Grande Prova: Monção e Melgaço – O expoente do Alvarinho

GRANDE PROVA MONÇÃO E MELGAÇO

Se fossem necessárias algumas razões, bastariam duas para justificar o presente trabalho: por um lado, a fama secular dos vinhos desta sub-região e, por outro, a sua originalidade centrada na casta Alvarinho que ganhou, e bem, um lugar especial nos consumidores nacionais e estrangeiros. Mas voltemos atrás para recordarmos o nosso colega João Paulo Martins […]

Se fossem necessárias algumas razões, bastariam duas para justificar o presente trabalho: por um lado, a fama secular dos vinhos desta sub-região e, por outro, a sua originalidade centrada na casta Alvarinho que ganhou, e bem, um lugar especial nos consumidores nacionais e estrangeiros. Mas voltemos atrás para recordarmos o nosso colega João Paulo Martins quando este referia, nas edições do seu Guia de Vinhos de Portugal nos finais dos anos 90, que existiam Vinhos Verdes e, depois, existiam os Alvarinhos, numa clara alusão ao elevado padrão qualitativo destes últimos, e sempre com destaque para os provenientes de Monção e Melgaço. Claro está que os Verdes de hoje nada têm a ver com os dos anos 90, numa evolução que acompanhou a da generalidade dos brancos nacionais. Mas os vinhos de Monção e Melgaço continuam a ser algo de muito especial, diferente em todos os sentidos, com uma notoriedade histórica onde, já naquela altura, pontificavam marcas como Cêpa Velha, Deu-la-Deu ou Palácio da Brejoeira, todas elas verdadeiros marcadores de um perfil de Alvarinho proveniente de um território de excelência.

Solos e altitudes

Mas afinal que território é este? Protegido por montanhas, com um microclima mais continental do que a média da restante região dos Vinhos Verdes (ou seja, com maior amplitude térmica), Monção e Melgaço caracteriza-se climatericamente por invernos frios e chuvosos e verões que se podem qualificar como quentes. Tanto assim é que, no verão, entre Caminha no litoral e Monção, separada do mar por uma cadeia montanhosa, a diferença de temperatura pode chegar aos 15ºC apesar da mera distância ser de 35 quilómetros. Tal como sucede um pouco pelo país, existem em Monção e Melgaço diferenças de solos e altitudes, sendo que tanto o Alvarinho como as suas declinações de perfil são mais moldadas pela importância dos primeiros. Com efeito, mais do que a altitude, é o tipo de solo de origem granítica (terraços fluviais, com ou sem calhau rolado, aluviões ou franco-arenosos) que melhor determina o resultado de cada néctar. Da mesma forma, é considerando cada tipo de solo que se deve privilegiar o uso de barrica, nova ou usada sendo que, por regra, é nos solos franco-arenosos aqueles em que as barricas de segundo ano dão melhores resultados, originando alguns dos melhores vinhos da sub-região e do país.

Reconhecido há quase um século, em 1929 (vinte anos depois da demarcação da Região dos Vinhos Verdes), este território já foi terra de tinto, com grande sucesso na exportação no final do século XIX, quer pela sua qualidade, quer pela crise na produção europeia que se seguiu à filoxera. Conhecida desde o século XVII como “a terra dos vinhos”, Monção tem fama desde a Idade Média e, como todas as vetustas regiões de vinho no mundo, foi-se adaptando. Mas foi preciso chegar a meados do século XX para o Alvarinho se começar, aos poucos, a impôr. Com referências desde o século XVIII, só a partir da segunda metade do século passado se começa a comprovar que o Alvarinho, em Monção e Melgaço, é especial. Nos anos 60 começam os relatos dos bons resultados da casta e, já nos anos 70 surgem, ainda que timidamente, marcas que engarrafam um branco com base em Alvarinho de perfil tendencialmente seco e delicado (em garrafa escura para não oxidar…), longe das versões mais ácidas e desequilibradas que se encontravam em restaurantes e pensões por todo o norte do país.

O Alvarinho e a barrica

Saltando vários anos em diante, encontramos dois outros marcadores essenciais do tempo para este sub-região. Um primeiro, em 1974 e 1982, respetivamente a data da plantação da primeira vinha contínua de Alvarinho e a data da criação da primeira marca de Alvarinho de Melgaço, ambas pela conhecida Quinta de Soalheiro. Depois, em 1987, quando Anselmo Mendes começa os seus ensaios de Alvarinho fermentado em barrica. A escolha do carvalho e da floresta, das tostas, a dimensão da barrica, o aperfeiçoamento da bâttonage (considerando que o bago do Alvarinho é pequeno, originando mostos intensos à partida) e o controlo da oxidação, tudo são técnicas que vários produtores da sub-região vão abraçar e que Anselmo Mendes preconizou com antecipação. De tal forma que, já no presente século, encontramos quase duas dezenas de Alvarinhos de Monção e Melgaço fermentados e/ou estagiados em barrica, muitos deles num patamar altíssimo de qualidade.

A par de Anselmo Mendes e da Quinta do Soalheiro (sobretudo na referência Reserva) já referidos, há vários anos que encontramos produtores a usar parcial, ou totalmente, barricas, casos da Quinta do Regueiro, Quinta de Santiago, Quintas de Melgaço, sem esquecer a Provam ou a Adega Cooperativa de Monção, João Portugal Ramos, entre outras referências. Na prova que relatamos abaixo, e a par dos nomes já referidos, também os produtores Márcio Lopes, Casa de Paços, Constantino Ramos e, bem assim, as marcas Milagres, Barão do Hospital e Nostalgia usam barrica parcial ou totalmente.

Não espanta, assim, que a área de vinha em Monção e Melgaço não tenha parado de crescer, sinal de vitalidade da área. O número de hectares aproxima-se dos 2000 (grandíssima parte plantados com Alvarinho), sendo a zona de Melgaço a que mais cresce. A notoriedade da casta e da sub-região está consolidada a nível nacional, os vinhos são procurados sobretudo nos restaurantes, e o preço médio é claramente mais alto comparado com o restante Vinho Verde e com muitos dos brancos do país. Para tudo isto também contribuiu o bom trabalho das respetivas cooperativas. Falta, talvez, uma maior projeção internacional, havendo caminho a percorrer na especificação e destaque de Monção e Melgaço relativamente à região dos Vinhos Verdes, já de si bastante internacionalizada e procurada, mas muito centrada em gamas de entrada. Nota final para uma nova vaga de produtores na região, alguns deles enólogos noutras parte do país, caso de Luís Seabra, Márcio Lopes, Constantino Ramos, David Baverstock e António Braga. Isto para não falar de players de mercado que não querem perder a oportunidade de ter uma operação em Monção e Melgaço, casos de João Portugal Ramos e, mais recentemente, da Symington Family Estates. Esta circunstância de atratividade de excelentes profissionais espelha bem o potencial da região e os vinhos em prova, cujas notas deixamos abaixo, confirmam plenamente.

(Artigo publicado na edição de Julho 2025)

 

Bairrada: Uma região de “clássicos”

Bairrada

Criada apenas em 1979, após vários anos de hesitações entre o poder político e os interesses dos agentes económicos, a Região Demarcada da Bairrada, antes de acolher regulamentação legal, já se afirmava há mais de dois mil anos nas práticas vitivinícolas, crendo-se, pelo menos, desde a romanização do território. Muitos são os testemunhos, enraizados nos […]

Criada apenas em 1979, após vários anos de hesitações entre o poder político e os interesses dos agentes económicos, a Região Demarcada da Bairrada, antes de acolher regulamentação legal, já se afirmava há mais de dois mil anos nas práticas vitivinícolas, crendo-se, pelo menos, desde a romanização do território. Muitos são os testemunhos, enraizados nos vestígios arqueológicos, que nos reafirmam a vitivinicultura como uma das principais atividades agrícolas que se estenderam desde a ocupação romana e perduram até à atualidade.

Se porventura nos quisermos apoiar no rigor do suporte documental, pode atestar-se que, já no ano 950, o seu território era conhecido como região vinhateira, conforme nos revela um documento existente na Torre do Tombo referente a uma doação ao Mosteiro do Lorvão de terras e vinhas na Silvã (Mealhada). Um outro documento refere uma “vinha em Rippela sob o monte Buzacco”, em 1086. Ou uma outra doação àquele Mosteiro, de “uma casa em São João e vinha na Pocariça” (Cantanhede), em 1176.

Contudo, o documento mais curioso é datado de 1137, e encontra-se igualmente na Torre do Tombo, no qual “D. Afonso Henriques autoriza a plantação de vinha na herdade de Eiras, sob o caminho público de Vilarinum (Vilarinho do Bairro, Mealhada) ao monte Buzacco (Bussaco), com a condição de lhe darem 1/4 do vinho, sem mais encargos e eles fiquem com as primícias e décimas do vinho…”. Um testemunho de inigualável valor que atesta a qualidade do vinho ali produzido, o qual servia de meio de pagamento dos impostos ao Rei.

OS PRIMÓRDIOS DA BAIRRADA

Não se pense que a criação da Região Demarcada do Douro, peticionada por 14 dos “principais lavradores de Cima do Douro e Homens Bons da cidade do Porto”, estribados pela visão de Sebastião José de Carvalho, não terá tido influência em diversas outras regiões do país onde se cultivava vinha e produzia vinho. A representação dirigida ao rei D. José I, em 31 de Agosto de 1756, foi estabelecida por Alvará, confirmado a 10 de Setembro desse mesmo ano, demarcando e, diz-se, protegendo a região duriense dos demais territórios produtores.

Se é certo que a instituição da Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro somente aos vinhedos daquela região dizia respeito, a realidade mostrou-nos que, nos anos seguintes, houve extensas demandas legislativas que intervieram noutras zonas vinhateiras, determinando o arranque de diversas vinhas em “terrenos das vargens, lezírias e campinas” que fossem mais próprias, pela sua natureza, para nelas se promover a cultura cerealífera, tão necessária para a alimentação básica dos portugueses. Medidas drásticas que alteraram a paisagem vitivinícola portuguesa, dizimando a produção de vinha em larga escala. À data, tais medidas eram justificadas pela carência de cereais e falta de pão para o consumo das gentes. Por outro lado, visava-se diminuir a produção excessiva de vinho de qualidade inferior que, em concorrência desleal, acarretava elevados prejuízos para os de qualidade superior.

A região da Bairrada não terá ficado imune a estas medidas, por força dos alvarás que aplicaram a mesma lei às margens e campinas dos rios Mondego e Vouga e a mais terras que fossem de paul e lezírias. E, apesar de nesses alvarás se fazerem referências elogiosas aos vinhos produzidos “nos terrenos de Anadia, Mogofores e outros das mesma qualidade”, igualando estes vinhos aos criados nos “termos de Lisboa, de Oeyras, de Carcavelos, do Lavradio, de Torres Vedras, Alenquer…”, nesses tempos com notoriedade semelhante aos vinhos durienses, certo foi que, outro Alvará, agora de 18 de Fevereiro de 1766, já impunha como sujeição imediata o arranque de vinhas existentes em Anadia, Mogofores, Arcos, Avelãs de Caminho e Fermentelos”, terras bairradinas por excelência, duas delas citadas com louvor cinco meses antes.

