Alentejo tinto até €8: Muita qualidade a preço acessível

O vinho do Alentejo é, de longe, líder nacional de vendas, apreciado pelos consumidores em todo o país. É ainda uma região com beleza paisagística que oferece enoturismo de excelência, quer em unidades hoteleiras, quer a nível de gastronomia. E por fim, o espírito inovador está presente em vários projectos desafiantes na região. TEXTO Valéria […]

O vinho do Alentejo é, de longe, líder nacional de vendas, apreciado pelos consumidores em todo o país. É ainda uma região com beleza paisagística que oferece enoturismo de excelência, quer em unidades hoteleiras, quer a nível de gastronomia. E por fim, o espírito inovador está presente em vários projectos desafiantes na região.

TEXTO Valéria Zeferino
FOTOS Ricardo Gomez

Desde o ínicio de produção de vinho no território que agora se chama Alentejo, pelos tartessos e fenícios, passaram várias épocas de ouro e crises profundas: invasão muçulmana; guerra de independência;  aposta de Marquês de Pombal no desenvolvimento da região do Douro com arranque de vinhas no resto do país; a praga da filoxera; primeira guerra mundial ou a campanha cerealífera do “Estado Novo”.

Nos últimos 30 anos, a dimensão de vinha cresceu de 11.510 para 24.709 hectares registados em 2019 (dados do IVV). Tem a segunda maior área de vinha em Portugal, a seguir ao Douro e ultrapassando a região do Minho.

Em termos de volume de produção, ocupa o terceiro lugar em Portugal com 1.092.617 hl, que corresponde a 18% de produção nacional a seguir às regiões do Douro (21%) e Lisboa (19%). O facto de ter maior área de vinha e produzir menos do que na região de Lisboa tem a ver com a produtividade média por hectare de vinha, que é inferior no Alentejo (cerca de 44 hl/ha versus 60 hl/ha em Lisboa).

Alentejo é a região mais presente no retalho em Portugal, com quota de mercado superior a 35% em valor, seguido pela região de Vinhos Verdes com mais de 18% e Península de Setúbal com 16,5%, valores registados em 2019. Em volume, a quota de mercado aumenta para 39,5% em 2019 e acima de 40% no ano anterior.

Alentejo ou Regional Alentejano?

O principal objectivo da DO (Denominação de Origem) Alentejo é preservar a identidade de uma determinada área de produção, enquanto a IG (Indicação Geográfica) Regional Alentejano alberga a possibilidade de alguma ousadia. Mesmo assim, a regulamentação a nível de DO não é estanque, tendo sido objecto na última década de várias alterações.

Em 2010 foram simplificadas as regras das 8 sub-regiões do Alentejo e introduziu-se o conceito de castas obrigatórias generalizadas a todas elas, que devem representar, isoladamente ou em conjunto, 75% do lote. Eram 9 brancas (todas tipicamente alentejanas) e 8 tintas, entre as quais para além de tradicionais (Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonez, Cabernet Sauvignon, Castelão e Trincadeira) passou a figurar a estrela portuguesa Touriga Nacional e Syrah que conquistou produtores nacionais e entrou nos lotes alentejanos como uma casta melhoradora. Em 2014, ao leque de castas obrigatórias juntaram-se mais quatro, que bem representam a região: Grand-Noir (curiosamente, a casta esteve sempre presente no encepamento de Portalegre e em casas histórias de Reguengos, como José de Sousa), Moreto, Tinta Caiada e Tinta Grossa. Para além destas, existe uma lista de 47 castas, nacionais e estrangeiras, que podem ser utilizadas na elaboração de vinhos com DO, não ultrapassando 25%.

Obviamente, a IG oferece mais flexibilidade ao produtor: permite mais rendimento por hectare e muito mais castas à escolha. Quem quiser, pode fazer 100% Chenin Blanc, Chasselas, Vinhão ou Zinfandel.

Não existe grande diferença entre DO e IG em termos de qualidade exigida para aprovação.  Por exemplo, um vinho designado como Reserva tem de obter no mínimo 70 pontos e Grande Reserva 80 pontos (escala 0/100), independentemente se for para certificar como DO Alentejo ou Regional Alentejano.

Se analisar a produção só de vinhos tranquilos, sem tomar em consideração espumantes e licorosos, na última campanha de 2018/2019 há mais vinhos produzidos com DO do que com IG, sendo 591.407 hl versus 479.688 hl, respectivamente. Cerca de 75% são tintos e rosés. As sub-regiões de Reguengos e Borba representam o maior peso na produção da região.

Explorar a região de forma inovadora

Apesar de ter uma posição confortável no mercado nacional, a região não parou no tempo, promovendo várias iniciativas, quer a nível de produtores, quer a nível institucional.

Para além das sub-regiões conhecidas historicamente e com carácter diferenciador, como Vidigueira, Évora, Borba ou Reguengos, há projectos interessantes noutras zonas, como a DO Portalegre ou o litoral Alentejano, onde o clima é temperado pela altitude ou pela influência atlântica, respectivamente.

Outro projecto altamente inovador é o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo desenvolvido pela CVR Alentejana em parceria com a Universidade de Évora. Este programa pioneiro em Portugal visa a adaptação de melhores práticas na vinha e na adega para produzir uvas e vinho de qualidade e de forma economicamente viável, protegendo ao mesmo tempo o meio ambiente. Isto consegue-se através de optimização na gestão de energia e água na vinha e na adega, redução, reutilização e reciclagem de resíduos. Sendo o Alentejo uma região com disponibilidade de água limitada (que se pode agravar com as alterações climáticas), a gestão eficiente deste recurso torna-se particularmente relevante para os produtores.

Para dar um exemplo, no Alentejo, o consumo de água varia entre os 1,2 (nos casos mais eficientes) e os 14,4 litros de água por litro de vinho. As ferramentas previstas no programa permitirão a redução do consumo de água até os 0,75 e 1 litro de água por cada litro de vinho produzido. O melhoramento na eficiência energética levará à redução de consumo e custos associados; redução de emissões de gases que contribuem para o efeito de estufa; permitirá aliviar circuitos sobrecarregados (sistemas de frio ou aquecimento, sobretudo na vindima que é altura de maior consumo energético). O programa é de adesão voluntária e gratuita e actualmente conta com 396 membros.

A nível de enoturismo, recentemente foi inaugurado um novo espaço da Rota dos Vinhos de Alentejo, onde os interessados podem conhecer melhor a região, não só através de provas de vinhos, mas também de forma interactiva. É possível cheirar os aromas das castas principais da região; aprender mais sobre solos, cujas amostras estão disponíveis para observar; organizar uma viagem através de uma plataforma interactiva que disponibiliza informação sobre os produtores com aplicação de vários filtros (tem ou não restaurante ou unidade hoteleira, por exemplo).

