseca, em especial, atravessou momentos muito difíceis e, sem crédito na banca, acabou por ser adquirida pela Taylor, a sua associada que lhe estava a suprir as dificuldades financeiras. Assim, em 19 de Maio de 1949, a Taylor passou a proprietária da Fonseca, tendo-se mantido a individualidade de cada casa, em termos de fornecedores e stocks.

As quintas, as uvas e os fornecedores delas

Foi no tempo de Bruce Guimaraens que a Fonseca adquiriu as propriedades que tem hoje. Até aos anos 70 poucas eram as empresas que tinham quintas no Douro; a Croft tinha a Roeda, a Taylor’s tinha Vargellas, a Ferreira tinha algumas quintas herdadas de Dona Antónia (Vesúvio, Meão, Valado, entre outras) mas eram casos isolados; a esmagadora maioria dos vinhos eram adquiridos aos lavradores e chegavam a Gaia já feitos e prontos. Os exportadores, como eram conhecidos os homens das empresas do vinho do Porto (únicas autorizadas a exportar), poucas razões tinham então para sair de Gaia: era ali que provavam e aprovavam os lotes, era ali que os vinhos estagiavam e envelheciam nos cascos e era dali que eram exportados em pipa. Ir ao Douro era uma odisseia tal que era de evitar a todo o custo. Não se estanha assim que a Fonseca, apesar de ter grandes vinhos, não tivesse acesso, durante mais de 150 anos, a uvas próprias. Estamos mesmo em crer (suposição nossa) que os homens de Gaia não conseguiriam saber de que castas eram os vinhos que lhe chegavam, tal como não sabiam o compasso da vinha, a técnica da poda, as re-enxertias e outras páticas vitícolas. Até 1963, era seguro que eram todos feitos em lagar com pisa, uma vez que as cubas auto-vinificadoras, de cimento, só surgiram na região em 1964. Se os vinhos que chegavam a Gaia fossem de pequenos lavradores, continuariam certamente a ser vinhos feitos em lagar. Os provadores – personagens com uma tremenda importância no sector durante décadas e décadas – decidiam então, em Gaia, o destino dos vinhos que lhes chegavam: para Vintage e Tawnies com indicação de idade iam os melhores lotes; para as restantes gamas iam os vinhos de menor valia. Este foi o mundo da Fonseca até finais dos anos 70. Foi então que o sector percebeu – face à enorme procura internacional, nomeadamente de Vintage – que só controlando todo o processo, da vinha à adega, seria possível assegurar a alta qualidade dos vinhos produzidos. Deu-se assim um retorno ao Douro, agora com intenção de adquirir propriedades que pudessem suprir as necessidades ou, pelo menos, assegurar a melhor qualidade possível para os vinhos de topo.

Chegou então o momento da Fonseca se aventurar no Douro. A primeira propriedade adquirida foi a Quinta do Cruzeiro, em 1973. Situada em Vale Mendiz, a propriedade tem 21 ha, dos quais 13 com vinhas. A quinta já era fornecedora de uvas à empresa desde 1870 e desde 1912 que os vinhos do Cruzeiro entravam nos lotes dos Vintage. Após a morte do proprietário, a Fonseca adquiriu esta quinta que conhecia muito bem. Desde então as suas uvas – e de algumas vinhas adjacentes – são a espinha dorsal dos Vintage Fonseca.

Em 1978 a Fonseca comprou a Quinta do Panascal, situada nas margens do Távora, afluente da margem sul do Douro. Também daqui já seguiam vinhos para a empresa; desde a compra que a renovação dos vinhedos do Panascal tem sido uma actividade constante e é hoje uma propriedade em modo de produção bio.

Em 1979 foi adquirida a Quinta de Santo António, vizinha do Cruzeiro; tem 8,8 ha de área e cerca de 6 ha de vinhas, todas renovadas no moderno sistema de plantio introduzido pelos técnicos da empresa, com direcção de António Magalhães.

Para além destas, a empresa tem adquirido muitas outras quintas e parcelas vizinhas (também, por tradição, chamadas “quinta”), como aconteceu na vizinhança do Cruzeiro e Santo António. Assim, propriedades como Junco, Eira Velha, Casa Nova, Vedejosa, Vale do Bragão e Arruda, são pertença do grupo mas não estão adstritas a uma marca em particular. As uvas são assim usadas para os restantes vinhos do grupo mas não para os Vintage; esses continuam a ser das quintas tradicionais. É assim, diz David, “que se consegue manter a identidade de cada Vintage; não é por ser feito por mim ou por outro, é a expressão deste local e por isso não se deve incluir o que não tem cabimento”.

Em Janeiro de 2022, a empresa tomou posse da vinha Vale de Muros, vizinha do Panascal, uma vinha velha que corresponde à 1ª geração pós filoxera – ou seja já com recurso aos porta-enxertos – mas implantada em terraços pré-filoxéricos de apenas um bardo. Um verdadeiro monumento nacional. A parcela tem 1,6 ha. Quando chegou a hora da reforma, o anterior proprietário confessou: “preciso que seja o Panascal a tomar conta da vinha”. Dizem-nos que “foi um gosto da família toda vender à Fonseca”. Não nos custa a acreditar, tal o entusiasmo com que António Magalhães fala da vinha onde, mais do que cepas e muros vê um livro aberto sobre o modus operandi da lavoura na era pós filoxera. Sobre isso, conta-nos, “a vinha foi replantada aqui após a filoxera sem mexer nos muros e na largura dos socalcos. Só plantaram um bardo e não mais, como nos novos terraços pós-filoxera”. Então António conclui, “aqui a única diferença em relação aos tempos anteriores à filoxera é o recurso ao porta-enxerto montícola, muito rústico e que induz baixa produção mas permite que as cepas vivam mais tempo”. Tudo se percebe melhor, agora…

Gimaraens vintage fonseca
Na quinta do Panascal têm origem algumas bases para o Guimaraens.

Os novos métodos de plantio que a empresa adoptou no Douro – patamares de um bardo com 1,5m de largo que permitem acesso ao talude, e inclinação do terreno em 3% para escoar eventual enxurrada, tem tudo de novo na região, mas já o Visconde de Vila Maior, nos finais do séc. XIX, num texto verdadeiramente visionário, chamava a atenção para isso sugerindo que, quando a mão de obra escasseasse  para fazer os muros e se tivesse de optar por taludes, ter-se ia de ter em atenção a inclinação do patamar, exactamente pela razão referida. Notável! Já quanto à escassez de mão-de-obra, recordemos que é, apenas, um problema que existe desde que existe Douro e vinho do Porto…

Fonseca e Guimaraens – Vintage de prestígio

Tal como muitas outras casas do sector, a Fonseca tem dois tipos de Vintage: o Fonseca nos anos considerados “clássicos” e o Guimaraens nos anos não clássicos, também chamados pelos ingleses de “anos single quinta”. Aqui duas ressalvas: dizemos “muitas casas do sector” porque nem todas aceitam esta divisão entre clássico e single quinta, como foi durante mais de um século o caso da Ferreira, para quem “ou era Vintage ou não era”, afirmação tradicional dos enólogos da casa; e a própria designação de “clássico”, também ela muito querida às casas inglesas, mas que outros rejeitam totalmente, como o caso da Quinta do Noval. A ideia seria que “clássico” era o ano em que as empresas declaravam Vintage com a principal marca, neste caso Fonseca, noutros Graham’s, Dow’s ou Taylor’s, por exemplo. Sabemos que esta diferenciação é uma convenção criada nas empresas e que nada tem a ver com a entidade certificadora. De facto, o Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) não faz aquela distinção na aprovação dos lotes, limita-se a certificar o lote em apreciação como Vintage, sem mais adjectivos.

Quanto à Fonseca a noção de “single quinta” tem aplicação relativa, uma vez que a segunda marca – Guimaraens – é também ela lote de várias quintas. Para que a vida do consumidor não fique muito facilitada, além do Guimaraens, a Fonseca tem alguns Vintage de quinta, como é o caso do Quinta do Panascal (primeira declaração em 1984) e o Quinta do Cruzeiro, muito raramente editado e de que apenas conhecemos e provámos o 1982. É tudo algo confuso, mas o sector do vinho do Porto é mesmo assim…

O Guimaraens nasceu em 1931 e na prova que fizemos provámos a partir do 1933. Na década de 30, o Guimaraens era editado nos mesmos anos que o Fonseca e o lote de cada um é que era diferente. Segundo David Guimaraens foi a partir dos anos 40 que assumiram o Guimaraens como segunda marca.

