Quinta da Roeda: A single jóia da Croft
Num longo passeio pelas vinhas, na companhia do responsável de enologia do grupo, David Guimaraens, e do responsável de viticultura, António Magalhães, deu para ver o estado saudável das videiras, mesmo na altura em que muitos já se estão a queixar da seca. Segundo David Guimaraens “o Porto Vintage é a máxima expressão da região”. […]
Num longo passeio pelas vinhas, na companhia do responsável de enologia do grupo, David Guimaraens, e do responsável de viticultura, António Magalhães, deu para ver o estado saudável das videiras, mesmo na altura em que muitos já se estão a queixar da seca.
Segundo David Guimaraens “o Porto Vintage é a máxima expressão da região”. Assim, um Vintage Single Quinta é a máxima expressão de uma propriedade. Permite cruzar as características de um local com as condições de um ano vitícola. Na Croft, o Vintage Port quinta da Roeda é declarado nos anos que não coincidem com as declarações clássicas, mas “o Vintage Croft é muito Roeda (85-90%)”. David lembra-se que em 2007 a identidade da Roeda foi tão forte que a decisão entre o Vintage clássico e single quinta foi difícil. Os single quinta normalmente são mais acessíveis e prontos para beber mais cedo. Como diz David Guimaraens, “é bom que os Vintage single quinta evoluam mais depressa, podemos bebê-los ainda na nossa vida”.
A Quinta da Roeda e o seu património vitícola
As primeiras vinhas na Quinta da Roeda foram plantadas em 1811. Em 1844 a quinta foi adquirida pela, já conhecida na altura, empresa Taylor, Fladgate & Yeatman, poucos anos antes do ataque de oídio. Na década de 1860, quando a quinta pertencia a John Fladgate, a área de vinha foi aumentada através de aquisição de terrenos vizinhos. Em 1889, a Croft comprou a propriedade e iniciou a replantação das vinhas que sofreram com a praga desastrosa da filoxera. As várias fases da replantação tiveram lugar na última década do século XIX e no início do século XX. Estas vinhas ainda fazem (a melhor) parte do património vitícola da propriedade.
A vida deu uma volta e em 2001 o grupo Taylor/Fonseca comprou a Croft, ficando novamente com a Quinta da Roeda. Foi uma aquisição estratégica. No Inverno de 2001 para 2002, António Magalhães, uma autêntica enciclopédia da vinha duriense, com a sua equipa começou a tomar conta da herança vitícola da Roeda. Ao mesmo tempo, tomando partido da experiência que tinham nas outras quintas do grupo, David Guimaraens apostou na construção de lagares de granito para vinificar vinho do Porto. Um Porto feito em inox resulta numa fruta mais exuberante e num perfil mais suave; no lagar fica mais fechado e mais denso. Nos lagares recorrem à pisa a pé, mas também dispõem de pisadores robóticos para trabalharem à noite. Desta forma têm o melhor dos dois mundos: o moderno permite aliviar a penosidade do trabalho humano. Destes lagares saiu o primeiro Vintage da Quinta da Roeda, de 2002, depois da aquisição. Foi simbólico e importante para a assinalar o início de uma nova era desta propriedade.
“As Quintas distinguem-se pelas castas minoritárias, sobretudo devido ao excesso de tourigas (nacional e francesa)” – David Guimaraens
Dos 76 hectares da vinha da Quinta da Roeda, 23% são ainda da primeira geração de plantações pós-filoxera. As vinhas pós-filoxéricas como a vinha da Benedita ou da Ferradura, com uma grande densidade de plantação, tendo apenas 1m2 por videira, são autênticas jóias entre as parcelas da quinta. As videiras são torcidas mas de boa saúde e com mortalidade muito baixa. As vinhas antigas convivem lado a lado com vinha ao alto, plantada em 2006. Esta também é uma boa solução desde que a inclinação de terreno permita (até 35%). Durante os últimos anos, têm replantado a vinha, desdobrando os patamares com taludes muito altos para ficarem só com 1,5m de largura. Assim, já renovaram ¼ da vinha da quinta da Roeda. São mecanizáveis, com possibilidade de passagem de um tractor pequeno. A ideia é adaptar a máquina à vinha e não ao contrário, como foi feito na altura dos PDRITM. Com estas replantações conseguem aumentar a ocupação do solo com videiras em 36,5%, passando das 3500 videiras por hectare para 6000, e aumentar a eficiência e segurança do trabalho mecânico.
Relativamente às castas, David Guimaraens e António Magalhães concordam que não se deve limitar a plantação a apenas duas ou três variedades. “As quintas distinguem-se pelas castas minoritárias, sobretudo hoje em dia com o excesso de Tourigas (Nacional e Francesa)”, afirma David. A Tinta Francisca tem uma grande importância nas vinhas velhas da Roeda. Não apresenta uma identidade tão óbvia quanto as Tourigas mas tem personalidade muito própria. Nas replantações foram buscar Tinta Francisca ao banco genético da vinha da Benedita. A Rufete plantou-se a partir de material genético de um viticultor com quem trabalham. “É o terreno que pede a casta” explica António Magalhães e mostra o exemplo com linhas alternadas de castas conforme as particularidades do terreno. Touriga Nacional fica na zona mais fértil. Junto com Tinto Cão podem ficar mais expostas ao sol porque naturalmente preservam bem a acidez, enquanto a Tinta Barroca, rica em açúcares, tem de ser plantada em sítios mais frescos, mais altos e virados a norte. A Tinta Amarela, plantada mais alto, precisa do terreno nem muito fértil, nem muito quente.