O que são vinhos “até 8 euros”

A nossa prova centrou-se em vinhos tintos do Alentejo com preço médio de mercado igual ou inferior a €8. É muito curioso verificar que ao subir um degrau de preço, de 5 para 8 euros, por exemplo, já estamos num patamar diferente em termos de qualidade. Muitos dos vinhos nesta faixa de preços não são propriamente os vinhos de entrada de gama. No caso de alguns produtores mais pequenos, até os vinhos que abrem o portefólio produzidos em maior quantidade, nada têm a ver com os vinhos básicos e simples, normalmente associados a entradas de gama. Ao mesmo tempo não são vinhos caros, representando uma óptima oferta para um consumidor mais exigente.

O enólogo Ricardo Constantino, da Herdade das Servas, está seguro da importância deste segmento de preço para o consumidor. “Nem todos podem comprar vinhos caros. A gama de entrada pode ser mais simples, mais versátil e consensual; a gama média é para um consumidor mais esclarecido.” Se dos vinhos de entrada produzem 1.000.000 garrafas vendidas a 5 euros PVP, desta gama média fazem 150.000 garrafas de tinto (e 30.000 de branco). Procuram “alguma complexidade, algum tanino sem ser muito marcado, nem madeira muito presente, apenas para dar o equilíbrio a fruta”.

Na Herdade da Calada, o vinho Caladessa representa uma gama média, da qual produzem metade dos vinhos de entrada e o dobro dos topos de gama. Vendem mais no canal horeca no mercado interno. O enólogo Eduardo Cardeal repara que “os vinhos da gama média são importantes para o sustento das casas: têm uma margem maior, comparativamente às entradas de gama, acabam por ser uma mais valia.”

Segundo o enólogo Oscar Gato, a gama de monovarietais foi criada na Adega de Borba para dar resposta ao mercado que procura perceber melhor as castas que normalmente entram em lotes. Estes vinhos não estão nas grandes superfícies e, curiosamente, vendem-se muito bem na loja online da própria adega. Mas são quantidades limitadas. Do Senses Syrah, por exemplo, só produzem cerca de 5.000 garrafas.

No caso da HMR, Pousio Selection é um entrada de gama, mas de um patamar diferente. Como não conseguem competir com as adegas cooperativas e outros produtores de grande dimensão, não apostam no vinho de combate, não vendem os seus vinhos nas grandes superfícies e procuram que o preço não seja o factor principal na decisão de compra pelos seus parceiros e pelo consumidor final. Na definição do perfil deste vinho o enólogo Nuno Elias dá primazia à fruta em detrimento de estrutura. A gama Selection fazem 120.000 garrafas de tinto, 47.000 de branco e 20.000 de rosé que em conjunto representam mais de metade da produção total de 320.000 garrafas.

O vinho Carlos Reynolds também consubstancia a entrada de gama para Reynolds Wine Growers. Fazem 50.000 garrafas que representam 25% da produção. Segundo o enólogo Nelson Martins, pretende-se um vinho menos estruturado, com mais frescura e pureza de fruta.

O objectivo do projecto Bojador de Pedro Ribeiro é mostrar a elegância e autenticidade do terroir da Vidigueira, onde trabalha vinhas velhas em viticultura biológica. Começou pequeno e cresceu nos últimos anos, chegando a quase 400.000 garrafas, onde o entrada de gama representa cerca de 50%.

Mas quais são os factores que contribuem significativamente para que o vinho de qualidade possa ser acessível em termos de preço?

Uma viticultura com contas

A orografia relativamente plana do Alentejo e extensão de vinhas oferecem possibilidade de mecanização o que reduz o custo de produção. O clima quente e seco durante a maturação e vindima minimiza a carga de doenças na vinha. Não é por acaso que o Alentejo tem a segunda maior área de vinha em agricultura biológica (a seguir a Trás-os-Montes) com 991 hectares, o que corresponde a 28% da área de vinha em produção biológica em Portugal continental (de acordo com os dados mais recentes da Direcção de Agricultura e Desenvolvimento Rural).

Alguns produtores fazem a diferenciação logo na vinha, por castas e por parcelas. E não limitam tanto a produção, como para os vinhos de gama alta, procurando um compromisso entre várias componentes que contribuem para o produto final.

Eduardo Cardeal confirma que as produções por hectare são maiores, a monda dos cachos, se for necessária, é muito reduzida. Fazem segmentação na vinha, não é tanto em função da casta, como das parcelas. Uma parcela de Touriga Nacional produz 10 tn/ha e outra 5 tn/ha.

Nelson Martins também refere que “a vinha é trabalhada de maneira diferente. Por exemplo, em vez de limitar a produção de Alicante Bouschet ou Alfrocheiro a 4-5 tn/ha, deixam produzir até 7 tn/ha. Desta forma, as uvas também conservam mais acidez, o que é bom para vinhos gastronómicos”.

Nuno Elias tem opinião semelhante, ao dizer que a mesma casta em talhões diferentes pode ter produtividade e características bem distintas. Por exemplo, o Alicante Bouschet que entra no lote do Pousio Selection não é o mesmo que serve de base ao monovarietal.

Na Herdade das Servas a selecção de castas é feita em função do perfil de vinho desenhado para esta gama. Pretende-se alguma complexidade e tem que se sentir o contributo de cada casta. “Propositadamente utilizamos Cabernet Sauvignon e Trincadeira para transmitir alguma sensação vegetal para o vinho ser mais gastronómico, não apenas frutado. Alicante Bouschet para dar complexidade e Touriga Nacional para transmitir uma fruta mais fresca e boa acidez. A Touriga nunca entra na gama mais baixa”, repara Ricardo Constantino.

No caso da HMR a abordagem é diferente. “As castas seleccionadas para esta gama são menos taninosas e com boa fruta, como Alicante Bouschet, Syrah e Touriga Nacional. Por exemplo o Cabernet Sauvignon ou Petit Verdot não entram nesta gama”, explica Nuno Elias.

Cuidados na adega

Há várias formas de fazer vinho para atingir um equilíbrio entre custos de produção, qualidade do produto e preço moderado para consumidor. Os produtores com quem falámos, de um modo geral, têm cuidado com extracção, preferem uma maceração pré-fermentativa a frio, evitando a pós-fermentativa num ambiente mais extractivo por causa do álcool. Nuno Elias até prefere prensar logo quando acaba a fermentação para não extrair tanino em demasia.

