O Porto que (não) queremos

O Porto é, entre todos os vinhos de Portugal, o mais apreciado e prestigiado internacionalmente. No entanto, os portugueses continuam a olhar para o Vinho do Porto de forma algo ambivalente, reconhecendo a sua categoria, mas fugindo do seu consumo. Algo como: “É muito bom, mas não o bebo”. HÁ POUCO mais de um […]
O Porto é, entre todos os vinhos de Portugal, o mais apreciado e prestigiado internacionalmente. No entanto, os portugueses continuam a olhar para o Vinho do Porto de forma algo ambivalente, reconhecendo a sua categoria, mas fugindo do seu consumo. Algo como: “É muito bom, mas não o bebo”.
HÁ POUCO mais de um mês estive num jantar organizado pela Sogrape, para a apresentação dos seus Vintages de 2015. A refeição foi exclusivamente acompanhada por Vinho do Porto, uma opção arriscada mas que, graças ao elevado nível dos vinhos e ao cuidado do chef Marco Gomes na sua harmonização, resultou plenamente. O enólogo Luís Sottomayor justificou a opção pouco comum como uma forma de chamar a atenção para o Vinho do Porto, injustamente relegado para segundo plano pelos consumidores nacionais. Se olharmos para os números, a preocupação com o baixo consumo de Vinho do Porto entre os portugueses pode parecer descabida. As estatísticas até são positivas, revelando o Porto em crescimento no mercado nacional. Não esqueçamos, porém, que os números também nos dizem que Portugal é, desde 2015, o país do mundo com maior consumo de vinho per capita. Como é que toda a gente desatou a beber vinho desenfreadamente e ninguém deu por isso? A resposta está no turismo. O salto no consumo coincide com o boom do turismo e Portugal recebe hoje, anualmente, o equivalente ao dobro da sua população em turistas. Que, felizmente, também bebem (muito) e apreciam (muito) os vinhos portugueses.
Não é possível tirar os turistas das estatísticas de consumo e, assim, para avaliar o comportamento dos portugueses perante o Vinho do Porto, só nos podemos guiar por aquilo que nos transmitem as pessoas, começando por quem vende (restaurantes e lojistas) e terminando no mais importante, quem bebe. E aquilo que as pessoas nos dizem não é animador. Regra geral, o consumidor português, mesmo o mais esclarecido e exigente, tem uma relação distante com o Vinho do Porto.
Não é preciso um momento especial para abrir uma garrafa de Porto
Eu vejo isso no meu próprio círculo de relações. Há 10 anos era constantemente solicitado para dar dicas sobre os melhores Vintage para comprar. Nos últimos tempos, as solicitações já não passam pelo Porto. E porquê? Porque cada vez bebem menos Porto e os vinhos em stock nas garrafeiras domésticas são mais do que su cientes para o baixo ritmo de consumo. Estarei a exagerar? Aqueles que fazem o favor de me ler que respondam: em média, quantas garrafas de Porto abrem por mês? Duas? Uma? Menos do que isso?
E aqui, coloco a questão: o que fazer para mudar estes padrões de consumo? Não tenho respostas concretas, mas acredito que a solução passará por dois níveis de intervenção. As organizações do sector (IVDP, associações de produtores e exportadores, empresas) deverão simplificar e comunicar muito mais e melhor um vinho que é bastante complexo em termos de categorias, tipos, designações, difícil de explicar e de entender. Mas a verdadeira mudança deverá começar no comportamento de cada um de nós, enquanto consumidores exigentes e líderes de opinião (pelo menos na nossa roda de amigos). O Porto de qualidade está cada vez melhor e mais acessível, como mostram os excelentes LBV que provámos nesta edição da Grandes Escolhas. Não há que inventar desculpas para não abrir uma garrafa de Porto. E não são precisos pretextos ou momentos especiais para o fazer. Vamos a isso?
Do silêncio e do tempo e da falta de ambos

Há lugares que nos adoptam sem condições e que numa certa altura da vida parecem moldar-se de tal forma a nós que nos dão a impressão de existirem para nosso exclusivo usufruto. O mundo mágico dos cafés e do prazer de estar. PASTELARIA Mimo, na Avenida Duque de Ávila, ao pé do Instituto Superior […]
Há lugares que nos adoptam sem condições e que numa certa altura da vida parecem moldar-se de tal forma a nós que nos dão a impressão de existirem para nosso exclusivo usufruto. O mundo mágico dos cafés e do prazer de estar.