Um prelúdio à prova vertical
A prova vertical dos Vintage da Quinta da Roeda teve uma parte não oficial no dia anterior, onde provámos os Vintage 1914, 1960 e 1980. Estavam todos bem vivos, mas o 1914 impressionou mais. Com uma cor muito aberta, quase translúcida, aromas delicados de notas medicinais, farmácia, xarope de rosa espinhosa, especiaria. Pareceu untuoso e delicado, desenvolvendo notas de cedro, resinas e alperce seco. Apesar da sua idade avançada, ainda tinha bela presença, com certa força e frescura que conseguiu preservar durante mais de um século. Só havia três garrafas na Quinta e foi muito didáctico provarmos esta relíquia, porque deu para perceber uma coisa sobre o estilo dos Vintage da Quinta da Roeda: a sua aparente macieza e perfil arredondado não compromete a longevidade.
Segundo David Guimaraens “O Porto Vintage é a máxima expressão da região”. Assim, um Vintage “Single Quinta” é a máxima expressão de uma propriedade.
A influência e a expressão dos anos
O clima no Douro traduz-se ao longo de dois anos. Na expressão de David, “2002 foi um ano trapalhão”. A seguir ao 1970 foi o ano mais árido. Além do Inverno seco, a temperatura esteve de tal forma baixa que o rio Pinhão gelou completamente no período do Natal. Mas como em 2001 choveu quase o triplo do normal (1600mm/ano), criou-se um “pulmão” que permitiu aguentar o ano árido. António Magalhães confessa que se tivesse de escolher o seu ano preferido, seria o 2004 (a seguir ao 1985). Um ano seco, com poucas doenças e pragas, onde tudo correu muito bem e pareceu um ano clássico à porta. Mas é o que acontece (ou acontecia…) quando há anos muito bons consecutivos – não foi considerado clássico.
2005 foi o ano que se destacou por ser extraordinariamente quente e seco. Em termos de índice de aridez, este ano passou do habitual semi-árido para árido. A videira defendeu-se restringindo o vigor e produzindo cachos mais pequenos com bagos também mais pequenos. O processo de maturação foi mais lento, aliviando-se a pressão da seca pela precipitação que ocorreu entre os dias 6 e 9 de Setembro, permitindo uma colheita perfeitamente equilibrada.
2008 foi um ano desalinhado do normal. Depois do Inverno mais seco e frio do que o habitual, o mês de Abril (com águas mil) reabasteceu as reservas de águas subterrâneas. A floração ocorreu em condições húmidas e frias o que, obviamente, resultou em rendimento mais baixo, mas com uma grande concentração de sabor. A temperatura média, que normalmente ronda os 15˚C, foi mais baixa durante todo o ano. Não foi chuvoso, mas uma chuva regular bem distribuída resultou num ano que nem semi-árido foi. Dias quentes combinados com noites frias permitiram uma óptima maturação das uvas.
2012 foi um óptimo ano, mas ficou na sombra de 2011. Começou com o Inverno muito seco, mas as chuvas de Abril e Maio salvaram o ano. Devido ao Inverno seco e Primavera mais fresca, as vinhas apresentavam baixo vigor. A vinha regulou-se pelo tamanho do bago, que não ultrapassava de uma moeda de 1 cêntimo, mas estes eram bem formados. A breve chuva em Setembro não afectou a vindima que decorreu sob perfeitas condições.
2015 pode ser comparado com 2008 em termos de padrão de chuva no que toca à quantidade e a distribuição. A diferença foi a temperatura média 1,2˚C mais quente do que em 2008. À excepção de dois dias de chuva, a 15 e 16 de Setembro, toda a vindima decorreu em excelentes condições, com dias de sol quentes e noites frescas. Baumé elevado, acidez um pouco mais baixa, excelente extracção. A vontade de declarar o 2015 como o ano clássico foi grande, até porque não houve declarações em 2012, 2013 e 2014 (que foi um desastre). Mas na altura já havia o 2016 que mostrou outro apelo. “Era mais fácil declarar o 2017 depois de 2016 do que o 2015 e o 2016 seguidos”, explica David. “Vivemos sempre com este trauma”.
No Inverno de 2001 para 2002, António Magalhães, autêntica enciclopédia da vinha duriense, começou a tomar conta da herança vitivinícola da Roeda.