As temperaturas de fermentação são geralmente mais baixas (22-25˚C) para não elevar a extracção de compostos fenólicos e realçar o componente frutado no aroma.

Na Reynolds, Nelson Martins presta especial atenção às leveduras e para os vinhos mais jovens, prefere as leveduras que aportam mais fruta. No início não usam Saccharomyces, adicionando-as para finalizar a fermentação e não deixar açúcar residual.

Pedro Ribeiro, pelo contrário, fermenta com leveduras indígenas e é apologista de enologia de intervenção mínima em termos de utilização de produtos enológicos. Porque o projecto nasceu pequeno, apenas 100.000 garrafas e a filosofia era esta. Hoje, quando o volume aumentou significativamente, é um risco assumido, sabendo que não pode continuar a crescer em volume para manter a filosofia.

Eduardo Cardeal, na Herdade da Calada, recorre à maceração carbónica das castas “com aromas primários clássicos – Touriga Nacional, Syrah, Touriga Franca, Alfrocheiro. Mas não faz o mesmo com a Tinta Caiada, por ter precursores de pirazina.”

Nuno Elias não faz maceração carbónica, mas coloca algumas camadas de bagos inteiros (depende de colheita e da maturação), o que impede contacto inicial com grainhas e películas e promove alguma fermentação intracelular para libertar os precursores aromáticos sem extrair tanino.

Obviamente, nesta faixa de preço há muitos vinhos que não estagiam em madeira. Também se utilizam madeiras alternativas, como aduelas, por exemplo, que são mais aproximadas às barricas pela sua grossura, comparativamente aos chips/aparas. O estágio em barricas, quando é praticado, ocorre em barricas usadas, onde às vezes estagia apenas uma parte do lote.

Segundo Eduardo Cardeal “a amortização de preço já foi feita nos vinhos de topos de gama.” Por isso o Caladessa estagia 12 meses em barricas usadas.

Na Adega de Borba existe um parque de 1.200 barricas; as novas destinam-se aos vinhos premium, as usadas servem para gama média, como é o caso do Senses Syrah que estagia 9 meses em barrica de carvalho. Existem regras internas para a reutilização das barricas, normalmente durante 7 anos.

Na Reynolds Wine Growers, para o estágio de vinhos mais jovens utilizam balseiros de carvalho de 10.000 litros que também não representam custo, nem marcam o vinho.

Na HMR, nos vinhos de entrada 80% do lote não vê barrica, mas no final engloba cerca de 20% de vinhos que estagiaram em barrica para reserva.

Pedro Ribeiro fermenta em cubas de cimento e balseiros de madeira, depois estagia 6 meses em barricas usadas de 500 litros para dar uma boa textura e não marcar muito o vinho.

Na Herdade das Servas para os vinhos de gama média prevêem um estágio bastante prolongado: um ano em barrica, mais um ano ou ano e meio em cuba para manter frescura e mais 6-8 meses em garrafa antes de lançar para o mercado.

Óscar Gato toca mais num aspecto importante que tem certo peso no PVP – os atributos do produto final que não têm a ver com a qualidade do mesmo, como é o caso das garrafas e dos rótulos. “Podíamos fazer uma garrafa ‘xpto’ com um rótulo pujante, mas nós escolhemos garrafas mais leves, ligeiramente troncocónicas e um rótulo adequado.”

É entusiasmante ver esta diversidade de abordagens e estilos, bom senso a par com alguns desafios pelo meio. O resultado está à vista: eleva-se a fasquia do “bom e barato” para “muito bom e acessível”.

Não foram encontrados produtos correspondentes à sua pesquisa.

Artigo da edição nº37, Maio 2020

Brancos de Lisboa: Diversidade de castas e estilos

Vinhos Lisboa

Se tivesse de escolher apenas uma palavra para descrever a região, esta seria – diversidade. Solos, castas, denominações de origem, tipos e estilos de vinhos produzidos – tudo é diverso e heterogéneo na região de Lisboa. TEXTO: VALÉRIA ZEFERINO FOTOS: RICARDO GOMEZ Já lá vão os tempos em que a região se chamava Estremadura, conotada […]

Se tivesse de escolher apenas uma palavra para descrever a região, esta seria – diversidade. Solos, castas, denominações de origem, tipos e estilos de vinhos produzidos – tudo é diverso e heterogéneo na região de Lisboa.

TEXTO: VALÉRIA ZEFERINO
FOTOS: RICARDO GOMEZ

Já lá vão os tempos em que a região se chamava Estremadura, conotada sobretudo com fornecimento de grande volume de vinho à capital. Em 2009 adoptou o nome de Lisboa que lhe conferiu uma nova identidade e a colocou no mapa de Portugal de forma inequívoca e contemporânea. A região estende-se entre Lisboa e Leiria, com cerca de 140 km em comprimento e entre 20 e 40 km em largura, sendo delimitada pelo oceano a Oeste. A influência Atlântica é um denominador comum – ameniza as temperaturas de verão através das brisas marítimas e frequentes neblinas matinais que, dado ao relevo não muito elevado, excepto a Sul, proliferam facilmente para o interior. O clima temperado, sem grandes amplitudes térmicas e com uma precipitação anual a nível de 600-700 mm permite uma maturação mais lenta e homogénea sem risco de escaldões ou paragens de actividade fotossintética das videiras. Os solos variam de calcários a argilosos, tendo zonas com arenitos finos e terras mais férteis de aluvião.

São permitidas mais de 50 castas brancas, entre as quais nacionais e internacionais, algumas bem populares, como Chardonnay, Sauvignon Blanc ou Riesling e outras menos conhecidas como Roussanne, Marsanne ou Grüner-Veltliner.

De acordo com os dados do IVV de 2019, a área de vinha plantada na região de Lisboa corresponde a 19 287 ha, mas segundo a CVR Lisboa, apenas cerca de 10 000 hectares são com classificação para Vinho IGP Lisboa e DOP. Destes, as castas brancas ocupam apenas 2 300 hectares. Apesar da região de Lisboa ter excelentes condições para a produção de vinhos brancos, cá, como no resto do país (com excepção da Região de Minho/Vinho Verde), a produção de vinhos brancos está em minoria, representando apenas 20% dos vinhos produzidos na região (75% são tintos e mais 5% rosados).

Em algumas denominações de origem, certas castas são intrinsecamente ligadas à sua identidade, como é o caso de Malvasia em Colares ou Arinto em Bucelas. Em Óbidos, pelo contrário, as regras são mais liberais, permitindo castas pouco conotadas com a região de Lisboa, como Encruzado ou Loureiro, por exemplo, e castas internacionais como Viognier, Riesling ou Chardonnay.