PASTELARIA Mimo, na Avenida Duque de Ávila, ao pé do Instituto Superior Técnico, onde passei grande parte do meu tempo no segundo ano a estudar, quando não estava no Núcleo de Arte Fotográfica quando não estava a fazer trabalhos de revelação para fora. Apanhei uma vez dois alunos a conversar um com o outro sobre teoria da relatividade por mais de uma hora, até perceber que nenhum dos dois sabia do que falava, eram apenas dois tolos na mesma jangada, a usar a asneira como força motriz.
O livro a que me entregava naquele instante era de física, as “Aulas de Física de Feynman”, um trabalho colossal de divulgação e generosidade por parte do Nobel americano da Física que inventou a cromodinâmica quântica. Tinha conhecido o professor Mariano Gago, naquela altura tinha criado uma turma especial de física de partículas e, apesar de o meu assunto favorito ser acústica, vim a mudar para engenharia física no terceiro ano, logo que o curso foi criado. Foi um conselho sábio, o de viver intensamente a academia, e que segui à risca. De cada cadeira que começava, lia o livro como se fosse um romance, de fio a pavio, só depois o utilizava como manual. E aproximei-me sempre dos melhores, para os ouvir de viva voz e frequentava as aulas deles como se estivesse num retiro espiritual. Dava-me muito trabalho e tirava-me muito tempo, mas nunca consegui fazer doutra forma.
Nos três anos de física tecnológica o Técnico transformou-se para mim num prazer indizível de encontro diário e convívio científico vivo. Os cafés eram a grande plataforma de sustentação da aventura que era um novo assunto, uma nova cadeira, um novo trabalho. Não sei como a pastelaria Capri, na Avenida de Roma, me deixou usar tantas horas seguidas uma mesa, não tenho forma de agradecer a simpatia com que os funcionários da biblioteca da Gulbenkian sempre me ajudavam a encontrar um lugar onde o ar condicionado não fosse demasiado forte para a brutal sinusite de que então sofria. Assim como não consegui nunca perceber por que nunca consegui sequer ler uma página de um livro na biblioteca do Técnico nem por que nunca entrei na Biblioteca Nacional.
Mas é tudo o mesmo e um só fenómeno, o silêncio. Não o de emudecer tudo e todos, mas o de estar em sintonia com o meio e o meio comigo. Em tudo o que faço no vinho e na comida tenho chegado à conclusão de que continuo a aplicar o método. As conversas de café são tanto ou mais importantes do que então eram. Os empregados que neles o ciam é que já não são daqueles que gostavam de nos ver ali todos os dias. Entrar com um livro para ler pode hoje ser decepcionante e não tenho como explicar que preciso absolutamente de o fazer, como preparação para um trabalho ou nova área que esteja a abordar.
Faz-me falta o caos e frenesim dos cafés onde se entra e sai sem ser notado, há um silêncio interior que de certa forma me embala. E sempre um ou dois acontecimentos inesperados desencadeiam novas descobertas, assim como sempre um ou dois encontros inesperados ajudam a criar o desejado caos e que acaba por ter o inefável efeito de ajudar à concentração. O conhecimento não vive mais em torres de marfim, e encerrados em quatro paredes dificilmente crescemos, quando esse é o maior, se não único, imperativo de consciência. As listas, as pontuações, os guias, as provas, as visitas, todas terão sido em vão se não tiverem tido na base o sentido do novo e da descoberta.
Partilhar a mesa com personalidades do mundo do vinho e gastronomia deu-me ao longo dos anos as maiores alegrias. Não tenho ainda a idade su ciente para ter direito a escrever sobre elas, chegará o tempo em breve e logo poderei reviver esses momentos memoráveis. Ainda estou imerso no exercício da actividade e sei que não chegarei onde queria chegar, implicaria sair muitas vezes, ir longe e voltar de terras distantes, experimentar os sabores, tocar nas texturas e sentar-me a mesas de muitas lógicas diferentes para que eventualmente me desse por satisfeito.
