Horácio Simões: E viva a diferença

A Casa Agrícola Horácio Simões iniciou a sua actividade em 1910 e resultou da partilha de terras e empresas pelo bisavô da geração actual, José Carvalho Simões, pelos três filhos que queriam trabalhar em vitivinicultura: Horácio, Dinis e Virgílio. Foram, assim, criadas três casas agrícolas, com áreas bem definidas para comercialização dos seus vinhos. Lisboa, […]
A Casa Agrícola Horácio Simões iniciou a sua actividade em 1910 e resultou da partilha de terras e empresas pelo bisavô da geração actual, José Carvalho Simões, pelos três filhos que queriam trabalhar em vitivinicultura: Horácio, Dinis e Virgílio. Foram, assim, criadas três casas agrícolas, com áreas bem definidas para comercialização dos seus vinhos. Lisboa, Sul do Tejo e Sul da Península de Setúbal. A Horácio, o fundador da casa agrícola com o seu nome, calhou a segunda.
Mas há registos anteriores da actividade da família, quando José Carvalho Simões produzia uva e vinho por sua conta e risco, numa época em que era tradição produzir as uvas, transformá-las em vinhos e comercializá-los. Mas como Luís Simões, 45 anos, membro da quarta geração da família e enólogo da casa gosta de salientar, a prática agrícola do seu ancestral, e dos outros agricultores da região, incluía mais do que apenas a produção de vinho, numa época em que era necessário produzir frutas, legumes, carne e leite para as famílias sobreviverem.
Quando o fundador desta casa iniciou a sua actividade, o escoamento dos vinhos era feito em tabernas. Por isso, foi montando várias em diversas localidades do seu território, e desafiando os filhos dos seus empregados mais antigos para as gerir. “Iam vendendo o vinho e abatendo a conta do investimento feito pelo Horácio no estabelecimento, que acabava por passar para as suas mãos após alguns anos”, conta Pedro Simões, 50 anos, também membro da quarta geração da família e responsável pela viticultura e comercialização da empresa. Era uma forma antiga de fazer este negócio, que se manteve durante muitos anos, até ao fecho da última taberna montada pelo bisavô, a da Baixa da Banheira, apenas há um par de anos.
Nas vinhas da empresa estão plantadas as variedades brancas Rabo de Ovelha e Boal do Barreiro, tintas Castelão e Bastardo e Moscatel de Setúbal, Moscatel Roxo, algumas com mais de 100 anos
Dos barris para vinho engarrafado
Há cerca de 30 anos, a empresa deixou de vender vinho a granel e barris para passar a comercializá-lo engarrafado. Foi na altura em que Pedro e Luís começaram a trabalhar na empresa, que já só comercializava vinho em barris e charutos de madeira de 50 e 30 litros. “Qualquer um de nós dois ainda carregámos alguns, até em sítios bem complicados onde tínhamos clientes, como as escarpas de Sesimbra”, conta Pedro Simões.
Com o aproximar do fim do consumo de vinho nas tabernas, Pedro e Luis decidiram mudar para a venda de vinho em garrafa, porque sabiam que não teriam capacidade para competir com as grandes casas, que já eram especialistas na venda de vinhos em garrafão e noutros formatos de comercialização a granel. “Tivémos, desde logo, a visão de evoluir para o engarrafado”, salienta Luís. Para além disso, apostaram na produção e comercialização de vinhos com denominação de origem, em vez de entrarem primeiro com vinhos de mesa no mercado. “Acreditámos que tínhamos possibilidade, com as nossas vinhas e as nossas uvas, de produzir algo distinto que nos fizesse diferenciar no mercado como produtor de vinhos da região”, explica Pedro Simões.
Primeiro lançaram um regional tinto e branco, mais um Moscatel branco e Roxo. “E, a partir daí, o nosso trabalho foi sendo feito com base na nossa crença de que, apostando num trabalho sério e diferenciador, iriamos ter boa receptividade do mercado”, diz o irmão mais velho. Estavam, afinal, a seguir o conselho que o avô lhes tinha transmitido para a sua vida, para “não dependerem nem fazerem como os outros”.
O trabalho que fizeram, incluindo a forma como foram contactando e abrindo portas, andando acima e abaixo do país, abrindo muitas garrafas, foi originando a aceitação do mercado, mesmo em zonas menos tradicionais para o consumo de Moscatel, como o norte do país. Hoje é, segundo Pedro Simões, o melhor mercado deste tipo de vinhos da empresa.
O que é a Casa Horácio Simões?
Sediada na Quinta do Anjo, onde tem a sua adega e espaço de enoturismo, a empresa tem cerca de 30 hectares de vinha própria e adquire uvas de mais 30 ha a parceiros. “É uma realidade muito de minifúndio, em que a nossa maior parcela tem quatro hectares e a mais pequena meio hectare”, conta Pedro Simões, acrescentando que todas ficam em volta da Quinta do Anjo, no sopé da Serra do Louro, o que influencia o caracter distinto dos vinhos que a empresa tem no mercado.
Actualmente, a empresa exporta 30% da sua produção para destinos como o Brasil, Estados Unidos e praticamente para todos os países da Europa, mas apenas para estabelecimentos do canal Horeca e garrafeiras. Em Portugal, os vinhos são distribuídos pela Decante Vinhos.
O sucesso dos moscatéis
“Se há 20 anos alguém me perguntasse se vendia uma garrafa de Moscatel no Porto, dizia que eram malucos, porque não conseguia vender uma garrafa de Santarém para cima naquela altura”, afirma, salientando que o sucesso dos moscatéis não foi acompanhado, com a mesma intensidade, pelo dos vinhos tranquilos. “Hoje temos alguma dificuldade em mostrar que a Horácio Simões não é só Moscatel de Setúbal”, conta Luís Simões, explicando que o sucesso dos seus moscatéis se deve, também, à aposta da empresa na sua diferenciação, através do lançamento de referências produzidas com “novas forma de vinificação” e de terroirs diversos.