Numa visão otimista, podemos considerar que o génio ímpar de Pombal, além de ter criado a primeira Região Demarcada do mundo, terá ensaiado outras demarcações, embora sem lhes ter dado o tratamento legislativo adequado. A da Bairrada terá tido atenção do seu pensamento, pois, pelo menos por duas vezes, referenciou os terrenos Anadia e Mogofores como sendo de óbvia qualidade para a produção de vinho.

 

“A Região Demarcada da Bairrada (…) já se afirmava há mais de dois mil anos nas práticas vitivinícolas, crendo-se, pelo menos, desde a romanização do território”

 

O PAIZ VINHATEIRO

Em 1866, por Portaria de 10 de Agosto, foi nomeada pelo Ministro do Reino, Andrade Corvo, uma comissão encarregada de estudar as diversas regiões do país “durante a vindima e da feitura do vinho nos principais districtos vinhateiros do reino”. Desta comissão faziam parte três membros e a cada um dos quais foi delimitada a respetiva área de estudo.

O Visconde de Villa Maior ficou com a área a norte do Rio Douro, António Augusto de Aguiar ficou responsável pela área de território entre os rios Douro e Tejo, excluindo o distrito de Lisboa, cabendo, por fim, a Joaquim Inácio Ferreira Lapa o distrito de Lisboa e todos os territórios a Sul do Tejo.

Publicado em 1867, nesse trabalho conjunto, mas com as respetivas indicações de cada um dos seus autores, existe um único mapa. E este, no conjunto de tantas outras regiões vitivinícolas nela representadas, refere-se apenas a uma, designado “Paiz Vinhateiro da Bairrada”. Um mapa que, mesmo desatualizado ao tempo da criação da região demarcada, mais de cem anos depois, serviu de base à sua delimitação. Naquele mapa há já uma marcação, a cores diversas, de três sub-regiões, ainda que em moldes distintos daquelas que foram, por exemplo, definidas em França. Neste, as sub-regiões são designadas por região de vinho branco, região de vinho tinto de embarque e região de vinho de consumo. Estabelecem-se, também, limites geográficos, definindo, a Sul, o concelho de Mealhada, ao tempo considerado o coração da Bairrada, e parte do concelho de Cantanhede; ao centro, o concelho de Anadia; a Norte o concelho de Oliveira do Bairro. Excluídos ficaram, a Sul, a freguesia de Souselas, no Centro, parte do concelho de Cantanhede e todos os de Vagos e Aveiro, e, a Norte, parte do concelho de Oliveira do Bairro.

As zonas nobres para vinhos tintos de embarque delimitavam-se, aos concelhos da Mealhada e de Anadia, enquanto as mais aptas para vinhos brancos situavam-se na margem esquerda do rio Certoma, até Óis do Bairro, S. Lourenço e Mogofores. Fora destes limites situavam-se as zonas de vinhos para consumo, classificando-se detalhadamente os de primeira, segunda e terceira categorias. Interessante é constatar o detalhe com António Augusto de Aguiar estudou a composição dos solos, identificando, com denodo, uma zona hoje muito bem conhecida por produzir vinhos de extrema elegância: “da Mealhada para o Luso, do Travasso para a Vacariça encontra-se uma mistura de solos, em que figuram retalhos de arenatas do terreno quaternário…”. Falamos, em parte, da zona de Cadoiços, onde se encontram hoje algumas das mais imponentes vinhas velhas da Bairrada e das quais nasce um dos grandes vinhos que constituem o painel de prova deste artigo.

Elaborado este estudo pouco após a grande crise do oídio, que afetando toda a viticultura nacional também não poupou o território da Bairrada, é um exercício curioso constatar como se dá a evolução do encepamento na região. Em 1850, o oídio surge de modo lancinante e, durante quase uma década, destruiu, quase por completo, toda a produção de uva na região. As castas mais atacadas foram, nas tintas, o Castelão e a Trincadeira, e, nas brancas, o “Boal Cachudo”, o Arinto e Mourisco. Perante estas adversidades, eis que surge uma uva salvífica, a Baga, fortemente resistente ao oídio. A partir de 1860, a atual intitulada casta rainha da Bairrada, conhece uma expansão até então nunca vista, tendo António Augusto de Aguiar, que por ela não morria de amores, escrito que, “se o amor por ella continuar como até agora, dentro de poucos anos toda a Bairrada fará plantações e vinhos extremes de uma casta só”.

A 28 de Dezembro de 1979, nasce a Região Demarcada da Bairrada, e com ela a sua delimitação geográfica que, curiosamente, não é assim tão distante daquela que havia sido desenhada mais de 100 anos antes por António Augusto de Aguiar.

 

ANTEVISÃO DE UMA REGIÃO

Com a industrialização do espumante e o nascimento das grandes casas engarrafadoras a partir dos anos 20 do século passado, assistiu-se a um crescimento exponencial da região. Caves São João, Caves Messias, Caves Aliança ou Caves São Domingos, entre outras, tornam-se os grandes centros produtores do país, engarrafando, comercializando e exportando vinhos para as colónias e Brasil. A demarcação era, à data, e já após o Dão ter procedido à sua demarcação enquanto região em 1908, uma temática não muito do agrado das grandes casas, que adquiriam vinhos em diversas regiões limítrofes para satisfazer a as suas necessidades de grande volume.

No início dos anos 50 dá-se início a uma contenda feroz entre, por um lado, os defensores da não demarcação, liderados pela maior referência da enologia nacional, Mário Pato, e, do outro lado, uma linha vanguardista defensora da necessidade de criar a região demarcada, tendo na linha da frente o Professor Américo Urbano.

Mário Pato, numa publicação de 1 de Outubro de 1953, no Boletim da Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Litoral, clamava que a região começava a sofrer de uma “delimitomania” ou mania das regiões delimitadas, que amolece as faculdades mentais dos viticultores e lhes paralisa a atividade. Para o enólogo, o pedido de intervenção do Governo na delimitação da sua região causaria um atavismo e um encerramento dentro de si própria, que motivaria uma não evolução no acompanhamento do desenvolvimento dos métodos enológicos e, consequentemente, uma desvalorização dos vinhos produzidos. À data, dava como exemplo as regiões de Bucelas, Colares e Carcavelos, cujos vinhos começavam a perder notoriedade, invocando igualmente os exemplos do Dão e Vinhos Verdes que também não se mostrariam brilhantes.

Já Américo Urbano trazia para a defesa da demarcação preocupações que não são díspares das da atualidade, mostrando toda a pertinência. A este preocupava-o a concorrência feroz vinda das terras a Sul, onde os custos do granjeio eram muito inferiores e a qualidade dos vinhos, em que “milhentas de pipas de água anualmente são adicionadas aos mesmos”, era manifestamente inferior.

No meio das contendas, Américo Urbano não foi parco em palavras, acusando Mário Pato de ser o principal responsável pelo uso de técnicas enológicas que privilegiavam a produção de vinhos destinados ao lote, ao invés de dar o seu contributo para o aperfeiçoamento das características organoléticas que sempre distinguiram os vinhos da Bairrada. Uma conceção visionária que, ainda hoje, define o modo como se entende uma Bairrada de características muito distintas.

O interesse pela demarcação da região vai crescendo ao longo dos anos 60 e, em 1973, é criado o Grupo de Trabalho incumbido do estudo da Demarcação da Bairrada, composto pelos agrónomos Melchior Barata de Tovar e Octávio da Silva Pato, contando ainda com a colaboração de Mateus Augusto dos Anjos e de Luís Azevedo Correia. O relatório veio a revelar-se extremamente relevante para constituir as bases para a futura demarcação, incidindo sobre a orografia e hidrografia, geologia, solos, clima, práticas agrícolas, castas cultivadas, métodos de vinificação e tipos de vinho, proposta de demarcação e delimitação da região produtora e, entre outras, do direito à denominação de origem. Estava quase…

Para dar força a este movimento, Luiz Ferreira da Costa, figura icónica das Caves São João, agrega uma série de figuras relevantes da região e cria a Confraria dos Enófilos da Bairrada, em Junho de 1979, associação que foi absolutamente determinante, através de diversas iniciativas e contactos com as esferas do Governo, para derrubar as últimas barreiras tendentes à Regulamentação da Região Demarcada da Bairrada.

POR FIM, A DEMARCAÇÃO

A 28 de Dezembro de 1979, pela Portaria nº 709-A/79, nasce a Região Demarcada da Bairrada e, com ela, a sua delimitação geográfica que, curiosamente, não é assim tão distante daquela que havia sido desenhada mais de 100 anos antes por António Augusto de Aguiar. Exigindo-se a condução da vinha em forma baixa, definem-se, desde logo, as castas autorizadas, que serão objeto de apreciação e cadastro pelos serviços competentes, definindo-se, como tintas autorizadas, a Baga com mínimo de 50%, Castelão ou Moreto e Tinta Pinheira, autorizando-se, desde que não excedessem 20% do povoamento total, o Alfrocheiro Preto, Bastardo, Preto de Mortágua, Trincadeira, Jaen e Água Santa. Nas castas brancas, exigindo um mínimo de 60% do povoamento, Bical, Maria Gomes (Fernão Pires) e Rabo-de-Ovelha, autorizando-se com um máximo de povoamento total de 40%, o Arinto, Cercial, Chardonnay e Sercialinho, lista que mais tarde havia de ser revista. Nesta primeira abordagem que, até aos dias de hoje, havia de ter diversas alterações, definiu-se a obrigatoriedade de a vinificação ser realizada dentro da região em adegas inscritas para o efeito, limitou-se a produção a um máximo de 55 hectolitros por hectare de vinha, parametrizou-se um teor alcoólico mínimo de 11% vol. para os vinhos e fixou-se estágios obrigatórios mínimos de 18 meses para tintos e 10 meses para brancos.

Bairrada

Inicialmente, ou seja, em 2003, a menção “Clássico” ficou destinada apenas a vinhos tintos, cingindo-se às castas Baga, Camarate, Castelão (Periquita) e Touriga Nacional

 

“CLÁSSICO”, UM SELO DE IDENTIDADE

Após a demarcação e até ao virar do século, muitas foram as mudanças de paradigma a que se assistiu na Bairrada. As Adegas Cooperativas e as grandes casas engarrafadoras foram colocadas perante uma nova realidade de produção e consumo. O mundo pedia vinhos com maior identidade, vinhos de Quinta, produções menores, mas muito mais exigentes e qualitativamente nos antípodas daquilo que até então se fazia. Os mercados das colónias haviam desaparecido, o Brasil minguava na procura. Uma nova Bairrada despontava e muitas foram as grandes casas que soçobraram. Adegas Cooperativas, como Vilarinho do Bairro, Mogofores e Mealhada, ou casas engarrafadoras como Barrocão, Valdarcos, Monte Crasto, entre outras, finaram-se. Felizmente, houve casos de grande sucesso na mudança, como foram as Caves São João, que já em 1971 haviam adquirido a Quinta do Poço do Lobo, ou as Caves Messias, com produção de vinhos de uvas próprias na Quinta do Valdoeiro.