E chegámos ao fabuloso 2017 que faz lembrar o relatório de vindima de 1945. Foi “impensavelmente árido” segundo António Magalhães, “mas no Douro existe a capacidade de ensanduichar um ano absurdo entre os anos perfeitos”. É o caso de 2017. Começou com a Primavera muito seca, apenas alguns milímetros de chuva caíram em Abril. As temperaturas estiveram acima da média e as condições secas continuaram durante todo o Verão e até o final de Setembro. Felizmente, as temperaturas em Agosto caíram para níveis mais moderados, principalmente à noite, dando equilíbrio à colheita. A vindima na Quinta da Roeda começou no dia 31 de Agosto, o início mais cedo nos últimos 70 anos. Já na adega os mostos demonstraram uma densidade excepcional.
A empresa declarou como clássico o 2017 Vintage Croft, mas a impressionante dimensão e riqueza dos vinhos provenientes das parcelas mais velhas merecia um destaque. Assim, quatro lotes resultaram num vinho memorável, do qual foram produzidos apenas 2200 litros. Basicamente foi um Single Quinta clássico… apelidado de Sérikos numa referência histórica à produção de seda na Quinta da Roeda nos anos seguintes à devastação pela filoxera e também ao seu carácter sedoso.
2018 começou extremamente seco dada a pouca chuva no ano anterior. Felizmente o stress nas videiras foi aliviado em Março graças a chuvas fortes. Junho frio e húmido, Julho seco e relativamente ameno e Agosto com temperaturas bem acima dos 40˚C. As abundantes reservas de água no solo, construídas na Primavera, permitiram que as uvas amadurecessem de maneira uniforme e gradual, apesar das condições quentes.
Em 2019, as condições relativamente frescas e a ausência de picos de calor traduziram-se na elegância, acidez vivaz, cor acima do normal e aromas muito atractivos. Este Vintage, anunciado em 2021, ainda não foi disponibilizado para o mercado, irá permanecer em cave durante mais alguns anos…
(Artigo publicado na edição de Julho de 2023)
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Croft Quinta da Roeda Sérikos
- 2017 -
Croft Quinta da Roeda
- 2019 -
Croft Quinta da Roeda
Fortificado/ Licoroso - 2018 -
Croft Quinta da Roeda
Fortificado/ Licoroso - 2015 -
Croft Quinta da Roeda
Fortificado/ Licoroso - 2012 -
Croft Quinta da Roeda
Fortificado/ Licoroso - 2008 -
Croft Quinta da Roeda
Fortificado/ Licoroso - 2005 -
Croft Quinta da Roeda
Fortificado/ Licoroso - 2004 -
Croft Quinta da Roeda
Fortificado/ Licoroso - 2002
David Guimaraens: “O viticultor do Douro está a falir porque o sector é imoral”
David Guimaraens é conhecido no Douro, em jeito de brincadeira, como o “Ayatollah do vinho do Porto”, mas também é o homem que se emocionou quando viu os trabalhadores da vindima entrar no lagar, pela primeira vez depois do início da pandemia. Nasceu no Porto, a 13 de Outubro de 1965, e representa a sexta […]
David Guimaraens é conhecido no Douro, em jeito de brincadeira, como o “Ayatollah do vinho do Porto”, mas também é o homem que se emocionou quando viu os trabalhadores da vindima entrar no lagar, pela primeira vez depois do início da pandemia. Nasceu no Porto, a 13 de Outubro de 1965, e representa a sexta geração de uma família inglesa dedicada exclusivamente a este negócio, sendo hoje director técnico, enólogo e master blender do grupo The Fladgate Partnership (Taylor’s, Croft, Fonseca Guimaraens, Krohn…). Uma conversa sobre o ano vitivinícola de 2022 acabou por desaguar em temas mais fracturantes e controversos, como a sustentabilidade social e económica da região, e David terminou a denunciar os calcanhares de Aquiles do Douro.
Texto: Mariana Lopes Fotos: The Fladgate Partnership
Numa visita por algumas das propriedades durienses do grupo The Fladgate Partnership — que resultou, em edição anterior, numa peça sobre as inovações tecnológicas da empresa — acabámos sentados com David Guimaraens, na Quinta da Roêda, a conversar sobre “o estado da nação”. Primeiro, o clima, as vinhas e a vindima de 2022, num ano que, para quem produz vinho no Douro, segundo o enólogo, não foi dos melhores. Estávamos em finais de Setembro.
“As vinhas estão acastanhadas, com ar cansado”, começou por dizer. “Normalmente, no fim da vindima estão mais verdes, mas este ano castigou-as e ficou marcado por falta de chuva, com um Inverno muito seco. Aqui, na Roêda, choveram 75 milímetros, o que é muito pouco face aos normais 300. Em Março, ainda vieram 70 milímetros que foram importantes, mas de modo geral, todo o ano foi muito seco. Paralelamente, tivemos várias vagas de calor. Usualmente, temos no Douro a ‘queima de São João’, no final de Junho, altura em que o tempo muda radicalmente. Este ano tivemos aquilo a que chamámos ‘queima de Santo António’, porque o calor forte veio no início de Junho. Daqui para a frente, houve muitos dias acima dos 40ºC, e Julho foi dos mais quentes que registámos. Por cima dos solos com pouquíssima água, estas vagas de calor só vieram agravar tudo”, explicou, com a calma e boa disposição que já lhe é característica.
