O fumo da paixão

Envergonha qualquer jornalista o levantamento feito pelo chef Nuno Diniz do fumeiro nacional. Em década e meia de trabalho, tão discreto quanto intenso, anotou, visitou e provou mais de uma vez o que se faz de norte a sul do país. De forma simples, devolveu os louros aos produtores. TEXTO Fernando Melo Vamos tentar ser […]

Envergonha qualquer jornalista o levantamento feito pelo chef Nuno Diniz do fumeiro nacional. Em década e meia de trabalho, tão discreto quanto intenso, anotou, visitou e provou mais de uma vez o que se faz de norte a sul do país. De forma simples, devolveu os louros aos produtores.

TEXTO Fernando Melo

Vamos tentar ser pragmáticos e honestos para com o termo artesanal, pelo menos para admitir que continuamos a querer que tudo nos apareça feito e pronto à frente. Nesta altura do ano, grassam as feiras de queijos e enchidos nas grandes superfícies e supermercados, a oferta copiosa de uns e outros dá-nos a impressão de riqueza e qualidade e claro que nos aproximamos para ver mais de perto e cumprir o desígnio herdado dos romanos, manter uma despensa bem fornecida. Tudo certo, tirando a profusão e confusão de nomes, denominações de origem e certificações DOP ou IGP, que insistem em não significar necessariamente qualidade. Vamos a uma feira local de presuntos e enchidos e apetece-nos comprar tudo, ao passo que numa gôndola de um qualquer hipermercado a relação com cada peça é anódina e desprovida de história, remetendo-nos para o ardil do preço ou para o aspecto da marca. Está certo e compreende-se que tenha de ser assim, resulta directamente do comércio por que nós próprios puxámos e pelo quanto nos arredámos do contacto directo com os produtores. O chef Nuno Diniz, que conheci oficiante em casas de gabarito e junto de veneráveis, foi ao longo de anos – 14, diz ele – puxando o fio do fumeiro através das gastronomias regionais que temos. Movido pela função pedagógica, para que tem inegável talento, ligou-se à Escola de Hotelaria de Lisboa e ao longo dos últimos anos ancorou conhecimento precioso naquela casa, deixando nos corações dos criadores de amanhã a centelha do bom produto. E para gaúdio de alguns de nós, os normais, promoveu de tempos a tempos experiências de cozidos, espaço de experimentação da bateria de enchidos e fumeiro diverso que foi desbravando. Eu assistia à torrente com alguma circunspecção, confesso, mas como pessoa intelectualmente orientada que Nuno Diniz é, confiei que todo o comboio de informação iria um dia ter a uma estação feliz. Entre Ventos e Fumos, chama-se o livro que, com a chancela da Bertrand, dá conta de tudo. Eu vivia constrangido com a evolução da lista dos produtos DOP que mostrava, vaga e pouco esclarecedora, limitando-se a listar e relatar, em vez de descrever. Na mais recente edição do cozido, servido num almoço memorável na escola de Lisboa, rondava os 80 o número de enchidos e carnes servidos. Cada um com a sua história, cada história com a sua peça.
Mas tudo isto é ainda quase nada; importante é a criação de relações – networking no seu melhor – entre as diversas comunidades que orlam o artesanato do fumo, e aqui surgem algumas perplexidades, todas positivas. Primeiro, a comunidade da cozinha erudita comparece e responde à chamada de Nuno Diniz, que nem sempre foi devidamente considerado um dos pares. Depois, o país inteiro, continente e ilhas, está atento e segue de perto os movimentos do chef Diniz, reconhecendo-lhe, só com isso, o que até agora tem sido impossível, que é representar a classe, independentemente de estilos e estatutos. José Avillez tem o dom da liderança, sem dúvida, mas Nuno Diniz tem a neutralidade imperativa para a exercer. Espero vê-lo em funções muito em breve, precisamos muito de alguém como ele.
O assunto dos cozidos, a começar pelo famoso “à portuguesa”, que ninguém sabe bem o que é mas que todos mesmo assim o chamam ao peito, está no capítulo da cozinha de proximidade, um dos grandes redutos da cozinha portuguesa. Isso tem o imperativo imediato da geografia. Não tem sentido comprar um enchido de cada canto, atirar tudo para a panela e no fim chamar-lhe um cozido. Não é. Há por toda a Europa cozidos notáveis, destaco especialmente os do norte da Alemanha, sudoeste francês e Noruega, pela matriz forte de sabor e pela expressão de terroir e autenticidade que comunicam. E é qualquer coisa que vive nos lares e se executa em festa, com sentido de partilha. Nós também a temos, note-se, a nossa mesa é toda ela de festa, mas tenho algum medo que se perca a essência dessa mesma festa e que o registo regional desapareça de vez. Os lineares dos hipermercados a isso nos conduzem, e era tão importante que utilizassem a força comercial para nos orientar! Temos bons enchidos, muito bons até, mas não podemos perder de vista os legumes e as carnes, nem podemos desistir de chegar à transformação da água em ouro, desde que se começa a cozer as diferentes partes até ao momento derradeiro em que cozemos as couves. Vejo as pessoas muito perdidas por ali, uma farinheira da Beira Alta, um chouriço de carne de Barrancos, uma morcela de arroz de Leiria, e não devia acontecer assim. Fundador o trabalho de Nuno Diniz também por isso, põe-nos a todos mais perto dos produtores, e devolve a estes o que é deles. E nós podemos começar a dormir descansados, temos líder!

 

Edição Nº23, Março 2019

A Longa Marcha

Todos esperamos que esta não seja tão longa nem tão atribulada como a do Mao Tsé-Tung… TEXTO João Paulo Martins Tive, há pouco tempo, a oportunidade de provar uns vinhos franceses da zona de Bordéus. A região é muito mais conhecida pelos seus tintos do que pelos brancos mas por lá também os há e […]

Todos esperamos que esta não seja tão longa nem tão atribulada como a do Mao Tsé-Tung…