O “assunto” dos single quinta ou Vintage não clássicos é de especial interesse para os consumidores, uma vez que são vinhos de grande qualidade e aprovados como tal pelo IVDP, mas que têm um preço bem mais acessível do que os Vintage considerados clássicos. Não durarão 100 anos mas nós também não…

Para se ter uma ideia da diferença, a Garrafeira Nacional (em Lisboa) vende o Guimaraens 2018 a €42 enquanto o Fonseca 2017 custa €111…

Os Fonseca são, com frequência, verdadeiros monstros, vinhos eternos que tendiam a precisar de 30 a 40 anos para começarem a dar boa prova. O melhor exemplo será o 1985, sem dúvida, o melhor da declaração, e que só agora começa a mostrar condições para ser apreciado, mas onde notamos vigor e potência para os próximos 50 anos. As edições mais recentes têm mostrado mais elegância mesmo na juventude, mas continuando a ser vinhos de enorme estrutura. O Guimaraens é mais previsível mas o 1976 desmente tudo (ver caixa). Segundo David, é normalmente após 40 anos de garrafa que conseguimos perceber e distinguir os que são eternos e os que não são tão longevos; é o caso da comparação entre o Guimaraens 1957 e o 1965, este segundo a mostrar-se muito mais jovem e a dizer-nos que durará mais tempo em garrafa.

Guimaraens vintage fonseca
De 1933 a 2018, 85 anos de vinhos e de história.

Uma prova memorável

Começámos a vertical de Guimaraens pelo mais antigo, o 1933. Já muito ligeiro na cor mas de aroma notável, pela delicadeza, pela finura e pelo carácter de fruta em calda e licorados de grande nível (19). O 1957 apresentava uma cor mais tawny e menos rico de estrutura que o 33, mas muito fino e elegante na boca (18). O 1965 nasceu num ano com alguma chuva na vindima o que, segundo David, também distingue os anos clássicos e não clássicos, já que nos clássicos a vindima é sempre sem chuva. Este mostrou estar agora no seu melhor momento, com aromas de garrafa, uma tonalidade ainda vermelha, verdadeira “atracção fatal” no aroma. Belíssimo (19). O 1967 sofreu de um mal que durante décadas afectou alguns Vintage, o facto de nascerem a seguir a um ano declarado como clássico, neste caso o 1966, 1967 “devia ter sido declarado”, lembra David; tem aromas sedosos e bela tonalidade vermelha, uma textura macia, envolvente e cheio, ligeiramente mais curto no final que o 1965 (18,5). O 1976 (ver caixa) nasceu em ano de baixos rendimentos derivados da seca, mas gerou um Vintage absolutamente glorioso (20). Ao contrário do 1976, o 1978 surgiu em ano húmido durante quase todo o ciclo mas com vindima seca, originando um vinho aberto de cor mas muito fino na boca, elegante e com carácter. Evoluiu depressa e já há bastante tempo que está no zénite (18). O 1984 mostrou-se ligeiro na cor, muito polido de aromas, com fruta em calda, muito agradável de beber agora e já no ponto certo do consumo (18). O 1987 foi ano que, também ele, deveria ter sido declarado (o que já ouvimos em várias casas) mas esta garrafa não se mostrou à altura, com algumas (subtis mas evidentes) notas aborrachadas. A rever. O 1991 foi declarado como segunda marca num ano em que quase todos declararam clássico o que gerou imensa controvérsia. O vinho mostrou muito bom perfil, ainda cheio e com bom volume, em grande forma na boca, a dar imenso prazer na prova (18,5). O ano de 1998 prometia tudo de bom e gerou grande entusiasmo no sector mas a chuva na vindima deitou tudo a perder e as duas garrafas aqui provadas também não nos deram grande alegria. O 2001 mostrou-se com boa cor ainda que a perder alguma concentração, está muito elegante e a dar bela prova, com a doçura no ponto (18). O 2008 revelou-se espectacular de cor e aroma, com fruta vermelha e negra e especiarias de pimenta preta, taninos excelentes, com grande complexidade (18,5). O 2015 nasceu num ano de invulgar seca mas alguma chuva na vindima ajudou à qualidade final. Concentrado na cor e ainda fechado no aroma mas com enorme potencial; taninos finos bem presentes, todo ele a mostrar anos e anos pela frente (18,5).

No conjunto, uma prova rara, assente em grandíssimos vinhos e ao longo da qual percorremos 85 anos de Vintage Guimaraens. Memorável, em suma.

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António Magalhães, responsável pelas vinhas da empresa, conhece o Douro como poucos.

 

Guimaraens 1976 – o vintage mistério

Este Guimaraens foi declarado num ano em que muito poucas casas fizeram Vintage, havendo referência de um Quinta de Vargellas e um Malvedos e pouco mais. O ano anterior tinha sido “clássico” mas esse 1975 acabou por se revelar um flop na generalidade do sector, um vinho que nunca deveria ter sido declarado e que é hoje se mostra, regra geral, demasiado ligeiro e frágil, o que contraria a lógica da declaração de um “clássico”. Este 1976 Guimaraens, desde o seu lançamento, mas sobretudo desde o final dos anos 80, veio a revelar-se um “monstro” na positiva acepção da palavra. Concentrado na cor, de enorme estrutura, faltando-lhe em delicadeza o que lhe sobrava em raça e energia. Foi por isso muito apreciado pela crítica e também muito “comprado” já que o preço era muito conveniente e a disponibilidade no mercado era a que se quisesse. Recordo que, na época, nem Bruce Guimaraens nos conseguiu explicar bem a origem daquelas uvas e, assim, o 1976 ficou sempre como eterno enigma. Na prova agora levada a efeito, mostrou-se de novo grandioso e explosivo, com uma concentração de cor que só se repetiu no 1998. Neste aspecto de vigor e estrutura é para mim é um dos Vintage memoráveis do século XX, sobretudo por esse lado inexplicável que lhe estará sempre associado. Nenhum dos vinhos agora provados na vertical se assemelhou no perfil ao “monstro” de 76. Também já tive oportunidade de provar alguns 1976 menos surpreendentes mas aí entra o factor “rolha” a estragar a festa. Para sorte de todos os presentes na prova, este estava absolutamente grandioso. (JPM)

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2022)

Ermo Wines: Roque do Vale versão 3.0

Ermo Wines

Os primeiros frutos do projecto pessoal de Mariana Roque do Vale já estão nas prateleiras das lojas e, embora assentes num histórico legado familiar, revelam um cunho muito próprio. Como próprias são as uvas utilizadas, oriundas de duas propriedades, uma na serra do Mendro, Vidigueira, outra em Moura. Objectivo declarado: expressar um lado moderno do […]

Os primeiros frutos do projecto pessoal de Mariana Roque do Vale já estão nas prateleiras das lojas e, embora assentes num histórico legado familiar, revelam um cunho muito próprio. Como próprias são as uvas utilizadas, oriundas de duas propriedades, uma na serra do Mendro, Vidigueira, outra em Moura. Objectivo declarado: expressar um lado moderno do Alentejo, com vinhos diferenciadores e produzidos em pequena escala.

 Texto: Luís Lopes  Fotos: Ermo Wines

Roque do Vale é um nome que soa forte juntos de apreciadores que reúnam duas condições: gostar de vinhos do Alentejo e andar por cá há alguns anos. Curiosamente, as raízes mais profundas dos Roque do Vale não são alentejanas mas sim da zona de Torres Vedras, onde a agricultura sempre fez parte da actividade familiar ao longo de muitas gerações. No entanto, foi no Alentejo, e a partir dos anos 80, que Carlos e Clara Roque do Vale deixaram marca profunda, enquanto produtores de vinho (na altura, na sub-região de Redondo, com a marca Redondo, dos rótulos com pratos de barro, ou o conhecido Tinto da Talha) e enquanto dinamizadores do Alentejo como região vitivinícola, muito tendo contribuído para a sua afirmação naqueles primeiros anos da demarcação. Neste contexto, nunca é demais recordar que Carlos Roque do Vale foi um dos fundadores da ATEVA (Associação Técnica dos Viticultores do Alentejo), que chegou a dirigir, e que Clara Roque do Vale foi a primeira presidente da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, onde esteve 12 anos, implementando toda a estrutura de certificação e promoção dos vinhos do Alentejo e da Rota dos Vinhos do Alentejo. Em 2000 o casal lançou-se num novo ciclo empresarial e criou a empresa Monte da Capela, em Moura, recentemente rebaptizada como Casa Clara, onde produz vinhos e azeites.

Ermo WinesFilha de Carlos e Clara, Mariana Roque do Vale tem, pois, toda esta “carga histórica” com que lidar. E, no entanto, não estava previsto que assim fosse. Licenciada em Direito pela Universidade Católica de Lisboa, Mariana desenvolveu o seu percurso

profissional na área da consultoria, da banca e de gestão, entre Lisboa e Londres onde viveu cinco anos. Em final 2019, porém, resolveu aplicar os seus conhecimentos do mundo empresarial e financeiro ao projecto Casa Clara, tornando-se sócia dos seus pais. Desde o início, porém, que ambicionou ter, em paralelo, o seu próprio negócio vitivinícola. E assim, nasceu o Ermo. “O Ermo é algo de muito pessoal”, diz Mariana Roque do Vale. “Enquanto a Casa Clara tem estatuto e perfil mais clássicos, aqui pretendi fazer algo mais arrojado, trazendo uma visão e abordagem moderna no mundo dos vinhos.” A intenção passou por criar vinhos “de baixa intervenção e de produção limitada”. Para acentuar a diferença, o conceito enológico teria de ser distinto e, foi nesse sentido que Mariana convidou Joana Pinhão para dirigir a enologia. Joana, com larga experiência no Tejo, Douro e Vinhos Verdes, nunca tinha trabalhado no Alentejo e aceitou entusiasmada o novo desafio.