A lucidez e as mesas de café ajudam-me a perceber o muito que está ainda por fazer. Tenho os meus episódios felizes com os mais sábios dentre os sábios, mas não é coisa que se coleccione nem acumule, é importante a transformação que se dá em nós. Numa visita recente a uma escola de hotelaria, surgiu a pergunta inevitável sobre o que é preciso estudar para ser crítico de vinhos e comida. Acontece a todos com certeza não ter palavras por vezes para responder cabalmente ao que se pergunta, mas a verdade é que não tenho a resposta. A experiência da academia não está mais confinada hoje a um espaço físico apenas e a informação ui por toda a parte, cobrindo temas e mil assuntos derivados. Disse àquele aluno o que passarei sempre a dizer. Uma crítica é uma peça literária, ela própria sujeita ao crivo da crítica. O domínio da língua é, não tenho dúvida, o grande activo de quem escreve, pensa e fala. Logo a seguir, procurar provar e experimentar tudo o que a proximidade nos permite e estudar os assuntos que a nossa curiosidade nos mostra. O café ainda existe e tem muitas mesas. É preciso prosseguir e permanecer. Que o método é infalível.
Casa Santa Vitória: topos de gama em cima da mesa

De uma assentada, a Casa Santa Vitória lança os seus topos de gama branco e tinto. São vinhos sólidos, de um projecto que já cimentou a sua imagem no âmbito do grupo Vila Galé. TEXTO Luís Francisco NOTAS DE PROVA João Paulo Martins FOTOS Cortesia do produtor A Casa Santa Vitória foi criada no […]
De uma assentada, a Casa Santa Vitória lança os seus topos de gama branco e tinto. São vinhos sólidos, de um projecto que já cimentou a sua imagem no âmbito do grupo Vila Galé.
TEXTO Luís Francisco NOTAS DE PROVA João Paulo Martins FOTOS Cortesia do produtor
A Casa Santa Vitória foi criada no início deste século e tem como actividade a produção e comercialização de vinhos e azeites do Alentejo. Em pouco mais de década e meia, afirmou-se pela qualidade dos seus produtos, pelo sucesso empresarial (2,7 milhões de euros de facturação em 2016) e pela capacidade para afirmar uma personalidade própria, apesar de estar englobada no hoteleiro Grupo Vila Galé. Com 127 hectares de vinha, a empresa divide o seu portefólio por três gamas: Versátil, Santa Vitória e Inevitável.
Por enquanto, apenas existe Inevitável tinto – e este topo de gama só sai em anos considerados excepcionais. O branco mais ambicioso da casa é, assim, o Santa Vitória Grande Reserva, também apresentado em Dezembro, num almoço no Hotel dos Arcos, em Paço d’Arcos. Temos, assim, sobre a mesa o melhor que a Casa Santa Vitória produz (incluindo azeites, mas isso é outro tema…).
O Santa Vitória Grande Reserva branco 2016 é um varietal de Arinto, quebrando a tradição do lote com Chardonnay. “Achámos que o Chardonnay este ano não estava à altura”, assume Patrícia Peixoto, a enóloga residente, que trabalha com consultoria de Bernardo Cabral. É um vinho que passou entre seis e sete meses em barrica nova, com ‘battonage’, e foram feitas apenas 1.200 garrafas. Já o Inevitável tem nesta edição 2015 uma “tiragem” maior: 10.000 garrafas. Tradicionalmente feito com as duas melhores castas do ano (das 10 tintas plantadas na herdade, a sul de Beja), desta vez tem Touriga Nacional e Syrah e estagiou maioritariamente em barrica nova – “No 2016 já haverá uma parte de barrica com dois anos”, promete Patrícia Peixoto. Das cerca de 300 barricas guardadas, foram escolhidas as melhores, umas 20, para engarrafar.