TEXTO João Paulo Martins

Tive, há pouco tempo, a oportunidade de provar uns vinhos franceses da zona de Bordéus. A região é muito mais conhecida pelos seus tintos do que pelos brancos mas por lá também os há e bem famosos. Já nem me refiro aos mais célebres de todos – os brancos de Sauternes/Barsac – vinhos feitos com uvas atacadas de podridão nobre. A zona, a sul de Bordéus, reúne condições naturais que favorecem o aparecimento do fungo, qual cogumelo microscópico que ataca a uva e provoca o seu apodrecimento. Nem sempre aparece quando deveria e nem sempre tem a mesma força mas Sauternes há todos os anos, essa é que é essa. Também a sul de Bordéus se situa a zona de Pessac-Leognan e Graves. Aqui, além de nomes ultra-famosos como Château Haut-Brion, La Mission Haut-Brion ou Smith Haut Lafitte, proliferam marcas de vinhos brancos que ganharam muito prestígio.
Na zona, abunda o Sauvignon Blanc, muitas vezes associado com Sémillon e Muscadelle. Com estas três variedades, combinadas das mais variadas formas, toda a região produz brancos que viraram estrelas, como Domaine de Chevalier ou Château de Fieuzal. Já a norte de Bordéus, na chamada rota dos châteaux, no Médoc, encontramos sobretudo vinhos tintos mas mesmo as grandes marcas desde há muito que se dedicam também a produzir brancos. O perfil dos brancos bordaleses mudou muito nas últimas décadas e também por lá se produzem hoje vinhos bem mais finos e elegantes do que outrora, quando, na década de 90, o que mais se bebia eram destilados de carvalho, vinhos pesados, carregados na cor mas…na crista da onda da moda da época: madeira nova de carvalho, fermentação total em barrica nova e com pouco saber sobre o tema (o que agora percebemos…). Por serem novidade até eram muito apreciados mas já ninguém tem hoje qualquer apreço por aquele modelo.
Voltamos então ao início. Provei há pouco tempo um desses brancos bordaleses, de que guardava uma memória não muito positiva mas, o que não espanta, o perfil estava agora bem mudado: madeira nem se notava – mas vim a saber que incorporava algum vinho fermentado em barrica nova – fruta fresca abundante e com as virtudes que o Sauvignon Blanc adquire em Bordéus e que o afastam do modelo pimento verde/espargos e também do outro modelo assente no maracujá. Aqui a casta ganha mais carácter e dá vinhos muito interessantes, de cujo modelo tenho sempre presente o Pavillon Blanc do Château Margaux. O branco provava-se bem, elegante e fino, até com boa aptidão gastronómica. Indaguei o preço PVP e foi aqui que a coisa tremeu: €40 ! Fiquei intrigado. Como é que um vinho com aquele perfil, onde não se notavam quaisquer defeitos mas também não muitas virtudes, atingia aquele valor no mercado? É claro que todos sabemos a resposta que quase passa por patética: vendem àquele preço porque podem, porque há quem compre. Mas depois vem a pergunta seguinte: porque é que alguém se dispõe a dar €40 por um vinho que, sem qualquer costela nacionalista, encontraríamos por aqui algures entre os €10 e 15? Também aqui é fácil perceber que não só as marcas bordalesas têm um trajecto já antigo e rodeado de fama e glamour como também temos de entender que temos um longo caminho pela frente, uma longa marcha que nos poderá (talvez…) levar a patamares próximos daquele. A imagem de Portugal esteve demasiado tempo colada a clichés: o país era de tintos e os brancos que se conheciam lá fora eram os Verdes, vendidos a pataco. Conseguir agora convencer os mercados que a Bairrada, o Dão, o Douro e todas as restantes regiões para sul podem produzir brancos de enorme qualidade e que os Verdes são muito mais do que uma região de vinho indiferenciado é um trabalho imenso, uma marcha longa que temos de percorrer. Mas cuidado, não serve de nada passarmos a “achar” que o nosso branco já vale €40 ou €50, sem que a ele esteja associada a história, o saber e um trajecto, pensado e progressivo. Como se disse acima: vende a €40 quem pode, não necessariamente quem quer. E, nestes temas do vinho, como do marketing, o verbo “achar” é altamente irritante.

Edição Nº23, Março 2019

 

Castas raras, orgulho de Portugal

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Em 1899, o escritório responsável pelas propriedades intelectuais no Reino Unido declarou: “Tudo o que pode ser inventado, já foi inventado”. Uma declaração infeliz e tão equivocada quanto um documento publicado pela empresa americana de comunicação Western […]

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Em 1899, o escritório responsável pelas propriedades intelectuais no Reino Unido declarou: “Tudo o que pode ser inventado, já foi inventado”. Uma declaração infeliz e tão equivocada quanto um documento publicado pela empresa americana de comunicação Western Union, que dizia em 1876: “O telefone tem muitos defeitos. Esse aparelho não tem valor nenhum”. As pessoas muitas vezes não são capazes de dar valor à certas coisas até que seja tarde demais. No mundo do vinho não é diferente.