ENTRE MOURA E VIDIGUEIRA

Para fazer vinho, é preciso uvas. Mariana Roque do Vale optou por basear os Ermo exclusivamente em uvas próprias. À partida, tinha desde logo o conforto da matéria prima da Herdade da Capela, propriedade da Casa Clara, a sociedade familiar. Mas a produtora queria ter algo mesmo seu e deste modo adquiriu a Quinta de D. Maria, na serra do Mendro, Vidigueira (não confundir com a quinta e marca Dona Maria, em Estremoz…). Assim, os primeiros vinhos que agora chegam ao mercado assentam nas duas propriedades e com divisão bem clara na origem das uvas: os brancos, são da Herdade da Capela; os tintos, da Quinta de D. Maria.  A Herdade da Capela localiza-se na sub-região de Moura, na margem esquerda do Guadiana. É uma propriedade de 70 hectares, de suaves encostas, com solos de derivados de calcário com algum granito, à beira do espelho de água do Alqueva. Ali estão plantados 54 hectares de vinha com diversas castas tintas e brancas, mas no Ermo entram apenas estas últimas, e em concreto as variedades, Arinto, Antão Vaz, Verdelho e Viosinho, de videiras com cerca de 25 anos.

A Quinta de D. Maria encontra-se localizada na Serra do Mendro, acompanhando uma das suas encostas que desce desde a cota de 300 metros até à margem do rio Guadiana. É uma propriedade de 231 hectares, com 26 hectares de vinha em produção, 40 hectares de olival tradicional (de onde vem o azeite Ermo), montado e floresta. Os solos são de xisto e pedra rolada do rio e as variedades plantadas são exclusivamente tintas: Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonez, Castelão e Trincadeira, às quais se junta uma pequena parcela de Cabernet Sauvignon. Estas videiras, com mais de 30 anos, têm história no Alentejo. É que, a partir de final dos anos 90 e ao longo de uma década, deram origem aos famosos tintos do produtor Francisco Garcia, vinhos ambiciosos na qualidade e no preço. O que, se traz garantias da excelência do terroir, também acentua a responsabilidade de Mariana Roque do Vale, da enóloga Joana Pinhão e do consultor de viticultura João Torres.

Mariana, porém, não se limitou a recuperar as videiras plantadas naquela encosta do Mendro, com um microclima mais ameno criado pela escarpa da falha da Vidigueira. Aproveitando o relevo da propriedade, plantou 10 hectares de vinha nova, parcialmente desenhada em patamares que, de algum modo, lembram o Douro. A opção varietal passou por reforçar algumas das castas clássicas já existentes na vinha antiga (Alicante Bouschet e Castelão) e introduzir castas portuguesas menos tradicionais na região: Tinta Francisca, Tinta Miúda, Touriga Franca, Touriga Nacional e Sousão. É a expressão de “Alentejo moderno” que Mariana Roque do Vale pretende implementar na marca Ermo. “Queremos novas potencialidades para os nossos vinhos”, refere, “e estas são castas que acreditamos virem a adaptar-se bem ao clima e solo da propriedade, aportando frescura e acidez.” A experiência e conhecimento científico de João Torres foram fundamentais nesta decisão. Foi feito um estudo detalhado do solo, orientação solar e topografia do local, para que cada casta ficasse plantada na parcela mais apropriada. E a construção de parte da vinha em patamares permitiu que algumas variedades, como o Sousão, ficassem viradas a nascente, protegendo-se do calor das tardes de Verão.

Ermo Wines

ALENTEJO MODERNO

A viticultura do Ermo encontra-se no modo de produção integrada, utilizando recursos naturais e mecanismos de regulação natural, e uma parte está em processo de migração para o modo de produção biológico. “As uvas são todas colhidas à mão e na adega, tentamos ser o menos interventivos possível, apostando em fermentações espontâneas e vinhos com macerações mais suaves”, diz a enóloga Joana Pinhão. “Na base do projecto está uma visão moderna da vitivinicultura e da enologia, assente numa filosofia de sustentabilidade nos seus diversos pilares, e numa aproximação de baixa intervenção, respeitando o solo e o carácter das vinhas”, complementa Mariana Roque do Vale.

A primeira vindima (a vinificação é feita na adega da Casa Clara, em Pias) teve lugar em 2020, com os vinhos a começarem a chegar às lojas em finais de 2021. Para já, são cerca de 20.000 garrafas, mas prevê-se um crescimento suave e sustentado ao longo dos próximos anos. No mercado estão dois brancos de Arinto (um deles feito em ânfora) e um tinto de Castelão, pensado num perfil mais leve e elegante. Em breve, chegará um novo tinto, também de 2020, desta vez um blend, com as castas Trincadeira, Alicante Bouschet e Cabernet Sauvignon. Os vinhos provados prometem muito, e vale bem a pena manter este projecto Ermo debaixo de olho.

Um projecto que não se esgota no vinho, nem sequer no Alentejo. Mariana Roque do Vale é apaixonada pela arquitectura e pela maneira como o espaço influi na nossa vivência. E como quer introduzir outras formas de pensar o Alentejo e os seus vinhos, está a criar no bairro da Lapa, em Lisboa, numa casa projectada pelo arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha (1928-2021) um espaço para jantares vínicos e provas que vai funcionar como extensão enoturística do Ermo e de outros produtores. Em princípio, os primeiros eventos ocorrerão ainda este ano. Em estudo estão também um hotel rural, uma cave de estágio e um pavilhão de provas, com assinatura de alguns dos mais cotados gabinetes de arquitetura contemporânea.

“Quero dar continuidade ao legado de meus pais, mas quero fazer mais coisas, estabelecer uma ponte para o futuro, para um moderno Alentejo”, diz Mariana. Se o Alentejo moderno é assim, venha mais.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2022)

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Murgas Wines: Bucelas a mexer

Murgas Bucelas

A quinta é antiga, mas o entusiasmo e a renovação da vinha são recentes. João França lidera um projecto integrado que oferece já várias valências e terá ainda mais no futuro, com mais vinha e enoturismo. Texto:João Paulo Martins  Fotos: Murgas Wines João França estava recém-chegado das férias na praia, tranquilo, boas cores, muita energia. […]

A quinta é antiga, mas o entusiasmo e a renovação da vinha são recentes. João França lidera um projecto integrado que oferece já várias valências e terá ainda mais no futuro, com mais vinha e enoturismo.

Texto:João Paulo Martins  Fotos: Murgas Wines

João França estava recém-chegado das férias na praia, tranquilo, boas cores, muita energia. A sua quinta em Bucelas fervilha de vida, humana e animal. Originalmente a propriedade pertenceu ao avô, Sérgio Geraldes Barba que, além desta Quinta das Murgas, tinha mais propriedades na região, como a quinta do Avelar, hoje detida por um tio de João. As referências ao avô foram uma constante ao longo da nossa visita e da nossa conversa. Entrámos numa viatura todo-o-terreno e fomos visitar muitas instalações existentes na zona, quase todas desactivadas. Aqui ficavam os aviários do Freixial, um colosso (para a época era o maior da Península Ibérica) de criação de frangos, ainda activo nos anos 70 e 80 e que chegou a empregar 300 pessoas, com escolas e cantinas. Hoje muitas das casas estão em adiantado estado de degradação, finalizada que foi a “aventura franguística”. Sobrou espaço e João não põe de lado a ideia de alargar a área de vinha, assim o negócio prospere. Sérgio Barba era um empresário multifacetado, ligado também à construção, tendo sido da sua responsabilidade a substituição do hotel Aviz pelo Imaviz e actual hotel Sheraton, em Lisboa. O seu nome ficou igualmente ligado à odisseia (é mesmo assim que se deve chamar…) da introdução da Coca-Cola em Portugal. Depois de décadas de tentativas, a Coca-Cola foi finalmente autorizada no país em Janeiro de 1977, era Mário Soares Primeiro Ministro. Sérgio Barba esteve na criação da empresa Refrige que iniciou a construção de fábrica própria para a Coca-Cola em Palmela. Terminavam assim todas a reticências que remontavam ao tempo de Salazar que, nos anos 40, era feroz opositor da entrada do grupo em Portugal.

As vinhas e as florestas

João conviveu muito com o avô e dele recebeu o gosto pela terra, pelo vinho e pela natureza em geral. Essa ligação foi uma constante até à morte que ocorreu em 2006. Em Bucelas detinha para cima de 1000 hectares de terras e ainda hoje (nomeadamente na Quinta do Avelar) se percebe um micro-cosmos onde a exuberância da vegetação nos faz esquecer que estamos às portas de Lisboa.