AdegaMãe, em boa forma

O projecto deu os seus primeiros frutos em 2010, numa altura em que o mercado já dava sinais claros de saturação. Mas cedo mostrou querer singrar, fruto de uma boa estrutura financeira e de uma cuidada estrutura agrícola-enológica. Hoje, oito anos depois, a Adega Mãe já dá lucros e continua a lançar belíssimos vinhos. […]
O projecto deu os seus primeiros frutos em 2010, numa altura em que o mercado já dava sinais claros de saturação. Mas cedo mostrou querer singrar, fruto de uma boa estrutura financeira e de uma cuidada estrutura agrícola-enológica. Hoje, oito anos depois, a Adega Mãe já dá lucros e continua a lançar belíssimos vinhos.
TEXTO António Falcão NOTAS DE PROVA Valeria Zeferino e Dirceu Vianna FOTOS Cortesia Adega Mãe
FOI com indisfarçável orgulho que Bernardo Alves, o CEO da Adega Mãe, se dirigiu a uma plateia de jornalistas da especialidade, reunida na caprichada sala de provas da adega, localizada a uma boa meia dúzia de quilómetros a sul de Torres Vedras. E tem razões para isso: a empresa, com oito vindimas de existência, registou “um percurso sempre ascendente, a nível nacional e internacional, e está a atingir a maturidade”. Em 2017, a empresa superou o milhão de garrafas e superou os 2,5 milhões de euros de facturação. Melhor ainda, as finanças não só entraram em equilíbrio como já se ganha dinheiro. Isto apesar dos vultuosos investimentos efectuados, incluindo a bonita e espaçosa adega, uma das mais visitadas do país. Uma parte dos visitantes vem da restauração lisboeta e não é por acaso. A equipa comercial da Adega Mãe tem apostado no segmento da restauração da capital, convidando proprietários e equipas de sala e cozinha para visitas à adega. O intuito é sensibilizá-los para o vinho de Lisboa e, depois, passar esse sentimento aos turistas que passam pela capital. A estratégia parece ter resultado, porque o crescimento de vendas na capital foi de 30% em 2017 (cerca de 200 mil garrafas). O turismo deve ter ajudado muito ao crescimento, como nos disse Bernardo Alves: “o turista não tem preconceitos quanto às regiões e, por outro lado, gosta de provar monocastas”. A Adega Mãe tem onze, seis brancos e cinco tintos. Os brancos têm recebido uma atenção especial, até porque, diz o gestor da Adega Mãe, “a região é de excelência para este tipo de vinho”. Ainda assim, a produção actual contempla apenas 35% de brancos, contra 65% de tintos.
O maior mercado, contudo, é a exportação. Cerca de 60% das garrafas vão para o mercado externo e o Brasil é o maior cliente, recebendo tantas garrafas como Portugal inteiro. Ásia e Estados Unidos estão logo a seguir. Bernardo é um fiel apaixonado da região onde opera e vive, e acredita que o sucesso da empresa não é apenas bom para a Adega Mãe: a região de Lisboa também usufrui.
A estratégia para o futuro mais próximo é a de conseguir fazer subir o preço médio de venda, tarefa que vai ser alicerçada na constante melhoria da qualidade dos vinhos.
A opinião dos técnicos
Terminada a parte do negócio em si, foi a vez do enólogo consultor, Anselmo Mendes, falar do projecto e dos vinhos. Presente desde o início, Anselmo começou por estudar o planeamento da adega, tarefa que durou dois anos: “Foi a adega mais bem pensada onde estive”.
A enologia veio a seguir, em parceria com Diogo Lopes, enólogo residente. Esta dupla, e o resto da equipa, ainda não pararam de fazer experiências. Havia pouco ou nenhum histórico na região e por isso a equipa optou por plantar uma multiplicidade de castas. Alvarinho, Arinto e Viosinho, por exemplo, já deram provas da sua excelente adaptação ao terroir da quinta, com clima relativamente fresco e com marcada influência atlântica. Nas tintas destacou-se a Touriga Nacional e, de certa maneira, o Pinot Noir. Mas existem ainda opções em aberto, até porque Anselmo considera que “os taninos aqui são completamente diferentes [leia-se, aguerridos] e por vezes temos que os corrigir na adega”.
A experimentação não ficou só pela vinha. O branco Terroir 2014, por exemplo, estagia 12 meses em barrica de 400 litros. Mas escolher a barrica certa – o tipo de carvalho e inclusive a floresta de onde veio – levou sete anos a afinar! Enologicamente, este vinho (e outros brancos) estão a sofrer experiências de vinificação, especialmente sobre a relação entre borras finas e o oxigénio: “há ainda muito para descobrir”, salienta o técnico.