Até aí os consumidores conheciam o produto, mas não sabiam que a sua origem podia diferenciar as suas características e que uma forma diferente de vinificar se podia sentir no produto final. “Essa maneira de abordar a comunicação dos moscatéis foi a primeira forma de diferenciação da Casa Agrícola Horácio Simões”, revela Luís, acrescentando que a procura de inovações e a experimentação foi-lhes transmitida e incentivada pelo avô, Horácio Simões. E começou, há 30 anos, com a produção e comercialização de vinhos de castas internacionais engarrafados. Mas quando Pedro deu a provar o seu primeiro Castelão/Syrah, e lhe responderam que o vinho era muito bom, mas havia vários produtores com vinhos ainda melhores daquelas castas, decidiu não vinificar mais variedades internacionais na sua casa e apostar na produção e comercialização de vinhos de castas regionais, como forma de diferenciar a casa no mercado. Como é evidente, este processo implicou a procura dessas variedades, o seu estudo e o desenvolvimento de produtos com base nelas. “E mesmo que já tenha havido concorrentes que tenham lançado, depois, vinhos das mesmas castas, nós fomos os primeiros a fazê-lo”, diz Pedro Simões.
Há cerca de 30 anos, a empresa deixou de vender vinho a granel e barris para passar a comercializá-lo engarrafado
Os ensinamentos dos antigos
Foi o que aconteceu com os vinhos brancos da casta Boal, que estava plantada no meio das vinhas de Castelão da família. Depois de seleccionada, foi feito um estudo para conhecer melhor as suas características no campo, definir o seu maneio mais adequado e perceber as características dos vinhos que origina. O objectivo era “produzir, com base nela, um Reserva ou um Grande Reserva branco, um vinho diferenciador para a região produzido com uma casta regional”, conta Pedro Simões, acrescentando que a aposta na casta começou em 2007, mas o processo apenas terminou em 2020, com o reconhecimento do vinho pelo mercado.
Foi também com base em trabalho moroso que começaram a ser feitos vinhos com base no Bastardo e na Rabo de Ovelha, variedade cujos bagos gostava de comer quando ia com o avô à vinha. “Desde esse tempo que pensei em fazer um vinho da casta”, revela Pedro, acrescentando que todo o trabalho desenvolvido desde que a geração actual assumiu os destinos da casa está assente na mesma filosofia das gerações anteriores, de “fazer diferente, melhor”. “A sabedoria das gerações anteriores, que não tinham estudos, era suficiente para produzirem vinhos diferenciadores”, diz Luís Simões, acrescentando que os seus ancestrais sabiam, por exemplo, que “fazia sentido ter, numa vinha velha, castas brancas e tintas misturadas”.
Ensinamentos como estes, que lhes foram transmitidos pelas gerações anteriores e não pelos livros que foi estudando, contribuem, de forma significativa, para a forma como as coisas são feitas nesta casa agrícola. “O nosso caminho passa pelo uso de tudo o que aprendemos com os anteriores membros da casa e dos conhecimentos actuais para tirar o melhor de cada colheita”, acrescenta Pedro Simões, salientando que é isso que ambos querem engarrafar: uma vinha e um ano agrícola.
Os efeitos do tempo
Nas vinhas da empresa estão plantadas as variedades brancas Rabo de Ovelha e Boal do Barreiro, tintas Castelão e Bastardo e Moscatel de Setúbal, Moscatel Roxo, algumas com mais de 100 anos. Nestas, as vindimas seguem o ritmo de colheitas de sempre. “O aquecimento global pouco tem influenciado as datas de vindima”, conta Luís Simões. “O que os nossos registos nos dizem é que o Castelão está maduro a 15 de Setembro, mas pode ser a 14, 16 ou 18, variações tão pouco significativas, que nos demonstram que as datas de vindima se têm mantido ao longo do tempo”, acrescenta.
A primeira a ser colhida é sempre Moscatel Roxo, quando está no estado de maturação perfeito para a produção de licoroso. “Quando estava misturado com outras castas na vinha, as uvas quase nunca eram colhidas por serem as primeiras a amadurecer, e a ser comidas por pássaros e insectos”, conta Luis Simões. Mas não é o que acontece hoje. Seguem-se, após algum período de paragem, as brancas Boal e Rabo de Ovelha e, depois, o Castelão e o Bastardo, que é vindimado em duas fases. “Primeiro, em Agosto, quando tem 11 a 11,5% de álcool, para o tinto, e, em Setembro, para a produção de licoroso”, explica Pedro, acrescentando que a maior parte das vindimas de uma parte das castas foi antecipada em relação ao período tradicional, logo a seguir à Festa da Moita em honra de Nossa Senhora da Boa Viagem, em Setembro. “Aquilo que conhecemos sobre as castas de ciclos mais pequenos, mais temporãs, levou-nos a antecipar vindimas e os períodos de tempo em que decorrem para aproveitar aquilo que cada casta, e cada vinha, pode dar, para o tipo de vinho para aquilo que pretendemos produzir”, explica acrescentando que a sua adega está actualmente preparada para ir trabalhando e parando entre vindimas.
(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2025)
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Horácio Simões Heritage
Fortificado/ Licoroso - 2008 -
Horácio Simões Heritage
Fortificado/ Licoroso - 2013 -
Horácio Simões
Tinto - 2022 -
Horácio Simões Old School Signature Tonel Centenário
Tinto - 2019 -
Horácio Simões Old School Signature
Tinto - 2021 -
Horácio Simões Old School Signature
Branco - 2021 -
Horácio Simões Reserva
Branco - 2022
Novas estrelas no universo Bacalhôa

A marca Bacalhôa é fortemente associada à Península de Setúbal, mas na realidade, a empresa Bacalhôa Vinhos de Portugal está presente em 7 regiões vitivinícolas de Portugal, tendo uma aposta forte na Bairrada através da Caves Aliança adquirida em 2007, um dos produtores mais prestigiados dos espumantes e aguardentes, agora conhecido como Aliança Vinhos de […]
A marca Bacalhôa é fortemente associada à Península de Setúbal, mas na realidade, a empresa Bacalhôa Vinhos de Portugal está presente em 7 regiões vitivinícolas de Portugal, tendo uma aposta forte na Bairrada através da Caves Aliança adquirida em 2007, um dos produtores mais prestigiados dos espumantes e aguardentes, agora conhecido como Aliança Vinhos de Portugal. Por isto não é surpreendente o lançamento do novo vinho branco Bacalhôa 1931 Bical 2021, feito na Bairrada, surpreendente é o vinho em si.