Algo havia a fazer para contrariar uma certa desorientação estratégica que afetava a Bairrada. A preocupação dos agentes económicos centrava-se na adequação das potencialidades da região, sempre associadas a uma nomenclatura de qualidade e certificação, alcançando a sua melhor valorização no mercado.

A Portaria nº 428/2000, de 17 de Julho, vem fixar as castas aptas à produção de vinho em Portugal. Nessas condições, entendia-se como necessário efetuar algumas alterações relativamente aos encepamentos existentes permitidos para a DOC Bairrada, do mesmo modo que era crível que podia haver uma maior variedade de vinhos de qualidade produzidos na região e reconhecidos no mercado. Subjacente a estas alterações, que viriam alterar substancialmente o número de castas autorizadas à menção DOC, nada mais, nada menos que 26, algumas delas com pouca expressão na região, um juízo avisado justificou a criação de uma certificação especial para os vinhos da Bairrada que pudessem respeitar determinados parâmetros de tradição e práticas antigas, tanto de viticultura como de vinicultura, adotando-se, por via dessa premissa, a menção “Clássico”. Inicialmente, ou seja, em 2003, a menção “Clássico” ficou destinada apenas a vinhos tintos, cingindo-se às castas Baga, Camarate, Castelão (Periquita) e Touriga Nacional, obrigando os vinhos a representar, em conjunto ou separadamente, 85% do encepamento, não podendo a Baga representar menos de 50%. Obrigava, ainda, a que a uva fosse proveniente de vinhas com rendimento não superior a 55 hectolitros por hectare, não podendo o vinho tinto possuir um teor alcoólico inferior a 12,5%. É, no que toca ao tempo de estágio, que surgem as condições mais exigentes, obrigando os vinhos tintos com aquela menção a poderem apenas ser comercializados  após um estágio mínimo de 30 meses, 12 dos quais obrigatoriamente em garrafa. A Portaria 211/2014, de 14 de Outubro, repõe a justiça e concede, igualmente, aos vinhos brancos a possibilidade de ostentarem a menção “Clássico”, definindo como castas aptas à mesma a Maria Gomes (Fernão Pires), Bical, Cercial e Rabo-de-Ovelha. Aqui, houve também a preocupação em regular a produção máxima por hectare, que seria idêntica à das castas tintas, limitando o volume alcoólico dos brancos aos 12% mínimo, obrigando ainda a um estágio mínimo antes de comercialização a 12 meses, seis dos quais em garrafa. Em matéria de reposição de injustiças, a Portaria nº 335/2015, de 6 de Outubro, veio colmatar uma ausência inadmissível, colocando a histórica Arinto, casta já referenciada por António Augusto de Aguiar, em 1867, como uma das mais relevantes uvas brancas do encepamento do território da Bairrada.

Terminamos esta longa, mas rica história de um território abençoado pela proteção das Serras do Bussaco e Caramulo, bafejado pela influência do Atlântico, com a afirmação de qualidade superior dos vinhos que ostentam a menção “Clássico”, concedendo à Bairrada um estatuto de maior relevância em boa hora regulamentada, e que tão bem é expressa nos 12 vinhos que brilharam na nossa prova.

* O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

(Artigo publicado na edição de Junho de 2025)

GRANDE PROVA: No Dão, os brancos vão na frente

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A região do Dão, delimitada na primeira leva de demarcações do séc. XX, ainda em monarquia, desde cedo se caracterizou por ser uma região polivalente, tanto de brancos como de tintos. Ao contrário de outras regiões então também demarcadas, como Bucelas, que apenas estava vocacionada para vinhos brancos, em terras beirãs os brancos e os […]

A região do Dão, delimitada na primeira leva de demarcações do séc. XX, ainda em monarquia, desde cedo se caracterizou por ser uma região polivalente, tanto de brancos como de tintos. Ao contrário de outras regiões então também demarcadas, como Bucelas, que apenas estava vocacionada para vinhos brancos, em terras beirãs os brancos e os tintos cresceram lado a lado, um pouco ao sabor das modas. Hoje todos falam que há um crescente interesse nos vinhos brancos um pouco por todo o país, mas nem sempre foi assim. A flutuação de mais brancos ou mais tintos dependeu sempre das modas e dos gostos. Em resumo, ainda hoje depende do mercado.
Esta região, como quase todas as outras do país, cresceu associada a um certo modelo vínico, gerando sobretudo vinhos de lote onde se combinavam as várias castas que a região conhecia.
Antigamente os lotes eram feitos na vinha, sobretudo nas mais velhas, em que o plantio se fazia a eito ou, a partir dos anos 60, por parcela de castas mas sempre jogando no lote final com o contributo de diversas variedades. Assim era o Dão, e também por isso nós não conhecemos vinhos varietais antes dos anos 90 do século passado. Apenas as experiências do Centro de Estudos de Nelas, nomeadamente com Encruzado e Touriga Nacional, nos ajudam na busca de vinhos de casta.
Os anos 90 trouxeram uma verdadeira revolução, com novas experiências, novos produtores, novas adegas, novos conceitos. Nesse sentido, o Dão de hoje é tributário desses pioneiros onde encontramos a Quinta da Pellada, Quinta dos Carvalhais, Quinta dos Roques, Casa de Santar ou Casa da Ínsua, só para citar alguns. Foi então que os consumidores se familiarizaram com os vinhos de Encruzado e os varietais das tintas Touriga Nacional, Tinta Roriz, Alfrocheiro e Jaen, nomes até então ausentes do léxico dos apreciadores.

O Dão ganhou enorme prestígio na “família” dos vinhos brancos à custa da Encruzado. É uma variedade enigmática que ali nasceu e dali não parece querer sair.

 

Encruzado sim, mas…

Segundo os dados mais recentes fornecidos pela CVR do Dão, as castas brancas ocupam 1950 ha, o que corresponde a cerca de 21% dos encepamentos. Dentro das brancas, as mais plantadas são a Malvasia Fina (27,28%), a Fernão Pires (19,90%), a Encruzado (12,83%) e a Bical com 12,57%. Seguidamente, e num registo mais contido, temos a Branda (8,56%), Cerceal-Branco (2,30%), Uva-Cão (1,14%) e Gouveio e Rabo de Ovelha, ambas com 1,11%.

O Dão ganhou enorme prestígio na “família” dos vinhos brancos à custa da Encruzado. É uma variedade enigmática que ali nasceu, e dali não parece querer sair, uma vez que não tem grande apetência por viagens e, noutras regiões, dá resultados apenas satisfatórios. Os consumidores começaram a ouvir falar de Encruzado nos anos 90, tornando-se quase sinónimo de vinho branco do Dão, a casta considerada emblemática da região, uma espécie de porta-estandarte. Não é, porém, uma uva totalmente consensual entre os profissionais, sendo mais difícil de domar do que à primeira vista se poderia pensar. Porquê? Porque os vinhos Encruzado nascem pouco faladores, pouco expressivos em termos aromáticos e, por isso, precisam de ser acarinhados para poder crescer bem. Manuel Vieira (enólogo na empresa Caminhos Cruzados) afirma que “pelo facto de os vinhos da casta serem pouco expressivos em novos, há quem lhes dê um tom forçadamente aromático logo à nascença, com aromas tropicais, algo que rejeito completamente; a Encruzado precisa de tempo e só com a evolução em garrafa é que finalmente mostra as suas virtudes e a madeira (bem integrada) pode ter aí um papel importante”.

Já a enóloga Patrícia Santos (Quinta da Alameda, Primado, entre outros produtores) não é tão efusiva com a Encruzado. Segundo nos disse, “reconheço-lhe a plasticidade para diferentes formas de vinificação e estágio, mas acho que não é uma casta excelente. Não tem, por exemplo, a excelência de uma Alvarinho. Continuamos à procura e tenho estado a trabalhar a Uva-Cão onde encontro grande potencial de qualidade”. Ambos os enólogos são pouco entusiastas das castas também muito plantadas na região, como a Malvasia Fina e a Bical. Para lotes sim, como varietais nem por isso.

Uma visita a uma garrafeira de grande superfície mostra-nos que há imensos brancos do Dão a preço muito acessível, não sendo por isso aceitável que se diga que os vinhos são caros.

 

Brancos de excelência

Ainda assim, actualmente uma prova de brancos do Dão tende naturalmente a incidir em vinhos de Encruzado, ainda que, no nosso caso, tal não tinha sido imposto aos produtores a quem solicitámos amostras. O que pudemos verificar é que as escolhas de vinhos a enviar foram bem diversas e com critérios que apenas os próprios produtores poderão definir: tivemos vinhos mais novos, outros com mais idade, varietais e de lote, com madeira evidente e sem ela presente e com uma tremenda flutuação de preços indicativos.
Conclui-se, assim, que pode não ser muito fácil criar um padrão, um modelo de branco que se possa dizer sem rebuço: isto é um branco do Dão! De qualquer forma, há um elemento que percorre e unifica todos os brancos, independentemente do modelo escolhido. Refiro-me à acidez que estes vinhos sempre apresentam, associada a um brilho, uma elegância e uma proporção que é notável e é traço indicativo da região.

Aqui também se procuram novos modelos, novos horizontes para os vinhos brancos. Uma visita a uma garrafeira de grande superfície mostra-nos que há imensos brancos do Dão a preço muito acessível, não sendo por isso aceitável que se diga que os vinhos são caros. No entanto, como pedimos aos produtores que enviassem o melhor que tinham ou o que entendiam que melhor representava a orientação vínica da quinta ou empresa, os preços dos vinhos deste painel são em geral elevados. A região ganha com isso, é elevando o patamar que o Dão pode ganhar prestígio. Mas os tempos vão difíceis para vinhos mais caros e esse facto torna muito exigente o esforço de cada produtor para se afirmar, quer interna, quer externamente.

Acreditamos que, independentemente do modelo vínico escolhido, o branco tem de ser uma bandeira, tem de representar a região. Ora isto pode acontecer, independentemente do preço e, por isso, alguns vinhos de preço acessível estão aqui muito bem classificados e outros, bem mais caros, se quedaram por classificações mais modestas.
A conclusão final é muito fácil: estamos a falar de uma das melhores regiões do país para gerar vinhos brancos muito originais, a tal região que um winewriter americano apelidou de “A Borgonha dos vinhos portugueses”. Vamos assinar por baixo.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2025)

 

Grande Prova: Tintos do Tejo “On Fire”

tejo

O rio define a região de vinho a norte de Lisboa, que se estende Tejo acima até Tomar. Resultado de uma restruturação de nome em 2008, da qual resultou uma identidade centrada no rio e seu nome: é a Indicação de Proveniência Regulamentada Tejo e a Denominação de Origem Protegida DoTejo. Os seus 12 mil […]

O rio define a região de vinho a norte de Lisboa, que se estende Tejo acima até Tomar. Resultado de uma restruturação de nome em 2008, da qual resultou uma identidade centrada no rio e seu nome: é a Indicação de Proveniência Regulamentada Tejo e a Denominação de Origem Protegida DoTejo. Os seus 12 mil hectares de vinha produzem 65 milhões de litros de vinho, dos quais 30 milhões são certificados, 90% como Regionais e 10% como DOC.