Esta declaração levou à pergunta óbvia que, traduzida “para miúdos”, não é mais do que “isso significa que os vinhos vão ser maus?”, ao que David respondeu: “Não. O que foi extraordinário, foi que, quando eu vim de férias em meados de Agosto, esperava encontrar as uvas numa desgraça total. Mas, como elas nasceram já com sede, criaram uma resistência extraordinária. Bagos pequenos, como é característico, mas nenhuma uva passa, ao contrário de 2017. Tivemos sim, aquilo que acontece quando está muito calor, que é os ácidos muito, muito baixos. Mas isso não é tão dramático no vinho do Porto. Porque um dos segredos deste tipo de vinho é que a aguardente vem equilibrar tudo. Nos vinhos não fortificados, não há aguardente para equilibrar. Não fosse esta uma região de vinho do Porto…”, afirmou, cautelosamente, já a abrir caminho para um tema que lhe diz muito. Assim, nas propriedades da Fladgate iniciou-se a vindima de 2022, pelas vinhas que estavam, como diz David Guimaraens, pela “hora da morte”, em zonas mais quentes.
Mas como se lida com uma situação destas, quais os mecanismos? Para David, não há dúvidas: “Uma das riquezas do Douro é exactamente o que temos aqui, uma viticultura de montanha, com três grandes factores para trabalhar. As sub-regiões, desde o Baixo Corgo que é menos árido, ao Douro Superior, que é mais, sendo que nos anos secos a primeira aguenta melhor esta aridez; depois, a altitude, quanto maior é, menos temperatura e maior pluviosidade; e a orientação, ou exposição solar, porque dentro da mesma quinta, as vinhas têm exposições diferentes. Tudo isto, conjugado com as grandes castas que temos no Douro, é um puzzle que podemos fazer a nosso favor. Em anos extremos como este, para o lado da aridez, haverá bastantes variações de quinta para quinta, e de produtor para produtor, no resultado dos vinhos”, desenvolveu o director técnico. Portanto, antes da vindima, o ano estava desanimador, assumimos. Ao que David replicou, seguro de si: “Os vinhos do início da vindima eram pouco entusiasmantes. Se não se deve dizer isto, e dizer que é tudo mágico? Alguns preferem, mas eu não”.
Mais tarde, houve dois episódios de chuva no Douro. “Aqui na Roêda, tivemos 5 milímetros no dia 6 de Setembro — um primeiro borrifo bom para aliviar — e depois, a 13 e 14 de Setembro, vieram 30 milímetros. Num ano ‘normal’, isto seria muito, mas os solos estavam tão sequiosos que absorveram tudo, e funcionou como uma rega. Eu sou a favor de rega, mas somente de rega pluvial, que é a da chuva. Esta água veio ajudar as uvas a refinar, e incentivar as vinhas a terminar a sua maturação”, adiantou David Guimaraens, que acabou por tornar o cenário mais animador: “O ano de 2022 é o ano do rio Pinhão. Nós temos muita área de vinha no vale do Pinhão, que sofreu no início da vindima pelo que já falámos, mas acabou por haver uvas fabulosas. Fizemos, nesta zona, muitos investimentos nos últimos tempos, com compra de propriedades, por exemplo. Este é, na verdade, o centro do Douro, e tem muitas quintas, também de outros produtores, que sempre foram extraordinárias”, admitiu.
Quanto ao comportamento das castas, o enólogo desvendou que as que melhor se aguentaram no início conturbado da vindima foram a Tinta Roriz e a Touriga Nacional. A Touriga Francesa também mereceu destaque pela positiva, mas demorou mais tempo a amadurecer e a libertar a cor. Uma das que mais sofreram este ano foi, a título de exemplo, a Tinta Amarela. “Mas no vinho do Porto esta é outra vantagem, dá-se menos ênfase à casta e mais ao local, porque, e é aquilo que já se faz no Douro desde sempre, usam-se várias castas, que se complementam”, sublinhou David. “Os viticultores que têm andado a investir menos na vinha, e que as têm com menos vigor, são os mais afectados, porque estas vinhas se ressentem muito mais, e também por isto há tanta variação por local. Naturalmente que, quanto mais velha a vinha, mais resiste. Eu costumo comparar uma videira velha a um homem velho: já não produz tanto, mas o que produz é com mais sabedoria…”.