TEXTO Dirceu Vianna Junior MW

Os produtores de vinho usam apenas uma minúscula proporção da diversidade genética que existe a nível global, o que também é o caso de outros produtos como banana, café e cacau. Apenas 1%, ou seja, doze das cerca de 1.100 castas mais cultivadas para a produção de vinho, ocupam cerca de 45% das vinhas no mundo. Entre essas estão o Cabernet Sauvignon, Merlot, Tempranillo, Syrah, Grenache e Pinot Noir. Em países como Chile, Austrália ou Nova Zelândia essa percentagem pode representar mais de 80% dos vinhedos. Caso mais extremo ainda é a China, onde 75% dos vinhedos destinados à produção de vinho são plantados com apenas uma varietal, a Cabernet Sauvignon. Fora desse grupo existe um número grande de castas como Carménère, Gamay, Sangiovese, Malbec, Nebbiolo e Zinfandel, entre outras, que desempenham um papel importante no mundo da vitivinicultura. São castas plantadas em múltiplas regiões, representando vários estilos, comercializadas internacionalmente e que adicionam diversidade ao mundo do vinho. Para além dessas, existe um número elevado de castas que são plantadas em áreas mais restritas. São varietais frequentemente cultivadas em âmbito local e raramente são comercializadas fora da região onde são plantadas. A maioria dessas castas não aparece no rótulo e, por esse motivo, raramente estão no radar dos profissionais da área, muito menos do consumidor.
Itália afirma que possui o maior número de varietais autóctones em todo o mundo. De acordo com o Ministero delle Politiche Agricole, Alimentari e Forestali (MiPAAF) existem 350 variedades oficialmente autorizadas para a produção de vinho na Itália. Fontes alternativas indicam que o número de varietais plantadas na Itália excede 500. O país possui varietais ecléticas interessantes como Nerello Mascalese do sul da Itália, Frappato da Sicília, de corpo leve, taninos sedosos e aromas de frutas do bosque e toques florais. Existe também Oseleta, uva tinta que foi salva da obscuridade na década de 1980 pelo renomado produtor Masi e também Ciliegiolo, cultivada no centro da Itália e com características similares ao Sangiovese. Levando em consideração a área de superfície da Itália, que segundo o World Atlas é 301.340 quilómetros quadrados, e comparando com o número de varietais plantadas, a Itália possui uma proporção de 1,1 casta para cada 1000 quilómetros quadrados de superficie. Comparando com Itália, Portugal tem cerca de 250 varietais plantadas numa superfície de 92.090 quilómetros quadrados, o que resulta numa relação de 2,7 variedades por 1000 km quadrados. Fazendo essa análise e levando em consideração o tamanho do país, é possivel atribuir à Portugal a honra de ser o país que possui maior grau de diversidade de varietais no mundo.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][nectar_animated_title heading_tag=”h6″ style=”color-strip-reveal” color=”Accent-Color” text=”Um património único”][vc_column_text]A lista de castas portuguesas é imensa e inclui varietais que possuem excelente potencial. Grande parte dessas varietais raramente são encontradas fora da Peninsula Ibérica. Muitas delas são cultivadas exclusivamente em Portugal, proporcionando ao país um valioso diferencial. Entre as castas raras de grande potencial podemos citar Tinta Francisca, Tinta Pinheira, Alvarelhão, Tinta Miúda, Bastardo, Tinta da Barca e Tinta Negra. Essa última, por exemplo, corresponde a 85% das vinhas da Ilha da Madeira. É uma casta notavelmente produtiva. De acordo com Diana Silva, a visionária fundadora do projeto “Ilha” na Madeira, a casta não é tão bem conceituada quanto merece pois os produtores raramente optam por diminuir o rendimento em busca de qualidade. Na opinião de Diana Silva, é necessário mudar a mentalidade dos produtores para reduzir o rendimento para quatro toneladas por hectare, de forma a que a Tinta Negra consiga expressar a delicadeza e elegância que Diana compara com Pinot Noir, exibindo notas de frutas vermelhas, pétalas de rosa e cereja, aliada à característica principal que é a sua frescura. Outro exemplo de uma casta rara cujo potencial é auspicioso inclui a Tinta Miúda, também conhecida como Graciano. Ana Cardoso Pinto, produtora e responsável pela Quinta do Pinto, em Alenquer, explica que é uma casta de ciclo tardio e rendimento baixo (4 ton/ha), mas abundantemente expressiva, com bela acidez, taninos sedosos e frutas de bosque, notas de especiarias, pimenta e frutas azuis como o mirtilo. Com o passar dos anos, desenvolve tons terrosos e notas florais. Quando envelhecida em madeira, a Tinta Miúda pode exibir notas de especiarias doces juntamente com toques chocolate e café. É uma casta com muita personalidade, tal como a Bastardo. Rita Marques, da empresa familiar Conceito, explica que essa é uma casta precoce, pouco produtiva e sensível a doenças. Exige cuidado na adega pois o mosto tem a propensão a oxidar com facilidade. Paradoxalmente, na hora da vinificação tem tendência à redução e tipicamente não responde muito bem ao estágio em madeira. Apesar de pouca cor, os vinhos possuem uma grande intensidade aromática incluindo nuances de pimenta branca, frutas vermelhas e apontamentos florais. Na boca é um vinho volumoso, com taninos arredondados numa estrutura firme. São vinhos abertos, leves, descomplicados e alegres, mas onde não falta complexidade nem personalidade, afirma Rita.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”35312″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][nectar_animated_title heading_tag=”h6″ style=”color-strip-reveal” color=”Accent-Color” text=”Competir e vencer pela diferença”][vc_column_text]É verdade que, dados os avanços em viticultura e melhorias da tecnologia na adega, podemos dizer que a qualidade do vinho em geral nunca foi melhor. No entanto, neste oceano de vinho há uma enorme quantidade de Chardonnays comerciais insípidos e Cabernets ignóbeis. Os estilos de vinho estão ficando cada vez mais homogéneos. Basta comparar vinhos baratos do Chile, Argentina, África do Sul e Austrália para notar que está ficando cada vez mais difícil distinguir as suas origens. O negócio do vinho, especialmente para empresas multinacionais de grande porte, é desproporcionalmente voltado à produção e comercialização de produtos repetitivos, não originais e sem inspiração.
Essa é uma das razões pelas quais a geração mais jovem em vários cantos do mundo está gradualmente optando por beber cervejas artesanais e gin. Além de oferecer qualidade e óptimo custo-benefício, é essencial cativar consumidores com histórias interessantes pois o que a geração mais jovem está buscando são produtos sustentáveis e experiências autênticas.
Os produtores portugueses que mostraram uma determinação heróica ao longo dos anos, preservando uma herança de mais de 250 variedades de uvas possuem diversidade e os atributos comerciais necessários para capitalizar e fazer crescer sua quota de mercado mesmo em vista de um ambiente comercial hostil e demasiadamente competitivo.
A maioria das empresas portuguesas não tem escala para competir com grandes vinícolas internacionais, que visam comercializar grandes volumes. Isso não deve ser considerado uma desvantagem pois essa estratégia é perigosa, muitas vezes levando à baixa rentabilidade para todos os envolvidos. Além do facto de que a qualidade do produto muitas vezes sofre devido à pressão comercial para atingir determinados preços de venda.
É uma guerra que ninguém sai ganhando, incluindo o consumidor que acaba obtendo um produto de baixa qualidade. Os vinhos portugueses não devem ser vistos simplesmente como uma mercadoria qualquer, como acontece com Pinot Grigio, Sauvignon Blanc do Chile ou Malbec baratos da Argentina. Em muitos casos essa homogeneidade e falta de diferenciação conduz a uma redução de preços.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][nectar_animated_title heading_tag=”h6″ style=”color-strip-reveal” color=”Accent-Color” text=”Que imagem para Portugal?”][vc_column_text]Ana Cardoso Pinto acredita que as ‘castas raras’ poderiam ajudar Portugal a construir a sua imagem. ‘Eu acho que temos que nos vender pelas castas raras que possuimos’, afirma. Rita Marques assegura que, à medida que os clientes em todo o mundo conhecem melhor os vinhos portugueses, compreendem que não é pelas castas comuns que o vinho português se define, antes pelas suas castas autóctones e pelos lotes de várias castas. Pequenos engarrafamentos servem para mostrar a diversidade e a originalidade dos vinhos Portugueses. Diana Silva defende que Portugal não pode competir com as castas comuns do novo mundo. Portugal, pelo seu tamanho, deve vencer pela qualidade e diferenciação dos seus produtos, incluído neste caso as castas raras.
Com ferramentas tão poderosas, os produtores têm a oportunidade de capitalizar através da diferenciação. Basta ter a confiança e coragem de, quando se deparar com vinhos de castas exóticas de qualidade e com personalidade, como os vinhos abaixo relacionados, ter a convicção de engarrafar pelo menos parte da produção como varietal e não perdê-las unicamente em lotes. Vinhos como esses, aliados à uma história cativante, representam um diferencial excepcional que muitos países desejam, mas poucos possuem. Certamente será até mais desafiador do que vender vinhos elaborados com castas conhecidas como Cabernet Sauvignon, Shiraz ou Merlot, mas a longo prazo não há absolutamente dúvida alguma que este é o caminho. Não há necessidade de inventar coisas novas, basta apreciar o que já existe. Não há necessidade de seguir tendências que vêm e vão, basta saber dar valor a esses tesouros que já estão disponíveis.
Além de confiança, é necessária uma dose de orgulho. Orgulho do trabalho bem feito e também orgulho do que não se faz: vinhos homogêneos e sem inspiração não devem ser o caminho que um país com tanta diversidade de castas como Portugal deve trilhar. Produtores que optam por explorar a oportunidade que oferecem as castas raras, estarão reforçando a imagem de Portugal como um país onde reina não somente a qualidade, mas também a diversidade. Devem fazer isso com convicção e orgulhar-se disso.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_text_separator title=”Em Prova” color=”black”][vc_column_text]

