Quinta da Roeda: A single jóia da Croft

Num longo passeio pelas vinhas, na companhia do responsável de enologia do grupo, David Guimaraens, e do responsável de viticultura, António Magalhães, deu para ver o estado saudável das videiras, mesmo na altura em que muitos já se estão a queixar da seca.

Segundo David Guimaraens “o Porto Vintage é a máxima expressão da região”. Assim, um Vintage Single Quinta é a máxima expressão de uma propriedade. Permite cruzar as características de um local com as condições de um ano vitícola. Na Croft, o Vintage Port quinta da Roeda é declarado nos anos que não coincidem com as declarações clássicas, mas “o Vintage Croft é muito Roeda (85-90%)”. David lembra-se que em 2007 a identidade da Roeda foi tão forte que a decisão entre o Vintage clássico e single quinta foi difícil. Os single quinta normalmente são mais acessíveis e prontos para beber mais cedo. Como diz David Guimaraens, “é bom que os Vintage single quinta evoluam mais depressa, podemos bebê-los ainda na nossa vida”.

quinta da roeda
A Quinta da Roeda e o seu património vitícola

As primeiras vinhas na Quinta da Roeda foram plantadas em 1811. Em 1844 a quinta foi adquirida pela, já conhecida na altura, empresa Taylor, Fladgate & Yeatman, poucos anos antes do ataque de oídio. Na década de 1860, quando a quinta pertencia a John Fladgate, a área de vinha foi aumentada através de aquisição de terrenos vizinhos. Em 1889, a Croft comprou a propriedade e iniciou a replantação das vinhas que sofreram com a praga desastrosa da filoxera. As várias fases da replantação tiveram lugar na última década do século XIX e no início do século XX. Estas vinhas ainda fazem (a melhor) parte do património vitícola da propriedade.
A vida deu uma volta e em 2001 o grupo Taylor/Fonseca comprou a Croft, ficando novamente com a Quinta da Roeda. Foi uma aquisição estratégica. No Inverno de 2001 para 2002, António Magalhães, uma autêntica enciclopédia da vinha duriense, com a sua equipa começou a tomar conta da herança vitícola da Roeda. Ao mesmo tempo, tomando partido da experiência que tinham nas outras quintas do grupo, David Guimaraens apostou na construção de lagares de granito para vinificar vinho do Porto. Um Porto feito em inox resulta numa fruta mais exuberante e num perfil mais suave; no lagar fica mais fechado e mais denso. Nos lagares recorrem à pisa a pé, mas também dispõem de pisadores robóticos para trabalharem à noite. Desta forma têm o melhor dos dois mundos: o moderno permite aliviar a penosidade do trabalho humano. Destes lagares saiu o primeiro Vintage da Quinta da Roeda, de 2002, depois da aquisição. Foi simbólico e importante para a assinalar o início de uma nova era desta propriedade.

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“As Quintas distinguem-se pelas castas minoritárias, sobretudo devido ao excesso de tourigas (nacional e francesa)” – David Guimaraens

 

Dos 76 hectares da vinha da Quinta da Roeda, 23% são ainda da primeira geração de plantações pós-filoxera. As vinhas pós-filoxéricas como a vinha da Benedita ou da Ferradura, com uma grande densidade de plantação, tendo apenas 1m2 por videira, são autênticas jóias entre as parcelas da quinta. As videiras são torcidas mas de boa saúde e com mortalidade muito baixa. As vinhas antigas convivem lado a lado com vinha ao alto, plantada em 2006. Esta também é uma boa solução desde que a inclinação de terreno permita (até 35%). Durante os últimos anos, têm replantado a vinha, desdobrando os patamares com taludes muito altos para ficarem só com 1,5m de largura. Assim, já renovaram ¼ da vinha da quinta da Roeda. São mecanizáveis, com possibilidade de passagem de um tractor pequeno. A ideia é adaptar a máquina à vinha e não ao contrário, como foi feito na altura dos PDRITM. Com estas replantações conseguem aumentar a ocupação do solo com videiras em 36,5%, passando das 3500 videiras por hectare para 6000, e aumentar a eficiência e segurança do trabalho mecânico.