Um problema de estrutura
Perante a exposição de David Guimaraens sobre o ano vitivinícola de 2022, e os pontos mais gerais em que tocou sobre o clima, impôs-se a questão das alterações climáticas. O enólogo retorquiu com veemência: “As alterações climáticas são desculpa para muita incompetência. Neste momento, está-se a pôr debaixo das alterações climáticas muitas asneiras que têm sido feitas. Não digo, com isto, que elas não existam, pelo contrário, são muito reais. Mas por exemplo, a região do Douro tinha, antigamente, uma viticultura assente no field blend (mistura das castas) e em densidade de plantação, onde cada unidade produzia pouco, mas a soma das unidades produzia quantidade satisfatória. Além disso, o porta enxerto utilizado era o Rupestris, que é menos produtivo mas muito resistente à secura. O lote de castas que utilizávamos era também muito maior do que o que ficou depois do ‘afunilamento’ das décadas de 70/80. E quando veio a obsessão, que ainda temos hoje, a obsessão triste da mecanização, alterou-se o equilíbrio. A mecanização é uma necessidade, mas se a estamos a utilizar para baixar os custos, não estamos a ir pelo caminho certo. A nossa obsessão deve ser criar valor. A mecanização é uma evolução natural para se ir fazendo. A região está há 50 anos obcecada pela mecanização, e andamos aqui todos a chorar porque vendemos o vinho do Porto e os vinhos DOC Douro baratos, e vendemos mais barato do que regiões planas com 3 vezes mais produção. E isto leva-nos, naturalmente, ao problema da mão-de-obra”. Por esta altura da conversa, David Guimaraens, embora sempre sorridente, começava a agravar a voz, e sabíamos que o desabafo não tardava. “Nós só temos problema de mão-de-obra porque não temos dinheiro para a pagar. Os portugueses não emigram para França por gostarem de foie gras. Vão embora porque ganham mais dinheiro fora. No sector, temos visões muito deturpadas das coisas. E depois vem-se com chavões, a falar das alterações climáticas, para justificar tudo e permitir tudo. Elas são problemáticas, sobretudo ao nível dos acontecimentos extremos. Podemos dizer que o ano vitícola de 2022 foi efeito das alterações climáticas, mas se é para assumir, então, que vai ser sempre assim daqui para a frente, mais vale fechar as portas e ir embora. Temos de aprender a viver com elas. É uma chatice, há-que sermos criativos, mas já o fomos noutros momentos. Aliás, num determinado ano menos bom, em vez de ser a Quinta da Roêda a fazer um grande Vintage, será a quinta de outro produtor. Acredito vivamente que o Douro pode ser um exemplo, a nível mundial, na reacção às alterações climáticas, pela experiência que temos aqui. Podemos reconsiderar as nossas vinhas de preferência, consoante as condições. Não estou de acordo, por exemplo, que a forma de reagir seja regar a vinha”, referiu David. Mas este tema da rega daria outro almoço…
A controvérsia
No seguimento das dicas que David nos foi dando sobre as vantagens da produção de vinho do Porto, tendo em conta as adversidades climáticas, tivemos de perguntar… “é contra a existência da DOC Douro?”. O enólogo respondeu com murros na mesa: “Não, não e não. Não tem nada que ver com ser contra ou a favor. A minha visão é simples, um Vintage é engarrafado quando temos um conjunto perfeito de vinhos que reflectem um ano e um lugar, mas quando os vinhos não são perfeitos, lidamos com isso através do envelhecimento em cascos de carvalho. Estes estilos de vinho do Porto são ambos fabulosos, e são uma grande forma de nos adaptarmos às condições do nosso clima, porque somos uma região de clima mais extremado por natureza, que amadurece as uvas para álcool mais elevado. No vinho do Porto, isso não é um problema, porque adicionamos aguardente no processo. Para os produtores de DOC Douro, só não é um problema porque fazem ‘vinho do Porto para diabéticos’, que é o que eu costumo chamar, em tom de brincadeira, aos vinhos ‘de mesa’ [não-fortificados] com muito álcool e sem açúcar”, riu-se.
E foi aqui que, no semblante de David Guimaraens, o vento mudou de direcção. “O vinho do Porto é um grande exemplo de sustentabilidade, e alguns vinhos do Douro também. Mas o grande tema que eu quero trazer para a mesa vai colocar-me em apuros, e quando falo nele todos se zangam: desafio os portugueses com sentido de moralidade a denunciar que esta região é uma vergonha. Estamos numa região extraordinária, e nunca se vendeu tanto vinho do Porto de qualidade como se vende hoje. Basta olhar para o número de projectos novos de famílias ligadas ao Douro, que hoje produzem vinhos do Porto de qualidade. Falo de Vieira de Sousa, Domingos Alves de Sousa, Wine&Soul, e muitos outros. Se não estamos a vender tanto volume, é porque o consumidor bebe menos mas bebe melhor. Não vamos confundir o vinho do Porto com um estilo de vinho que está condenado à morte, mas sim que se tem de adaptar ao mercado. O vinho DOC Douro é um grande vinho, que está a ganhar cada vez mais nome pelo Mundo fora, e é muito importante para a região a longo prazo. Está a dar muito dinheiro. O turismo, por sua vez, tem trazido muita riqueza, com os centros de visita, alojamentos, programas de enoturismo… mas quem sustenta isto tudo, e toda esta paisagem, está nas