Os vinhos de Bucelas estiveram durante décadas confinados a muito poucos produtores. Na altura, além de Geraldes Barba apenas as Caves Velhas tinham um papel de relevo na região. Eram herdeiras de um outro grande empresário mas de época muito anterior, João Camillo Alves que, nos anos 40 e 50 –, era assessorado pelo enólogo Manuel Vieira. Foi preciso esperar pelo início dos anos 90 para conhecermos uma nova era para a região com a constituição da Quinta da Romeira e o plantio de largos hectares de vinha onde a casta Arinto passou a brilhar a solo, então pela mão de Nuno Cancela de Abreu e mais tarde, João Corrêa. Hoje, a Romeira pertence à Sogrape. A tradição regional impunha os vinhos de lote, com a ligação entre a Arinto, a Rabo de Ovelha e a Esgana Cão. Cancela de Abreu começou a contrario a fazer brancos onde apenas entrava a casta Arinto. Ainda hoje a Quinta das Murgas vende parte das uvas à Quinta da Romeira. Esse gosto pelo vinho monovarietal desenvolveu-se e actualmente a maioria dos produtores locais opta pelo uso exclusivo da Arinto.

Bucelas é famosa desde o séc. XIX e a demarcação ocorreu há mais de um século, no conjunto das primeiras demarcações pós-pombalinas, já no final da monarquia. São pergaminhos de que poucas regiões se podem gabar. Era a esta “zona saloia”, onde pontificavam as hortas e pomares, que os lisboetas iam passear aos fins-de-semana. Temas queirosianos por excelência…

Estamos em terras de brancos, os únicos que têm direito à DOC Bucelas e, embora aqui se produzam também tintos, a verdade é que toda a fama recai na casta Arinto, responsável pelo carácter muito próprio dos brancos locais. Como sabemos pelas informações dos cientistas da vinha que estudam ADN e genética quantitativa das castas, a Arinto nasceu mesmo em Bucelas e foi daqui que, aos poucos, se foi espalhando por todo o país. Ganhou fama e é hoje, reconhecidamente, uma das mais, se não mesmo a mais importante casta branca que temos no país, na conjugação de qualidade, adaptabilidade e dispersão geográfica. A principal característica que todos lhe reconhecem é o seu carácter ácido que se conserva mesmo em climas mais quentes. A Arinto ganhou assim muito espaço nomeadamente no sul de Portugal, onde passou a ser parte integrante do lote mais característico do Alentejo.

Murgas BucelasA nova vida das Murgas

O dia estava soalheiro e por ali andavam alguns cavalos, dos muitos que aqui estão em permanência, actividade que está a cargo do irmão de João. O que se sente na quinta é uma grande presença de animais, alguns exóticos ou pouco conhecidos, espécies anãs, por exemplo, mas também galinhas, lamas, gamos, borregos e um leitão que circula livremente e até nos veio visitar na sala de provas.

Recuperado o casario mas ainda sem adega – os vinhos são feitos em espaço alugado na Quinta da Murta – a vinha estende-se por 12 ha, dos quais 2 de casta tinta que o avô plantou (Touriga Franca, agora rebaptizada de Touriga Francesa) e de gostava particularmente, um hectare de Esgana Cão e o restante de Arinto. Há intenção de plantar mais 4 ha mas a produção para já é suficiente e ainda se vendem uvas para terceiros. O objectivo de João França e do enólogo Bernardo Cabral, passa por conseguir uma produtividade de 15 toneladas por hectare sem prejuízo da qualidade. Estamos em solos argilo-calcários, com muita pedra e muita disponibilidade de água no solo, sendo possível jogar com várias exposições da vinha, o que é uma vantagem. João França já adquiriu algumas parcelas contíguas que também pertenciam à família e por isso há espaço para crescer, jogando com vinhas em encosta de considerável inclinação. Além do branco e do tinto irão fazer este ano um rosé; a produção em 2021 repartiu-se por 7000 garrafas de tinto e outras tantas de branco. Neste momento já se faz alguma exportação para os EUA e Brasil e são, no mercado interno, distribuídos pela Wine Concept.

O mosto da uva branca fermenta (20%) em barrica usada e o mosto das tintas em inox, indo depois para barricas usadas. Após a recuperação da vinha de Touriga Francesa, fez-se o primeiro branco em 2017 e o primeiro tinto em 2019. O branco 2018 estagiou 9 meses sobre borras finas, com bâtonnage nos primeiros dois meses. Cerca de 70% do tinto descansou barricas. Quando da nossa visita, provámos também os brancos de 2017 e 2019. Ficamos em grande expectativa em relação à edição de 19 que, tal como o 17, se apresenta muito citrino e vibrante (17,5). Os tintos são, por ora, feitos em Alenquer na adega da empresa Félix Rocha.

Quando neste mês de Setembro arrancar o projecto de enoturismo será possível organizar passeios pela quinta, a cavalo, em viatura todo o terreno ou a pé, provas de vinho a meio do percurso, convívio com toda a fauna local, percursos pessoais em que se entrega um mapa, uma cesta com a merenda e, a pedido, uma bicicleta, para fazer o circuito. Não faltarão motivos, não já para ir “ver as hortas” queirosianas, mas para usufruir de um ambiente rural sofisticado bem perto de Lisboa.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2022)

AdegaMãe: Lisboa de carácter e ambição

lisboa adegamãe

Mais de uma década depois do seu nascimento, a AdegaMãe assume-se como um projecto maduro e sólido, um dos produtores que mais contribuem para a afirmação qualitativa da região de Lisboa. Nos vinhos, e no enoturismo. Texto: Mariana Lopes    Fotos: AdegaMãe Ventosa, Torres Vedras, apenas a 10 quilómetros do oceano atlântico. É aqui que fica […]

Mais de uma década depois do seu nascimento, a AdegaMãe assume-se como um projecto maduro e sólido, um dos produtores que mais contribuem para a afirmação qualitativa da região de Lisboa. Nos vinhos, e no enoturismo.

Texto: Mariana Lopes    Fotos: AdegaMãe

Ventosa, Torres Vedras, apenas a 10 quilómetros do oceano atlântico. É aqui que fica a AdegaMãe, erguida em 2011 pela família fundadora do Grupo Riberalves, entre o mar e a Serra de Montejunto. Dois factores muito importantes: a proximidade ao mar, porque define largamente o perfil de vinhos da casa, e o profissionalismo e experiência empresarial de quem a criou e gere que, sabendo rodear-se das pessoas certas, fez com que a AdegaMãe se afirmasse, em pouco mais de 10 anos, como um dos mais promissores produtores da região de Lisboa. É assim mesmo que se escreve, “AdegaMãe”, sem espaço entre as duas palavras. João e Bernardo Alves, pai e filho, homenageiam desta forma Manuela Alves, a matriarca da família. Mas “Mãe” é, aqui, também referência aos conceitos de “nascimento” e “criação”, de uvas, de vinhos e de experiências.

Actualmente, é Bernardo Alves que está ao leme, enquanto director-geral, do projecto e dá continuidade ao sonho do pai, que começou em 2010 com a primeira vindima, altura em que as infra-estruturas da AdegaMãe estavam ainda em processo de construção. Em 2011, é concluído o edifício principal, a adega, e lançado o primeiro vinho para o mercado, o Dory tinto 2010. A marca Dory — inspirada nos Dóris, pequenos barcos que se presume terem surgido no século XVII ou XVIII, usados na pesca do bacalhau — é ainda hoje a principal e mais “famosa” do portefólio da casa, que integra também o entrada de gama Pinta Negra e a linha AdegaMãe, dedicada sobretudo a vinhos varietais e de parcela. Em 2021, para marcar 10 anos de existência, a empresa sofreu um rebranding total, da autoria da M&A Creative Agency, mas a imagem dos rótulos dos Dory manteve o seu elemento principal: o Dóri nº 37 e o seu tripulante, um pescador português embrenhado na sua função. Este cenário foi retirado de uma fotografia original e bem antiga, que a AdegaMãe obteve permissão para usar, onde se vê também a embarcação-mãe, o Creoula, em plano de fundo. Construído e lançado ao mar pela primeira vez em 1937, o ex-bacalhoeiro Creoula pertence hoje à Marinha Portuguesa. Entretanto, já depois desta imagem ser utilizada nos rótulos dos Dory, o verdadeiro Dóri 37 foi oferecido à AdegaMãe, pela família que o detinha, e está exposto mesmo à entrada da adega, não deixando dúvidas sobre a influência do mar na génese e herança espiritual do produtor.