Havia várias DOs na região, mas em 2008 passaram a ser admitidas como sub-regiões, que, na verdade, são raramente usadas ou comunicadas pelos produtores. São elas Almeirim, Cartaxo, Chamusca, Coruche, Santarém e Tomar. Na verdade, a CVR, liderada desde 2014 por Luís Castro, tem enfatizado os três terroirs mais marcantes da região: o Bairro, o Campo e a Charneca. A CVR encomendou estudos que levaram a que a zona de maior altitude, perto de Tomar, se vá tornar, em breve, na quarta subdivisão da região do Tejo.

Esta é a melhor prova de vinhos tintos do Tejo alguma vez feita.

 

Vinhos de grande nível

A grande batalha do Tejo nas últimas décadas tem sido a conversão da região para a produção de vinhos de qualidade. Luís Castro, como muitos outros na região, defendem que essa batalha está ganha há muitos anos, mas o consumidor não tem essa percepção. A CVR tem feito o seu papel, os produtores também, mas o consumidor não vê o Tejo com os mesmos bons olhos de outras regiões, e quer dali vinhos bons e baratos. Não estou necessariamente de acordo com essa visão. Penso que o Tejo deu passos em frente, mas depois estagnou durante alguns anos, e navegou com alguma complacência as águas da qualidade, quantidade e percepção. A aritmética da escola primária chega para perceber que se pode ganhar mais dinheiro com um vinho mais caro, e muito mais dinheiro com uma quantidade grande desse vinho. Mas isso já não importa, porque esta prova me mostrou que essas dúvidas foram resolvidas. Já há alguns anos que vejo os melhores tintos do Tejo a alcançar uma dimensão até há poucos anos impensável e, neste momento, vejo uma quantidade já significativa de produtores a contribuírem com vinhos de grande nível. Ou seja, bem-vindo, Tejo!

Nos vinhos brancos, a casta rainha é a Fernão Pires, com cerca de 80% do encepamento. Os enólogos foram percebendo melhor a casta e suas especificidades, e conceberam soluções para melhorar os vinhos, fosse em lotes com outras castas, fosse entendendo melhor e adaptando a produção a cada terroir. Nos tintos sempre houve mais variedade. A casta mais plantada é o Castelão, seguida da Trincadeira. Também há muita Touriga Nacional, Tinta Roriz, Alicante Bouschet e Syrah. Mas neste segmento dos topos de gama, o Castelão, e até a Trincadeira, aparecem apenas residualmente. Por outro lado, aparece com alguma frequência a Touriga Franca nos lotes. Também neste capítulo, o Tejo se redefine. Obviamente, para os topos de gama é usual o estágio em barricas de carvalho, novas ou usadas. Fiquei muito contente de verificar que eram poucos os vinhos com graus alcoólicos muito elevados. A região é muito quente, mas há já talento para controlar as maturações excessivas. Em geral, os vinhos mostraram muita qualidade e apelo, com vários a apresentar notas excelentes e muita adaptação à mesa.

 

Uma região precisa das suas estrelas, e são essas que puxam tudo para a frente.

 

Afinado e sedutor

Falei com Pedro Pinhão, enólogo da Quinta da Lagoalva de Cima, que me explicou que o vinho na casa, como em muitas outras do Tejo, é apenas mais uma das múltiplas culturas. Eventualmente, isso atrasou a tal mudança da ênfase da quantidade para a qualidade. Hoje em dia há mais experiência, maior foco na vinha e nos vinhos, melhor divisão de tarefas e pessoal mais especializado. A Lagoalva esteve na primeira linha dos vinhos do Tejo logo a partir dos anos 1990, e mostra hoje este topo de gama muito afinado e sedutor.

Não se viu nesta prova, mas a minha experiência com os vinhos do Tejo mostra-me um salto em frente também nas entradas de gama. A região trabalhou para oferecer vinhos com boa relação qualidade preço em todas as gamas, e o tal déficit de percepção de qualidade, de que Luís Castro falou, foi combatido com uma abordagem mais focada na exportação, onde essa percepção não existia. Segundo ele, a CVR apoia também os seus produtores com aconselhamento de críticos internacionais, como Charles Metcalfe ou Dirceu Vianna, e ainda visitas a produtores concorrentes nas feiras internacionais.

Olhando os resultados da prova, vemos claramente essa qualidade marcada por preços bem acessíveis, mas vemos também vinhos cujo preço começa a subir bastante. Não vejo isso como negativo, mesmo que isso nos faça poder bebê-los menos vezes. Uma região precisa das suas estrelas, e são essas que puxam tudo para a frente. Vejo ainda, e por agora, independentemente dos diferentes lotes de várias castas, uma certa uniformidade de estilo neste topo da pirâmide da qualidade. Creio que isso faz parte da evolução de uma região, como o temos visto noutras, onde já nos habituámos a constatar qualidade de primeira água. Creio ainda que o próximo passo é vermos diferentes produtores, alguns deles mais pequenos e mais ousados, fazerem topos de gama mais especiais, mais diferenciados, onde o terroir vai ser explorado mais em profundidade, cada vinho mostrando individualidade. Em alguns desses casos o avanço vai dar-se para trás, ou seja, vai haver netos que regressam aos modos dos seus avós, mas com a sua visão mais moderna, mais apoiada na técnica e na ciência. Isto ou eu a adivinhar novos e excitantes caminhos para o Tejo. São bons tempos os que vivemos.

(Artigo publicado na edição de Abril de 2025)

 

Tintos de 2015: Notável demonstração de classe

Tintos 2015

Numa prova em que todos os vinhos são de uma só colheita, no caso de 2015, é fundamental começar por recordar como foi esse ano. Ora, como tantas vezes sucede, o ano meteorológico esteve em linha com o ano vitivinícola, ainda que não inteiramente coincidentes, como veremos. Ou seja, enquanto os registos revelam que o […]

Numa prova em que todos os vinhos são de uma só colheita, no caso de 2015, é fundamental começar por recordar como foi esse ano. Ora, como tantas vezes sucede, o ano meteorológico esteve em linha com o ano vitivinícola, ainda que não inteiramente coincidentes, como veremos. Ou seja, enquanto os registos revelam que o ano 2015 em Portugal Continental foi extremamente seco e muito quente, sendo, até então, o sétimo ano mais quente desde 1931, e o segundo desde 2000, já os relatórios de vindima e os vinhos provados revelam esse ano cálido, mas ainda assim com muito equilíbrio nas maturações e menos stress hídrico do que outros anos.

Chuva nos momentos certos

Comecemos, então, pelo calor… Em 2015, o valor médio da temperatura máxima do ar foi o mais alto dos 18 anos anteriores, sendo que em cada mês o registo foi sempre superior ao normal, exceto nos meses de janeiro, fevereiro e setembro. Olhando para estes números, imaginar-se-ia que o ano vitivinícola seria de pouca produção, com ciclo vegetativo curto, e/ou marcado por uvas num perfil de grande maturação. Mas não foi bem assim… A grande pluviosidade sentida de setembro a novembro em 2014, e chuvas ocasionais nos ‘momentos certos’ de 2015 ajudaram, desde o início, ao favorável desenvolvimento da videira e ao bom vingamento do fruto.

Por outro lado, o tempo seco ao longo do ciclo evitou o desenvolvimento de doenças, mesmo nas áreas costeiras e chuvosas com maior pressão, e permitiu que os trabalhos de viticultura decorressem adequadamente em todas as regiões, contribuindo para que as uvas terminassem o seu ciclo vegetativo em muito boas condições. Houve, é certo, alguns picos de calor, mas a sorte esteve com os produtores, pois nas épocas mais determinantes para a colheita o calor não foi extremo e existiam reservas de água no solo decorrentes das chuvas de setembro e outubro do ano anterior. No Alentejo, por exemplo, as temperaturas veraneantes foram altas como é habitual, mas longe de terem sido extremas. A circunstância da vindima ter sido feita num período seco e temperado também ajudou e muito. Não espanta assim que, de norte a sul do país, a produção tenha aumentado e qualidade foi evidente.

 

Foi unânime, entre os provadores, que esta prova dos tintos de 2015 foi a melhor das já realizadas com este objetivo de provar topos de gama com 10 anos de evolução.

 

Muita qualidade e equilíbrio

Sim, foi um ano quente, com vinhos de grande expressão de fruta, mas, ao lado de outros anos, revelam-se muito equilibrados, o que se comprova pelos níveis de álcool que, na nossa prova, não excederam os 14,5%. 2015, mais quente que 2014 ou 2010, revelar-se-ia menos intenso que 2016 e 2017 que lhe sucederam, no que a vinhos tintos diz respeito. No que a Porto Vintage concerne, sempre, um bom indicador para anos quentes, os vinhos de 2015 revelaram-se excelentes desde o início, e logo com boa evolução, com alguns produtores a pretenderem mesmo que fosse declarado ano clássico. Porém, já com a certeza de que os vinhos de 2016 (e 2017) eram mais maduros e tensos, a declaração não vingou. Nos Vinhos Verdes, 2015 foi uma das melhores colheitas até à altura, muito boa também na Bairrada e Dão, e as regiões a sul beneficiaram de um verão menos escaldante que o habitual.

A expetativa era, assim, enorme. E a prova não defraudou, pelo contrário. Com efeito, fazemos esta prova de topos de gama tintos com 10 anos há muito tempo, e temos os registos, pelo menos, desde a colheita de 2003. Pois bem, foi unânime entre os provadores que esta prova dos tintos de 2015 foi a melhor das já realizadas com este objetivo de provar topos de gama com 10 anos de evolução. Naturalmente, para tal não contribuiu apenas o ano vitícola quase perfeito, mas também a experiência e o acerto das equipas de viticultura e enologia. Contatámos enólogos que trabalharam nesse ano em várias regiões do país e todos recordaram uma colheita com poucos problemas (para tintos, mas também para brancos), boa produção geral, e um perfil de fruta limpo e definido.