Relativamente às castas, David Guimaraens e António Magalhães concordam que não se deve limitar a plantação a apenas duas ou três variedades. “As quintas distinguem-se pelas castas minoritárias, sobretudo hoje em dia com o excesso de Tourigas (Nacional e Francesa)”, afirma David. A Tinta Francisca tem uma grande importância nas vinhas velhas da Roeda. Não apresenta uma identidade tão óbvia quanto as Tourigas mas tem personalidade muito própria. Nas replantações foram buscar Tinta Francisca ao banco genético da vinha da Benedita. A Rufete plantou-se a partir de material genético de um viticultor com quem trabalham. “É o terreno que pede a casta” explica António Magalhães e mostra o exemplo com linhas alternadas de castas conforme as particularidades do terreno. Touriga Nacional fica na zona mais fértil. Junto com Tinto Cão podem ficar mais expostas ao sol porque naturalmente preservam bem a acidez, enquanto a Tinta Barroca, rica em açúcares, tem de ser plantada em sítios mais frescos, mais altos e virados a norte. A Tinta Amarela, plantada mais alto, precisa do terreno nem muito fértil, nem muito quente.

Um prelúdio à prova vertical

A prova vertical dos Vintage da Quinta da Roeda teve uma parte não oficial no dia anterior, onde provámos os Vintage 1914, 1960 e 1980. Estavam todos bem vivos, mas o 1914 impressionou mais. Com uma cor muito aberta, quase translúcida, aromas delicados de notas medicinais, farmácia, xarope de rosa espinhosa, especiaria. Pareceu untuoso e delicado, desenvolvendo notas de cedro, resinas e alperce seco. Apesar da sua idade avançada, ainda tinha bela presença, com certa força e frescura que conseguiu preservar durante mais de um século. Só havia três garrafas na Quinta e foi muito didáctico provarmos esta relíquia, porque deu para perceber uma coisa sobre o estilo dos Vintage da Quinta da Roeda: a sua aparente macieza e perfil arredondado não compromete a longevidade.

 

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Segundo David Guimaraens “O Porto Vintage é a máxima expressão da região”. Assim, um Vintage “Single Quinta” é a máxima expressão de uma propriedade.

 

A influência e a expressão dos anos

O clima no Douro traduz-se ao longo de dois anos. Na expressão de David, “2002 foi um ano trapalhão”. A seguir ao 1970 foi o ano mais árido. Além do Inverno seco, a temperatura esteve de tal forma baixa que o rio Pinhão gelou completamente no período do Natal. Mas como em 2001 choveu quase o triplo do normal (1600mm/ano), criou-se um “pulmão” que permitiu aguentar o ano árido. António Magalhães confessa que se tivesse de escolher o seu ano preferido, seria o 2004 (a seguir ao 1985). Um ano seco, com poucas doenças e pragas, onde tudo correu muito bem e pareceu um ano clássico à porta. Mas é o que acontece (ou acontecia…) quando há anos muito bons consecutivos – não foi considerado clássico.

2005 foi o ano que se destacou por ser extraordinariamente quente e seco. Em termos de índice de aridez, este ano passou do habitual semi-árido para árido. A videira defendeu-se restringindo o vigor e produzindo cachos mais pequenos com bagos também mais pequenos. O processo de maturação foi mais lento, aliviando-se a pressão da seca pela precipitação que ocorreu entre os dias 6 e 9 de Setembro, permitindo uma colheita perfeitamente equilibrada.