Montejunto: três de um lado, três do outro

Embora tudo tenha começado com um tinto (provavelmente porque, na altura, era o que mais sentido fazia a nível de mercado), rapidamente a equipa da AdegaMãe percebeu que o potencial daquela zona de Lisboa residia nas uvas e vinhos brancos, pelo clima e pelos solos. Anselmo Mendes e Diogo Lopes — hoje talvez a dupla de enólogos mais cobiçada do país — acompanham a empresa desde a sua fundação e orientaram, logo no início, a restruturação das vinhas que circundam a AdegaMãe: substituíram as castas tintas que, na verdade, não faziam ali grande sentido, como Alicante Bouschet ou Aragonez, entre outras, por uvas brancas. Nos 30 hectares de vinhedos que ali estão hoje, apenas uma tinta ficou, a Pinot Noir. Amândio Cruz, viticólogo consultor da AdegaMãe e também ele uma referência na sua profissão, entrou em cena em 2014, e explica que a Pinot Noir se comporta “mais como uma branca, a nível de exigências térmicas”, por isso faz sentido ali. E ainda bem para Bernardo Alves, que confessa ser uma das suas favoritas…

Porém, para Amândio Cruz, o maior potencial da casa reside nas três brancas mais plantadas ali, Chardonnay, Viosinho e Sauvignon Blanc, “o ex-libris da AdegaMãe”. Em 2021, lembra, plantaram Gouveio, que era praticamente inexistente nas vinhas do produtor, e este ano reforçaram a área de Alvarinho. Ainda na zona da adega, há também Riesling e Arinto, mas é noutra vinha de 32 hectares, na zona mais interior do concelho, que estão Fernão Pires e Viognier, além de Arinto e Sauvignon Blanc. Adicionalmente, já na encosta poente da Serra de Montejunto, em Pereiro, encontra-se uma vinha de 3 hectares com a casta Vital, uma das pouquíssimas ainda existentes na região. Durante vários anos, a equipa de enologia da casa esteve a estudar o que fazer com ela, culminando no lançamento do AdegaMãe Vinhas Velhas Vital, em 2021, integrado numa nova gama de vinhos de parcela. “O clima de Torres Vedras é excepcional para castas brancas, é o factor principal”, elucida Amândio Cruz. “É mais fresco em geral, as temperaturas máximas são mais baixas e as nocturnas também, e temos uma neblina matinal óptima. Há até menos horas de sol, porque está muitas vezes nublado até às onze da manhã”, desenvolve. Mas também o solo tem a sua importância no potencial da zona para brancos: “O solo é argilo-calcário, o que imprime excelente acidez nas uvas, com a particularidade de ter muito cálcio, mais do que potássio. Isto é bom porque o potássio, embora importante para a nutrição das uvas, em excesso retira-lhes alguns ácidos essenciais”, refere o viticólogo.

Já do outro lado da serra, num clima mediterrânico de influência mais continental e (um pouco) menos atlântica, estão as uvas tintas, divididas por outras três vinhas nas zonas de Alenquer e Arruda dos Vinhos: Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Touriga Nacional, Castelão, Tinta Roriz, Aragonez e Alicante Bouschet. Deste lado as amplitudes térmicas são maiores (essencial para a maturação das uvas tintas) e os Verões mais quentes.

lisboa adegamãe Especialidade da casa

Os vinhos brancos varietais, incluindo os de uma só parcela, são claramente o campo onde a AdegaMãe dá mais cartas. Durante a última década, a empresa esteve à procura “do seu lugar no Mundo”, e foi aqui que o encontrou. Ainda em 2013, ano em que a AdegaMãe fez um dos vários reforços à gama de varietais brancos, com 4 novos vinhos, Bernardo Alves já dizia: “O objectivo é contribuir para uma nova reputação da região de Lisboa. Esta região e a AdegaMãe têm muito para dar ao país. As condições naturais, a proximidade do oceano Atlântico e os próprios solos oferecem-nos vinhos com características especiais, com uma mineralidade e com uma acidez natural que é de realçar. Temos condições únicas para fazer grandes vinhos”.

Diogo Lopes, que hoje é o principal enólogo da casa, recorda que “os primeiros 10 anos serviram para eu e o Anselmo Mendes aprendermos sobre a região. As variedades, as zonas, os estilos de vinho e todos os seus potenciais. Aprofundar o conhecimento e ter mais certezas do que queríamos fazer. O corolário disto tudo, é a gama dos vinhos de parcela”. Esta gama, com a marca umbrela AdegaMãe, abrange, além do já referido Vinhas Velhas Vital, também o Tinto Atlântico, um 100% Pinot Noir da vinha do produtor mais próxima ao mar, e mais recentemente a novidade absoluta, Parcela Amarela, 100% Viosinho, casta que a equipa considera como a “crème de la crème” da casa, estando presente nos principais brancos de lote). No entanto, não é só a parcela e a casta que fazem este vinho, na edição de 2019, especial. “Com o decorrer da fermentação, ouve duas barricas que desenvolveram um pouco de ‘flor’ naturalmente, e eu deixei ficar… achei que ia dar riqueza ao vinho”. A “flor”, ou “véu de flor”, é uma espécie de manto, formado por leveduras, que se forma no topo do vinho, a maior parte das vezes quando a barrica ou o depósito não estão totalmente atestados, devido ao contacto com o oxigénio. E ainda bem que Diogo Lopes o deixou ficar, porque neste caso o resultado foi excelente, um branco original e com enorme complexidade e elegância, com um lado evoluído nobre.

Igualmente ambiciosa é a gama dos AdegaMãe varietais brancos. Para esta reportagem, provou-se o Sauvignon Blanc 2020, Riesling 2019, Chardonnay 2020, Arinto 2019, Alvarinho 2018 e Viosinho 2019. Em comum, têm o facto de serem vinhos de elevadíssima qualidade, por um preço altamente democrático. Quando se diz a Bernardo Alves que estas referências poderiam custar bem mais, “nas prateleiras”, do que custam, o director-geral da AdegaMãe torce o nariz: “Claro que poderiam custar mais, têm qualidade para isso, mas não é esse o nosso objectivo. Queremos que toda a gente possa beber excelentes vinhos de Lisboa”, sublinha.

lisboa adegamãe

Investir na qualidade

É também Bernardo Alves que critica o sector do enoturismo português, com assertividade. “Enoturismo não é só dormir nas quintas de vinho, nem ter apenas uma porta aberta ao público. Ou se tem à seria, com uma estrutura dedicada, ou mais vale não ter”. Como se costuma dizer “errado ele não está”. É com base nesta premissa que a AdegaMãe tem investido largamente nesta área, com o último investimento maior a recair (a par da área da produção) sobre a abertura do restaurante Sal na Adega, em 2020. O espaço, moderno mas aconchegante em simultâneo, e com vista privilegiada para as vinhas, serve cozinha tradicional portuguesa com um toque de elegância e identidade, da autoria do chef santareno Tiago Fitas Rodrigues. O bacalhau tem, naturalmente, forte presença na carta, mas nem só dele se faz a oferta gastronómica, havendo muito mais por onde escolher, e acima de 20 referências de vinho para harmonizar. À entrada, logo a seguir à loja, uma zona estilo wine bar para quem espera ou para quem não se quer comprometer com uma refeição completa. É também aqui, no Sal na Adega, que se pode desfrutar do Brunch AdegaMãe, que custa €40 por pessoa e inclui harmonização com 4 vinhos da casa: Dory Colheita branco ou tinto, varietal branco, varietal tinto e Dory Reserva branco ou tinto. Ainda no âmbito do enoturismo, há todo um leque de provas comentadas diferentes, visitas guiadas e experiências personalizadas. “As pessoas vêm pouco ao Oeste, e nós estamos a tentar criar motivos para que venham”, conclui Bernardo Alves.

Tendo já todas as fases do processo de produção nas suas instalações, incluindo linha de engarrafamento, a AdegaMãe produz, actualmente, 2 milhões de garrafas por ano, um aumento de 700 mil desde 2018. Cerca de 75% vai para mais de 30 países, com o Brasil, os Estados Unidos, a Ásia e a Colômbia a afigurarem-se como os mercados mais importantes. Também desde 2018, a facturação quase duplicou, com Março a fechar nos 5,8 milhões de euros. E o próximo grande objectivo, qual é? Diogo Lopes responde: “Acho que falta, na região, alguma identidade, e nós já descobrimos a nossa. Queremos assumir a AdegaMãe como um dos grandes produtores de vinho branco do país”.

 

Família Amorim: Novas de Dão e Douro

amorim dão douro

A sempre impactante Taboadella, no coração do Dão, foi o palco para a apresentação das novas colheitas do portefólio vínico da família Amorim, oriundas quer da propriedade anfitriã quer da duriense Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo. Entre os vários vinhos lançados, houve espaço para uma estreia, um branco de uvas tintas. E revelou-se a […]

A sempre impactante Taboadella, no coração do Dão, foi o palco para a apresentação das novas colheitas do portefólio vínico da família Amorim, oriundas quer da propriedade anfitriã quer da duriense Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo. Entre os vários vinhos lançados, houve espaço para uma estreia, um branco de uvas tintas. E revelou-se a consolidação de dois projectos com muito ainda para crescer e encantar.