Há também meio-termo. Em Alenquer, Arruda e Torres Vedras são autorizadas várias castas, mas para certificar um vinho branco como DO, as castas tradicionais (Arinto, Fernão Pires, Rabo-de-Ovelha, Seara Nova e Vital) devem representar, no conjunto ou separadamente, no mínimo de 65% a 70% do encepamento. A situação é muito parecida nas Encostas D’Aire.

A maioria dos produtores optam por trabalhar na categoria do Vinho Regional (IG), que oferece muito mais flexibilidade e, por outro lado, a marca Lisboa é mais facilmente reconhecida a nível internacional, do que, por exemplo DO Torres Vedras ou Arruda.

Assim, dos vinhos certificados, 93% são Regional Lisboa e só 7% são DO.

VARIEDADE DE CASTAS

As principais castas brancas são Fernão Pires, representando cerca de 50%, seguindo-se o Arinto com 25%. Fernão Pires é uma casta bastante flexível em termos de clima, adapta-se bem a diferentes tipos de solo, desde que haja humidade suficiente, o que se verifica na maior parte das vinhas da região de Lisboa. É bastante vigorosa e produtiva. Amadurece cedo, tendo como inconveniente a rápida degradação de ácidos, se não for vindimada a tempo. O clima da região, neste caso, permite uma maturação mais lenta. Grande presença aromática faz dela uma escolha acertada para os vinhos fáceis e apelativos da gama de entrada.

Arinto é uma das grandes uvas nacionais com o seu potencial máximo em Bucelas, onde existe a maior variabilidade genética, indicando que esta zona tenha sido a origem da casta. Espalhada pelo país, faz parte de muitos lotes de entrada até aos topos de gama e é capaz de produzir excelentes vinhos em extreme. É naturalmente rica em ácidos, conserva-os mesmo em territórios mais quentes, o que lhe confere a frescura e assegura a longevidade em cave. Tem cachos grandes, mas poucos por cepa o que não faz dela uma casta muito produtiva. Amadurece tarde. A enóloga da Quinta da Chocapalha, Sandra Tavares, refere que é apanhada no final de Setembro, já depois de algumas castas tintas. Para Sandra “Arinto é uma casta muito pura em termos aromáticos, fica bem com alguma maceração pelicular, barricas muito usadas e estágios longos de 8-10 meses.”

O enólogo da Adega Mãe, Diogo Lopes, refere que, no caso deles, o Arinto é plantado nos solos mais calcários das encostas, vinhas não regadas para controlar o vigor. Considera que Arinto é bem talhada para fermentação e estágio em barrica, mesmo a madeira nova não se sobrepõe. Escolhem barricas por tanoaria e por floresta. Preferem tosta ligeira, mas até aguenta um pouco mais.

Das castas nacionais é interessante também cada vez mais a popularidade do Viosinho. Diogo e Sandra concordam que a casta precisa ou altitude, como em certas zonas no Douro, ou a frescura por meio da influência marítima, se não a acidez quebra rapidamente, tornando o vinho pesado.

Das castas internacionais, Chardonnay e Sauvignon Blanc têm uma aposta forte na região.

Diogo e Sandra são unânimes, afirmando que Chardonnay porta-se muito bem na região de Lisboa, fica com acidez forte, aguenta bem barrica, incluindo nova. Tem muita consistência e textura, e mais volume de boca do que Arinto.

Sauvignon Blanc com influência marítima adapta-se bem aos vinhos de entrada de gama (um pouco como Fernão Pires). Diogo Lopes procura no Sauvignon Blanc o seu lado mais cítrico, não tão exuberante e herbáceo como os da Nova Zelândia.

Viognier, com os seus aromas exóticos e que em condições mais frescas não desacidifica bruscamente, parece também começar a ter um certo protagonismo na região.

Segundo Sandra Tavares, as castas internacionais, como Chardonnay, foram uma ferramenta útil no início do projecto, mas hoje, aumentou a procura pela diversidade, e Chardonnay pouco ou nada vende nos mercados estrangeiros. É mais fácil comunicar castas nacionais, como o Arinto, por exemplo. No mercado nacional é o inverso.

Diogo Lopes aponta para a mesma tendência: no Japão ou Estados Unidos, vendem bem as castas nacionais. No mercado nacional, onde em Lisboa e Algarve há muitos turistas que preferem jogar pelo seguro, vendem-se melhor as castas internacionais conhecidas.

NOVE DENOMINAÇÕES DE ORIGEM

A região de Lisboa tem 9 denominações de origem, algumas delas bastante específicas: Lourinhã – só para aguardentes, Carcavelos – só para vinho generoso e Bucelas — apenas para o vinho branco.

DO Lourinhã fica entre Óbidos e Peniche, onde devido à proximidade do mar e castas de grande produção plantadas em solos férteis, os vinhos ficam, naturalmente, com baixo grau alcoólico e acidez alta, tendo mais vocação para servir de base para destilados de qualidade. Carcavelos, com apenas 10 hectares de vinha, segundo o site da CVR Lisboa, é uma das três denominações históricas, juntamente com Bucelas e Colares, todas com características distintas. Foram as primeiras da região a serem demarcadas em 1908 por terem fama e importância económica na altura. Hoje compõem o triângulo dourado de Lisboa e contribuem para diversidade.

Colares, situada entre o mar e a serra de Sintra, com fortíssima influência Atlântica, em termos de brancos, dá primazia a Malvasia de Colares, que deve compor pelo menos 80% de lote. Outras castas autorizadas (Arinto, Galego-Dourado e Jampal) ficam em minoria e nunca aparecem no rótulo. Bucelas é a maior das três denominações históricas, tendo 142 hectares de vinha (dados CVR Lisboa) e é a única no país onde se produz apenas vinhos brancos, com forte predominância de Arinto. O vinho deve ser feito, no mínimo, de 75% desta casta, podendo completar o lote com Esgana-Cão e Rabo de Ovelha.

O relevo relativamente acentuado oferece alguma protecção da influência marítima. As vinhas instaladas em solos predominantemente derivados de margas e calcários duros, distribuídas pelas encostas suaves do vale do Rio Trancão, chegando até as várzeas com solos mais férteis e maturações mais tardias. As brisas do lado do Tejo também têm um efeito temperador, fazendo com que os Verões não sejam muito quentes, mantendo humidade bastante elevada, e desta forma, oferecem à casta as melhores condições para amadurecer lentamente e revelar o seu potencial.