A Quinta da Rigodeira, que pertence à Aliança, é localizada em pleno coração da Bairrada, entre Fogueira e Ancas e dentro do seu património vitícola possui uma parcela plantada em 1931, exclusivamente com castas brancas – Bical, Maria Gomes, Sercialinho, Cercial, Arinto, Rabo de Ovelha, Alicante e Chardonnay. De todas as castas o Bical pareceu mais interessante para fazer uma vinificação em separado, até porque já havia o histórico na quinta de a produzir como monovarietal.
Com produtividade muito reduzida, era pouquíssima a quantidade de uva que chegava à adega por dia. Tiveram que guardar no frio o mosto depois da cada prensagem para acumular a quantidade que desse para vinificar. Fizeram-se quatro vinhos: um totalmente em inox, duas barricas novas, duas barricas de segunda utilização e mais duas de terceira utilização para construir um lote final o mais complexo possível. O estágio durou um ano e depois de engarrafado em Setembro de 2022, o vinho ficou mais um ano em garrafa. A câmara de provadores da região atribuiu-lhe a designação Bairrada Clássico e fizeram-se apenas 2891 garrafas.
Os Moscateis da Bacalhôa são um caso à parte, com uma abordagem algo diferente da prática habitual na região. Para além da extensa maceração pelicular, que visa extrair mais aromas e até estrutura das películas das uvas, o vinho é submetido à variação térmica em estufa própria, com o objectivo de enriquecer mais a vertente aromática e concentrar açúcares e ácidos, resultando num produto final mais intenso e rico em todos os aspectos.
Mas antes de chegarmos a esta técnica, é importante mencionar que o Moscatel de Setúbal é um produto de terroir a 100%. A principal variedade é Moscatel de Alexandria, localmente conhecida como Moscatel de Setúbal. É uma casta de maturação tardia, plantada no solo argiloso e argilo-calcário das encostas da Serra da Arrábida virada a norte, por uma razão muito simples – todas as encostas viradas a sul, são escarpas – explica o coordenador da enologia da Bacalhôa Vasco Penha Garcia. Nestas condições, a uva normalmente é apanhada em Outubro, mas com 11-12% de álcool provável e ácidos bem presentes, o que acaba por garantir a frescura e contrabalançar o elevado teor de açúcar nestes vinhos generosos.
A casta Moscatel Roxo (uma mutação do Moscatel Galego) é uma uva rosada que amadurece cedo e é vindimada no início de Setembro. Produz vinhos generosos riquíssimos, mas há 20 anos estava em vias de extinção. A Bacalhôa Vinhos de Portugal, já tendo videiras dispersas desta casta em vinhas de Moscatel de Setúbal, promoveu o plantio das duas maiores vinhas de Moscatel Roxo da região.
MOSCATÉIS DE SONHO
O processo de vinificação é igual para ambos os vinhos e começa com uma breve maceração pelicular. A fermentação é interrompida com aguardente vínica de 77% (por opção da empresa, pois o regulamento dá liberdade de escolha de entre 52% e 86%). A maceração continua por vários meses, normalmente até à primavera. Durante este processo, a aguardente força a extracção, por isso não é raro sentir o tanino e um certo amargo que sensorialmente equilibra a doçura. Quando este processo finaliza com a prensagem e trasfega, começa uma nova fase em “estufa”, onde o vinho é submetido a uma amplitude térmica significativa. Na realidade, é uma variante do método de canteiro, utlizado na produção do Vinho da Madeira. A “estufa” da Bacalhôa é um armazém cuja construção com a cobertura baixa, permite grandes amplitudes de temperatura e humidade ao longo do ano. Assim, a temperatura varia de 56,7˚C em Julho até 5,6˚C em Janeiro e a humidade vai dos 100% na altura mais chuvosa até 10,9% no pico do verão. Neste armazém, os vinhos permanecem em pequenos barris de carvalho de 180 e 225 litros, muitos deles previamente usados para estagiar o vinho de Jerez e whisky de malte. Nunca sendo atestados, os vinhos demonstram uma grande concentração por evaporação.
É assim que são feitos o Moscatel de Setúbal 20 anos e Moscatel Roxo de Setúbal 20 anos. A designação Superior é atribuída quando um vinho, com mais de 5 anos de estágio, apresenta uma qualidade destacada. Existe mais uma particularidade que tem a ver com a visão da empresa – estes vinhos com indicação de idade, não representam um lote de vários anos. Na Bacalhôa, os Moscateis são sempre provenientes de um único ano, sendo este indicado no rótulo. Assim, o Moscatel de Setúbal 20 anos é de 2000 e o Moscatel Roxo de Setúbal 20 anos é de 2002. O produtor acredita que desta forma “conseguem proporcionar a pureza de um ano só”.
Este ano, em estreia absoluta foi apresentado o Bacalhôa Moscatel de Setúbal 40 anos de 1983, um licoroso de qualidade excepcional. Permaneceu os primeiros 20 anos da sua vida na Estufa nº 1 com grandes emplitudes térmicas e de humidade; em 2004 foi transferido para o Armazém das Selecções, com pé-direito mais alto, suavizando as variações da temperatura e promovendo, a partir deste ponto, um envelhecimento mais lento. Criou-se um vinho extraordinário, onde a riqueza e a concentração estão interligadas de tal ordem que o teor de açúcar de 324 g/l está em harmonia com a acidez de 8,1g/l e o pH 3,14 e o prazer sensorial que oferece está por cima de qualquer parâmetro técnico existente. Nesta edição ultra limitada foram para o mundo apenas 300 garrafas de 0,5L.
Quando será o próximo engarrafamento desta magnifica colheita de 1983, só o tempo dirá.
(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)
Sociedade Vinícola de Palmela reforça portefólio da distribuidora Vinalda

A Vinalda celebrou uma parceria com a Sociedade Vinícola de Palmela (SVP), para a distribuição exclusiva das marcas da empresa em Portugal e no mundo. As marcas SVP (Grande Reserva, Moscatel de Setúbal e Moscatel Roxo), Serra Mãe e Terras do Sado passam, assim, a fazer parte da carteira de produtores da Península de Setúbal […]
A Vinalda celebrou uma parceria com a Sociedade Vinícola de Palmela (SVP), para a distribuição exclusiva das marcas da empresa em Portugal e no mundo. As marcas SVP (Grande Reserva, Moscatel de Setúbal e Moscatel Roxo), Serra Mãe e Terras do Sado passam, assim, a fazer parte da carteira de produtores da Península de Setúbal da Vinalda.