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Edição Nº23, Março 2019

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A Talha

Depois de décadas de total abandono, em que as talhas de barro serviram a decoração a edifícios particulares e públicos, este vasilhame de barro volta a estar na moda pela mão de vários produtores alentejanos e não só. TEXTO João Afonso O vasilhame da Antiguidade A origem é greco-romana e nestas civilizações tinha várias utilizações […]

Depois de décadas de total abandono, em que as talhas de barro serviram a decoração a edifícios particulares e públicos, este vasilhame de barro volta a estar na moda pela mão de vários produtores alentejanos e não só.

TEXTO João Afonso

O vasilhame da Antiguidade
A origem é greco-romana e nestas civilizações tinha várias utilizações desde a armazenagem e transporte de azeite, cereais e preparados de peixe, à fermentação, acondicionamento e transporte de vinho. As suas capacidades variavam entre várias dezenas a alguns milhares de litros.

A talha em Portugal
Em Portugal houve 3 centros principais de construção artesanal de talhas de barro: S. Pedro de Corval em Reguengos de Monsaraz, Campo Maior e Vidigueira (Vilalva e Cuba). As suas formas variavam consoante a zona de origem e o talheiro executante. Normalmente eram feitas em pequenas séries e cada série demorava cerca de 5 meses a concluir. Depois de concluídas eram besuntadas por dentro com pez derretido.

O vinho de outrora
O vinho de talha era feito de uva branca, tinta ou mistura de ambas. A técnica de fabrico e as partes sólidas da uva utilizadas (película, grainhas e engaços) variava entre regiões. Normalmente eram vinhos simples para beber muito jovens, mas há exemplo de excelentes vinhos de talha extremamente longevos. As diferenças de qualidade eram enormes. Na obra conjunta de António Augusto de Aguiar, Villa Maior e Ferreira Lapa, publicada em 1867, o vinho de talha era criticado, como antiquado…

O vinho de talha do Séc. XXI
Hoje há talhas antigas e modernas, com vários formatos e para vários fins: fermentação, estágio ou ambos, apresentando diferentes níveis de porosidade consoante o tipo de revestimento. E ao lado de vinho modernos de talha de perfil mais frutado e complexo coexistem outros, mais raros, feitos ainda “à moda antiga” que conservam toda a cultura passada. É muito interessante conhecer os dois estilos.“O vinho de talha é principalmente tradição. Se recuarmos às raízes de produção e consumo, era produzido pelas pequenas famílias agrícolas para seu consumo anual. Produzia-se tarde, por vezes em Outubro, e entre o S. Martinho e Natal era o momento em que era mais apreciado. A partir da Páscoa já não havia vinho ou este tinha mais defeitos que virtudes. Para se perceber melhor o que é este vinho, é apreciá-lo quando se “abre a talha”, e o vinho sai da ânfora para o alguidar, sendo bebido de seguida. Na garrafa já não é a mesma coisa. O vinho à saída da talha é o mais ‘verdadeiro’, e, na minha opinião, é ele que representa a tradição.”

* Enólogo – Adega Cooperativa de Borba

Edição Nº23, Março 2019

 

Novos ventos em Bucelas (e não são do mar…)

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Os ventos são uma das condicionantes desta pequena região e uma das razões da sua originalidade. Mas agora, além desses que sopram desde sempre, há novos intervenientes e mais projectos. Boas novidades numa DOC que já esteve […]

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Os ventos são uma das condicionantes desta pequena região e uma das razões da sua originalidade. Mas agora, além desses que sopram desde sempre, há novos intervenientes e mais projectos. Boas novidades numa DOC que já esteve moribunda, mas que soube honrar a demarcação que teve lugar no início do séc. XX.