Na parte central da região ficam as quatro denominações com maior contribuição em termos de área de vinha e produção – Alenquer, Torres Vedras, Arruda e Óbidos. DO Alenquer, onde a produção de vinho remonta, pelo menos, ao século XIII, fica a sul da Serra de Montejunto, ganhando protecção dos ventos frescos e húmidos do Atlântico. As vinhas ficam inseridas numa sequência das colinas e vales. Em Arruda dos Vinhos. a Sul de Alenquer, mais afastada dos maciços montanhosos, sente-se mais a afluência atlântica que confere temperaturas amenas, alguma nebulosidade e protege de geadas tardias. Delimitada pelo Atlântico a Oeste, com altitude baixa e fora da barreira montanhosa de Montejunto, o território de Torres Vedras está sob forte influência marítima e também fluvial, sendo atravessada por dois rios – Alcabrichel e Sizandro. A vinha cobre colinas e outeiros, descendo às várzeas ao redor dos rios.

A Noroeste da Serra de Montejunto está a denominação de origem Óbidos, integrando os concelhos Bombarral, Cadaval, Caldas da Rainha e Óbidos, propriamente dito. É uma zona com bastante precipitação devido às chuvas orográficas, influenciadas pela Serra. É nesta área que se situam algumas das casas mais clássicas da região como a Casa das Gaeiras, a Quinta das Cerejeiras, Quinta de S. Francisco, Quinta do Sanguinhal e a bem antiga, embora relativamente recente na produção de vinho de marca, Quinta do Gradil.

Na parte setentrional da região, fica a denominação Encostas D’Aire, assente no maciço cal- cário a Noroeste das Serras de Aire e Serra do Candeeiro. Tem muita influência marítima que marca o clima de transição entre o Atlântico e o Mediterrânico. Está dividida em duas sub-regiões – Alcobaça e Ourém. Nesta última é produzido um vinho histórico sob designação Medieval de Ourém, com apenas duas castas – Fernão Pires e Trincadeira em proporção 80%/20% no mosto, respectivamente.

Ao falar da diversidade, não se pode esquecer da categoria de Vinho Leve, produzido na região de Lisboa. É literalmente, um vinho com corpo leve e baixa graduação alcoólica (de 7,5% a 10,5%), podendo ser ligeiramente gaseificado (até 1 bar).

VISÃO HISTÓRICA

Durante quatro séculos do domínio muçulmano na região Oeste a actividade vitivinícola não tinha expressão. Após a fundação da nacionalidade, a viticultura desenvolveu-se graças às ordens religiosas, os Beneditinos, Clunicenses e ordem de Cister em Alcobaça. Mais tarde, a invasão francesa, depois doenças e pragas da vinha no século XIX penalizaram a produção de vinhos. No final da primeira metade do século passado apareceram casas como Casa das Gaeiras, Quinta do Sanguinhal ou Quinta das Cere- jeiras. As décadas 50 e 60 foram assinaladas pela proliferação de Adegas Cooperativas. Forte incremento do co- mércio para as ex-colónias levou à utilização de castas de grande produtividade, como Alicante Branco, Alvadurão (Síria), Malvasia Rei (conhecida na região como Seminário) e híbridos da Estação Agronómica Nacional. Das 23 adegas até aos nossos dias sobreviveram apenas 13 (referi- das no site da CVR Lisboa). Muitas delas conseguiram fazer uma reestruturação de castas e modernizar-se em termos de equipamento, portefólio e imagem.

Na viragem do século surgiram novos projectos de qualidade e que contribuem para o prestígio da região – Quinta do Monte D’Oiro, Quinta da Chocapalha, Quinta do Gradil, Adega Mãe, por exemplo.

A região está fortemente orientada para os mercados externos, sendo que 80% de vinho produzido é exportado, sobretudo através de dois grandes players como a Casa Santos Lima e a DFJ Vinhos. No panorama do mercado nacional e em termos de vinhos certificados, a região de Lisboa fica no sétimo lugar com 4,7% de vinhos brancos e 4,4% de vinhos tintos em volume.

Ainda há muito vinho vendido à granel, mas o vinho certificado tem vindo a crescer enormemente. A certificação Lisboa é hoje uma garantia de qualidade em vários mercados do mundo e os brancos da região que agora provamos contribuem certamente para isso. Frescos, vibrantes e diversos, são o espelho de uma Lisboa vinícola multifacetada e com espaço para crescer nas mesas de todo o mundo

Sabia que…
O vinho de Bucelas sob o nome “charneco” foi mencionado na peça de W. Shakespeare “Henrique VI”. Teve a ver com um lugar chamado Charneca em Bucelas. O branco famoso também era conhecido na Inglaterra como “hock portuguese” ou “Lisbon hock”, aproveitando a palavra popular “hock” referente aos vinhos brancos secos da Alemanha, particularmente, Riesling.

Não foram encontrados produtos correspondentes à sua pesquisa.

Artigo da edição nº36, Abril 2020

Sugestão: Brancos “fora da caixa” 

Seleccionámos um lote de vinhos brancos que cumprem estritamente com as seguintes premissas: darem óptima prova e terem na sua composição, vinificação ou estágio, alguma particularidade que os torne claramente diferenciadores em relação aos demais. São os nossos brancos “fora da caixa”.  TEXTO Nuno de Oliveira Garcia  Por várias vezes já escrevemos que nunca como […]

Seleccionámos um lote de vinhos brancos que cumprem estritamente com as seguintes premissas: darem óptima prova e terem na sua composição, vinificação ou estágio, alguma particularidade que os torne claramente diferenciadores em relação aos demais. São os nossos brancos “fora da caixa”. 

TEXTO Nuno de Oliveira Garcia 

Por várias vezes já escrevemos que nunca como agora tivemos acesso a tantos vinhos brancos portugueses com qualidade. O estigma de que um vinho branco não tem a categoria de um tinto está, feliz e praticamente, extinto. E também já escrevemos que nunca houve brancos portugueses tão diferentes e originais como actualmente. Seja pela parcela da vinha escolhida, ou pela casta esquecida entretanto recuperada, seja na adoção de um estilo menos óbvio, por vezes com recurso a trabalho quase mínimo na adega. O estereótipo do vinho branco de verão, fresco, citrino e leve, já conheceu o seu meio-irmão: o branco de inverno (ou de meia-estação), com estrutura e, por vezes, estágio (ou até fermentação) em barrica. Mas a verdade é que entre um e outro perfil, existe hoje uma miríade de declinações e variantes, sejam Vinhos Verdes com barrica, brancos do Algarve com lotes de vários anos, brancos com maior ou menor curtimenta (fermentação ou contacto do mosto com película, outros bagos ou grainhas) como se de tintos se tratassem… Talvez até se possa concluir que é nos vinhos brancos onde existe hoje mais experimentação e maior arrojo. E, dentro de todas as tendências, uma parece sobrepor-se a todas: a vinificação dita menos protegida, ou seja, com recurso a menos sulfuroso o que provoca, em regra, um vinho com um carácter oxidativo mais vincado. 