Muitas experiências e histórias correram por estas paredes e vinhas, a grande maioria de cariz feliz. O futuro deverá continuar assim e apostamos que a casa dos Alves vai continuar a brindar os enófilos com vinhos cada vez melhores.
Teixuga, de betão à vista

Nova adega, novos vinhos, novos caminhos. A Caminhos Cruzados está no Dão com a promessa de que a região não se esgota em si mesma, com Lígia Santos aos comandos. Só faltava uma adega à altura… TEXTO Mariana Lopes NOTAS DE PROVA Luís Lopes FOTOS Ricardo Palma Veiga A Caminhos Cruzados vinificou a primeira […]
Nova adega, novos vinhos, novos caminhos. A Caminhos Cruzados está no Dão com a promessa de que a região não se esgota em si mesma, com Lígia Santos aos comandos. Só faltava uma adega à altura…
TEXTO Mariana Lopes NOTAS DE PROVA Luís Lopes FOTOS Ricardo Palma Veiga
A Caminhos Cruzados vinificou a primeira vez em 2012 e lançou-se ao mercado com a marca Titular. De regresso à Nelas do avô Coelho dos Santos, as duas gerações mais recentes da família saíram do Porto com vontade de fazer vinho no Dão, e fundar uma empresa de cara fresca, moderna. Paulo, empresário industrial de têxteis, e Lígia, advogada, pai e filha juntos numa actividade que esta viria a assumir a tempo inteiro como CEO. Em 2014, com a chegada dos tarimbados enólogos Carlos Magalhães e Manuel Vieira e com o inevitável crescimento do negócio, foi tempo de investir. A Quinta da Teixuga e os seus trinta hectares, quinze de vinha, já eram explorados pela Caminhos Cruzados desde o ano anterior. Com algumas parcelas de cerca de 50 anos de idade, a propriedade de Vilar Seco foi escolhida para cenário de um projecto de dois milhões de euros com arquitectura de Nuno Pinto Cardoso. Agora, a nova adega está pronta e já recebeu as uvas de 2017. O edifício, de linha super-moderna e a expor o betão ao mundo, é composto por dois blocos que se cruzam sobre um arco (a lembrar o logótipo da empresa) e está perfeitamente integrado no ambiente, sem qualquer efeito postiço. As parcelas de vinha que o rodeiam parecem recebê-lo com carinho, fazendo a cama ao piso assente numa espécie de “lombo de bacalhau”, mais alto no centro e descendente nas laterais.
Porque o Novo Dão não é só vinhos diferentes. É consciente na estética e também na sustentabilidade, factor presente na construção – a adega, de baixa manutenção, tem um reservatório no seu núcleo que recolhe a água da chuva para tratamento e reutilização. Mas o conceito de modernidade não fica por aqui: a estrutura não tem pilares, foi construída com o mesmo método das pontes, em suspensão. No seu interior, encontra-mos uma perfeita harmonia entre o belo e o funcional, com a particularidade de o caminho entre as salas ser quase labiríntico, com micro-divisões nos entretantos e uma vista privilegiada para as vinhas.
Durante a visita, Paulo Santos confessou: “Vou afastar-me de vez e a Lígia vai passar a gerir tudo.” E continuou: “Ela mereceu essa responsabilidade e tem conhecimentos nesta área, que eu não tenho.” Quando ouvimos a jovem produtora a receber-nos na sua nova adega e a explicar o percurso da Caminhos Cruzados, foi fácil perceber o seu papel na região. “Bem-vindos à nossa casa, uma casa informal e moderna.” Lígia representa a rebeldia do sector, o desprendimento dos poderes instituídos e das amarras sociais e políticas que muitas vezes o toldam. Uma lufada de ar fresco no Dão.
Nesta apresentação provámos duas novidades, Caminhos Cruzados Family Edition branco 2015 e tinto 2014. Dois vinhos para comemorar a nova fase da família e da empresa, exclusivamente em tamanho magnum. A base do tinto é Touriga Nacional, com Jaen, Alfrocheiro e Tinta Roriz. Referindo-se ao branco, de Encruzado, Bical, Cerceal-Branco e Malvasia Fina, Manuel Vieira brincou: “Gosto muito de deixar brancos a estagiar à conta do patrão…” Todos nos rimos e a lareira fez-nos companhia até ao regresso a casa.