TEXTO João Paulo Martins

Bucelas já foi terra de saloios e lavadeiras, mas agora vê a grande urbe aproximar-se cada vez mais, deixando assim de ser um destino dos lisboetas que em tempos ali iam à procura do ar puro e da verdadeira “vida de campo” que rejuvenescia e retemperava. Era a “ida às hortas”, o passeio favorito dos residentes na capital, celebrado por Júlio César Machado, autor do séc. XIX que escreveu sobre a cidade de Lisboa e terras circundantes. Também Batalha Reis se referia a ela, em 1945, em termos que não deixavam margem para dúvidas: «… Bucelas poderá ainda fornecer uma refeição cheia de cor local: a merenda de bom pão saloio, queijo de ovelha, um copo de «Bucelas»…sob a latada da locanda acolhedora. Alguns se lembrarão das petisqueiras que o Eça e o Antero faziam na Rabicha, com os seus amigos. O cenário era idêntico…». A fama que Bucelas então tinha é a mesma de que desfruta hoje: terra de vinhos brancos (e só de brancos) e pátria do Arinto. Quanto à primeira parte, é de notar e relembrar que se trata da única região portuguesa dedicada exclusivamente aos brancos. Naturalmente que aos produtores é permitido o cultivo de castas tintas mas os vinhos daí resultantes apenas se poderão designar Regional Lisboa e não DOC Bucelas; quanto à segunda parte, as novas achegas científicas ao estudo das castas que têm em conta a variabilidade genética, permitiram concluir com muita certeza que a casta Arinto terá nascido mesmo em Bucelas e que foi dali que terá partido para outras zonas vitícolas do país. Em tempos, empiricamente, havia quem encontrasse semelhanças com a alemã Riesling sugerindo que poderia ter sido importada da pátria alemã ou, ao invés, levada de cá para lá pelos cruzados quando regressavam do Oriente. É tema para académicos.
A fama do Bucellas (aqui com a grafia antiga) foi celebrada por Shakespeare no séc. XVI e Eça de Queiroz no XIX, que o escolhia nas suas patuscadas com os amigos, e foi reconhecida pelo grande conhecedor e estudioso das castas portuguesas, Cincinnato da Costa, que já em 1900 se referia à casta desta forma elogiosa: “o Arinto é uma das castas brancas mais notáveis de Portugal, tendo o seu verdadeiro solar em Bucellas e comarcas vinhateiras próximas”.
Não é assim de estranhar que Bucelas tenha sido incluída no primeiro pacote de demarcações que tiveram lugar a partir de 1908, altura em que, passados mais de 150 anos sobre a primeira demarcação pombalina, o poder político (então ainda na monarquia) se decidiu a dar luz verde a novas regiões demarcadas. Nesse movimento, que se estendeu pelos anos imediatos, foram demarcadas também Carcavelos, Colares, Vinho Verde, Vinho da Madeira, Dão e Moscatel de Setúbal. No caso de Bucelas apenas se concretizou em 1 de Março de 1911, quando saiu o Regulamento para o Comércio do Vinho de Pasto de Bucelas.
A originalidade da região – e que justificou a demarcação – prende-se com dois factores: o solo e clima. Por um lado, temos solos argilo-calcários de encosta que autorizam vários tipos de orientação e localização das vinhas; esses solos são pobres em matéria orgânica originando por isso produções baixas e vinhos com boa concentração. No que diz respeito ao clima, Bucelas, ligada ao vale do rio Trancão, goza de uma localização privilegiada, numa espécie de corredor que liga o oceano atlântico à lezíria do Tejo, recebendo do mar os ventos frescos e do rio os nevoeiros que permitem um Inverno bem frio e boas amplitudes térmicas dia/noite no Verão, com consequente perfeita maturação das uvas.
Ainda assim é possível distinguir duas zonas distintas: as vinhas que se situam ao longo das várzeas do rio Trancão, como a Quinta do Boição (Enoport) e Quinta do Avelar, zonas mais férteis e com maturações mais tardias; e em encostas suaves que ladeiam o rio – Quinta da Romeira, Chão do Prado e Quinta da Murta – zona menos produtiva e com maturações mais precoces. Independentemente da localização das vinhas, o Arinto assegura sempre mostos com elevado teor de acidez, o que de resto faz dela a casta mais viajante, estando por isso presente em todas as regiões, quase sempre usada em lotes, exactamente para dar mais acidez e vivacidade ao vinho. É variedade exigente com a poda e a gestão da canópia porque, em situações-limite, pode ir, das normais 7 a 9 toneladas por hectare, até mais de 20, quando não perto de 30 toneladas, assim se lhe dê alimento e se deixe que produza o que entender.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_gallery type=”parallax_image_grid” images=”35296,35297″][vc_column_text]

A chamada região saloia, em redor da capital, conservou até muito tarde as suas tradições rurais.
(Fotos: CM Torres Vedras)

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]De Camillo Alves até à Sogrape

A história da região está intimamente liga à figura de um armazenista que se tornou o principal vinificador de Bucelas durante muitas décadas do século passado: João Camillo Alves, negociante com vinhos de marca própria que alimentaram muitas mercearias e carvoarias da cidade, fundador da Caves Velhas. Durante décadas, Camillo Alves era o único que tinha no mercado vinhos DOC Bucelas.
O estilo antigo dos Bucelas pouco tem a ver com o de hoje. Ferreira Lapa, em 1868 (citado na Enciclopédia dos Vinhos da Estremadura, de João C. Ghira, 2004), lamentava-se das adulterações que já então se faziam em nome do Bucelas e acrescenta que, “É necessário ir ao solar d’esta especialidade, para reconhecer até que altura de afinamento e de nobreza chega este bello vinho, quando se lhe mantem a pureza primitiva, e se deixou ao tempo e somente ao tempo acrysolar-lhe o perfume e a côr, o nervo, o aveludado e a suave substancia do seu delicado sabor”. (Nota à margem: fica-nos a dúvida se isto não é vício nacional…!)
O tal estilo antigo era então um vinho longamente estagiado em tonel avinhado, adquirindo assim cor dourada, aroma evoluído e, ao gosto da época, um perfume de vinho velho que o distinguia de quaisquer outros brancos. Em finais dos anos 80 do século passado, quando apenas e só a Caves Velhas tinham vinho no mercado, era este o modelo seguido, sobretudo para o seu Garrafeira: um vinho vendido com muitos anos e após longo estágio em tonel. Este perfil, de que provámos agora um exemplo, não teve continuidade. Por várias razões: não só porque nos inícios de 90 a Quinta da Romeira iniciou, com o saber técnico de Nuno Cancela de Abreu, a produção com um perfil totalmente novo, feito em inox e vendido jovem, como também o próprio gosto mudou e, na década de 90 era o momento de provar coisas novas, mais frescas e feitas com melhor tecnologia. Hoje a Enoport abandonou aquele conceito embora se saiba que na região haja quem agora aposte em estilos que vão ter pontos de contacto com o antigo Bucelas. A aguardar.
A obtenção de números sobre a região de Bucelas não é fácil. O website da CVR Lisboa (entidade que tutela Bucelas) parece ter parado no tempo, com dados estatísticos não actualizados desde 2010 e terminologia que hoje já não se usa. Se é para ser útil a quem procura informação, o site está a anos de luz de cumprir a função. Procurando e coligindo dados em múltiplas outras fontes, é possível, no entanto, fazer uma radiografia da Bucelas de hoje.
Durante muito tempo, digamos de 1990 para cá, a produção local nos 150 ha demarcados esteve quase confinada a 3 produtores: a Quinta da Romeira (o maior operador da região), a Enoport (que tem cerca de 39 ha de vinhas próprias) e a Quinta do Avelar, propriedade enorme que pertenceu a João Camillo Alves e cujas vinhas já têm mais de 40 anos de idade (enólogo Mário Andrade). Mais recentemente entraram novos operadores, como a Quinta da Murta (14 ha de vinha), Viúva Quintas (cuja propriedade data do séc. XVII) e novas marcas que não correspondem necessariamente a novos produtores, mas são antes o resultado de uvas (ou vinho) adquirido aos principais operadores. A mais recente chegada à região foi a Sogrape que adquiriu a Quinta da Romeira (65 ha), marcando assim presença pela primeira vez na região de Lisboa. Falámos com António Braga, o enólogo que passa a ter a responsabilidade técnica dos vinhos da quinta. A entrada é cautelosa, como nos diz Braga: “para já a ideia é manter o portefólio como está, apostar na valorização das marcas Morgado de Sta. Catherina e Prova Régia e mais tarde, após o mapeamento dos solos e melhor conhecimento do que temos, podermos então pensar em mais produtos e eventual supressão de marcas.”
A Enoport está, como nos foi informado, a proceder à aquisição de pequenas parcelas que podem (ainda que seja insuficiente) alargar a área de vinha da empresa, uma vez que neste momento já se sente a falta de terra para as necessidades. A empresa desactivou todas as suas instalações em Bucelas, tudo está agora no mercado imobiliário, e mudou a operação para a sede, em Rio Maior. Há depois um conjunto de produtores/enólogos (Nuno Cancela de Abreu, Nuno do Ó, Hélder Cunha) cujas marcas no mercado resultam de uvas adquiridas aos operadores existentes, não sendo por isso resultado de produções próprias.
Pouco se fala agora das outras duas castas que tradicionalmente faziam companhia ao Arinto: Esgana-Cão e Rabo de Ovelha. No entanto, Paulo Laureano – enólogo no Alentejo que tem uma parceria com o produtor Paneiro Pinto (marca Chão do Prado), não hesita em enaltecer as virtudes destas duas variedades: a primeira que “tem qualidades excelentes para a produção de espumantes, por exemplo, e a segunda que aqui tem um comportamento muito diferente do Alentejo, para muito melhor, nem parece a mesma casta”. Dois filões por explorar.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”35300″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Dar o salto em frente