Após a recente renovação da imagem da empresa, a SVP — eleita “Empresa de Vinhos Generosos 2022” nos Prémios Grandes Escolhas — apostou também num rebranding das marcas, de forma a reposicionar todo o portefólio num segmento de superior qualidade.
Prestes a celebrar 60 anos, esta parceria é mais um passo na nova estratégia da SVP, iniciada em 2021 com a entrada no capital da empresa de Vasco Guerreiro, empresário há muito ligado ao sector. Além do CEO, a estrutura accionista mantém as famílias do enólogo Filipe Cardoso (Quinta do Piloto) e do agora diretor-geral adjunto, Luís Simões, de outra família histórica de viticultores de Palmela (Horácio Simões). A enologia está a cargo de José Caninhas, com o apoio de Filipe Cardoso.
“Há algum tempo que a Vinalda procurava um produtor com um portefólio que pudesse complementar a nossa carteira na região e a ‘nova’ Sociedade Vinícola de Palmela responde exactamente ao que pretendíamos: uma empresa com uma estratégia ambiciosa, um conjunto de marcas com uma imagem apelativa e, principalmente, vinhos de elevado nível e excelente relação qualidade-preço”, salienta o diretor-geral da distribuidora, José Espírito Santo.
Trois: 1, 2, 3, Setúbal nasce outra vez

Filipe Cardoso, Luís Simões e José Caninhas são os Trois, e querem mudar o Mundo. Pode não ser o Mundo inteiro, mas o mundo onde nasceram, cresceram e hoje trabalham: a Península de Setúbal. Além de uma amizade bonita, à qual a enternecedora diferença de idades confere carácter, o trio partilha uma visão muito única […]
Filipe Cardoso, Luís Simões e José Caninhas são os Trois, e querem mudar o Mundo. Pode não ser o Mundo inteiro, mas o mundo onde nasceram, cresceram e hoje trabalham: a Península de Setúbal. Além de uma amizade bonita, à qual a enternecedora diferença de idades confere carácter, o trio partilha uma visão muito única para os vinhos locais, sobretudo os não-fortificados, campo onde acredita haver potencial para se fazer muito melhor do que o ”bom vinho a bom preço” por que afina grande parte da região. E esta não é uma visão qualquer, mas sim a de três enólogos que falam com propriedade e que fazem, ou já fizeram, parte das equipas técnicas (e das famílias, nalguns casos) de importantes casas da Península de Setúbal, como Quinta do Piloto, Casa Horácio Simões, Quinta Brejinho da Costa ou Sociedade Vinícola de Palmela.
É convicção dos Trois que a região pode produzir, utilizando as vinhas certas e combinando de forma inteligente os métodos tradicionais e ancestrais com o conhecimento científico de hoje, grandes vinhos brancos e tintos, capazes de resistir ao teste do tempo e que espelhem verdadeiramente o carácter da Península de Setúbal e dos vários terroirs que a caracterizam. Para o comprovar, o primeiro vinho da Trois – Vinhos com Identidade, um Castelão de 2015, foi lançado em 2016, e a partir daí, ninguém os parou. O foco do projecto é, precisamente, esta casta tinta e a branca Fernão Pires, e também nas vinhas velhas, dos próprios e de viticultores com quem o trio mantém estreita relação. Estas estão localizadas em diferentes zonas e terroirs da região, desde as areias de Palmela às de Melides, passando pelos solos argilosos e calcários da Arrábida, mas, porque nem tudo é tão linear assim, e como explica Filipe Cardoso, “as zonas de transição também existem”, e algumas destas vinhas situam-se precisamente nesses locais.
Agora, saem para o mercado mais três vinhos, as novas colheitas dos dois DOC Palmela Trois Curtimenta Fernão Pires e Trois Castelão, de 2021 e 2018, e um Moscatel Roxo de 2017, da marca de “entrada” Flor de Trois. O Fernão Pires (vinha com 40 anos), fermentado em lagar com curtimenta total e estagiado 12 meses em barricas de carvalho francês usadas, é o resultado da convicção destes enólogos de que a casta atinge o seu auge quando sujeita a vinificações mais tradicionais. Mas com uma advertência. “Um branco de curtimenta não tem de ter características de oxidação e cor dourada. Temos a sensação de que a generalidade das pessoas acha que é assim que deve ser um branco deste tipo, mas acreditamos que a curtimenta, como os nossos antepassados faziam, pode conferir coisas positivas e que não são necessariamente essas”, sublinha José Caninhas. O Castelão, de vinhas velhas, fermenta também em lagar e estagia um ano em barricas de carvalho francês usadas, e 6 meses, no mínimo, em garrafa. No copo, consegue-se sentir o seu lado clássico vinoso, mas num perfil de elegância e precisão que se coaduna com as exigências do mercado moderno. Era esse o objectivo com este vinho, e foi indubitavelmente cumprido. O Moscatel Roxo de Setúbal, por sua vez, vem responder à necessidade de um vinho deste género na gama Flor de Trois, com preço competitivo mas, de acordo com o trio, a mostrar alguma complexidade e sem se cair na tentação (frequente) de carregar na doçura.
Ao assistir à dinâmica entre os três enólogos, percebe-se que são pessoas muito diferentes, unidas por uma causa, e é isso — além dos excelentes vinhos que têm colocado no mercado, obviamente — que dá graça ao grupo. José Caninhas, uma década mais novo do que Filipe e Luís e com passado no sector agro-alimentar, assume-se como “rato de laboratório” e é nele que encontra conforto. A par disso, curiosamente, é através das emoções que sente os vinhos e admite que estes podem transportar-nos para locais e momentos específicos, “como a casa dos avós”. O copo do laboratório é o seu melhor amigo, e é neste que mais gosta de provar os vinhos. Por outro lado, Luís Simões imprime no grupo uma componente enológica “pura e dura”, fala sem rodeios e com a experiência que acumulou ao longo de anos na área. Já Filipe Cardoso harmoniza em si os dois lados, cruzando a experiência com a emoção, o que resulta no sorriso e boa disposição que apresenta onde quer que vá. Todos concordam: “Tentar dar o exemplo numa região, tem tanto de duro como de gratificante…”.