Poseidon: o vinho da Volta

É da sabedoria popular que o vinho que sobrava das viagens dos antigos bacalhoeiros tinha um sabor distinto do original. Hoje, o duriense Poseidon vem confirmar isso mesmo: o “vinho da volta”, volta diferente. E bom, por sinal… TEXTO Mariana Lopes FOTOS Ricardo Palma Veiga O Poseidon tinto 2014 é já a segunda edição […]
É da sabedoria popular que o vinho que sobrava das viagens dos antigos bacalhoeiros tinha um sabor distinto do original. Hoje, o duriense Poseidon vem confirmar isso mesmo: o “vinho da volta”, volta diferente. E bom, por sinal…
TEXTO Mariana Lopes FOTOS Ricardo Palma Veiga
O Poseidon tinto 2014 é já a segunda edição deste vinho baptizado em homenagem ao Deus grego dos mares e à memória marítima portuguesa, e o local do lançamento não poderia ter sido mais apropriado. Trata-se do navio-museu Santo André, um bacalhoeiro de arrasto lateral “aposentado” que se encontra atracado na Gafanha da Nazaré, em Ílhavo, e que foi construído em 1948 na Holanda, por encomenda da Empresa de Pesca de Aveiro. Foi no seu porão de seca de bacalhau, abaixo do nível da água da ria de Aveiro, que provámos a novidade.
Fruto de uma parceria entre a empresa Lua Cheia em Vinhas Velhas e o Clube de Oficiais da Marinha Mercante, o vinho Andreza Grande Reserva 2014 embarcou, em Janeiro, no bacalhoeiro Coimbra rumo aos Grandes Bancos da Terra Nova, no Canadá, e, depois de 72 dias de ondas de 13 metros e ventos de 140 km/h, voltou com outro perfil e outro nome. Com mais seis meses de estágio em terra, o novo Poseidon tem Touriga Nacional, Touriga Franca e Sousão e, segundo o enólogo Francisco Baptista, “o objectivo foi pegar num vinho com taninos fortes para que o tempo em alto-mar amaciasse esses mesmos taninos”. “Está mais aveludado e bem integrado com a barrica”, afirma.
Tiago Silva, o jovem capitão do navio Coimbra, contou uma estória engraçada: “Na primeira viagem, a pesca começou por correr muito mal. Durante muitos dias não havia peixe e decidimos optar pelo último recurso, oferecer uma garrafa ao Deus Poseidon. Provámos o vinho e deitámos um pouco ao mar. O que é certo é que a situação mudou totalmente de figura e a pesca passou a correr tão bem que voltámos mais cedo do que o costume!”. E continuou, relatando pelo meio de risos: “Na segunda viagem, não estivemos com meias medidas. A primeira coisa que fizemos foi oferecer a garrafa ao Poseidon e, além de não termos tido qualquer problema com a pesca, voltámos mais cedo outra vez…”
Não fosse já a história especial, cada garrafa de Poseidon tinto 2014 traz anexado um certificado assinado pelo Clube de Oficiais da Marinha Mercante. Há quem diga que encostar o ouvido à garrafa permite ouvir o mar… Será verdade? Provavelmente não, mas o vinho vale muito a pena.
Adeus 2017, olá 2018

Últimos meses do ano foram pródigos em acontecimentos gastronómicos. E há boas novidades no horizonte lisboeta. TEXTO Ricardo Dias Felner ABREM cada vez mais restaurantes, muitos deles movidos a turismo. Daqui resulta que há cada vez mais mesas desinteressantes, mas seria estúpido dizer-se que se come pior por causa disso. Dá para tudo. Sobretudo […]
Últimos meses do ano foram pródigos em acontecimentos gastronómicos. E há boas novidades no horizonte lisboeta.
TEXTO Ricardo Dias Felner
ABREM cada vez mais restaurantes, muitos deles movidos a turismo. Daqui resulta que há cada vez mais mesas desinteressantes, mas seria estúpido dizer-se que se come pior por causa disso. Dá para tudo. Sobretudo em Lisboa.