Procurámos, enfim, selecionar alguns vinhos que, em alguma fase do processo – da vinha à adega e/ou ao estágio –, se diferenciam dos seus pares, digamos, mais comerciais, ou de maior volume. Vinhos de diferentes regiões, com diferentes processos de vinificação, alguns deles pioneiros no estilo. É certo que muitos outros grandes vinhos poderíamos escolher, mas desses, ou já escrevemos mais recentemente, ou iremos escrever noutra ocasião. Falamos do Tempo de Anselmo Mendes feito com curtimenta total de cachos inteiros e esmagados, ou do Jurássico da Quinta do Regueiro (Produtor do Ano 2019) na mistura de várias colheitas (4 mais precisamente), curiosamente dois Alvarinho de Monção e Melgaço. E referimo-nos também ao Quinta do Monte d’ Oiro Vindima de 13 de Outubro (José Bento dos Santos), uma colheita tardia com 16,5%, tudo menos doce e absolutamente versátil à mesa e que, nesta edição de 2016, recria a primeira e mítica colheita de 2003. Mais a sul, o produtor algarvio Barranco Longo aposta na maceração pelicular para criar o ‘Remexido’ um branco centrado na intensidade e comprimento. No Tejo, mais propriamente na Terra Larga, o projeto Areias Gordas continua a entregar vinhos de grande tipicidade e carácter, e Pedro Marques (‘Vale da Capucha’), por exemplo, brinda-nos com alguns dos brancos mais excitantes da região de Lisboa. 

Nos vinhos da nossa selecção podemos segregar algumas linhas de diferente recorte. Por um lado, aqueles que privilegiam um estilo com pendor menos protegido (simplificando, maior contacto do mosto com oxigênio), e muitas vezes com maceração. Um dos pioneiros neste perfil foi o Reserva Pessoal do produtor consagrado Domingos Alves de Sousa, vinho que, desde 2006, gira apenas sob a denominação de ‘Pessoal’. Sempre lançado vários anos após a colheita (no mercado será lançado agora o 2012…), é um vinho de perfil mais intimista desenhado por Tiago Alves de Sousa ao gosto do senhor seu pai, feito a partir das vinhas velhas com que se fazia Porto Branco. Não sendo único na região, foi um dos pioneiros e, rigorosamente, não conhecemos mais do que meia dúzia de brancos durienses nesta linha. No Dão, por sua vez, ‘O Fugitivo em Curtimenta’, é um belíssimo vinho da Quinta da Passarella, que se centra na curtimenta, apesar dos cuidados no controlo da oxidação do mosto. Para nós, tem na edição de 2016 a sua melhor concretização, um vinho sem que a curtimenta se evidencie na prova de nariz, mas a prova de boca revela-se muito fresca, ainda com alguma fruta, e acidez perfeita. Sem curtimenta, mas num perfil também oxidativo, encontramos o Granito Cru de Luís Seabra, um Alvarinho que fermenta e estagia um ano em tonel sem sulfuroso onde faz a malolática, na sequência do qual fica mais seis meses em inox, e só depois é engarrafado. Único na região neste estilo, é um branco intenso e a capitoso, uma versão da casta minhota que merece – e muito – ser conhecida. Ainda nesta linha, provamos e recomendamos o ‘Dominó’, fruto de uma vinha velha na Serra de S. Mamede, vinificado em prensa direta e fermentado em cuba de inox. Tudo como é habitual noutros brancos dir-se-ia, mas o pouquíssimo sulfuroso adicionado, e a realização de fermentação maloláctica, muda o perfil completamente, com a acidez e pungência do ácido málico a dar lugar à macieza e cremosidade do ácido láctico. 

Por outro lado, identificamos aqueles que privilegiam a originalidade do lote, a recuperação de castas esquecidas, ou até uma vinificação antes pouco testada. Um bom exemplo disso é o ‘Escolha’ da Quinta do Ameal, um dos primeiros Loureiros fermentados e estagiados em barrica, sempre num perfil elegante e longevo. Com várias edições ainda em boa forma, escolhemos a colheita de 2015, magnífica na integração da casta com a madeira, límpida nas notas florais e muito jovem ainda. Igualmente original é o lote do alentejano ‘Bojador Amphora’, um vinho que não só recria o método (certificado) de vinho de talha, como recupera castas como Manteúdo ou Perrum, entre outras. Na edição de 2019, mantém o nível muito alto das edições anteriores, sendo difícil de igualar no prazer. Igualmente com a casta Manteúdo, mas agora junto a Diagalves, temos o Respiro Lagar do produtor Cabeças do Reguengo sito na Serra e S. Mamede. Trata-se de um branco intenso e cheio de nervo, vinificado em lagar como o nome indica e com bagos inteiros (ou seja, com alguma curtimenta também), que tem tudo para evoluir bem em garrafa, e se revela imensamente gastronómico. Mais a norte, a histórica casa Real Companhia Velha também cada vez mais se empenha em recuperar castas menos utilizadas na atualidade, relegando essas vinificações especiais para a marca Séries, já com belíssimos resultados em anos anteriores. Desta feita, e para além de dois brancos de 2018 – um de Samarinho e outro de Donzelinho – , irá lançar em breve uma monocasta de Touriga Branca (casta antiga, atualmente denominada por Branco de Gouvães), caso único no país (julga-se), um branco muito interessante e misterioso, para o qual o enólogo Jorge Moreira optou por uma enologia no sentido da extração e menor proteção (mais uma vez, leve oxidação), dado o carácter menos exuberante da uva e as pequenas quantidades produzidas. 

Por fim, destacamos dois vinhos quase conceptuais. O primeiro é o ‘Quinta do Camarate doce’, vinho com o qual a casa José Maria da Fonseca pretende homenagear, e continuar o sucesso do vetusto Palmela Branco dos anos 50’ do século passado. Referimo-nos a um branco de bica aberta com quase 50 gramas de açúcar por litro, mantendo uma bela frescura, mineralidade e álcool comedido (sempre abaixo dos 12%) em parte graças a uma vinha de Alvarinho que raramente produz mais do que 2 hectares por litro. Por fim, o Ravasqueira Premium, topo de gama do produtor alentejano Monte da Ravasqueira que o enólogo Pedro Pereira Gonçalves, inspirado no que observou noutras paragens, desenhou fermentando casta a casta em barricas novas que depois foram mantidas seladas durante um ano. O lote final foi elaborado após esses 12 meses de reclusão em barrica e o resultado é um vinho de cor esverdeada, com fruto muito bonito e barrica sofisticadamente utilizada, cuja prova vertical recente confirmou a capacidade de evolução em garrafa. 