Texto: Luis Lopes     Fotos: Amorim

O investimento vitivinícola da família Amorim assenta em duas propriedades emblemáticas. A Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo foi adquirida em 1999, integrada na compra da Burmester. A empresa de Porto foi depois vendida à Sogevinus, mas a propriedade ficou na família, desenvolveu-se muitíssimo e é hoje uma referência na região, em termos de vinhos e de enoturismo. A Taboadella é um projecto bem mais recente. Comprada em 2018, a reabilitação vitivinícola ali realizada e a construção de uma adega (desenhada por Carlos Castanheira) absolutamente inovadora do ponto de vista arquitetónico e funcional, tornou muito rapidamente esta propriedade numa das estrelas que mais brilha no Dão. Brilho que vai certamente aumentar com a recente recuperação da casa da quinta, agora baptizada Casa Villae 1255, uma habitação senhorial de 8 quartos disponível para aluguer em regime de exclusividade. Luisa Amorim, CEO do negócio vitivinícola da Amorim, foi a anfitriã na apresentação das novas colheitas, ladeada por Ana Mota, directora de produção e Jorge Alves, responsável de enologia. Os vinhos, esses, não podiam ser mais distintos entre si, traduzindo as naturais diferenças nas suas origens, Quinta Nova e Taboadella.

QUINTA NOVA

 A Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo é uma imponente propriedade situada na margem direita do Douro, entre a Régua e o Pinhão, referenciada desde a primeira demarcação pombalina, em 1756. Com uma frente de rio de 1,5 km, a quinta tem cerca de 120 hectares, dos quais 85 plantados com vinha. Esta espalha-se por encostas íngremes desde a cota de 80 metros até cerca de 300 metros, com vários modelos de plantação: terraços, patamares e vinha ao alto. Os terraços albergam duas parcelas de vinha centenária, uma de 2,5 hectares e outra com 4,5 hectares, ambas localizadas a 150 m de altitude com uma exposição solar a sul-poente, preservadas em muros de xisto. Ali se conservam cerca de 80 castas tintas e brancas que entram nos lotes dos vinhos mais ambiciosos da Quinta. A produção é, naturalmente, muito baixa, e as parcelas são cuidadas de forma tradicional, o solo mobilizado com charrua e cavalo e adubação natural com recurso à descava. Ana Mota tem procurado manter e replicar o valioso património genético deste tesouro vitícola. Assim, através de selecção massal da vinha centenária, foram nascendo novas estacas e novos talhões de vinha perfazendo actualmente 41 parcelas distintas, cada qual com o seu microterroir.

As uvas brancas da vinha velha entram no lote do Mirabilis, o branco de topo da casa, onde se juntam às castas Viosinho e Gouveio. Lançado pela primeira vez na vindima de 2011, o Mirabilis tem vindo a assumir-se, pela qualidade e pelo preço, como um dos mais reputados brancos durienses. Agora, é a colheita de 2020 que chega ao mercado, mantendo o elevado padrão da marca. O rosé Quinta Nova também já se tornou um “clássico”, criado na vindima de 2015. Chegou a haver duas referências, um “normal” e um “reserva”, mas a partir da vindima de 2019 prevaleceu o primeiro, incorporando embora a fermentação em barrica do segundo. É o caso do agora apresentado 2021, feito de Tinta Roriz (50%), Tinta Francisca e Touriga Franca. Tinta Roriz foi também a casta escolhida por Jorge Alves para a estreia absoluta do Quinta Nova Blanc de Noir Reserva. Da vindima de 2021, é um branco de uvas tintas que estagiou em barricas de carvalho francês. Por fim, o Porto Vintage 2020. Oriundo das vinhas centenárias da Quinta Nova, promete, com alguns anos de garrafa, vir a ser coisa muito séria.

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A Adega Taboadella foi completamente inovadora no Dão.

TABOADELLA

A Taboadella constituiu o início das aventuras vínicas da família Amorim fora do Douro. Situada em Silvã de Cima, entre Penalva do Castelo e Sátão, é uma propriedade planáltica, que se desenvolve entre as cotas de 530 a 400 metros. Os 42 hectares de vinha (29 de castas tintas e 13 de brancas) estão protegidos pelos maciços montanhosos que atenuam os ventos frescos de oeste e os ventos agrestes de leste, resultando num clima entre o atlântico e o continental. A vinha está dividida em 26 parcelas diferenciadas. As vinhas mais antigas centram-se nas variedades tradicionais do Dão: Jaen, Touriga Nacional, Alfrocheiro e Tinta Pinheira. Nos anos 80, a vinha da Taboadella foi parcialmente replantada, introduzindo-se novas castas como a Tinta Roriz e as brancas Encruzado, Cerceal-Branco e Bical. Hoje, a idade média das videiras é de 30 anos, mas algumas já atingiram um século. A vinha da Taboadella não é regada e está em processo de transição para produção em modo biológico.

As novidades da casa agora apresentadas assentam em quatro varietais, um branco, três tintos. Primeiro, o Encruzado Reserva branco 2021. Tal como os restantes, apareceu logo na primeira vindima da Taboadella, 2018. Para Jorge Alves, acostumado à realidade duriense, o encontro com a Encruzado no Dão foi uma agradável surpresa. “Hoje”, confessa, “é a casta branca portuguesa de que mais gosto, sem reduções ou oxidações na adega, originando vinhos com muita frescura e longevidade.” O Taboadella Encruzado 2021 fermentou e estagiou em diversos tipos de vasilhas (barricas, cimento e inox) e faz justiça às palavras do enólogo.

Os varietais tintos que agora chegam ao mercado são todos de 2020. O Jaen vem das zonas mais altas da quinta, para aproveitar ao máximo a frescura desta casta precoce e mostra grande potencial. O Touriga Nacional é um belo exemplar da variedade, com tudo o que é preciso: flores, fruto, elegância. E o Alfrocheiro vai deixar muito boa gente a pensar porque é que, no Dão, só se fala na Touriga…

Quinta Nova e Taboadella são duas propriedades bem distintas mas focadas no mesmo modelo de negócio, qualidade e valorização. A primeiro faz 650 mil garrafas/ano enquanto a segunda fica pelas 170 mil, mas com a particularidade de 110 mil serem de “Reservas”, ou seja, de preço médio elevado.

Para Luisa Amorim, estes vinhos “espelham a filosofia da Quinta Nova e da Taboadella, o

desejo de ir sempre mais além.” A verdade, é que a grande mentora destes projectos está longe de estar satisfeita: “queremos brancos, rosés e tintos, ainda mais frescos, mais elegantes, sempre preservando a essência do lugar onde nascem.” Ora ainda bem. É a insatisfação que nos leva mais longe.

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)

 

Van Zellers & Co: Família feita de vinho

Van zellers vinho

Após alguns anos passados a redesenhar a empresa, a Van Zellers & Co ressurge com uma nova identidade de marca e objectivos bem traçados. Hoje, o conceito e os vinhos apresentados ao mercado confirmam o que esta família sabe fazer melhor: reinventar-se, com classe.  Texto: Mariana Lopes    Notas de Prova: Mariana Lopes e Luís […]

Após alguns anos passados a redesenhar a empresa, a Van Zellers & Co ressurge com uma nova identidade de marca e objectivos bem traçados. Hoje, o conceito e os vinhos apresentados ao mercado confirmam o que esta família sabe fazer melhor: reinventar-se, com classe.

 Texto: Mariana Lopes    Notas de Prova: Mariana Lopes e Luís Lopes   Fotos: Van Zellers & Co

Cristiano, Joana, Francisca, pais e filha. Os van Zellers que hoje detêm a empresa com o nome da família, com um legado de séculos a correr no sangue. Reinventada, a Van Zellers & Co traz-nos vinhos que já conhecemos — como os CV ou os VZ — e outros que são novidade, todos com nova imagem: elegante, a ligar a classe do passado ao minimalismo do presente.