Trabalho feito, tudo na prova correu muito bem, com os vinhos a darem excelente prestação, muito limpos e com fruta definida, acidezes ainda presentes, e quase todos num perfil jovem e com muitos anos pela frente. Mais, todos vinhos mostraram-se com ótima integração de barrica, revelando, também neste campo, uma evolução significativa face a provas de outros anos. Olhando para o grau alcoólico, houve também surpresa positiva, com vários vinhos a declararem 13,5%, e um com 12,5%, valores muito sensatos num ano quente, comprovando que é possível combinar, com harmonia, maturação com comedimento no grau. Registou-se, por fim, um único caso de TCA e só por três vezes houve necessidade de provar nova garrafa para confirmar algum aspeto mais discutido entre os provadores. Nos primeiros lugares, com as classificações de 19 e 18,5, tivemos vinhos de praticamente todas as regiões em prova o que é bem demonstrativo da qualidade geral da colheita de 2015 pelo país inteiro. Que venham mais colheitas assim, é o nosso desejo!

 

Todos vinhos mostraram-se com ótima integração de barrica, revelando, também neste campo, uma evolução significativa face a provas de outros anos.

19  M.O.B. Gauvé

Dão tinto 2015

Moreira, Olazabal & Borges

Cor e aroma denotando juventude. Fruto puro, negro e azul, leve grafite, bosque, percepção de vibração e tensão, presumindo-se terroir frio. Mais fino em boca do que o aroma faria prever, cremoso e saboroso, tanino fino mas acutilante, especiado, e focado em frescura com notas de floresta. Fabuloso. (14%)

19 Quinta da Manoella VV

Douro tinto 2015

Wine & Soul

Aroma espantoso, com muito fruto, quase exuberante, azul e negro, perfil fino e elegante, notas a chocolate e pêssego, leves apontamentos da barrica. Amplo e saboroso em boca, médio-encorpado, cremoso, novamente fruto azul, agora com apontamentos de pimenta, acidez média, taninos perfeitos e final longo. (14%)

19 Quinta de Foz Arouce Vinhas Velhas de Santa Maria

Reg. Beira Atlântico tinto 2015

Conde Foz de Arouce Vinhos

Baga. Aroma muito jovem, com a casta a sentir-se numa versão mais madura, mas envolta em frescura. Fruto negro, mentol, chocolate, evidente perfil bordalês. Prova de boca encorpada, ágil e saboroso, nota a café, fruto negro, muito especiado, belíssima textura polida, termina fresco e longo. (14%)

19 Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa

Douro tinto 2015

Quinta do Crasto

Aroma típico da referência, que entrega fruto azul e preto em camadas, muita especiaria, fruta cristalizada, cachimbo, tudo rico e num perfil barroco. Taninos polidos em boca, muito sabor, fruto encarnada e perfil mais fresco que no aroma faria prever, termina amplo, macio e longo, pontuado por doçura frutada. (14,5%)

18,5 Júlio B. Bastos

Alentejo Alicante Bouschet Grande Reserva tinto 2015

Júlio Bastos

Aroma jovem que abre para um perfil marcadamente vegetal, alcaçuz, louro fresco, nota de eucalipto e perfil balsâmico, tudo com sensação frescura. Meio corpo em boca, novamente jovem com taninos sérios, fruto negro não macerado, com a madeira mais descoberta do que no aroma. Termina com leve secura gastronómica. (13,5%)

18,5 (1500ml) Marquês de Borba

Alentejo Reserva tinto 2015

J.Portugal Ramos

Aroma complexo a revelar óptima evolução, com fruto encarnado maduro, notas a café, grafite, musgo, especiados da barrica, floral fresco no fundo, leve pimento, tudo com ótima intensidade e muito limpo. Muito bem também em boca, tenso e frutado, tanino presente sem ferir, saboroso e longo. (14,5%)

18,5 Mouchão

Alentejo tinto 2015

Vinhos da Cavaca Dourada

Cor muito concentrada e o aroma a revelar boa evolução. Nota a terra molhada, chão de tijoleira, fruto encarnado, flores maduras, rosa e figo, especiaria fina. Mais jovem na prova de boca, com muito tanino, maduro e sério, boa acidez geral, revela grande equilíbrio entre maturação e uma percepção surpreendente de frescura. (14,5%)

 18,5 O.Leucura

Douro tinto 2015

Duorum Vinhos

Muito jovem na cor e no aroma. Fechado, pede arejamento e abre com notas latentes de fruto negro e azul, caruma, fruto seco, chocolate negro, tudo muito bonito num perfil clássico do Douro Superior. Concentrado na boca, mas muito polido, saboroso, ervas secas e fruto azul, tanino sério e maduro, mais fresco do que o aroma dá a entender e grande qualidade geral. (14%)

18,5 Poeira

Douro tinto 2015

Jorge M. Nobre Moreira

36 barricas. Aroma fino e latente, a pedir arejamento, abre para notas de fruto azul, ervas do monte, leve violeta, e chá. Muito bem em boca, com bom volume, todo proporcionado, bela textura, envolvente e saboroso nos taninos, revela-se num perfil de finesse com final longo. (14%)

 18,5 Quinta do Vale Meão

Douro tinto 2015

F. Olazabal & Filhos

Muito aromático desde o início, muito fruto à frente, toque mineral, matizes da barrica perfeita, chocolate, num conjunto que denota classe. Especiado em boca, ervas do monte, alcaçuz, textura cremosa e com alguma potência, termina com muito sabor. Conjunto impressionante. (14%)

 18,5 Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo Referência

Douro Grande Reserva tinto 2015

Quinta Nova de Nossa Sr.ª do Carmo

Tinta Roriz e vinha velha em field blend. Muito jovem no aroma, abre com barrica de qualidade, seguida de fruto negro puro e de grande intensidade, amora, pimenta, leve balsâmico. Prova de boca mais vegetal, intenso e saboroso, novamente chocolate, bastante mais fresco na boca do que o aroma faria prever. Excelente! (14%)

 18,5 Villa Oliveira

Dão Serra da Estrela Touriga Nacional tinto 2015

O Abrigo da Passarela

Aroma cativante com notas complexas de fruto encarnado e azul, amparadas por presença significativa de barrica, num perfil complexo e sedutor, com a casta a não se evidenciar. Jovem em boca, complexo e de nuances várias, boa acidez, envolvente e saboroso, termina amplo mantendo um registo de elegância. Belíssimo! (14%)

 18,5 Luis Pato Vinha Barrosa

Bairrada tinto 2015

Luis Pato

Um pouco aberto na cor, de cor encarnada escura e muito brilho. No aroma abre com notas a eucalipto, fruto encarnado aberto, bagas frescas, vegetal seco, denotando frescura. Mantém o registo em boca, leve e ginasticado, com óptima acidez, fruto vermelho, floral fresco também, termina vibrante e gastronómico. Para durar! (12,5%)

18 Chryseia

Douro tinto 2015

Prats & Symignton

Tourigas Nacional e Franca. Aroma muito polido, com nota de fruto negro e encarnado (cereja), especiados da barrica, chocolate, tudo num perfil limado e apurado. Meio corpo em boca, tanino granulado e maduro, muito sabor e alguma frescura, mantém o perfil de grande equilíbrio e sedução. (14%)

 18 Esporão

Alentejo Alicante Bouschet tinto 2015

Esporão

Aroma exuberante com notas balsâmicas, vegetais, casca de árvore e azeitona, fruto maduro, leve couro também. Mantém o perfil em boca, mas com maior frescura e nitidez, saboroso, novamente vegetal seco, boa acidez, com boa saúde para viver mais anos em garrafa. (14,5%)

 18 Dolium by Paulo Laureano

Alentejo Vidigueira tinto 2015

PL Wines

Field Blend. Aroma exuberante e jovem, com notas sedutoras de ameixa, pimentas, terra húmida, groselha preta, orégãos e manjericão. Na boca revela-se lácteo e arredondado, com tanino firme e saboroso, acidez média, nota a especiaria doce e muito fruto negro. Óptima evolução! (14,%)

18 J de José de Sousa

Reg. Alentejo tinto 2015

José Maria da Fonseca Vinhos

Grand Noir, Tourigas Francesa e Nacional. Aromaticamente segue o perfil desta referência com notas vegetais atractivas, louro, azeitona, leve couro, cacau preto. Esta silhueta mais rústica continua em boca com terra húmida, pimentas, fruto maduro e notas terciárias. Está muito bem no perfil que proporciona imenso prazer, sobretudo à mesa. (13,5%)

18 Kompassus Private Collection

Bairrada Baga tinto 2015

Kompassus Vinhos

Vinhas velhas, 18 meses de barrica. Aroma austero, com notas de barro molhado, terra húmida, tomilho, barrica muito discreta, e boa percepção de frescura. A prova de boca confirma um perfil sólido e firme, meio corpo, óptima acidez, fruto encarnado maduro, leve fruto seco, termina austero. (14%)

18 Quinta da Leda

Douro tinto 2015

Sogrape Vinhos

Aroma com muito fruto, encarnado e azul, nota floral evidente também, café, bagas silvestres, e barrica ao fundo. Mantém o perfil em boca, ágil e com meio corpo, fruto encarnado, resina de esteva, chocolate e cacau, tanino saboroso de média intensidade e final elegante. (13,5%)

18 Quinta das Bágeiras

Bairrada Garrafeira tinto 2015

Mário Sérgio Nuno

Revela bem o perfil da marca, com fruto encarnado, aroma a tonel avinhado, tijoleira, vegetal seco, verniz. Tanino firme em boca, fruto mais maduro do que o nariz faria prever, muito saboroso e jovem, meio corpo, tenso e com óptima acidez num final longo e bem apimentado. (13,5%)

 18 Quinta do Monte d’ Oiro Parcela ‘24

Reg. Lisboa tinto 2015

José Bento dos Santos

Syrah. Aroma muito sedutor e complexo, com fruta encarnado e negro, bagas silvestres, muita especiaria (cominhos), nota a carne e chocolate. Mais ligeiro e ginasticado no corpo, muito fruto novamente, chocolate, acidez média, belíssimos taninos, termina longo com leve secura final. Cheio de classe! (14%)

18 Quinta dos Roques

Dão Reserva tinto 2015

Quinta dos Roques

Jovem no perfil, com fruto encarnado, floral evidente, alguma nota a barrica no fundo. Muito sabor em boca, envolvente, taninos finos, mas com boa estrutura geral, fruto negro e ervas do campo, acidez no ponto, leve doçura frutada que surpreende mas fica bem. Notável harmonia de conjunto. (13,5%)

 18 Scala Coeli

Reg. Alentejano Touriga Nacional tinto 2015

FEA

Aroma exuberante e jovem, abre com notas de grafite, fruto negro, muitas nuances da barrica, cereja e violetas também, canela ao fundo, com a casta pouco evidente. Na boca revela-se encorpado e intenso, saboroso na vertente frutada, chocolate, café, bom equilibro apesar de muita intensidade, termina com amargos finais. (14,5%)

 18 Terrenus

Alentejo-Portalegre Reserva tinto 2015

Rui Reguinga

Aroma bonito e elegante, com ataque a fruta madura, ameixa, ervas do monte, pimentas, percepção de barrica de qualidade e muita sedução. Saboroso em boca, meio corpo com boa frescura, leve couro, tanino fino mas vivo, perfil seco e gastronómico apesar da vertente frutada em evidência. (14,5%)