Um exemplo claro da popularidade da capital portuguesa é o interesse que desperta em investidores estrangeiros. Entre os restaurantes neste grupo, está o Chustnify, de uma indiana de Nova Deli radicada em Berlim. O conceito é o de indiano cool, música electrónica e empregados hipsters, mas a comida é bem mais autêntica (e picante) do que a que lhe servem noutras salas da capital cheias de incenso e folclore (obrigatórios o caril de borrego e o kabab). Fica entre a Praça das Flores e o Príncipe Real.
Na mesma linha, bem perto dali, inaugurou o Zazah, sociedade de três brasileiros, dois com interesses imobiliários em Lisboa e capital financeiro, o outro um chef, Moisés Franco, que passou recentemente no Bairro do Avillez. A ideia é acolher pessoas que saem do trabalho, ao m da tarde, e que passam ali para beber um cocktail e petiscar, embaladas pela música e distraídas com as obras de arte nas paredes. Na carta, há croquetes de alheira (5,50€), ceviche de atum (9,50€), puré trufado (4€) ou vazia maturada (16€).
Quem também viajou para Lisboa, embora seja português, para abrir um restaurante foi António Galapito. Conhecido pelo seu trabalho com o chef Nuno Mendes, em Londres, na Taberna do Mercado, este jovem chef (faz 27 anos este mês) estabeleceu-se há um ano junto à Sé, no aparthotel The Lisboans, a preparar a abertura do seu Prado. O restaurante deveria abrir na semana em que este texto fechou, pelo que neste momento já poderá lá ir experimentar o conceito de farm to table (da horta para a mesa) criativo, muito em voga por estes dias.
Quem não cruzou fronteira alguma, a não ser a do Ribatejo, foi Rodrigo Castelo, da Taberna Ó Balcão, em Santarém. Conhecido por estar a recuperar produtos endógenos ribatejanos, como a carne de touro bravo, e de lhe dar tratamento de chef no seu restaurante escalabitano, Rodrigo irá estrear O Mariscador, na Praça do Campo Pequeno, também em Dezembro.
Para o mesmo mês estava prevista ainda a inauguração do novo restaurante de Ljubomir Stanisic, que no entanto relembra à Vinho Grandes Escolhas uma máxima intemporal: “A obra é que manda.” O chef quer trazer para a Rua do Teixeira, ao Bairro Alto, onde o seu 100 Maneiras dará lugar a este novo projecto, animais inteiros e desmanchá-los e assá-los paleoliticamente. Para isso contratou, Manuel Maldonado, especialista na arte de brincar com o fogo.
Mas nem tudo são favas contadas e contos de encantar. Neste final de ano, houve igualmente projectos a fechar. O Bagos, de Henrique Mouro, foi um deles. No que respeita a transições, a mais badalada foi a saída, concretizada em Novembro, de Pedro Pena Bastos da Herdade do Esporão. Os destinos de ambos os chefs são duas das boas interrogações que 2018 nos trará. Venha ele.
Pêra-Manca: O regresso do grande clássico

O lançamento de mais uma colheita do Pêra-Manca tinto é sempre um acontecimento aguardado com grande expectativa pela comunidade dos enófilos. Agora foi a vez do tinto de 2013. TEXTO João Geirinhas FOTOS Cortesia FEA O vinho é um ícone alentejano e o seu prestígio, aliado ao preço com que chega ao mercado, atiram-no […]
O lançamento de mais uma colheita do Pêra-Manca tinto é sempre um acontecimento aguardado com grande expectativa pela comunidade dos enófilos. Agora foi a vez do tinto de 2013.
TEXTO João Geirinhas FOTOS Cortesia FEA
O vinho é um ícone alentejano e o seu prestígio, aliado ao preço com que chega ao mercado, atiram-no para um patamar exclusivo que reforça o seu estatuto de excepção entre os vinhos portugueses. A raridade também se expressa pelo reduzido número de colheitas lançadas até ao momento. O vinho só vê a luz do dia em anos considerados de excepcional qualidade. Desde 1990, data do primeiro Pêra Manca, este tinto teve apenas treze edições, sendo a última a colheita 2011.