Há 400 anos que a família van Zeller está ligada ao Douro e ao vinho do Porto, tendo chegado a Portugal em 1620, vinda da Holanda, e fixando-se no Porto como comerciante de vinho. Fundando (oficialmente) a empresa Van Zellers & Co em 1780, esta família já era, em 1811, uma das mais importantes exportadoras de vinho do Porto, exportando, nesta altura, mais de mil pipas por ano. Em meados do século XIX, a Van Zellers & Co foi vendida, e os van Zellers continuaram o negócio através de outras duas empresas, a Quinta de Roriz e Quinta do Noval, tendo feito, sobretudo nesta última, um trabalho preponderante ao nível da vinha e dos vinhos, fundamental para o reconhecimento que esta marca hoje tem. Luiz Vasconcelos Porto, bisavô de Cristiano van Zeller, foi a figura principal desta revolução do Noval, e foi ele quem, no início da década de 30, comprou “de volta” a Van Zeller’s & Co. Aqui deu-se um período de fusão entre as duas empresas e marcas, mas, por volta de 1988, Cristiano (14ª geração da família neste negócio) resolveu, juntamente com outros familiares, tornar a Van Zeller’s & Co independente do resto. Mais tarde, depois da venda da Quinta do Noval à Axa Millésimes, João van Zeller, primo de Cristiano, recupera a Van Zellers & Co e esta “adormece” durante uns anos, enquanto Cristiano van Zeller se dedica a outras importantes marcas do Douro (como Quinta do Crasto e Vallado) e cria outra, hoje uma das mais emblemáticas da região, em 1996: Quinta Vale D. Maria, após a compra desta à família da sua mulher Joana. O que é certo é que, em 2007, João van Zeller decide oferecer as marcas VZ e Van Zellers ao primo Cristiano como presente de Natal. E é aqui que, na verdade, começa a primeira fase de reconstrução de uma marca e empresa. Cristiano acrescenta o vinho CV Curriculum Vitae (que produzia desde 2003 sob a chancela Vale D. Maria) ao portefólio da Van Zellers & Co e inicia, a partir desse ano a aquisição de Porto a granel, baseando-se no profundo conhecimento que tem do Douro e dos produtores tradicionais que, geração após geração, fazem o chamado “vinho fino” para vender às casas exportadoras de Gaia.

Em 2013, a sua filha mais velha, Francisca van Zeller, integra o Marketing e as vendas da Van Zeller’s & Co, começa a ganhar “mundo” e, em simultâneo, tira o curso de Enologia e Viticultura.

A partir de 2017, já depois de ceder a participação da Quinta Vale D. Maria à Aveleda e de ter deixado de trabalhar com esta, Cristiano reforçou grandemente as compras de vinho do Porto, no sentido de acumular um stock apreciável de Porto velho de alta qualidade. E, juntamente com Joana e Francisca, passa ter tempo para se dedicar de alma e coração à sua querida empresa familiar, que re-apresenta ao mercado em 2020. O resultado está aqui, nos Douro e Porto Tawny provados, mas também numa impressionante colecção de Porto Colheita de 1976 a 1934. São vinhos que quase igualam a personalidade de Cristiano van Zeller: têm uma leveza e, ao mesmo tempo, uma complexidade únicas. Tivemos acesso a eles… mas não queremos contar já.

Van Zellers, hoje

As vinhos da Van Zeller’s & Co estão agora “arrumados” de uma forma mais intuitiva e original: “Crafted by Hand” (criados pelo Homem), são os blends de vários locais/vinhas/castas, onde se inserem os Tawny 10, 20, 30 e 40 Anos, e os VZ branco e tinto; “Crafted by Nature” (pela Natureza), aqueles em que uma vinha e o seu terroir são os únicos “autores” do vinho, como acontece no CV branco e tinto, e nos Van Zellers & Co LBV e Vintage; e “Crafted by Time”, criados pelo Tempo, onde é este que define o perfil, como os Porto Colheita antigos e o tinto Van Zellers & Co 15 Gerações. Francisca Van Zeller, contou-nos como surgiu todo o conceito. “Durante o desenvolvimento da marca, que foi feito em conjunto com Matilde Barroso, amiga e especialista em branding, ficou claro que o que queremos é oferecer vinhos que criam experiências memoráveis, quase como se fosse uma viagem. Isto é feito, primeiro, pela qualidade dos vinhos e, em seguida, pelas histórias e experiências que criamos à volta deles”. Entre parcerias com marcas fortes e premium, como Boutique dos Relógios Plus, uma comunicação mais familiar e diferenciada nas redes sociais, Francisca quer criar uma orla “fresca, jovem e desempoeirada”, à volta do core da Van Zeller’s & Co, que são vinhos de qualidade superior, “com engarrafamentos muito limitados”.

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)

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Descoberta: O Dão de João Cabral de Almeida

joão cabral almeida

Apesar de ser, sobretudo, conhecido pelas suas marcas da região dos Vinhos Verdes, o enólogo e produtor João Cabral de Almeida faz igualmente vinho na região do Dão, onde tem raízes familiares. Os seus Musgo e Líquen acabam por constituir uma muito agradável surpresa. Texto: Luis Lopes Fotos: Luis Lopes e DR O Dão chegou […]

Apesar de ser, sobretudo, conhecido pelas suas marcas da região dos Vinhos Verdes, o enólogo e produtor João Cabral de Almeida faz igualmente vinho na região do Dão, onde tem raízes familiares. Os seus Musgo e Líquen acabam por constituir uma muito agradável surpresa.

Texto: Luis Lopes

Fotos: Luis Lopes e DR

O Dão chegou relativamente tarde na carreira profissional de João Cabral de Almeida. O Vinho Verde foi a aposta primeira e mais forte, seguida pelo Douro, e apenas em 2018 conseguiu o primeiro espaço de vinificação no Dão. Mas esta foi uma evolução natural, ou não tivessem seus avós maternos e paternos sido produtores nestas três regiões. A ligação de João à vitivinicultura também era quase inevitável: dos outros sete irmãos, quatro estão profissionalmente ligados ao vinho.

Foi assim, “empurrado” pela vocação familiar, e sobretudo pelo irmão mais velho, Luis Cabral de Almeida, que se formou em agronomia no ISA, fez vindimas no Esporão, Taylors, Sogrape, Symington, viajou até à Argentina para experimentar as uvas e vinhos do hemisfério sul, e voltou para trabalhar com enólogos que assume como mentores no seu início profissional, João Brito e Cunha e Anselmo Mendes. Depois, lançou-se a solo enquanto enólogo consultor e criou a empresa João Cabral de Almeida, através da qual produz Vinhos Verdes, Douro e Dão, baseando-se na selecção de vinhas e aquisição de uvas em locais que considera especiais. Nasceram assim as marcas Camaleão (Verdes), Omnia (Douro) e, mais recentemente, Musgo e Líquen, no Dão. No total, a empresa já enche 180 mil garrafas, com os Vinhos Verdes a representarem 80% do volume de negócio, mas João tem grandes esperanças de que as mais valias geradas pelos brancos e tintos do Douro e do Dão venham, a breve prazo, equilibrar esta balança.

Para João Cabral de Almeida, o Dão acaba, por ser um regresso às origens. Na casa familiar, em Viseu, viveu até aos 17 anos. De volta ao “ninho”, é naquela cidade que hoje dá aulas de viticultura na Escola Superior Agrária, e é ali que, com sua mulher, também enóloga, Beatriz Cabral de Almeida, criam os quatro filhos do casal.

A abordagem de João ao mundo do vinho é, ao mesmo tempo, simples e complexa. “Como enólogo”, diz, “procuro entender os diferentes locais e colaboro na estratégia a seguir para atingir os objetivos traçados em equipa. Como produtor, tenho a ambição de traduzir o local de origem num vinho de perfil fresco e elegante, com carácter e sentido de lugar.” A região do Dão acaba por oferecer-lhe as condições ideais para cumprir o seu desígnio.

“Acredito que esta é umas das regiões de Portugal com mais apetência para fazer os vinhos que procuro”, refere João Cabral de Almeida, para quem os brancos de Borgonha e os tintos de Saint-Émilion (Bordéus), constituem referências. A adega, pequena, mas com tudo o que é essencial, fica em Silgueiros, mais concretamente em Oliveira de Barreiros, e João trabalha com diversas parcelas de vinha situadas em diferentes sub-regiões do Dão: Silgueiros, Terras de Azurara, Alva, Serra da Estrela e Besteiros. Estas parcelas pertencem a lavradores com quem estabelece uma parceria próxima, e que procura acompanhar durante todo o ano. A idade das vinhas varia bastante, mas a maioria terá entre 25 e 40 anos. Trabalha igualmente duas parcelas mais antigas: uma com cerca de 60 anos em que faz a vindima de branco primeiro e posteriormente a de tinto; e outra com mais de 90 anos em que as uvas são todas vindimadas ao mesmo tempo.

Na sua abordagem de adega, João privilegia barricas usadas, de diferentes origens, tanoarias e volumes, sempre com o propósito de que os vinhos não evidenciem a madeira nos seus aromas e sabores. Os Dão Musgo e Líquen variam entre vinhos de lote, sempre de field blend, e varietais, estes últimos focados nas castas identitárias da região, Encruzado, Alfrocheiro e Touriga Nacional.

Para o enólogo, a principal dificuldade está em encontrar e trabalhar “a vinha certa”. “Estamos o ano inteiro focados em criar as melhores uvas; depois, na adega, procuramos intervir o mínimo para que a natureza se consiga exprimir ao máximo”, remata.

No total, o projecto Dão de João Cabral de Almeida vale cerca de 25.000 garrafas. Mas espera crescer, acompanhando o crescimento da própria região. “Acredito que com os novos produtores de quinta que têm surgido, a região poderá viver uma revolução; e nós esperamos contribuir para o merecido ressurgimento do Dão”, refere. Afinal, como diz, em que outro lugar se pode encontrar “tamanha conjugação de frescura, elegância e subtileza”?