Nos vinhos que nos chegaram para prova merecem referência alguns que já estão em fim de linha. É o caso do Quinta do Boição 2001, um branco de Arinto desarmante porque a cor sugere um branco morto, mas o aroma ainda se mostra muito expressivo com todas as virtudes de um branco velho. O mesmo aconteceu com o Garrafeira Caves Velhas 1998, uma categoria que a empresa vai descartar e que mostrou (tive sorte com a garrafa…) estar deliciosamente evoluído e a dar prova muito interessante. Nos vinhos de Paulo Laureano provámos também um branco 2015 que foi chumbado na Câmara de Provadores por “não ter carácter de Bucelas”. A atitude é típica: sai um pouco da norma (é o caso, mas o vinho está muito bem…) e, por receio e insegurança, chumba-se…
A região, para chegar a ter o papel de destaque que a história e a originalidade dos seus vinhos merecem, precisa de dar um salto em frente, tem de ser capaz de valorizar os seus produtos e deixar de vez o negócio do “vinho a pataco” que não serve ninguém. É que arintos há muitos e pelo país todo, mas como o de Bucelas só mesmo aqui. Há seguramente consumidores a quem esta mensagem pode ser passada e dispostos a pagar dispostos a pagar o preço justo (que necessariamente tem de ser mais elevado que o actual) por aquilo que lhe é servido. E a versatilidade da casta é bem grande, como o demonstram os vinhos espumantes que com ela se fazem e alguns vinhos de Colheita Tardia que também evidenciam o potencial e plasticidade da uva Arinto no seu terroir de origem, Bucelas.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][nectar_animated_title heading_tag=”h6″ style=”color-strip-reveal” color=”Accent-Color” text=”Em prova”][vc_column_text]

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Edição Nº23, Março 2019

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Santini abre as portas aos mais curiosos

Para festejar sete décadas de gelados artesanais, cujos sabores seguem as estações, no dia 4 de Maio, a Santini abre as portas da sua produção em Carcavelos para partilhar alguns segredos de fabrico. Fãs de gelados e curiosos poderão descobrir o mundo da gelataria que sempre seguiu processos sustentáveis e ingredientes 100% naturais. De meia […]

Para festejar sete décadas de gelados artesanais, cujos sabores seguem as estações, no dia 4 de Maio, a Santini abre as portas da sua produção em Carcavelos para partilhar alguns segredos de fabrico. Fãs de gelados e curiosos poderão descobrir o mundo da gelataria que sempre seguiu processos sustentáveis e ingredientes 100% naturais.

De meia em meia hora, das 9h às 16h, e em grupos de até 10 pessoas, será possível presenciar o processo completo de produção. Desde a entrega da matéria prima logo pela manhã, passando pela preparação da fruta e outros ingredientes, até à produção do gelado. Toda a fruta é descascada e cortada à mão, sendo o processo inteiramente artesanal, sem corantes nem conservantes.

O processo de fabrico é o mesmo há 70 anos. “A gestão familiar que caracteriza a marca desde a criação mantém-se inalterada, assim como o foco em manter a qualidade dos nossos produtos e serviços”, explica Marta de Botton, cuja família detém 50% do capital da empresa.

Real Companhia Velha inaugura Carvalhas Terrace

Mesmo a tempo da abertura da época alta, a Real Companhia Velha inaugura o Carvalhas Terrace, um espaço que é um terraço sobre o rio Douro, na Quinta das Carvalhas, com capacidade para 80 pessoas, que convida à fruição dos vinhos da Real Companhia Velha com uma bonita paisagem. Além disso, a Quinta das Carvalhas […]

Mesmo a tempo da abertura da época alta, a Real Companhia Velha inaugura o Carvalhas Terrace, um espaço que é um terraço sobre o rio Douro, na Quinta das Carvalhas, com capacidade para 80 pessoas, que convida à fruição dos vinhos da Real Companhia Velha com uma bonita paisagem.

Além disso, a Quinta das Carvalhas tem mais uma novidade: uma estrada de acesso ao topo, onde está a mítica Casa Redonda, a 550 metros de altitude. São 3,5km de vista, a sul/poente, num caminho polvilhado por pontos de interesse e onde é possível ver-se o pôr do sol de uma forma autêntica.