ruas da amargura: é o viticultor”, confessou, finalmente. “É muito triste, porque a razão é sermos todos uma cambada de incompetentes. Empresas de vinho do Porto, empresas de DOC Douro, Estado e viticultores. O viticultor do Douro, que produz e vende ao quilo, está a falir, porque o sector é imoral. Estou farto de assistir a isto. Este ano, mais um viticultor “meu” vendeu as vinhas por não ter viabilidade económica. Uma das razões pelas quais não temos pessoas, é ser difícil o trabalho da vinha e não dar dinheiro. Esta vergonha está por denunciar: nós temos vinhas, e estas vinhas e o Douro têm um conjunto de regras que foram desenhadas quando a região só tinha uma Denominação de Origem (D.O.), que era Porto. Há 20 e poucos anos atrás, nasceu uma segunda D.O., Douro. Eu falo mal dos vinhos DOC Douro não pela qualidade — até porque quem os faz são meus amigos, de quem gosto muito — mas não tivemos a competência, ou interesse, em alterar as regras. Cerca de três quartos das videiras da região, hoje (as que têm licença para produzir Porto) podem originar duas D.O., Porto e Douro, independentemente se têm ‘benefício’ ou não. Numa videira com 4 cachos, dois podem originar vinho do Douro, e os outros dois, Porto. O vinho do Porto paga €1,50 por quilo, e o do Douro paga €0,60”, disse, visivelmente zangado, enquanto batia com os punhos na mesa. E continuou. “Esta é a realidade. Duas D.O., dois preços diferentes. E a maior mentira, que ninguém reconhece, é esta: nunca uma vinha é vindimada primeiro para vinho do Porto e depois, uma segunda vez, para DOC Douro. Nós alimentamos uma mentira no Douro, porque não temos capacidade colectiva de actualizar as regras para reflectir a nova realidade. É imoral e, acima de tudo, uma mentira. É imoral porque eu vou a uma vinha, e pelas uvas até à cota de produção pago €1,50 por quilo, e a DOC Douro compra as outras, já a pagar bem, a €0,60 ou €0,70, abaixo do custo de produção. Isto só existe porque, para o vinho do Porto, há uma cota de produção, que é o chamado ‘benefício’, que limita a oferta e a procura, tudo o resto, e como a região é excedentária em produção, é mercado livre”, esmiuçou David. “Temos duas regras, para duas D.O., na mesma videira. Mas que grande mentira! E a incompetência de todos está no seguinte: nós, empresas de vinho do Porto, ou não nos entendemos para mudar as regras, ou juntamo-nos aos outros e passamos a fazer DOC Douro e tiramos partido dela. Os viticultores não se conseguem organizar para exigir alteração. O Estado, também não muda nada, não está ‘nem aí’. E às empresas de DOC Douro não lhes interessa, porque estão a comprar matéria-prima barata. Isto é uma tragédia, é muito errado”. Ao proferir estas palavras, estava à vista de todos que David se preocupa realmente com o problema, e os seus olhos pediam por alguém se se juntasse à causa. “Sozinho, não consigo mudar nada…”.
A possível solução
“Como se pode solucionar o problema?”, questionámos. David tinha a resposta na ponta da língua: “Eu só peço uma simples alteração: todos terem de optar, parcela a parcela, se fazem vinho do Porto ou Douro. Se fizerem Porto, têm o ‘benefício’, e só as uvas que sobram é que vão para não-fortificado. Se fizerem Douro, não podem receber ‘benefício’. Assim, obrigamos a região a ser honesta, porque quando vindimamos, sabemos bem que uvas vão para uma D.O. ou para outra. Agora, esta incompetência colectiva está a levar à destruição da actividade de viticultor, que é o que eu digo há vários anos. Por tudo isto, eu apelo ao boicote do vinho DOC Douro, até a região mudar as regras!” lança, revoltado. “Vamos ser honestos, decentes… Está na hora de reconhecer que as regras estão desactualizadas e que estamos a fazer o viticultor, que vive de vender uva ao quilo, definhar. Não culpo nem aponto o dedo a um ou outro, porque não é assim que se resolvem as coisas. Eu afirmo que o sistema está mal, e que todos nós sabemos que está mal, um sistema em que uns enriquecem erradamente e outros empobrecem cada vez mais”, atirou David Guimaraens. “Esta é a razão principal pela qual o David não faz vinhos DOC Douro?”. “É”. “E se as regras mudassem e ficassem mais justas, ponderaria fazer?”. “Sim”.
(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2023)
Taylor’s Vintage 2018: os “porquês” e os “porque não?” de uma terceira declaração seguida
TEXTO Mariana Lopes O grupo The Fladgate Partnership anunciou hoje, 23 de Abril – como já é tradição para a empresa, no dia de São Jorge – a declaração do Taylor’s Vintage 2018, o único “clássico” do trio apresentado, e os Fonseca Guimaraens Vintage 2018 e Croft Quinta da Roêda Vintage 2018. A designação “clássico”, […]
TEXTO Mariana Lopes
O grupo The Fladgate Partnership anunciou hoje, 23 de Abril – como já é tradição para a empresa, no dia de São Jorge – a declaração do Taylor’s Vintage 2018, o único “clássico” do trio apresentado, e os Fonseca Guimaraens Vintage 2018 e Croft Quinta da Roêda Vintage 2018. A designação “clássico”, apesar de não reconhecida oficial e formalmente pelo Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, é para os produtores de Vinho do Porto um sinal de que se atingiu, nesse ano e para uma localização em concreto, uma qualidade muito elevada.