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)

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Grande Prova: O fresco perfume do Verde Loureiro

prova loureiro

É certamente uma das mais originais e frescas variedades de uva que temos em Portugal. Na região dos Vinhos Verdes, de onde é oriunda, apresenta-se em diferentes perfis. Encontramos o lado mais “tradicional”, com algum gás carbónico, acidez elevada e leve doçura frutada; e a vertente mais ambiciosa, com vinhos secos, austeros, minerais e longevos. […]

É certamente uma das mais originais e frescas variedades de uva que temos em Portugal. Na região dos Vinhos Verdes, de onde é oriunda, apresenta-se em diferentes perfis. Encontramos o lado mais “tradicional”, com algum gás carbónico, acidez elevada e leve doçura frutada; e a vertente mais ambiciosa, com vinhos secos, austeros, minerais e longevos. Certo é que o Verde Loureiro não passa indiferente e após 36 vinhos provados fica-nos a certeza de que o nível qualitativo nunca foi tão elevado.

Texto: Nuno de Oliveira Garcia

Fotos: Ricardo Palma Veiga

Na região dos Vinhos Verdes temos três castas brancas que reinam em termos de notoriedade: Alvarinho, Loureiro e Avesso. Implementadas em todas as sub-regiões, poucas dúvidas existem que, salvo uma ou outra excepção, cada uma destas variedades tem um terroir de eleição, associado a um rio nortenho. A “casa” do Alvarinho é o vale do Minho (em especial na sub-região de Monção-Melgaço), o Loureiro assume-se no vale do Lima e o Avesso prefere o vale do Douro.

Sucede, que as três variedades não se encontram no mesmo patamar de conhecimento enológico e de reconhecimento do mercado. Se o Alvarinho é já um sucesso com algumas décadas e marcas de grande notoriedade, e o Avesso uma redescoberta relativamente recente, pode-se dizer que o Loureiro está numa fase intermédia. Trata-se de uma etapa em que, mesmo com várias marcas disponíveis, e apesar de um público fiel que aprecia a sua frescura e exuberância, há ainda muito a fazer, mas, simultaneamente, já existem no mercado vários vinhos excelentes, como se verificou na presente prova. Em abono da verdade, depois do Alvarinho, o Loureiro é, certamente, a casta branca de Vinho Verde mais conceituada junto dos consumidores, sendo que, em alguns casos, o preço dos vinhos supera os €10€ ou €15, algo também perceptível neste painel de prova. É certo que a maioria dos Loureiros provados se cinge ao intervalo entre os €4,50 e os €7, mas mesmo essa circunstância tem de ser contextualizada; com efeito, não só a cada ano que passa surgem vinhos mais valorizados como, rigorosamente, o referido patamar de preço está bem acima da média dos demais Vinhos Verdes.

Apesar de a fama da casta vir de longe, é inquestionável o contributo que algumas marcas fomentaram ao Loureiro, sendo disso bom exemplo, no final do século XX, os vinhos da Casa dos Cunhas, Paço d’Anha, Solar das Bouças, Casa de Sezim, Casa da Senra ou Quinta do Convento da Franqueira. Com efeito, e apesar de há 30 ou 40 anos não ser comum a casta aparecer totalmente sozinha, todos os referidos vinhos tinham Loureiro como base. Mais recentemente, esse contributo foi aumentado com vinhos, desta feita, 100% Loureiro, da marca Muros Antigos (Anselmo Mendes) e das várias declinações da casta produzidas pela Quinta do Ameal (hoje, parte do grupo Esporão), porventura a propriedade mais intrinsecamente ligada à casta no imaginário do consumidor. Exemplos recentes de projectos que têm levado longe o Loureiro são, entre outros, os vinhos de Márcio Lopes, de João Cabral de Almeida, de Vasco Croft e, ainda, os novos vinhos dos produtores Aveleda e Soalheiro, todos provados neste trabalho.

Conforme referido acima, a casta está muito associada ao Vale do rio Lima, e também ao Cávado, mas tivemos em prova vinhos das demais sub-regiões. É certo que vários dos vinhos mais pontuados provieram do eixo Ponte de Lima – Viana do Castelo, mas provámos óptimos exemplares de outras sub-regiões como no já mencionado vale do Cávado. Até em Monção e Melgaço se começa a apostar no Loureiro para emparelhar com Alvarinho. Efectivamente, as melhores prestações do Loureiro face à uva Trajadura (outra uva da região, por regra com mais álcool e de menor acidez), tem feito com que aquela esteja a substituir esta na hora de contribuir com frescura e acidez a um típico lote baseado em Alvarinho. Percebe-se esta tendência, na medida em que a acidez do Loureiro acaba por equilibrar um perfil mais guloso e cheio do Alvarinho.

Com efeito, o equilíbrio ácido do Loureiro é muito valorizado pelos enólogos que o descrevem como puro e vibrante, a meio caminho entre a acidez por vezes “dura” do Avesso e a acidez quase doce de alguns Alvarinhos.

DIFERENTES ESTILOS E PERFIS

Falando de terroirs, há quem sustente que a casta funciona particularmente bem em solos franco-argilosos (até com um pouco de xisto), mas o consenso sobre a textura dos solos não é total, antes dependendo a qualidade, como quase sempre sucede, de outros factores como a respectiva porosidade e matéria orgânica. Casta de maturação precoce, que prefere solos profundos e de média fertilidade, ganha percepção de mineralidade em solos de base granítica com altitude acima dos 150 metros e com porosidade, com os melhores vinhos a não ultrapassarem 12,5% de álcool. Com cacho comprido e apertado, ou seja, com pouco arejamento, certo é a sua preferência por anos pouco chuvosos por altura da vindima (por isso as colheitas de 2005, 2009 e 2015 deram alguns dos melhores Loureiros), ainda que aprecie a brisa atlântica e as noites mais frescas de verão. No copo, começa por apresentar uma tonalidade citrina pálida, mas, com o passar dos anos ganha rapidamente mais cor em garrafa, ainda que menos intensa do que o Alvarinho. Com diferentes clones disponíveis, é possível um produtor escolher entre perfis aromáticos mais terpénicos e florais (a lembrar, por vezes, algum Moscatel) ou um carácter mais austero e até salino. O mesmo sucede com a produtividade (tipicamente alta) da casta, com os melhores vinhos a resultarem de produções até às 6,5 toneladas/hectare, mas existindo resultados bem positivos próximo das 10 toneladas. A sua presença no encepamento da região dos Vinhos Verdes é dominante: segundo as informações estatísticas disponibilizadas no site oficial da região, ocupa quase 4200 hectares, contra 2300 de Alvarinho (embora esta esteja a crescer mais rapidamente) e outro tanto de Arinto.

A prova que fizemos de 36 marcas, oriundas de toda a região, permitiu-nos encontrar vinhos com diferentes interpretações da casta. Um desses modelos é a utilização do Loureiro para fazer vinhos que se inserem no imaginário do Vinho Verde que se quer beber no ano a seguir à colheita, geralmente acompanhando peixe grelhado ou marisco. Exuberantes na vertente aromática, com gás carbónico, e acidez elevada compensada com alguma doçura frutada, a casta entrega bons exemplares vínicos neste registo. Aqui, agrada-nos o álcool de baixo teor, os preços muito cordatos, apesar de, genericamente, os vinhos serem lançados no mercado precocemente, uma vez que beneficiariam muito com mais alguns meses em garrafa. Nas antípodas, encontramos a tradução da casta assente em fermentação e/ou estágio em barrica, e sem qualquer gás. Por vezes com mais de um ano em estágio de garrafa, são vinhos que revelam ambição. Na sua grande maioria, a barrica aporta um ambiente mais barroco e generoso, com a casta a manter a sua presença, privilegiando uma harmonia entre as notas varietais e utilização da madeira. São vinhos perfeitos para assados, de peixe ou carne, e podem ser bebidos no verão, mas também em meia-estação. Por fim, tivemos vinhos que, sem utilização de barrica, se mantiveram no perfil da região, mas procurando modernizá-lo. Aproveitando o carácter único e muito original da casta (é uma uva que “viaja” pouco a nível nacional ou internacional), são vinhos que expressam a região com muita identidade, vinhos austeros e com notas vegetais deliciosas, vinhos que crescem claramente com alguns anos em garrafa. Descartando-se da exuberância aromática excessiva, do gás carbónico desarranjado e da afinidade entre acidez elevada e doçura frutada, essa terceira vertente mostrou alguns dos melhores vinhos em prova. O certo é que, em todas estas variações, encontrámos denominadores comuns, alguns dos quais já identificados neste texto: originalidade, acidez vibrante, álcool, preços ajustados à qualidade e ambição e, não menos importante, nos melhores exemplares, grande potencial de longevidade. Belíssimas razões para o consumidor eleger os Verdes Loureiro como um dos seus parceiros. À mesa, e não só.

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)