(Artigo publicado na edição de Junho de 2023)
A Serenada: O espírito criativo e irreverente de Jacinta Sobral

Jacinta Sobral da Silva herdou, em 2006, dois hectares de vinha velha perto de Grândola. O pai tinha-a plantado em 1961 e 1970, num terreno de 23 hectares propriedade da família há 300 anos. Era um field blend de castas tintas e brancas, cujas uvas vinificava e vendia a granel na região. A actual proprietária […]
Jacinta Sobral da Silva herdou, em 2006, dois hectares de vinha velha perto de Grândola. O pai tinha-a plantado em 1961 e 1970, num terreno de 23 hectares propriedade da família há 300 anos. Era um field blend de castas tintas e brancas, cujas uvas vinificava e vendia a granel na região.
A actual proprietária de A Serenada é farmacêutica de formação, curso que tirou na Universidade de Lisboa. Na altura em que tomou posse da herdade tinha poucos conhecimentos sobre vinho e a sua produção, o que a levou a tirar o mestrado em enologia e viticultura no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa. Queria “meter mãos à obra” e dar continuidade à actividade do pai, mas precisava de conhecimento para o fazer.

Para além da terra, e da vinha, o pai, que tinha falecido em novembro, pouco depois da vindima, deixara-lhe quatro cubas cheias de vinho de 1000 litros, oito de 500 litros, várias de 150 e mais outras mais pequenas. Parecia que adivinhava o gosto da filha para fazer pequenos volumes de vinho, que procura que sejam diferentes, e certamente apelativos para quem os consome. E tenham o cunho do terroir, mas também da alma criativa que teima em continuar a experimentar, à procura que as suas ideias se transformem no vinho que quer fazer, até o conseguir. “É isso que me permite fazer as coisas à minha maneira”, explica. Uma delas é vinificar o tinto em cubas de 1500 litros ou em cubas de 225 ou 500 litros, a que abre os topos. Talvez por isto, mas certamente, por nostalgia, ficou com todos os recipientes herdados, e já acrescentou mais alguns. E diz que está a pensar vender a cuba de maior dimensão, aquela que aconselharam a comprar quando se meteu no projecto.
Conhecimento e inspiração
Começou a engarrafar o vinho a partir de 2010, também com base no aprendeu em algumas viagens em que gosta de misturar turismo com aquisição de conhecimento. Fez isso a regiões de Espanha, França e Suíça, “sempre a coisas pequenas”, mas também à Austrália e África do Sul.
Diz que duas das regiões que mais a influenciaram foram as de Valdeorras e Bierzo, pelas características dos seus vinhos das castas Mencia (Jaen) e Godello (Gouveio). Já tinha a última na vinha, a partir da qual produz “um vinho muito elegante, que seria o meu preferido se eu fosse chefe de cozinha, porque é suave, delicado e tem personalidade”. Também faz um monocasta de Verdelho, “de características mais marcantes”. É produzido com base nas uvas de uma vinha plantada por Jacinta Sobral em 2008, na zona de cima da propriedade. “Nessa altura havia poucos vinhos de Verdelho à venda em Portugal e eu tinha provado os desta casta na Austrália numa viagem que fiz ao país em 2005, e gostei”, conta. Diz, também, que não foi fácil arranjar o material vegetativo e foram os contactos que tinha estabelecido com a Estação Vitivinícola Nacional, em Dois Portos, quando estava a fazer o mestrado, que lhe permitiram saber que esta entidade estava a plantar uma vinha da casta. “Foram eles que me prepararam e forneceram as varas”, conta. O primeiro vinho que engarrafou desta variedade foi da colheita de 2013. Ainda está a vender o do ano seguinte e começou há pouco a colocar no mercado o de 2015 porque decidiu, há alguns anos, vender estes vinhos sempre com tempo em garrafa.
Os vinhos da mina
A ideia surgiu-lhe depois de ter provado um vinho do Esporão que estava, há muito tempo, no restaurante onde tinha ido e que “ninguém queria por ter o rótulo estragado. “Estava maravilhoso”, comenta, dizendo que isso a levou a fazer uma experiência semelhante na A Serenada e guardar o vinho alguns anos antes para comercializar apenas quando considera que estão prontos. Os das colheitas de 2016 a 2019 estão a estagiar, engarrafados, na Galeria Valdemar da Mina do Lousal, “para os termos em condições mais standard e estabilizadas, em condições semelhantes às dos vinhos que são mergulhados na água do mar: ausência de luz e temperatura constante e muito fresca. Faço tenção de os deixar lá muito tempo”, afirma a proprietária de A Serenada. A iniciativa para este projecto, a que aderiram também a Companhia Agrícola da Barrosinha, a Herdade do Canal Caveira e o Monte da Carochinha, partiu da Câmara Municipal de Grândola.
Jacinta Sobral diz que tem a vantagem de não ter ninguém acima a quem prestar contas, o que lhe permite fazer os vinhos como gosta, arriscando e experimentando, sem medo de errar. Na sua vinha, cujo maneio decorre com base método de produção integrada, a poda decorre habitualmente em dezembro e a vindima começa em agosto. Este ano a 15, e pela casta Verdelho. Ambas as operações são feitas à mão “porque, de outra forma, não saía nada de jeito com tanta coisa pequenina”, explica.
A proprietária de A Serenada diz que a decisão mais difícil que toma todos os anos é a da marcação do início da vindima. Sobretudo na vinha antiga, apesar de fazer sempre controlo de maturação com colheita de uvas, por vezes cachos inteiros, para análise e de prova de bagos. Nela “é difícil fazer a amostragem”. Para além disso, “as pessoas têm a tendência de apenas colher uvas da zona mais exterior, que amadurecem mais cedo do que as estão na zona mais interior, que precisam de mais um dia ou dois para estarem no ponto certo”, conta, explicando que é, por isso, que não deixa a decisão do dia da colheita da vinha velha para qualquer outra pessoa da sua equipa. Explica, no entanto, que esta é a sua vinha mais certa, porque é vindimada habitualmente entre cinco e sete de setembro e dá em média cerca de 2,5 toneladas de uva.