Neste caso de 2018, David Guimaraens, director técnico e de enologia da Fladgate, elucida: “A colheita de 2018 produziu excelentes Vintage, embora o ano tenha tido os seus desafios. Um deles foi a severa tempestade de granizo que devastou muitas vinhas do vale do Pinhão, no dia 28 de Maio, entre elas a Quinta do Junco da Taylor’s. É importante notar que os vinhos de 2018 têm a mais alta intensidade de cor dos últimos anos, o que é normalmente um sinal de boa extracção e longevidade”.
A apresentação dos Vintage 2018 foi feita por Adrian Bridge, administrador do grupo, através de um “directo” na página de Instagram @taylorsportwine. Adrian começou por dizer que “o que tornou 2018 num ano tão bom, foi ter feito bastante calor no Verão, e mesmo no resto do ano o calor ter sido relativamente elevado”. Quanto ao facto de o Taylor’s ser o único dito “clássico” dos três, o CEO explicou que na localização da Quinta de Vargellas (na foto principal e uma das quintas que lhe dão origem), no Douro Superior, “teve óptimas condições meteorológicas para uvas de vinho do Porto, muitas delas vindas de vinhas velhas, o que nos permitiu declarar este Taylor’s como Vintage clássico”. Já o Fonseca Guimaraens, por exemplo, que vem das Quintas Cruzeiro, Santo António e Panascal, viu estas localizações mais frescas do que Vargellas, este ano. Em relação a este Vintage Guimaraens, que é o primeiro de seu nome desde 2015, David Guimaraens afirma “acredito que o 2018 seja um dos melhores exemplos recentes de um Guimaraens Vintage, com os seus ricos e densos frutos da floresta e taninos resistentes, mas optimamente integrados”. Adrian Bridge, durante a apresentação online, acrescentou que “o conceito do Fonseca Guimaraens é o de um vinho com a mesma constituição e carácter que os clássicos Vintage Fonseca, mas feito num estilo mais acessível”. Quanto ao Croft Quinta da Roêda Vintage 2018, Bridge desvenda que este “oferece a fruta madura e perfumada característica dos vinhos da Roêda, juntamente com os taninos tensos”.
Com uma terceira declaração seguida de um Vintage clássico, algo que é inédito no grupo Fladgate e também noutros, é natural que o consumidor se pergunte sobre o que poderá estar na origem de “tantos anos favoráveis” a vinho do Porto Vintage. Adrian Bridge confirmou que, entre outras razões, os grandes avanços técnicos na viticultura e na enologia desempenham um papel muito importante nessa matéria. Também as alterações climáticas terão, com certeza, uma palavra a dizer aqui. “Nunca declarámos três Taylor’s de seguida. É ‘unusual’, mas é o que é. Debatemos muito esta questão, porque seria algo único e inovador para a nossa empresa e por causa da crise mundial que estamos a atravessar, mas chegámos à conclusão de que, se a qualidade está lá, vamos fazê-lo. Se não o fizéssemos por conta do coronavírus, isso não estaria conforme aos nossos standards de qualidade”, reiterou o administrador.
Numa pré-avaliação do futuro do vinho do Porto da sua casa, Adrian confessa: “Vamos ser desafiados por este ano 2020 porque a manutenção da segurança dos trabalhadores será garantida, através, por exemplo, da distância de segurança na vinha ou até nos lagares, o que nos vai levar a mudanças, mas no final a nossa produção manterá a qualidade”.
Do Taylor’s foram feitas 7800 caixas, do Fonseca Guimaraens, 4700, e do Croft Quinta da Roêda, 2000. Estes três Vintage começarão a ser vendidos no início de 2021.
Taylor’s lança edição comemorativa do 50º aniversário do seu LBV
LBV é o acrónimo de Late Bottled Vintage, um Vinho do Porto que a Taylor’s afirma ter dinamizado em 1970 (da colheita de 1965), em resposta a solicitações do mercado. De facto, muitos enófilos pretendiam um “Vinho do Porto de alta qualidade a preço acessível e sem complicações relativamente ao consumo”. As palavras são de […]
LBV é o acrónimo de Late Bottled Vintage, um Vinho do Porto que a Taylor’s afirma ter dinamizado em 1970 (da colheita de 1965), em resposta a solicitações do mercado. De facto, muitos enófilos pretendiam um “Vinho do Porto de alta qualidade a preço acessível e sem complicações relativamente ao consumo”. As palavras são de Alistair Robertson, presidente não executivo da Taylor’s e o homem que dirigia os destinos da casa na altura. Os Vintage não só eram mais caros, como precisavam de anos de envelhecimento (em garrafa) e depois a decantação na altura de servir. O LBV, envelhecido durante 5 anos em cascos de madeira, estava mais ‘pronto’ a ser degustado. Diz a história que, na altura, o conceito, apesar de arriscado, teve grande sucesso e acabou por ser seguido por outras casas do Vinho do Porto. Segundo Adrian Bridge, CEO da Taylor’s, “o lançamento do LBV em 1970 desencadeou um grande aumento da procura por vinhos do Porto de alta qualidade”. O interesse começou sobretudo na Grã-Bretanha, mas alastrou rapidamente o interesse para a América do Norte, com os Estados Unidos e o Canadá a tornarem-se clientes muito importantes.