18 Tributo

Reg. Tejo tinto 2015

Rui Reguinga

Syrah, Grenache e um pouco de Viognier. Aroma com notas a pimenta preta, fruto maduro bonito e sedutor, nota a carne, leve grafite. Perfil mais barroco em boca, com notas de barrica e muito fruto, largo e amplo, saboroso e cremoso, revela muita especiaria doce e fruto confitado no largo final. (14%)

 18 Quinta dos Carvalhais Único

Dão tinto 2015

Quinta dos Carvalhais

Aroma jovem e de perfil floral, bergamota, chá earl grey, musgo e mentol, pinheiro, aroma muito limpo e directo, com a barrica bem integrada. Prova de boca com sabor, leve, mas com intensidade, fruta cristalizada, fruto negro, boa acidez geral, termina longo com doçura frutada. (14,5%)

 18 Vallado Vinha da Granja

Douro tinto 2015

Quinta do Vallado

Muito aromático, fruto encarnado complexo, perfil de fruta fresca, muitas ervas, especiado também e com barrica no ponto. Em boca revela tanino vivo e firme, granulado com meio corpo, boa acidez geral, também vegetal bonito e muito especiado, com final longo marcado por fruta encarnada. (14,5%)

 17,5 Falcoaria

Reg. Tejo Grande Reserva tinto 2015

Casal Branco

Jovem no aroma, fechado, abre com nota terrosa e levemente química, fruto negro de qualidade e barrica impecável, chocolate e after-eight. Mais vegetal em boca do que o aroma fazia prever, mantém-se, todavia, austero, com tanino muito firme, fruto negro e frescura balsâmica. (14%)

 17,5 Quinta da Bacalhôa

Reg. Península de Setúbal Cabernet Sauvignon tinto 2015

Bacalhôa Vinhos de Portugal

Aroma a revelar boa evolução, tudo de pendor vegetal, pimentão doce, casca de árvore, fruto maduro também com nota a ameixa desidratada. Meio corpo em boca, boa leveza de conjunto ágil, tanino fino e maduro, acidez bem presente, termina com leve doçura frutada envolvente. (14%)

 17,5 Teixuga

Dão tinto 2015

Caminhos Cruzados

Touriga Nacional. Abre exuberante com nota a fruta encarnada, bergamota, chá earl-grey, cítrico (toranja), barrica muito bem integrada, violeta e café. Fruto maduro em boca, sedutor, denso e cremoso, muita concentração, canela e chocolate, termina amplo e capitoso. (14%)

17,5 Xisto

Douro tinto 2015

Roquete & Cazes

Tourigas Nacional e Franca e Tinta Roriz. Aroma exuberante, nota a violeta, chocolate, mentol, caixa de charutos, marcado ainda por uma nota a verniz. Mais vegetal em boca, envolvente e com óptima barrica, meio corpo, acidez no ponto, termina amplo e com bom comprimento, novamente marcado pelo perfil químico. (14,5%)

Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

(A Grandes Escolhas agradece o apoio da Churrasqueira Dom Pedro, casa onde foram realizadas as fotos.)

Artigo publicado na edição de Março de 2025

 

Colares contra Collares: A Lisboa do desassossego

Colares

Nem de propósito encaixo-me nas ondas que os tempos trazem. Ainda há pouco protestava que, fazendo uma prova de Lisboa, onde tanto acontece, me limitei a encarar tintos topos de gama que seguem cânones que já não são tanto destes tempos, salvas as devidamente assinaladas excepções e sem deixar de aceitar a grande qualidade dos […]

Nem de propósito encaixo-me nas ondas que os tempos trazem. Ainda há pouco protestava que, fazendo uma prova de Lisboa, onde tanto acontece, me limitei a encarar tintos topos de gama que seguem cânones que já não são tanto destes tempos, salvas as devidamente assinaladas excepções e sem deixar de aceitar a grande qualidade dos vinhos provados. Também há pouco tempo me lamentava, em tom sentimental, de como a minha terra tinha levado com o selo “Lisboa”, sendo eu da Leiria tão distante.

Pois agora a providência juntou-se com os actores certificados e não certificados e foi-me entregue um desafio: perceber o puzzle espacial, temporal, ampelográfico e estilístico (chega para começar?) de Colares. Já explico de que forma isto agrava todos os meus problemas anteriores, mas também adianto já a conclusão: enquanto houver ventos e mar, a gente não vai parar. Muito menos a gente de Colares. Ou será Collares?

Uma pequena região de velhas tradições

Começamos já com tempo e espaço. Colares é uma pequena região muito próxima de Lisboa, onde as velhas tradições impuseram regras rígidas na especificação dos vinhos. Incluída na segunda leva de criação de denominações de origem, em 1908, tinha já pergaminhos que remontavam ao século XIII, e gentes com convicções fortes sobre as regras. DOC Colares só de Malvasia ou Ramisco, com videiras plantadas em pé-franco (sem porta-enxerto americano) em terra de areia, numa área circunscrita a partes bem demarcadas de três freguesias: Colares, São João das Lampas e São Martinho. Há alguma discussão sobre a Malvasia, que é na verdade uma família de castas. Diz, quem sabe, que a Malvasia de Colares é uma casta diferente da Malvasia Fina, a Bual/Boal da Madeira. Aliás, diga-se que também na Madeira as discussões sobre as várias Malvasias são acesas e incluem a rara Malvasia Cândida e a hoje predominante  Malvasia de São Jorge. Onde há diversidade há origens antigas.

A terra de areia + pé-franco tem origem na praga da filoxera, já que só em algumas condições a filoxera (americana) não destrói a velha Vitis vinífera (europeia), obrigando ao porta-enxerto de Vitis rupestris (americano). Uma dessas condições é a terra de areia, e temos Collares. Com dois Ls porque é antigo.

Estas histórias foram já todas contadas, mas há muitas, muitas mais. A Adega Regional de Colares (ARC) é uma cooperativa (1931) que agrupa vários papéis, que já incluíram o de certificador (hoje é a CVR Lisboa). Em 1941, a escassez de uvas levou à criação de uma lei que obrigava todos os produtores a entregar as uvas na ARC, que fazia o vinho para mais tarde ratear pelos seus associados. Esta obrigação durou muito mais do que a escassez de uvas, até cerca de 1994. O carácter híbrido da instituição impediu-a de se candidatar a subsídios europeus. E não se modernizou, nem pôde apoiar a modernização das vinhas da região. Hoje a ACR não tem vinhas, mas aceita uvas dos seus associados que as têm, elabora os vinhos (pela mão de Francisco Figueiredo e sua equipa), estagia-os e vende-os a produtores da região, com os quais está historicamente comprometida. Isto faz com que muitas empresas vendam na verdade o mesmo vinho, com ligeiras variações de lote e estágio. Por outro lado, a ACR faz hoje marcas próprias, incluindo os DOC Arenae, para além de outros vinhos de Chão Rijo, que aliás é sua marca registada.

Um puzzle complexo e fascinante

Em várias visitas de reportagem, e com o apoio do próprio Francisco Figueiredo e do dinâmico Diogo Baeta, da Viúva Gomes, procurei decifrar este puzzle até um ponto que vo-lo consiga explicar. Aqui importa explicar melhor o contexto. São 1000 anos de história, mas vou focar nos mais recentes.

Praticamente todos os actores de Colares são pessoas ali nascidas e criadas, que vivem profundamente um grande amor pelo seu sítio e têm um grande orgulho pela sua tradição. Se têm opiniões diferentes sobre o rumo a tomar, isso não se deve a falta desta devoção.

Ainda não falei das terras que não são de areia, o Chão Rijo, que engloba nessa definição todos os solos que não são de areia. Mas rijos ou moles, ambos têm muita variação, um incrível degradé de composições que explica a especificidade do terroir, se lhe juntarmos a proximidade ao mar (há vinhas literalmente a 40 m do Atlântico) e a exposição aos terríveis ventos salgados que tudo queimam e obrigam a carinhos e desvelos, incluindo técnicas e instrumentos próprios para evitar as humidades do solo e aproveitar os raios do sol que se podem tornar raros. Os muros e paliçadas são icónicas destas vinhas, que se fazem muito rasteiras, e ainda têm de disputar os terrenos com as muito apreciadas maçãs reinetas locais, que todos os anos têm o seu próprio festival. Terra de areia (ou seja, DO Colares) é um total de 24ha, na posse de 12 produtores de vinho e uns 20 viticultores (não necessariamente os mesmos).

Para explicar o imbróglio é preciso dizer que o amor dos locais pelo seu chão e o seu vinho não os impede de repetir, pelo contrário, paradoxalmente até o dizem com um certo orgulho, que em Lisboa se dizia amiúde: “este vinho ou está azedo ou é de Colares.” O Ramisco é uma casta feroz de taninos. A maturação não era assegurada, a enologia seria possivelmente optimista, e eu, na minha vida de provador de vinhos, habituei-me a tintos de Colares rústicos, herbáceos, magros, por vezes sujos, exigindo muitas dezenas de anos para amaciar, ou então não amaciando de todo. Mas por vezes uma réstia de esperança lá saía de dentro de uma garrafa e eu percebia algum do velho e prometido encanto.

Entram a enologia e viticultura modernas, o poder do povo, o vinho para o povo, e todos nos habituámos a vinhos mais encorpados, concentrados, macios, bebíveis mais cedo. Colares foi ficando para trás. Veja-se o que aconteceu na Bairrada, onde os Merlot e Syrah iam afastando a Baga, tal como a má moeda afasta a boa moeda. Veja-se como a Bairrada tradicional resistiu, sobreviveu e se impôs pelo carácter dos seus vinhos que respeitam o terroir local e a gastronomia. Pois o mesmo aconteceu em Colares. Começou de mansinho, com o vinho branco, a Malvasia impondo uma mudança súbita de métrica, onde a secura salina oferecia qualidades sedutoras, e depois o Ramisco, afinado aos tempos modernos, a oferecer salinidade e autenticidade com moderação da rusticidade. Em suma, num mundo mais global e globalizado, estes vinhos começaram a oferecer diferença, e a sua raridade impôs preços altos e o regresso aos radares do mercado.

Areia ou nada?

Se tudo isto é novo para o meu caro leitor, também o é para mim, só posso recomendar que volte a acreditar e vá provar os vinhos. Vai valer a pena.

O problema é que a região tem apenas 24 ha de terra de areia, e tudo o que não é terra de areia tem de cair no imenso tegão dos “Regionais Lisboa” (Como o vinho da minha terra Cortes, lembram-se? Só que as Cortes não têm o mesmo peso histórico). Os fervorosos produtores defensores de Colares querem, ao mesmo tempo, defender o seu velho cânone (chamemos-lhe, por argumento, Collares), um dos mais específicos e rigorosos de que há registo. Mas os mesmos produtores não conseguem viver das poucas garrafas que produzem (alguns fazem 200, outros 400). E para os vinhos oriundos do outro chão (que “chão rijo” é marca registada), não podem nem escrever a palavra Colares no rótulo, nem como endereço postal da sua adega. Collares vs. Colares, uma espécie de Kramer contra Krammer (cf. Google).