Em conclusão, não faltam vinhos brancos portugueses distintos entre si, brancos que revelam a criatividade dos seus autores, e o engenho de produtores em quererem novos produtos, muitas vezes à imagem do que fez no passado ou de que vivenciou numa região e experiência longínqua. O consumidor português não só bebe cada vez melhor, como cada vez elege mais vinho branco. Chegou o tempo de provar diferente! 

Edição nº 36, Abril de 2020

Moscatel de Setúbal: Um tesouro a descobrir

O Moscatel de Setúbal é um dos clássicos generosos portugueses, mas a sua notoriedade junto do consumidor está ainda muito distante da sua grandeza enquanto vinho. Merece bem mais do que o que tem, mais reconhecimento, melhores preços, mais visibilidade. Mas apesar disso, a verdade é que continua a crescer em área de vinha e […]

O Moscatel de Setúbal é um dos clássicos generosos portugueses, mas a sua notoriedade junto do consumidor está ainda muito distante da sua grandeza enquanto vinho. Merece bem mais do que o que tem, mais reconhecimento, melhores preços, mais visibilidade. Mas apesar disso, a verdade é que continua a crescer em área de vinha e produção.

TEXTO João Paulo Martins
FOTOS Mário Cerdeira

Quando se fala da trilogia dos vinhos licorosos portugueses sempre nos lembramos dos três magníficos, Porto, Madeira e Moscatel de Setúbal. É verdade que há outros, como o Moscatel do Douro e o Carcavelos mas nenhum destes dois atingiu o brilho do generoso de Setúbal. Apesar da fama do Setúbal e dos indicadores que são muito optimistas, não só quanto à área de vinha como em relação às quantidades produzidas, a verdade é que os ventos andam contrários. Os tempos, em Portugal e no mundo, não vão de feição para os vinhos doces. Esta verdade é válida não só aqui como também internacionalmente e as regiões que se notabilizaram pela produção de vinhos com elevado teor de açúcar estão a ressentir-se do menor interesse do público. Acontece com o Vinho do Porto tal como acontece com os Sauternes (França), por exemplo. Em alguns casos consegue-se uma melhor rentabilidade pela subida de preços de categorias mais elevadas (caso do Porto) mas as categorias de entrada dos licorosos nacionais (e europeus) tendem a ter preços pouco prestigiantes. O Moscatel de Setúbal consegue ser algo bipolar em termos de segmentação, com preços muito baixos nas gamas de entrada e, depois, vinhos de gama alta vendidos a valores já condizentes com a sua imagem e qualidade.

A região de Setúbal tem conhecido um renovado interesse dos produtores no Moscatel, um generoso com direito a reconhecimento legal como região demarcada desde os inícios do séc. XX. Durante décadas foi a casa José Maria da Fonseca que, quase em exclusivo, manteve o estandarte do generoso Moscatel de Setúbal. A partir dos anos 80 a J.P. Vinhos (mais tarde Bacalhôa Vinhos de Portugal) passou também a incluir o generoso no seu portefólio e de então para cá, sobretudo já neste século, a maioria dos produtores da região assumiu (e bem) que havia como que a “obrigação cívica” de manter, desenvolver e expandir o Moscatel que deu fama à região.

Henrique Soares, Presidente da CVR de Setúbal, confirmou-nos o crescimento sustentado que a área de vinha destinada à produção de moscatel tem tido. Estamos então a falar de 520ha para a produção do Moscatel de Setúbal e 43ha para o Moscatel Roxo de Setúbal. Na versão Roxo verificou-se um crescimento que fez duplicar a área de vinha em cerca de 3 anos e retirou, de vez, a casta do perigo de extinção em que se encontrava nos anos 80 do século passado. A produção global subiu também de forma permanente e situa-se agora (2019) nos 20 000 hectolitros quando, 4 anos antes, era apenas de 15 000 hectolitros.

Para ser Moscatel de Setúbal com direito à Denominação de Origem o vinho deverá incluir 85% da casta embora, ainda segundo Henrique Soares, a maioria dos produtores opte por ter 100% da casta em cada garrafa. Existia também a possibilidade de se fazer um generoso apenas com 2/3 de moscatel e 1/3 com outras castas brancas – tinha então o nome único de Setúbal (e não Moscatel de Setúbal) mas ao que nos informaram essa prática caiu em desuso e já ninguém a utiliza. Pelo facto da Portaria que actualizou as designações relativas ao Moscatel de Setúbal ser de 2014, é possível que se encontrem no mercado vinhos que apenas indicam “Setúbal” em vez de Moscatel de Setúbal e “Roxo” em vez de Moscatel Roxo de Setúbal.

Os segredos do Setúbal

A casta moscatel existe em inúmeros países, desde a bacia do Mediterrâneo até à África do Sul. Contam-se várias estirpes da casta, há nomes variados e perfis diferenciados. Em Portugal conhecemos duas famílias principais: o Moscatel Galego mais presente no Douro e o Moscatel de Alexandria (ou Moscatel Graúdo) em Setúbal. A variedade Moscatel Roxo é uma mutação do Moscatel Galego. Caracteriza-se pela fraca pigmentação tinta do bago, estando aí a origem do nome. Oficialmente, é considerada uma casta rosada, não tinta.

No modo de fabrico segue-se a técnica dos outros generosos, ou seja, a meio da fermentação é adicionada a aguardente que faz com que o processo fermentativo se interrompa e o resultado seja um vinho doce. Esta doçura, no caso dos vinhos com 20 ou mais anos, com concentração através da evaporação em casco, pode chegar aos 340 gramas/litro. Usa-se na região uma aguardente em tudo idêntica à do Vinho do Porto – tem a obrigatoriedade de ser vínica e ter um teor de álcool compreendido entre os 52 e 86% – mas não existem restrições quanto à origem: pode ser nacional (ou não) e alguns produtores, como a José Maria da Fonseca, têm usado aguardente adquirida quer na zona de Cognac quer na de Armagnac, regiões que, como se sabe, são produtores de espirituosos. A variação do teor alcoólico da aguardente prende-se também com o perfil do produto final, já que o Moscatel de Setúbal pode entre 16 e 22% de álcool.