A apresentação à imprensa do novo Pêra-Manca tinto 2013 decorreu no Fórum Eugénio Almeida, perante dezenas de convidados. Logo a abrir, Mateus Ginó, presidente do conselho de administração da FEA, dá uma noticia que acentua ainda mais a exclusividade do vinho. Esta é a menor colheita de sempre do Pêra-Manca tinto: apenas 19 mil garrafas! Esta redução, fruto das condições particulares da vindima de 2013, irá acentuar certamente a pressão sobre FOTOS Cortesia FEA o preço de venda ao público e a expectativa da sua prova. Tal como a colheita anterior, as garrafas do Pêra-Manca 2013 surgem no mercado com um selo holográco associado a um código que deve ser validado no site da Fundação, garantindo assim a protecção contra falsicações.
No perfil de um vinho clássico não se mexe ou mexe-se muito pouco. Pedro Baptista, enólogo e administrador da casa, explica-nos que esta colheita de 2013, assenta como de costume nas duas castas tradicionais: Trincadeira e Aragonês, neste ano com a particularidade de uma ligeira pre-dominância da primeira sobre a segunda (55% – 45%). É de três talhões, com a idade média de 35 anos, que as uvas são colhidas à mão e depois carregadas para a nova adega Monte dos Pinheiros, onde são tratadas “com pinças”: previamente refrigeradas, bagos retirados dos cachos e transportados por gravidade sem bombagem de forma a não dilacerar a película, prensagem suave e fermentação em separado em depósitos de carvalho francês.
Antes da composição do lote final, o vinho estagia entre 18 e 24 meses em grandes tonéis nas caves da Adega da Cartuxa. Só após este estágio Pedro Baptista inicia o trabalho, muitas vezes solitário, de preparar o lote final, um exercício exigente que alia um método cientifico, uma técnica precisa, bastante sensibilidade e, como não poderia deixar de ser, um toque de cunho pessoal. Feito o lote, o vinho já engarrafado estagia mais dois anos e meio antes de ser finalmente lançado no mercado. Assim nasce mais um Pêra-Manca tinto.
Vinho de talha vem a seguir
Antes do jantar servido na Adega da Cartuxa, Quinta Valbom, tivemos oportunidade de provar aquela que será uma das novidades da FEA num futuro muito próximo: um vinho de talha da vindima de 2017. Correspondendo ao interesse crescente que esta arte milenar do Alentejo tem despertado junto de cada vez mais vastas camadas de consumidores, pela autenticidade e forte caracter dos vinhos assim produzidos, as grandes talhas de barro têm tido uma enorme procura por parte de muitos produtores, o que as transformou num objecto de desejo raro e muitas vezes já inacessível.Quis, contudo, o destino que, quando da desactivação de uma velha adega em Reguengos de Monsaraz, os responsáveis da Fundação tivessem conhecimento da existência de 25 talhas de com cerca de 1200 litros de capacidade qu
e rapidamente foram adquiridas e transportadas para Évora. Apesar de todos os cuidados, no transporte acabou por se perder uma das talhas, mas conseguiu-se que as outras 24 fossem instaladas e tornadas operacionais. O vinho que provámos em ante-estreia absoluta revelou-se uma surpresa face ao perfil tradicional que estes vinhos da talha costumam exibir. Mas independentemente do estilo mais ou menos clássico, é muito importante para a afirmação destes vinhos a entrada da Adega da Cartuxa no ainda restrito lote de produtores alentejanos que cultivam esta prática.No decorrer do jantar foram ainda servidos os vinhos que estão a ser lançados ne
ste final de ano e que serão objecto de prova nas próximas edições da V Grandes Escolhas: Scala Coelli branco 2015, este ano feito exclusivamente da casta Alvarinho; o Pêra-Manca branco 2015; e os tintos Cartuxa Colheita 2014, Cartuxa Reserva 2014 e Scala Coelli tinto 2014, feito de Petit Verdot. Impressiona desde já a diversidade desta ampla oferta de vinhos, tal como a consistência que as sucessivas colheitas têm apresentado ano após ano em quantidades cada vez mais significativas e que no caso do Cartuxa atinge já as muitas centenas de milhar de unidades.