Estas novas apostas, em harmonia com a biodiversidade da vinha, da mata, da flora e das aves que habitam na Quinta das Carvalhas, vem complementar a Ruína, inaugurada em 2016/17, um espaço de provas ao ar livre, localizado numa antiga ruína, instalada em plena vinha e debruçada sobre o rio Douro.

À sombra do vulcão

Em menos de cinco anos, a Azores Wine Company revolucionou por completo o negócio e a imagem dos vinhos do Pico. O lançamento dos novos brancos de 2017 foi o pretexto para uma visita à belíssima ilha vulcânica. O que lá encontrei, reforça a urgência de voltar.  “O vinho do Pico não só he muito, […]

Em menos de cinco anos, a Azores Wine Company revolucionou por completo o negócio e a imagem dos vinhos do Pico. O lançamento dos novos brancos de 2017 foi o pretexto para uma visita à belíssima ilha vulcânica. O que lá encontrei, reforça a urgência de voltar.

 “O vinho do Pico não só he muito, mas justamente o melhor, o que muito mais se deve entender do vinho que n’aquella Ilha chamão vinho passado, porque he tão generoso, e tão forte, que em nada cede ao que em a Madeira chamão Malvazia. “

 – in Saudades da Terra, Gaspar Frutuoso, 1589

TEXTO E FOTOS Luís Lopes

O apreciador de vinhos que, pela primeira vez, visita a ilha do Pico, não está preparado para o que vai encontrar. A paisagem vitícola é absolutamente esmagadora, de uma força telúrica apenas comparável ao Douro vinhateiro, e tal como este, justamente elevada a Património Mundial pela Unesco, em 2004. Os periclitantes muretes (currais ou curraletas, lhes chamam) de blocos de lava, empilhada pedra a pedra para libertar espaço no solo e abrigar as vinhas da brisa marítima, revelam um trabalho minucioso, quase insano, feito ao longo dos séculos. Mas ainda mais impressionantes do que os muros que se admiram, em aparentemente aleatórias quadrículas, são os muros que se adivinham escondidos pelo mato denso e quase impenetrável e que comprovam a importância avassaladora que, em tempos, a cultura da vinha teve nesta ilha atlântica.
Gaspar Frutuoso (1522-1591), historiador, teólogo, sacerdote e humanista nascido em Ponta Delgada, escreveu um conjunto de obras de referência sobre as ilhas atlânticas da Madeira, Açores e Canárias que nos dão uma visão muito realista da vida e actividades locais na época. Mais do que uma vocação, a viticultura no Pico foi uma necessidade, uma vez que o terreno pedregoso e inóspito e a escassez de água determinaram que poucas culturas ali vingassem e limitaram a criação de gado.

Com base nos registos históricos e nas provas evidentes no terreno, a ilha do Pico foi, outrora, um mar de vinha, com cerca de 6 mil hectares em produção e centenas de adegas e alambiques, que exportavam vinho e aguardente através do porto da Horta, capaz de admitir navios de maior porte, na vizinha ilha do Faial. O Pico produzia, os comerciantes do Faial, através de empreendedores britânicos, exportavam o vinho (para as Américas, do Norte e do Sul, sobretudo), tornando o eixo Pico/Faial numa plataforma de relevo nas rotas transatlânticas.
O vinho gerava uma economia fervilhante que acabaria abruptamente arrasada pela praga do oídio, em 1853, e pela filoxera algumas décadas mais tarde. A vitivinicultura do Pico nunca mais recuperou da catástrofe. Dos 6.000 hectares de outrora, e apesar dos esforços abnegados de muitos carolas e viticultores apaixonados, congregados na sua esmagadora maioria em torno da Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico, fundada em 1949, em 2003 existiam apenas cerca de 120 hectares.

A classificação Unesco, em 2004, foi o primeiro passo para a mudança. Com ela veio a atenção do mundo, dos governantes, dos fundos europeus. Centrada nas zonas dos Lajidos da Criação Velha e de Santa Luzia, foi aí que os trabalhos de reabilitação começaram tendo, de então para cá, sido investidos cerca de 20 milhões de euros na recuperação de muros e conservação de vinhedos. A intervenção nas vinhas do Pico, esteve quase toda confinada à zona classificada Unesco e à chamada “zona tampão” que a envolve, o que obriga a que a recuperação seja feita reabilitando os muros, respeitando a geometria pré-existente, e mantendo as castas e métodos tradicionais. Existem vinhas que têm uma quadrícula mais apertada, outras quadrículas mais aberta. O apoio variou consoante a quantidade de muros a recuperar. O valor máximo do apoio terá chegado aos €28.000 por hectare em quadrícula apertada, e a €19.000 em vinhas sem muros internos. O suficiente para incentivar muitos viticultores a recuperar o património existente. Em 2014, dez anos depois da elevação a Património Mundial, a área de vinha na zona classificada e na zona tampão tinha passado de pouco mais de 100 hectares para 340.
Mas património é uma coisa e negócio é outra. Para se criar (ou recriar, no caso) uma economia vitícola, não basta recuperar e preservar património. É preciso que a uva seja transformada em vinho de qualidade, que esse vinho entre nos canais de comercialização adequados, e que seja capaz de gerar as mais valias necessárias para remunerar de forma compensadora os viticultores. A viticultura do Pico estava agora preservada do ponto de vista histórico e patrimonial, mas faltava dar-lhe o impulso de profissionalismo que a tornasse num negócio compensador. E foi aí que a Azores Wine Company, de António Maçanita, Paulo Machado e Filipe Rocha, teve um papel determinante.

A afirmação não podia vir de fonte mais insuspeita. Daniel Rosa, respeitado empresário local e vice-presidente da Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico, o maior produtor da região (recentemente premiado pela Grandes Escolhas como Adega Cooperativa do Ano), não tem meias palavras: “Há um antes e um depois de António Maçanita ter chegado ao Pico. Com ele, tudo mudou”.
Vinda de quem vem, um “concorrente”, a frase reforça mais ainda o papel que António e seus sócios têm tido na revolução por que hoje passam os vinhos do Pico. A estória conta-se em poucas palavras. O enólogo António Maçanita, com carreira firmada no Alentejo desde 2004, há muito se interessava pelos vinhos do Açores, de onde sua mãe é natural. Com o apoio do Governo Regional, realizou diversos trabalhos de investigação a partir de 2010 sobre as castas locais (nomeadamente o trio maravilha, Terrantez do Pico, Arinto dos Açores e Verdelho) e o seu entusiasmo cresceu com os resultados obtidos. Em 2013, quando orientava uma acção de formação para viticultores açorianos, surgiu a hipótese de criar um apoio técnico à generalidade dos produtores da região. O projecto regional não avançou, mas a visão de António Maçanita despertou o interesse de Paulo Machado.