2008 foi um ano desalinhado do normal. Depois do Inverno mais seco e frio do que o habitual, o mês de Abril (com águas mil) reabasteceu as reservas de águas subterrâneas. A floração ocorreu em condições húmidas e frias o que, obviamente, resultou em rendimento mais baixo, mas com uma grande concentração de sabor. A temperatura média, que normalmente ronda os 15˚C, foi mais baixa durante todo o ano. Não foi chuvoso, mas uma chuva regular bem distribuída resultou num ano que nem semi-árido foi. Dias quentes combinados com noites frias permitiram uma óptima maturação das uvas.

2012 foi um óptimo ano, mas ficou na sombra de 2011. Começou com o Inverno muito seco, mas as chuvas de Abril e Maio salvaram o ano. Devido ao Inverno seco e Primavera mais fresca, as vinhas apresentavam baixo vigor. A vinha regulou-se pelo tamanho do bago, que não ultrapassava de uma moeda de 1 cêntimo, mas estes eram bem formados. A breve chuva em Setembro não afectou a vindima que decorreu sob perfeitas condições.

2015 pode ser comparado com 2008 em termos de padrão de chuva no que toca à quantidade e a distribuição. A diferença foi a temperatura média 1,2˚C mais quente do que em 2008. À excepção de dois dias de chuva, a 15 e 16 de Setembro, toda a vindima decorreu em excelentes condições, com dias de sol quentes e noites frescas. Baumé elevado, acidez um pouco mais baixa, excelente extracção. A vontade de declarar o 2015 como o ano clássico foi grande, até porque não houve declarações em 2012, 2013 e 2014 (que foi um desastre). Mas na altura já havia o 2016 que mostrou outro apelo. “Era mais fácil declarar o 2017 depois de 2016 do que o 2015 e o 2016 seguidos”, explica David. “Vivemos sempre com este trauma”.

 

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No Inverno de 2001 para 2002, António Magalhães, autêntica enciclopédia da vinha duriense, começou a tomar conta da herança vitivinícola da Roeda.

 

E chegámos ao fabuloso 2017 que faz lembrar o relatório de vindima de 1945. Foi “impensavelmente árido” segundo António Magalhães, “mas no Douro existe a capacidade de ensanduichar um ano absurdo entre os anos perfeitos”. É o caso de 2017. Começou com a Primavera muito seca, apenas alguns milímetros de chuva caíram em Abril. As temperaturas estiveram acima da média e as condições secas continuaram durante todo o Verão e até o final de Setembro. Felizmente, as temperaturas em Agosto caíram para níveis mais moderados, principalmente à noite, dando equilíbrio à colheita. A vindima na Quinta da Roeda começou no dia 31 de Agosto, o início mais cedo nos últimos 70 anos. Já na adega os mostos demonstraram uma densidade excepcional.
A empresa declarou como clássico o 2017 Vintage Croft, mas a impressionante dimensão e riqueza dos vinhos provenientes das parcelas mais velhas merecia um destaque. Assim, quatro lotes resultaram num vinho memorável, do qual foram produzidos apenas 2200 litros. Basicamente foi um Single Quinta clássico… apelidado de Sérikos numa referência histórica à produção de seda na Quinta da Roeda nos anos seguintes à devastação pela filoxera e também ao seu carácter sedoso.

2018 começou extremamente seco dada a pouca chuva no ano anterior. Felizmente o stress nas videiras foi aliviado em Março graças a chuvas fortes. Junho frio e húmido, Julho seco e relativamente ameno e Agosto com temperaturas bem acima dos 40˚C. As abundantes reservas de água no solo, construídas na Primavera, permitiram que as uvas amadurecessem de maneira uniforme e gradual, apesar das condições quentes.

Em 2019, as condições relativamente frescas e a ausência de picos de calor traduziram-se na elegância, acidez vivaz, cor acima do normal e aromas muito atractivos. Este Vintage, anunciado em 2021, ainda não foi disponibilizado para o mercado, irá permanecer em cave durante mais alguns anos…

(Artigo publicado na edição de Julho de 2023)

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