As uvas para DO Colares chegam a ser vendidas a €5 o quilo, e há sempre falta. Não ouvi ninguém a defender que Colares deixasse de exigir areia e pé-franco. Mas ouvi produtores protestando que há empresas e marcas que só querem ter um Colares no seu portefólio para aumentar o interesse nos seus outros vinhos, que depois vão comprar já feitos muito longe das encostas salgadas da Praia das Maçãs, Adraga ou Azenhas do Mar.

Quem acredita em Collares faz vinhos de extraordinário carácter, cada vez melhores e com uma identidade própria do lugar, um incrível terroir cuja dimensão impõe raridade e preços altos. São, sempre, vinhos para a mesa. À volta de Colares fervem projectos, com mais ou menos identidade, mas que são essenciais para manter vivas e sustentáveis as adegas. Se têm falta de um nome que os una, têm pelo menos uma vantagem. Estão próximos uns dos outros e conseguem sentar-se à volta de uma mesa. Apareça a identidade, que o nome aparecerá, porque este incrível amor pelo seu sítio vai dar frutos, e nós agradecemos esta teimosia milenar.

Quem é Quem em Colares 

A Adega Regional de Colares tem 13 associados com 14ha de vinhas em chão de areia, ou seja, mais de metade da área disponível para DOC. Elabora o vinho destes associados e vende-o a alguns deles e alguns negociantes que pagam um royalty. Ou seja, há produtores com vinha e viticultores sem adega.

Viúva Gomes é um produtor já muito antigo, que passou por diversas e históricas mãos até que em 1988 foi comprado pela família Baeta. Hoje é liderado por José Baeta, pai de Diogo, que nasceu nesse mesmo ano. Diogo estudou enologia e insuflou uma nova tendência à Viúva Gomes, que pouco a pouco deixou de ser apenas “négociant” e passou a “vigneron.” O trabalho de Diogo na adega e principalmente na vinha leva a Viúva Gomes a ser um dos principais motores da renovação da região de Colares, em estreita colaboração com a ACR e em sintonia com valores locais e respeito pelo terroir e seu futuro.

António Bernardino Paulo da Silva, por vezes referido pelo nome da sua marca, Chitas, é um histórico da região. Sediado nas Azenhas do Mar, mesmo de frente para o oceano bravio, aos 96 anos ainda gere a sua companhia, com marcas históricas como o Colares Chitas ou o Beira-Mar. Não tem vinhas, compra o vinho na ARC (da qual a sua casa é sócia fundadora), e estagia-o, loteia-o e engarrafa-o na sua adega.

Daniel Afonso produz há vários anos o Baías e Enseadas. Apaixonado e rigoroso, tem fascínio pela prova e é a prova que o leva a respeitar o terroir e explorá-lo da forma menos interventiva possível, mas sempre seguindo as suas convicções.

O Casal de Santa Maria ficou famoso no mundo do vinho quando o Barão Bodo von Bruemmer plantou uma vinha, em 2006, já com a bonita idade de 96 anos. Ainda viveu muitos anos para ver o sonho de fazer o seu vinho em Almoçageme, no coração da DO Colares. Plantou castas internacionais, mas a propriedade também faz vinhos DOC de grande qualidade. Hoje liderada pelo neto, Nicholas von Bruemmer, tem enologia de António Figueiredo e Jorge Rosa Santos, que continuam a tradição dos vinhos da magnífica quinta.

João Corvo e a sua filha Ana Bárbara são os orgulhosos cuidadores das vinhas do Mare et Corvus, as vinhas mais ocidentais do continente europeus, a escassos 40m da falésia sobre a icónica – e cónica – pedra Vitoreira, uma visão deslumbrante que se eleva do mar selvagem. Os Corvos têm Ramisco e Malvasia, mas também Fernão Pires e Chardonnay, que não dão DOC, em vinhas belíssimas, cujas uvas são vinificadas à parte na ACR.

Alexandre Guedes é o responsável pela Vinhas e Vinhos, que produz os vinhos da Quinta de San Michel, com vinhas em Janas, freguesia de São Martinho. Com vinhas de Malvasia e Arinto plantadas em chão rijo, tem também Ramisco (meio hectare) e Malvasia (2ha) em terra de areia. Manuel Francisco Ramilo & filhos é um produtor familiar com vinhas no vale do rio Lizandro, incluindo a Quinta do Cameijo e a Quinta do Casal do Ramilo. Pedro e Nuno Ramilo foram desafiados pelo pai a retomar a tradição familiar de fazer vinhos e decidiram fazê-los à sua maneira, procurando inovar a tradição do chão de areia, fazendo rosés, espumantes (ambos não admitidos na DO Colares).

Haja Cortezia vinhos é explorado pelo casal Luís Duarte e Teresa Gamboa Soares. Luís é filho de António Maria Perpétuo Duarte, o proprietário das vinhas, que ficam em São João das Lampas. São 5ha, entre vinhas velhas e vinhas novas, situadas perto das praias da Samarra e São Julião. Cada parcela faz um único vinho. Os vinhos Infinitude de Osório & Gonçalves, têm João Lino na enologia, e exploram castas internacionais no chão rijo, enquanto mantêm os cânones DOC na areia. O seu Ramisco é o mesmo da ACR, com mais 6 meses de estágio. Esta tradição de vinificar em conjunto é usual na região, devido às pequeníssimas produções das parcelas.

Colares

(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2025)

Espumantes Rosé: Bolhas em tons rosa

Espumantes

Novidade, notícia, atenção: este é o primeiro texto com uma seleção exclusivamente dedicada a espumantes rosés portugueses na nossa revista! E os resultados são, no mínimo, excelentes! De tal forma se deram tão bem em prova, que cabe interrogar-nos porque razão não fizemos antes este tipo de seleção? Em primeiro lugar há que dizer que […]

Novidade, notícia, atenção: este é o primeiro texto com uma seleção exclusivamente dedicada a espumantes rosés portugueses na nossa revista! E os resultados são, no mínimo, excelentes! De tal forma se deram tão bem em prova, que cabe interrogar-nos porque razão não fizemos antes este tipo de seleção? Em primeiro lugar há que dizer que provamos muitos espumantes rosés ao longo do ano. Simplesmente não sintetizamos essa prova num único texto. O mesmo se poderá dizer, claro está, quanto a outro tipo muito específico de vinho, do Vinho de Talha ao Porto LBV, que podem merecer tantas vezes uma seleção à parte, mas, por regra, saem mais dispersamente ao longo de várias edições.

Depois, talvez seja melhor colocar já o dedo na ferida, e apesar dos excelentes exemplares nacionais, todos nós – consumidores, vendedores, críticos e produtores – não andamos a prestar a atenção devida à categoria dos rosés espumantes. Salve-nos, a esse respeito, não ser uma falha exclusivamente nossa, uma vez que em Champagne – pináculo da produção de vinhos espumantes – só muito tempo depois do monge Dom Pérignon aprender a controlar a segunda fermentação, é que se passou a valorizar a respetiva versão rosada. Hoje, ao invés, e dependendo das marcas, a versão rosé dos Champagnes (e em alguns Franciacorta italianos) pode ser mesmo mais exclusiva do que os brancos, em parte devido à sua muito menor produção, em parte por alguns exemplares serem absolutamente magníficos (com distribuição em Portugal recomendamos o mítico Cristal rosé, o gastronómico Gosset Grand Rosé e o sensual Billecart-Salmon rosé).

Uma questão de estilo

Como é evidente, um bom espumante rosé em nada fica atrás de um bom espumante branco (não nos referimos aqui aos tintos que deixamos para outra altura). É uma questão de estilo. Aliás, quando um dos melhores produtores de rosé em Portugal, a empresa bairradina Kompassus, quis iniciar-se em espumantes topos de gama, fê-lo em versão rosés, quer com Baga e Pinot Noir juntas, quer com cada uma das castas em estreme. E assim o é, desde logo, porque a partir de uma casta tinta se pode fazer espumante branco ou rosé. Com efeito, quanto à cor e perfil, e não querendo entrar em muitos detalhes, trata-se de uma opção de vinificação do produtor, sendo que uma uva tinta, dependendo da variedade, naturalmente, pode conduzir a um mosto mais claro do que uma uva branca. De resto, a carga fenólica de grande parte das uvas tintas com que se faz espumante é menor do que a das castas brancas (simplificando, esmagando uvas de Pinot Noir e de Chardonnay lado a lado, o mais provável é que o sumo desta última tenha mais cor do que o da primeira). Por isso, e como escrevíamos, a versão rosé depende da escolha na adega, nomeadamente no que respeita ao tempo de contacto do mosto com as películas da uva. Para os vinhos mais delicados utiliza-se apenas o mosto lágrima (tête de cuvée) utilizando-se o método de bica aberta sem contacto com as películas. Em Champagne pode-se utilizar este mesmo método para os rosés, com maior ou menor contacto com as películas, ou produzir espumantes brancos e tintos que são depois misturados. Não sendo este um método maioritário, contribui para alguns dos champanhes rosés com mais carácter.

Espumantes

Rosés de eleição

Mas voltemos à nossa premissa inicial. Não existe nenhum motivo para não eleger um espumante rosé quando nos apetece bolhas, seja a solo, de aperitivo, ou a acompanhar uma refeição. É verdade que a sua produção continua a ser residual face aos brancos, e é verdade que quem pretende um espumante centrado em notas de panificação, ou até com perfil mais cítrico ou floral, não pensa imediatamente numa bebida com tons rosados. E pode ser até que os espumantes rosés tenham herdado, por parte do público, algum do preconceito que existe em relação à generalidade dos vinhos rosés (preconceito que nos afigura estar a desvanecer). Em todo o caso, provando os vinhos, nas suas melhores versões (vários dos recomendados são topos de gama), é impossível ficar indiferente a uma sedução ligeiramente frutada que equilibra as notas fermentativas típicas de uma segunda fermentação e atenua os matizes mais barrocos provocados pela “reação de Maillard”.

Pois bem, quanto à nossa recomendação, não vale a pena guardar segredo e avancemos para a conclusão que já temos vindo a desvendar nos parágrafos anteriores: temos mais espumantes rosés de excelência em Portugal do que pensamos e, definitivamente, do que andamos a beber. Produto ainda valorizado para momentos festivos, acaba muitas vezes esquecido dentro do coffret (palavra francesa para a caixa decorativa em que os champagnes de edição limitada são comercializados) na dispensa. Todavia, e depois de provarmos muitos vinhos e de selecionarmos mais de uma dúzia, não temos dúvida em classificá-los como o melhor acompanhamento à mesa com uma piza (melhor ainda se for levemente picante), com almondegas ou outros pratos à base de carne picada, mas também, e noutro polo, com peixes secos e para maridagens com pratos exóticos (caril em especial). De preferência quando o espumante rosé é bruto natural como grande parte dos que aqui selecionámos, com uma mousse cremosa, cordão vivo e pressão média.