Agrónomo, de uma família ligada à viticultura do Pico desde há várias gerações e proprietário da Insula Wines, viu aí uma oportunidade e desafiou o enólogo para fazer um vinho em conjunto. O resultado, um Arinto dos Açores, agradou de tal forma a ambos que resolveram ir mais além, criando um projecto agregador e de grande potencial. O desafio incluiu outro açoreano, Filipe Rocha, até então ligado à formação turística e hoteleira em Ponta Delgada, e que ficou incumbido da gestão financeira e comercial do novo projecto. Em 2014 nascia a Azores Wine Company (AWC) e de então para cá, como refere Daniel Rosa, nada mais foi como dantes na ilha do Pico.

Em 2013, só estavam disponíveis os 12 hectares de vinha de Paulo Machado. Foi com muita coragem e bastante ambição que os três sócios se lançaram na tarefa de fazer crescer a fonte de matéria prima, através de uvas compradas, vinhas arrendadas e, é claro, plantação de novas vinhas. Começaram por adquirir 33 hectares de terrenos tapados de mato, colocando depois a descoberto os muros originais, recuperando-os e plantando vinha. A pouco e pouco a empresa foi adquirindo outras parcelas, chegando aos 50 hectares. Paralelamente, realizaram arrendamentos de longo prazo em terrenos que foram igualmente recuperados e plantados: 38 hectares em Baía de Canas, 32 em São Mateus, mais 5 no Lajido de Santa Luzia, em plena área Património Mundial. Entre as vinhas da empresa e as de Paulo Machado estão sobretudo plantadas as castas brancas Arinto dos Açores, Verdelho, Terrantez do Pico, Boal de Alicante e Malvasia (a que chamam Boal dos Açores) e as tintas Saborinho, Bastardo, Rufete e Malvarisco, para além de híbridos como a Isabela, casta em que assentou a recuperação dos vinhedos açorianos após a filoxera. Aparte a vinha própria ou arrendada, a AWC adquire uvas a cerca de 90 pequenos viticultores.
Partindo da pequena produção inicial, a empresa já vinificou em 2018 cerca de 140 mil litros. Pode parecer pouco em termos de litragem (não esquecer que castas como Verdelho, Arinto dos Açores ou Terrantez do Pico produzem a ridicularia de pouco mais de 1.000 Kg por hectare…) mas estes investimentos mexeram totalmente com a forma como os picoenses passaram a encarar a cultura da vinha. Acima de tudo porque a valorização dos vinhos da AWC (a exportação, para 20 mercados, supera os 60%) contagiou toda a produção local, fazendo disparar os preços das uvas: em 2004, os preços médios andavam entre os €0,90 e €1,20 por quilo de uva; em 2018, o Terrantez do Pico chegou a €4,80 (€5,50/Kg nas uvas adquiridas em São Miguel), o Verdelho a €4,70, o Arinto dos Açores a 3,60€ e as castas tintas a €2,20. Resultado? Dos 340 hectares de vinha existentes em 2014, a ilha do Pico passou para 940 hectares e, tudo o indica, brevemente chegará ao milhar. Para se ter uma ideia do que isto significa, lembremo-nos que a Madeira tem cerca de 450 hectares de vinha certificada…
Talvez a maior prova do acreditar da AWC no futuro dos vinhos do Pico esteja na nova adega agora em construção no Cais do Mourato, concelho da Madalena. São cerca de 2.000 metros quadrados, num investimento de 2,9 milhões de euros e que, em velocidade de cruzeiro, produzirá 250 mil garrafas. Se pensarmos que o vinho mais barato da AWC custa €16 e o mais caro cerca de €100, andando todos os outros por preços intermédios, convenhamos que 250 mil garrafas bem vendidas é qualquer coisa…

Os vinhos são absolutamente entusiasmantes. Naquelas curraletas basálticas, lavadas pelo vento salgado, nascem uvas que originam vinhos naturalmente diferentes, mas onde a qualidade, mercê do talento de António Maçanita e Cátia Laranjo (enóloga residente), acompanha sempre a diferença. Personalidade, frescura, firmeza, assim posso globalmente caracterizá-los, brancos ou tintos.
Tive oportunidade, durante a visita, de fazer uma prova vertical dos vinhos das várias castas brancas, desde a primeira colheita comercializada até aos mais recentemente lançados no mercado (apresentados em separado nestas páginas), e a conjugação entre solo, clima, uva e intervenção humana é reveladora. Os vinhos de Verdelho mostram uma elegância contida, menos atractivo o 2014 (a podridão inerente à vindima chuvosa não ajudou), leve e bonita evolução no 2015, muito fino e expressivo o 2016, ainda bem jovem. O Arinto dos Açores é todo ele acidez e firmeza, e aqui destaco a complexidade do 2014, o afinamento do 2015, as belas notas salinas e de pólvora do 2016. Na versão Arinto dos Açores “sur lies” os resultados são diferentes, com alguns vinhos um pouco mais envelhecidos, o 2014 macio e suave, faltando a precisão ácida, o 2015 profundo, untuoso, de grande equilíbrio, o 2016 mais evoluído que o seu congénere “normal”. Globalmente, poderia ser questionável a opção “sur lies”, não fora o extraordinário 2017…
O Terrantez é mineralidade, salinidade, especiaria. Tive no copo a primeira experiência, 2010, o vinho que lançou António Maçanita na recuperação da casta, e mostrando natural evolução, está ainda muito bem. Excelente o 2013, cheio de raça, mais maduro e menos fresco o 2015 (ano quente), muito salino, com excelentes amargos, belíssimo o 2016.
Os brancos dos Açores estão bem acima dos tintos no foco das atenções dos apreciadores. Mas também há tintos, e os que provei, da AWC e de outros produtores, reforçaram uma convicção que tenho desde há muito: o futuro dos tintos açorianos (e, já agora, madeirenses) não está nos Merlot, Syrah e Cabernet, geralmente bem inferiores aos seus congéneres de outras paragens. O futuro pode estar, isso sim, na “proibida” Isabela (não se arranja uma excepção legislativa?) para resolver o problema das baixas produções, ou no Saborinho (Tinta Negra), para se alcançar o patamar da excelência.
De qualquer forma, com brancos e tintos destes, o futuro será aquilo que os açorianos quiserem.