Uma nova marca
Talvez por isso respondeu logo ao desafio da sua filha, de criar uma marca com um nome pequeno, que fosse fácil de diferenciar e fixar. E deu-lhe a designação do antigo código matricial da quinta, Y14, que se apropriava ao conceito e reflecte, um pouco, a criatividade e irreverência de Jacinta Sobral. Basta contar que o primeiro branco lançado no mercado, da colheita de 2019, foi produzido com Moscatel Graúdo fermentado em talha. No ano seguinte experimentou fazê-lo em spinbarrels. Como não gostou muito do resultado, a colheita de 2021 foi fermentada em barrica e estagiada em talha. Das experiências, conta que “o primeiro vinho é, talvez, o mais consensual, mas os taninos ficam mais vivos quando a extracção é maior, o que é interessante para quem gosta de vinhos diferentes”.
A Serenada tem um espaço de enoturismo com oito quartos, alguns deles com uma vista que parece quase infinita e termina, a norte, na Serra da Arrábida. Disponibiliza também uma loja e um espaço para refeições onde organiza provas de vinhos, jantares vínicos com quatro tipos de harmonizações. Talvez por isso consiga vender, ali, entre 25 a 30% das 15 mil garrafas de vinho que a propriedade produz, uma boa parte comprada pelos seus hóspedes, que gostam e compram, ou encomendam para entrega nas suas casas, já que a maior são turistas estrangeiros.
O enoturismo de A Serenada foi recuperado a partir de uma ruína que Jacinta Sobral, que é de Grândola, e o marido, queriam fazer uma casa no seu monte. Apesar de morar em Lisboa, e ainda exercer a sua actividade como consultora da indústria farmacêutica, diz que é sobretudo uma agricultora, e que gosta é de estar na vinha e na adega.
Mas a família do marido está ligada à hotelaria, e “ele, que tem o bicho deste negócio, sugeriu fazermos o enoturismo, com quartos e salas de refeições”, conta a proprietária de A Serenada, acrescentando que as suites foram construídas mais tarde. Diz, também, que apesar do seu cepticismo em relação a este negócio, começou a ter reservas a partir do dia em que se ligaram ao site booking.com, e o hotel nunca mais parou de evoluir positivamente. De tal forma, que a facturação do enoturismo é significativamente superior à da venda de vinhos.
É a produzi-los na vinha e na adega que Jacinta Sobral gosta de estar. No dia da nossa conversa, a nossa entrevistada preparava-se para partir para mais uma viagem de férias com o marido, depois de um ano intenso e cheio de trabalho. “Só agora é que conseguimos fazê-lo”, disse, à laia de despedida, certamente para mais uma viagem de descoberta onde o vinho seria componente indispensável, porque é isso que gosta de fazer.
Provocação de Sabores: Barreiro organiza evento em torno do Bastardinho

“Provocação de Sabores” é o nome do evento que celebra a casta Bastardinho, agora na sua segunda edição, organizado pelo Município do Barreiro e marcado para os dias 6 (15h00-21h00) e 7 de Maio de 2023 (15h00-20h00), no Mercado 1º de Maio. Segundo o organizador, o Provocação de Sabores acontece por inspiração na tradição do […]
“Provocação de Sabores” é o nome do evento que celebra a casta Bastardinho, agora na sua segunda edição, organizado pelo Município do Barreiro e marcado para os dias 6 (15h00-21h00) e 7 de Maio de 2023 (15h00-20h00), no Mercado 1º de Maio.
Segundo o organizador, o Provocação de Sabores acontece por inspiração na tradição do Bastardinho na região: “Na primeira metade do século XIX, mais de um terço do solo do concelho do Barreiro estava cultivado com vinhas, sendo que o destaque da produção vínica foi dado, ao longo dos tempos, pelo vinho Bastardinho, que era bebido nas melhores casas de Lisboa e exportado para muitas cortes europeias”.
A proposta do Município do Barreiro “é provocar os sentidos dos participantes, explorando os produtos apresentados por pequenos produtores de todo o país, que conversarão com os participantes sobre o processo de produção e as peculiaridades de cada vinho”. Haverá, ainda, música, provas comentadas, e outras ofertas gastronómicas.
Barrosinha: De regresso ao brilho de outrora

Após importante reorientação estratégica, a Companhia Agrícola da Barrosinha tem recuperado lentamente a sua vida agrícola, e produz arroz, pinhão, cortiça, madeira, gado e uvas para vinho. A sua albergaria deu origem a um hotel de quatro estrelas e os vinhos voltaram ao mercado. 75 anos depois de ter sido criada, muito tem mudado na […]
Após importante reorientação estratégica, a Companhia Agrícola da Barrosinha tem recuperado lentamente a sua vida agrícola, e produz arroz, pinhão, cortiça, madeira, gado e uvas para vinho. A sua albergaria deu origem a um hotel de quatro estrelas e os vinhos voltaram ao mercado. 75 anos depois de ter sido criada, muito tem mudado na vida desta emblemática propriedade de Alcácer do Sal.
Texto: José Miguel Dentinho Fotos: Ricardo Palma Veiga
Quem atravessa o rio Sado junto a Alcácer do Sal é difícil não notar o complexo de edifícios da Companhia Agrícola da Barrosinha. Criada há 75 anos para abastecer as necessidades da Abel Pereira da Fonseca, uma das mais fortes empresas comerciais de vinhos e licores do início do século 20, teve uma vida de altos e baixos que quase terminou com o fecho da maioria das suas actividades, agrícolas e outras. A sua integração no Fundo ECS Capital está a contribuir para a revitalização da empresa e da sua propriedade, incluindo a adega, que produz vinhos mais consensuais e adaptados ao mercado. Para o futuro, está prevista a construção de mais um hotel, para além do actual, e diversos aldeamentos turísticos.
Carlos Trindade, 55 anos, aceitou, há quase 10 anos, o repto de gerir todo o negócio agrícola da Sociedade Gestora de Fundos ECS Capital, proprietária da Barrosinha. “Foi um desafio muito interessante para quem estava, há 20 anos, na consultoria de gestão aplicada ao sector agrícola, principalmente de aprendizagem sobre o que é o dia a dia de um agricultor e tudo o que isso acarreta”, conta.