Há, pois, que valorizar os espumantes nacionais, incluindo os rosés, o que passa por compreender que produzir um espumante é muito mais difícil do que produzir um vinho tinto, por exemplo. Outra coisa que por vezes se esquece é que uma premissa base para um bom espumante é a qualidade das uvas que estão na sua génese. Devem ser uvas destinadas exclusivamente a espumante tendo em consideração o álcool provável, pH e acidez total. Uvas demasiado maduras contribuirão para espumantes com demasiado carácter varietal (o que não se pretende) pelo que se deve privilegiar regiões frias para a sua produção ou, nas menos frias, optar por uma vindima precoce. O vinho base para um espumante deve ter entre 10,5% e 11,5% de álcool, uma acidez total entre os 9 a 10 g/l e um pH preferencialmente abaixo dos três. Não espanta, assim, que a produção de espumante, espalhada por todo o território, se concentre em duas regiões onde não falta frescura: a atlântica Bairrada e a montanhosa Távora-Varosa. Na nossa seleção, os vinhos destas regiões puxaram dos pergaminhos (muito bem o  Baga-Bairrada da Aliança, que já produz 65.000 garrafas a um preço imbatível), seguidos por regiões de clima também temperado e húmido como Lisboa (sobretudo nos solos calcários) e os Vinhos Verdes. Mas terminamos como começámos, concluindo que em todo o nosso território se produzem grandes espumantes e também na versão rosé que em nada fica atrás da versão branca. Em alguns casos, bem pelo contrário!

 Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2024)

 

 

Grande Prova: Tintos do Alentejo

grande prova alentejo

Se há região presente nos corações dos apreciadores de vinho em Portugal é o Alentejo. E não é só no nosso país, pois há mercados importantes como Brasil e Angola a elegerem a região do sul como a sua favorita. E mesmo aqui ao lado, na vizinha Espanha, já não é raro algum consumo de […]

Se há região presente nos corações dos apreciadores de vinho em Portugal é o Alentejo. E não é só no nosso país, pois há mercados importantes como Brasil e Angola a elegerem a região do sul como a sua favorita. E mesmo aqui ao lado, na vizinha Espanha, já não é raro algum consumo de vinhos alentejanos, sobretudo nos territórios mais próximos da fronteira. O Alentejo é, sem dúvida, uma região firme e regular no que respeita a escolhas dos consumidores.

Nas últimas três décadas, o Alentejo impôs-se graças a um estilo atrativo com produtos de grande qualidade e preços competitivos, tendo sido uma das primeiras regiões a modernizar-se, seja na replantação de vinha apta a produzir quantidade com qualidade, seja na apresentação acessível e excitante das garrafas ao consumidor. Com efeito, na década de 90 do século passado, enquanto outras regiões lusitanas faziam ensaios ou apresentavam os seus primeiros vinhos considerados modernos, já o Alentejo fidelizava clientes com vinhos e marcas irrepreensíveis como Esporão e Monte Velho, Alabastro e Quinta da Terrugem, Tapada de Coelheiros, Marquês de Borba, Cartuxa, Couteiro-Mor, Herdade Grande, ou Quinta do Carmo, sem esquecer o trabalho muito profissional que já se fazia na maioria das cooperativas. Longe da rusticidade, e de vinhos com fenóis típicos de décadas anteriores, os anos 90 colocaram o Alentejo no topo das escolhas dos enófilos que buscavam um perfil mais contemporâneo, em alguns casos até com inspiração internacional. A este respeito, a introdução de castas de fora da região teve a sua quota-parte de importância nesta ascensão, tanto mais que esse movimento teve, no Alentejo, mais sucesso que em qualquer outra região, com a chegada das Tourigas durienses, e das francesas Syrah e Cabernet Sauvignon (e, pouco depois, mas com menos expressão, de Petit Verdot e, mais residual ainda, de Petite Sirah), não por acaso chamadas de “castas melhoradoras”.

A igualmente “francesa adotada” Alicante Bouschet passou de exclusiva a meia dúzia de produtores (com destaque para Mouchão, Quinta do Carmo e Reynolds), para ser quase a segunda casta mais plantada na região, praticamente omnipresente nos encepamentos da planície, de tal forma que, ainda hoje, é difícil (muito difícil mesmo, com exceção do Pêra-Manca) encontrar um topo de gama alentejano sem a presença desta variedade. E tanto assim o é, que já todos consideramos o Alicante Bouschet como uma casta do Alentejo, e a prová-lo temos o impressionante número de 4.352 hectares ali plantados. A comandar esta tendência de vinhos modernos, com fruta límpida e madura, encontrávamos nomes de profissionais incontornáveis na região, produtores e enólogos, como João Portugal Ramos, Júlio Bastos, Paulo Laureano, Pedro Baptista, Luís Duarte e Rui Reguinga, entre outros. Com a entrada no novo milénio, marcas e empresas de sucesso como Malhadinha, Monte da Ravasqueira, Herdade dos Grous, Tiago Cabaço, Ervideira, Rocim, Fita Preta, Casa Relvas, entre muitas e muitas outras, solidificaram o pedestal alentejano junto dos consumidores.

MODERNO E CLÁSSICO

E, assim, chegámos à atualidade. Grande na dimensão territorial e nos seus quase 2000 viticultores e 250 produtores com produção declarada, o Alentejo produz hoje mais de 85 milhões de litros com certificação DO Alentejo e IG Alentejano, e ultrapassa os 120 milhões no total. Com uma produção média por hectare de 5200 litros, o Alentejo afirmou-se como um dos principais motores vitivinícolas no país, sem dúvida o mais aberto a tendências vindas de fora, sem esquecer a atenção à sustentabilidade graças a um eficaz sistema de gestão ambiental. Perante o cenário já descrito, constatamos que os últimos anos confirmam uma estabilidade notável, sentindo-se uma ligeira consolidação perante o aumento do número de grandes produtores (acima de um milhão de litros), o mesmo se sentindo no número de produtores com uma dimensão entre 100 e 200 hectares, que aumentou ligeiramente. Mas este Alentejo atual não é só números. É cada vez mais uma região cosmopolita, que tanto tem certificação de Vinho de Talha e produz vinhos das suas castas autóctones, como dispõe de produtores junto à costa com vinhos de Sauvignon Blanc, Riesling e Pinot Noir marcadamente atlânticos. É uma região que viu renascer o interesse pelo território e património vitícola da Serra de São Mamede e a valorização das vinhas de sequeiro, uma região que tem castas como Trincadeira e Moreto, mas onde também se produz vinho com Carignan e Grand Noir de cepas velhas. Tudo isto!

Quanto à prova verdadeiramente dita, comecemos pelos aspetos mais positivos que dela ressaltaram. Em primeiro lugar, a boa forma de todos os vinhos provados, daqueles com três anos em garrafa até aos com sete ou oito anos. Todos, sem exceção, encontram-se num bom momento de consumo. Aliás, cabe mesmo elogiar a longevidade dos vinhos provados, vários deles ainda jovens no copo, mesmo aqueles com 10 anos (caso do Segredo de Saturno) ou mais (Gloria Reynolds).
Se alguém ainda duvida da longevidade dos vinhos do Alentejo é porque não anda a provar seriamente os vinhos da região. A este respeito ainda, quero deixar um elogio aos produtores alentejanos que conseguem reter uma ou duas colheitas em casa, colocando os seus vinhos no mercado apenas quando o consideram próximo do seu melhor momento. Na nossa prova, encontrámos vinhos, lançados este ano de 2024, das colheitas de 2021 e 2020, alguns casos até de anos mais antigos. Ora, esta capacidade de retenção, quando se trata de uma decisão e não de uma consequência de stocks volumosos, é de aplaudir e deve servir de exemplo para outras regiões. Outra nota muito positiva para a boa qualidade geral das rolhas, com apenas um residual despiste de TCA.

ÁLCOOL A MODERAR

Quanto aos desafios para a região, a prova demonstrou um padrão maioritário de perfil muito bem definido, com várias semelhanças entre si. Vinhos intensos, exuberantes e capitosos, fantásticos na sedução, mas, em vários casos, parecidos uns com os outros. Numa região com sub-regiões tão diversas, e terroirs diversificados quanto à composição do solo e à altitude, e à proximidade do oceano, seria positivo encontrar mais registos e registos mais diversificados. É verdade que, tal como aconteceu com a prova dos topos de Lisboa na edição de outubro, ou na do Douro, na edição de novembro, os topos de gama tendem a uma uniformização no que respeita ao ponto de maturação fenólica e ao uso de barrica, mas, mesmo assim, teríamos preferido encontrar perfis mais espontâneos e singulares.

Vários dos vinhos mais bem pontuados foram precisamente aqueles que, dentro da extrema qualidade, conseguiram revelar maior originalidade, por resultarem de vinhas muito particulares (Vinha da Micaela e Chão dos Ermitas) ou por representarem um estilo quase único (Reynolds e Marquês de Borba Reserva). E, por fim, um outro ponto sensível ao qual, todavia, não queremos fugir: o grau alcoólico dos vinhos provados. Que fique bem claro que não temos nenhum problema com um vinho com 15 ou 15,5% de álcool, se isso for fruto de um ano especificamente quente ou de maior concentração. Não é esse o tema… O tema é, sim, que em quase 40 vinhos provados, de muitas colheitas e terroirs, diferentes (do Alto ao Baixo Alentejo, Este e Oeste), mais de 15 (ou seja, quase metade) contêm álcool superior a 15% vol. e, alguns deles, acima de 16%. Uma vez mais, não critico o nível do álcool nos vinhos. Mas é de difícil sustentação que, em parte desses vinhos, a partir de 15,5% esse álcool não se sinta em prova. O facto de o Alentejo ser uma região maioritariamente quente faz, em alguns casos, que o álcool se sinta com maior acutilância (utilizemos Espanha como exemplo: é manifestamente diferente provar um Bierzo ou Sierra de Gredos com 14,5%, do que provar um Priorat ou Penedés com a mesma graduação).

Por outras palavras, sendo o Alentejo um território com temperaturas elevadas, sobretudo no Verão, com vinhos de grande entrega e poderosos, o álcool pode ser tão atrativo como distrativo, e prejudicar até alguns mercados de exportação. A título de provocação (positiva), veja-se que, na prova dos topos de gama do Douro da última edição (novembro), a média de álcool era sensivelmente 1% mais baixa do que a desta prova que realizamos. Há cinco anos essa diferença não existia.

Tudo isto para deixar uma mensagem de grande otimismo. É precisamente nos momentos de sucesso e consolidação que se deve preparar o futuro e enfrentar desafios, grande parte deles não exclusivos de uma ou outra região. No que ao Alentejo diz respeito, tem tudo para continuar a triunfar: terrenos com tradição de vinha, castas únicas, vários produtores bravos e alguns visionários, enólogos talentosos, gastronomia e património ímpares.

Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.

Artigo publicado na edição de Dezembro de 2024