Ainda sobre o LBV, Alistair Robertson explica a filosofia de criação: “o LBV era um vinho de um só ano, de alta qualidade, com preço acessível, pronto a ser e bebido na altura do engarrafamento, sem necessidade de decantação e que podia ser apreciado ao copo, ao longo de várias semanas”.
Adrian Bridge continua: “a crescente procura de LBV levou a Taylor’s a fazer grandes investimentos, tendo introduzido métodos e tecnologias paradigmáticas quer na viticultura, quer na enologia, e construído novos armazéns com condições óptimas para o envelhecimento do LBVs. A Taylor’s hoje está presente em 103 mercados”.
David Guimaraens, director Técnico e de Enologia da casa, descreve o estilo LBV da casa: “o Taylor’s LBV é o final perfeito para qualquer refeição, poderoso e autoritário apresenta aromas elegantes, perfumados e florais, com notas dominantes de fruta vermelha e preta onde a cereja preta tem lugar de destaque. Na boca, os sabores a chocolate negro e framboesas e taninos sempre elegantes e bem integrados”.
Para comemorar a efeméride dos 50 anos, a Taylor’s vai lançar o seu LBV 2015 (cerca de 15€ no retalho).
Lagar
O mais antigo recipiente reconhecido como equipamento de vinificação. Ao longo de milénios tem sido o berço dos vinhos da humanidade. TEXTO João Afonso O que é o Lagar? É um tanque, normalmente construído em pedra, com altura variável e uma saída de fundo, onde se esmagam frutos para separar as partes sólidas da parte […]
O mais antigo recipiente reconhecido como equipamento de vinificação. Ao longo de milénios tem sido o berço dos vinhos da humanidade.
TEXTO João Afonso
O que é o Lagar?
É um tanque, normalmente construído em pedra, com altura variável e uma saída de fundo, onde se esmagam frutos para separar as partes sólidas da parte líquida. Pode ter forma quadrangular, rectangular ou, mais raramente, circular. É habitualmente feito de granito, mas pode ser feito com qualquer outra rocha (mármore, xisto…) ou mesmo em madeira ou aço inox.
Origem
A sua origem remonta à antiguidade. Egípcios e romanos utilizavam o lagar para esmagar as suas uvas. As ânforas e dolias eram mais usadas para a fermentação.
Vantagens e Desvantagens
O lagar tradicional é utilizado fundamentalmente na vinificação de vinhos tintos, permanecendo ainda activo em algumas regiões portuguesas, sobretudo no Douro (para fazer Porto Vintage em particular), mas também no Dão, Bairrada e até no Alentejo. Permite uma maior maceração da uva e por consequência uma maior extracção de cor e compostos fenólicos. Tem a desvantagem da sua higienização (normalmente difícil e demorada) e o risco de produzir maior teor de acidez volátil, caso não sejam tomadas as devidas precauções. A escassez de mão-de-obra para a pisa é também uma potencial desvantagem e um problema a avolumar-se no futuro.
Tipos de Lagar
Hoje existem vários tipos de lagar. O lagar tradicional, feito em granito (ou outra pedra) e onde a uva é esmagada a pé; o lagar feito em cimento, com paredes altas, onde não se realiza pisa a pé e a manta é mergulhada com rodos de madeira (típico da Bairrada); o lagar tradicional de pedra mas com refrigeração por placas e macacos (pisadores) mecânicos para trabalhar o mosto; e o lagar moderno feito em aço inox com refrigeração e macacos mecânicos incorporados, para esmagar a uva e trabalhar o mosto.
A Opinião de David Guimaraens*
O lagar é um recipiente de fermentação em granito. Cubas de inox abertas não são lagar. O segredo do lagar não é ser uma superfície aberta, mas sim a sua própria construção em pedra (granito), que acaba por ter uma enorme influência no vinho feito. Um lagar em inox fará um vinho completamente diferente, seja pisado a pé ou não.
No lagar existe um equilíbrio perfeito entre a relação do mosto, massa, oxigénio e temperatura. Já se tentou replicar por outros métodos as capacidades de vinificação do lagar sem, contudo, se obter um verdadeiro sucesso. Num lagar de inox, com pisadores mecânicos, o vinho é mais aromático e aveludado, enquanto num lagar de granito com pisa a pé o vinho tem mais profundidade de nariz e boca. O lagar tradicional, sem ser objectivamente melhor, consegue sempre outra dimensão. Usamos um ou outro tipo de lagar, consoante o tipo de vinho que queremos fazer.
* Enólogo