Rufete ou Tinta Pinheira: A casta das serranias

O mais recente livro de João Afonso, uma obra de grande fôlego dedicada às castas usadas em Portugal, confirma, se tal era preciso, que o universo das variedades usadas por cá é isso mesmo: um universo imenso, confuso, ainda pouco estudado. Mas não nos podemos queixar, já que temos em Portugal equipas que se dedicam ao estudo científico das castas e à preservação das mesmas para memória futura.

O problema é que elas são tantas e chegaram a ter tão desvairados nomes e sinónimos que não fica facilitado o trabalho da PORVID, a empresa que estuda clones, faz análises genéticas e mantém um enorme campo clonal em Pegões. A casta de que hoje nos ocupamos é a Rufete, que também usa o nome de Tinta Pinheira. Usada sobretudo no Dão e na Beira Interior, presente residualmente no Douro, sobretudo nas vinhas velhas e em alegre convívio com dezenas de outras, a Rufete já esteve na lista das indesejáveis.

Como nos lembra Paulo Nunes, enólogo da Passarela, as fragilidades de outrora são as virtudes de hoje. E explica: até há pouco tempo era considerada uma casta menor porque não tinha cor, porque a componente vegetal se sobrepunha à fruta, porque a fragilidade não permitia uma boa ligação à barrica nova; ora tudo isso se alterou e hoje é apreciada exactamente porque origina vinhos mais elegantes, menos corados, menos alcoólicos e a componente mais vegetal é, agora, especialmente apreciada. Ganhou quem a conservou, porque é uma variedade que mostra muita originalidade e tem tudo para agradar aos novos consumidores.

Os enólogos com quem falámos são unânimes em considerar que o traço mais comum da casta é precisamente a pouca intensidade corante. No entanto, João Afonso conta-nos a história do tinto de Rufete que produziu, em 1995 na zona de Pinhel, e que originou um vinho muito carregado de cor. Duas hipóteses se levantam: ou era outro clone da casta Rufete ou era outra casta. Afonso mantém a dúvida: na altura o classificador “afiançou” que era a mesma casta mas que naquela zona se tinha desenvolvido outro clone.

A dúvida irá permanecer até à análise do ADN comparativo das duas variantes, algo que está por fazer. Mesmo que se tratasse de outro clone, a verdade é que ele não está presente nos vinhos disponíveis no mercado. Iremos continuar a associar a Rufete com este estilo elegante, vegetal e que contribui com notas de pinheiro para o aroma do vinho; podemos até levantar a dúvida sobre se não advirá daí o nome de Tinta Pinheira. Os vinhos que provámos confirmam este perfil.

 

“Se o ano for quente, surge com um pouco mais de cor, mas em climas mais frescos, como no Dão, a Tinta Pinheira ganha notas vegetais que até lembram Pinot Noir.” – Jorge Moreira

 

Uma casta feita princesa

Na vinha e na adega, a Rufete é casta caprichosa. Na vinha pode, em virtude da finura da película, ser atreita a míldio e oídio e, como se não bastasse, com golpes de calor desidrata facilmente e com chuva apodrece. Como se vê, tem tudo para ser variedade pouco amiga do agricultor. A pequena quantidade de cepas que existem no Dão “não permite que haja muitos vinhos varietais”, diz-nos Luís Lopes, enólogo na Quinta das Marias e no Domínio do Açor mas, acrescenta, no Açor “estamos a plantar mais umas linhas de Rufete que irão substituir as de Tinta Roriz que lá estavam”.

Sobretudo no Dão, ela sempre foi usada para compor os lotes, dando mais vibração vegetal, nomeadamente à Touriga Nacional. A cor pode variar um pouco em função do clima do ano. Como nos recorda Jorge Moreira, que trabalha a casta no Douro, na Real Companhia Velha, mas também no Dão, “se o ano for quente ela surge com um pouco mais de cor, mas em climas mais frescos, como o Dão, e em anos de menos calor, a Tinta Pinheira surge com umas notas vegetais que até lembram Pinot Noir”, uma ideia que também nos foi confirmada pelo enólogo do Domínio do Açor. O apreço que as castas mais vegetais e menos tintureiras está a ter no mercado, até faz com que aquele comentário possa ser usado para falar de muitas outras variedades.

O perfil mais fino e elegante exige na adega alguns cuidados e os enólogos com quem falámos estão de acordo: se queremos que a casta expresse as suas virtudes, são de evitar fermentações com muita maceração e extracção e também é de evitar o recurso a barricas novas para o estágio; barricas usadas, tonéis ou mesmo depósitos de cimento são os mais aconselháveis para a casta, que tem de resto muita capacidade para se mostrar bem com pouco tempo de estágio. Daqui poder-se-ia inferir que não é variedade para ser conservada em cave.

Era essa a ideia que Jorge Moreira tinha da casta, mas confessa que ficou surpreendido com a evolução dos vinhos em garrafa e hoje acredita que o vinho poderá durar 5 e mais anos. Temos, assim, como balanço, algumas notas a registar: é casta fácil de trabalhar mas exigente na vinha, sobretudo com a escolha do momento certo de ser colhida; na adega exige pouco e dá-se bem com estágios curtos e que permitam exprimir a sua componente vegetal; para lote pode ser indispensável para a Jaen, para segurar a acidez e equilibrar os “excessos” da Touriga Nacional e tem, last but not least, aquele Je ne sais quoi que recolhe a preferência de muitos consumidores.

Os vinhos provados não escondem as virtudes: fáceis de gostar, muito gastronómicos, pertencem ao grupo dos tintos consensuais que agradarão a todos. Como se disse no início do texto, fez-se da fraqueza, força. E a verdade é que temos muitas outras castas que pertencem a este clube, algumas já em fase de recuperação, sobretudo no Douro. Já nas zonas da Dão e Beiras, outras há que esperam a sua vez, como a Alvarelhão, só para citar um exemplo. Estes vinhos são um bom exemplo do que é expectável da Tinta Pinheira/Rufete: elegância, evidente componente vegetal, capacidade para dar prazer na prova, mesmo com tenra idade, e ser excelente companhia para a mesa.

(Artigo publicado na edição de Julho de 2023)

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