Com propriedades em diversas regiões nacionais, do Douro ao Algarve, o património agrícola da ECS Capital integra, entre outros, o Solar da Rede, na primeira região, que tem, segundo o gestor, sobretudo grande potencial turístico. Outra propriedade é o Morgado do Reguengo, no Algarve. Com 900 hectares de área, fica perto de Portimão e inclui dois campos de golfe e um hotel, os seus principais negócios. Mas também tem 32 hectares de vinha plantados há quatro anos. “Quando a adquirimos, a empresa proprietária tinha direitos de plantação que estavam quase a caducar, mas nós decidimos aproveitá-los”, conta Carlos Trindade, referindo que, por agora, o vinho produzido no Algarve é vendido a granel.
Dois mil hectares de área
O sector agrícola da ECS Capital engloba um pinhal de 600 hectares perto da Nazaré, diversas propriedades próximas de Reguengos de Monsaraz, que incluem montado de azinho e pastos para gado e, é claro, a Companhia Agrícola da Barrosinha, com os seus cerca de dois mil hectares de área.
A empresa nasceu em 1947, segundo Carlos Trindade como produtora de vinhos para a Abel Pereira da Fonseca, que tinha sido criada por um dos mais importantes empresários portugueses do início do século 20. O seu negócio, que se tinha expandido até ocupar quase um quarteirão do Bairro de Marvila, em Lisboa, dedicava-se inicialmente à produção e comercialização de vinhos e licores. Mas foi depois alargado a uma rede de mercearias que chegou a ter mais de 100 unidades abertas na capital.
A Barrosinha “produzia, na altura, vinho a granel, como é evidente, mas também arroz”, conta Carlos Trindade, afirmando que essa foi a época mais pujante da empresa. “Depois houve o ciclo que se iniciou com a revolução de 25 de Abril, com as ocupações, intervenção, “desintervenção” e devolução aos seus proprietários que, na época, não se mostraram interessados em permanecer, e venderam a propriedade”. Na fase posterior, que terminou após o falecimento de um dos sócios, o aparelho produtivo da companhia esteve ligado à pecuária intensiva de bovinos, suínos e aves. Houve depois uma cisão da empresa e quem ficou com a Companhia Agrícola da Barrosinha tentou implementar um projeto imobiliário que envolvia a construção de aldeamentos turísticos e mais um hotel, com um total de três mil camas, que não chegou a acontecer.

Um projeto desafiante
“O projecto entrou numa situação financeira complicada devido à crise na construção e foi por água abaixo, apesar de ainda manter o estatuto de Potencial Interesse Nacional (PIN)”, conta Carlos Trindade, acrescentando que a aposta no imobiliário tinha levado à descontinuação da maior parte do projeto agrícola e agroindustrial, pois a fábrica de rações e de descasque de arroz já não existiam quando chegou, tal como a suinicultura. Por tudo isto, quando Carlos Trindade começou a geri-la, a recuperação da Companhia Agrícola da Barrosinha era um projeto desafiante, não só por causa da sua dimensão, mas também por incluir muitas áreas de negócio que era preciso revitalizar.
No sector agrícola produz hoje arroz, pinhão, cortiça, madeira de eucalipto, gado bovino e vinho. Também foram reactivadas actividades adormecidas, por uma ou outra razão. Foi assim que o posto de combustível foi de novo aberto, tal como o restaurante do hotel e a taberna da propriedade, que voltou a ser lugar onde as gentes de Alcácer do Sal vão comer, pelos sabores dos seus pratos e pelos preços cómodos praticados.
Foi igualmente recuperada a antiga Albergaria da Barrosinha, hoje um hotel de quatro estrelas, com 37 quartos, e reconvertidas sete moradias para exploração turística, anexas a esta unidade. “Este é o princípio de um projecto imobiliário muito maior na Barrosinha, que inclui um plano de urbanização em fase de aprovação na Câmara de Alcácer do Sal, para a construção de um hotel e diversos aldeamentos turísticos”, conta Carlos Trindade.
A serração, que “estava moribunda”, foi recuperada e está hoje a cargo de Mircea Anghel, artista de origem romena que aceitou o desafio de se mudar, com a mulher, Joana Cabral, e os três filhos, para a Barrosinha. Muito mais do que um carpinteiro ou marceneiro, que o é, é um artista conceituado a nível internacional, com peças cotadas em dezenas de milhar de euros. Basta pesquisar um pouco na internet para o constatar.
A única indústria ainda em actividade quando Carlos Trindade começou a gerir a Barrosinha era a adega, que estava praticamente intacta, mas produzia vinhos sofríveis, vendidos a granel. Era preciso recomeçar.
Primeiro, investindo na melhoria da sua qualidade, “porque a entrada dos nossos vinhos no mercado podia trazer mais visibilidade e chamar a atenção que o público dava há 50 anos à Barrosinha, quando era uma propriedade emblemática”, explica Carlos Trindade, defendendo que isso já foi conseguido. A mudança começou sob a batuta do enólogo António Saramago, a quem foi lançado o desafio de produzir vinhos de qualidade, mas fáceis de beber. “É alguém que sabe muito bem fazê-los com capacidade para se beberem hoje ou daqui a 10 anos e nós estamos agora a usufruir disso, porque temos alguns reservas que têm essa idade e estão fantásticos”, conta o gestor. O processo implicou também uma aposta mais forte na comunicação e a mudança de imagem das garrafas e rótulos.
Revolução enológica
Há quatro anos, António Saramago, que tem actualmente 60 anos de profissão, decidiu reformar-se e diminuir a intensidade do seu trabalho. Assim, a Barrosinha contratou Felipe Sevinate Pinto e Frederico Vilar Gomes, dois experientes enólogos consultores, o que contribuiu para melhorar ainda o perfil dos vinhos. Sara Carapucinha, que entrou um pouco depois, é a enóloga residente.
Como a produção de uva não estava a acompanhar, também foi preciso fazer alterações na viticultura. A Barrosinha produzia uva a partir de uma vinha de sequeiro com 100 hectares, com mais de 30 anos, cujos rendimentos estavam abaixo do desejado. Por isso, foi iniciado um processo de mudança da zona produtiva para terrenos de cota mais baixa da herdade, junto ao rio Sado, onde há disponibilidade de água para assegurar uma produção mais estável e volumosa todos os anos. A vinha nova tem actualmente 15 hectares, três dos quais plantados em areias e os restantes 12 sobre solos argilo-calcários, segundo conta Sara Carapinha. Revela também que as mudanças climáticas estão a afectar o ciclo da videira na Barrosinha, e “a vindima, que habitualmente começava em meados de Setembro, inicia-se agora um mês antes”. Para além disso, “castas que habitualmente eram colhidas no fim, acabaram por ser as primeiras”, revela. Foi o que aconteceu com a Alicante Bouschet, habitualmente a última a ser vindimada e este ano a primeira na vinha de sequeiro da Barrosinha.
A colheita iniciou-se a 16 de Agosto, como habitual pelas castas brancas e pelas tintas destinadas à produção de vinho rosé. Mas o grau álcool teimou um pouco em evoluir nestas últimas, “o que nos trouxe um sentimento de incerteza”, diz a enóloga, acrescentando que 2022 foi um ano muito atípico, completamente diferente dos anteriores, apesar de a produção dos cerca de 100 hectares de vinha ter sido de 320 toneladas de uva, volume significativamente superior ao habitual, que rondava entre 180 e 200 toneladas, valor muitíssimo baixo. A vindima na Barrosinha é feita casta a casta e à máquina, porque não é fácil arranjar mão de obra para colher as uvas. Para além do Alicante Bouschet, na vinha da Barrosinha pode encontrar-se Castelão, Trincadeira, Cabernet Sauvignon e Aragonez, entre as variedades tintas, sendo as brancas Fernão Pires, Arinto, Antão Vaz, Verdelho e Moscatel.
O mais recente Grande Reserva tinto da empresa foi produzido com uvas das castas Alicante Bouschet e Cabernet Sauvignon “porque dão vinhos com mais personalidade, corpo e cor”, explica Sara Carapinha. Foram fermentadas em cubas argelinas, onde decorrem entre 80 e 150 remontagens durante os 8 a 10 dias em que decorre a fermentação, cuja temperatura é controlada por um tubo de refrigeração. Depois, estagia entre 16 a 18 meses em barrica, enquanto os vinhos vão sendo provados até à decisão do lote final que foi engarrafado.
Para a produção do lote do ano é sempre usado, como testemunho, o vinho do ano anterior, para que se equipare em termos de aroma e sabor, o que não significa, necessariamente, que tenha as mesmas percentagens de cada casta. “Temos clientes fiéis que não querem alterações no perfil do vinho”, explica Sara Carapinha, acrescentando que habitualmente se produzem entre 15 a 20 mil litros de Barrosinha branco e 20 a 23 mil de tinto. “O rosé é um pouco menos”. Esta e outras marcas são vendidas sobretudo nos concelhos de Alcácer do Sal e de Grândola, região onde a Barrosinha está inserida, mas também em Lisboa, sobretudo na restauração.
A casa faz também a marca dos Hotéis Nau, que pertencem ao mesmo grupo empresarial. “Depois temos a loja, que representa entre 20 e 25% das nossas vendas totais de vinhos em valor, conta Carlos Trindade, acrescentando que “foi uma conquista que aconteceu logo desde que a abrimos, porque as pessoas de Alcácer e de Grândola voltaram a comprar e beber vinhos da Barrosinha”.
(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)
Bacalhôa celebra 100 anos

Ao longo do ano de 2022, a Bacalhôa Vinhos de Portugal irá realizar um conjunto de iniciativas direccionadas a profissionais e consumidores, celebrando o 100 º aniversário daquela que é uma das maiores e mais dinâmicas empresas do sector do vinho em Portugal. A história da Bacalhôa Vinhos de Portugal iniciou-se em 1922, com a […]
Ao longo do ano de 2022, a Bacalhôa Vinhos de Portugal irá realizar um conjunto de iniciativas direccionadas a profissionais e consumidores, celebrando o 100 º aniversário daquela que é uma das maiores e mais dinâmicas empresas do sector do vinho em Portugal.
A história da Bacalhôa Vinhos de Portugal iniciou-se em 1922, com a fundação da firma João Pires & Filhos, empresa vocacionada para a comercialização a granel de vinhos por si produzidos a partir de uvas compradas na Península de Setúbal.
No final dos anos 70, a empresa deu início a uma nova fase da sua história, marcada pela aposta na vinha e nas marcas próprias e, sobretudo, pelo extraordinário dinamismo e pioneirismo, com a produção de vinhos assentes em conceitos, perfis e técnicas nunca antes experimentados no nosso país. Assim nasceram marcas de grande singularidade e notoriedade, como Quinta da Bacalhôa, Catarina, Cova da Ursa Chardonnay ou JP, entre muitas outras.
Um novo ciclo de crescimento e consolidação teve lugar a partir de 1998, com a compra da empresa por parte da família Berardo e, nos anos seguintes, a aquisição das emblemáticas Quinta da Bacalhôa, em Azeitão, Quinta do Carmo, em Estremoz, e Aliança, em Sangalhos, integradas depois no grupo Bacalhôa-Vinhos de Portugal, assim designado a partir de 2005.

Este ciclo ficou igualmente marcado por uma aposta no enoturismo. O Bacalhôa Buddha Eden, no Bombarral, o Aliança Underground Museum, em Sangalhos, o Palácio da Bacalhôa e a Adega Museu, em Azeitão, a Quinta do Carmo e o Museu Berardo Estremoz, nesta cidade alentejana, são referências nesta área.
Segundo comunicado da empresa, no ano em que celebra o seu centenário e inicia um novo ciclo, “o principal desafio é a implementação e consolidação do Projecto de Produção Sustentável iniciado em 2020. Acreditamos firmemente na enorme mais-valia da sustentabilidade, de forma transversal à nossa actividade.”
Não faltam, sem dúvida, motivos para comemorar 100 anos de uma vida empresarial associada a uma história feita de pioneirismo, criatividade e sucesso comercial. A Bacalhôa-Vinhos de Portugal anunciou que, ao longo de 2022, irá “celebrar o seu centenário com profissionais e apreciadores, através de diversos eventos e iniciativas, onde a cultura, a arte, a paixão e o vinho terão sempre lugar de destaque”.