A tradição da região impôs na vinificação uma maceração pós-fermentativa com as películas das uvas (ricas em aromas e sabores) ainda e já com a aguardente adicionada, processo que se estende por vários meses. Durante este “estágio” a cor do vinho pode ganhar tonalidades cada vez mais carregadas, o que também explica as cores “evoluídas” dos moscatéis novos.

No que diz respeito às barricas para o estágio não existem também limitações nem quanto ao volume nem quanto à origem das mesmas. Assim, tanto se podem usar barricas de pequeno volume, onde o envelhecimento tende a ser mais acelerado, como tonéis de grande dimensão. A Bacalhôa tem utilizado barricas onde anteriormente se estagiou whisky e que são colocadas numa estufa sujeita às variações de temperatura entre Verão e Inverno. Para ter direito à Denominação de Origem o vinho é obrigado a um mínimo de 18 meses de estágio.

O tempo, esse grande educador

Tal como acontece com outros generosos, sobretudo com o Porto Tawny e os Madeira, é o estágio prolongado em tonel ou barrica que confere ao vinho toda a complexidade e qualidade que se lhe reconhecem. É também nesse estágio que a tonalidade escurece, ficando com tons acastanhados. Pode, no entanto, parecer estranho que os vinhos novos, apenas com os 18 meses de estágio obrigatórios por lei, tenham já uma tonalidade muito carregada. Filipa Tomaz da Costa, enóloga da Bacalhôa, esclarece: “tenho várias cubas com o moscatel ainda em contacto com as massas (método que segue a tradição da região) e o vinho já apresenta uma tonalidade que sugere uma prolongada oxidação; por isso é normal que mesmo nos vinhos novos surjam tons mais escuros”. A lei permite, de qualquer forma, a utilização do caramelo como corrector de cor.

Depois desta maceração é o tempo em casco que vai, lentamente, operando as modificações que farão surgir um grande generoso, concentrado, por vezes muito doce, mas muito complexo. Também aqui há quem esteja a inovar e o vinho da quinta do Monte Alegre é sobretudo envelhecido em garrafa, um pouco à maneira do Porto Vintage. Ainda é cedo para se perceber se o resultado justifica a prática.

Na Bacalhôa, há muitos anos que o estágio em estufa é praticado. Filipa Tomás da Costa refere: “Usamos este método sobretudo nos primeiros 10 anos do envelhecimento; depois desse tempo trazemos os cascos para dentro do armazém, embora continuem nas zonas altas mais perto do telhado. Como a massa vínica é muito grande dentro da estufa – apesar das pipas serem de 200 litros – há uma forte inércia térmica e no Inverno podemos ter temperaturas exteriores de 4ºC mas no interior da pipa o vinho apenas varia entre os 10 e 15ºC; no Verão, a temperatura no interior da estufa chega facilmente aos 40º mas o vinho apenas oscila entre os 25 e 28ºC”.

A prática de atestar as barricas e passar a limpo nunca se generalizou na região. Na José Maria da Fonseca existiam muito vinhos velhos que já apenas correspondiam a “um fundinho da pipa”, como nos disse Domingos Soares Franco, enólogo da empresa, e tomou-se a decisão (há já alguns anos) de engarrafar todos esses vinhos, tendo-se considerado que apenas estavam a evaporar e que já nada mais havia a esperar do estágio em tonel. Mas, tal como no Vinho do Porto, este estágio pode prolongar-se por mais de 100 anos.

Novas categorias e mais diversidade

A legislação da região permite desde há algum tempo a produção de vinhos com indicação de idade. Assim, no rótulo da garrafa pode vir a indicação 5, 10, 20, 30 e 40 anos. Como muitos operadores ainda não têm vinhos muito velhos a existência de vinhos com as idades 30 e 40 é por enquanto muito limitada.

Pela prova que fizemos verifica-se que a indicação da data da colheita começa a generalizar-se e os vinhos com 5 anos também mostram ser uma categoria que veio para ficar. A designação Superior obriga a um estágio mais prolongado e a uma aprovação como tal na Câmara de Provadores.

Ainda segundo Soares Franco, a aceitação pelo mercado de vinhos com indicação de idade está a ser muito boa, quer em Portugal (que é ainda o principal destinatário) quer no mercado eterno, onde se destacam o Brasil, o Canadá e a Escandinávia.

O grande inimigo do Moscatel de Setúbal é a tendência – que se estende a outros produtos vínicos – de fazer parte dos vinhos que estão permanentemente na mira das grandes superfícies (super e hipermercados)  que jogam com os preços cada vez mais baixos, um verdadeiro rolo compressor que não traz nada de bom para a imagem do Moscatel de Setúbal. O futuro da região, muito mais do que vender cada vez mais barato deverá ser vender cada vez melhor, subindo gradualmente os preços, única forma de tornar trabalho rentável, valorizar a uva e o produtor e dignificar o produto de excelência que é o Moscatel de Setúbal.

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Edição nº 34, Fevereiro de 2020

Trás-os-Montes: O carácter das montanhas, vales e planaltos

Paradoxalmente, a denominação de origem mais recente em Portugal, tem uma história vitivinícola milenar impressa nas rochas em forma de lagares rupestres espalhados pela região, testemunhas dos tempos romanos e pré-romanos. Uma região maravilhosa, isolada do mundo pelas cadeias montanhosas, escondida nos vales, estendida nos planaltos, está à espera de ser descoberta. TEXTO Valéria Zeferino […]

Paradoxalmente, a denominação de origem mais recente em Portugal, tem uma história vitivinícola milenar impressa nas rochas em forma de lagares rupestres espalhados pela região, testemunhas dos tempos romanos e pré-romanos. Uma região maravilhosa, isolada do mundo pelas cadeias montanhosas, escondida nos vales, estendida nos planaltos, está à espera de ser descoberta.

TEXTO Valéria Zeferino
FOTOS Mário Cerdeira

Se “é mais difícil ir ao Meão do que a Luanda”, como dizia Fernando Nicolau de Almeida, Trás-os-Montes deve-se comparar ao fim do mundo, pelo menos, português. É uma região selvagem e apaixonante com características ímpares e algumas surpresas no futuro mais próximo.
O seu nome é autoexplicativo. É a única região com verdadeira viticultura de montanha em termos edafoclimáticas, sendo toda formada por estruturas montanhosas de 350 a 650 metros de altitude. Tem um clima de fortes contrastes. Regista amplitudes térmicas das mais pronunciadas no país, que permitem um amadurecimento mais lento, com tempo suficiente para desenvolvimento de precursores aromáticos e menor degradação dos ácidos.

Atrás dos Montes

A distância do mar reforçada pela barreira montanhosa do Gerês, Cabreira, Alvão e Marão (todas com altitude de mais de mil metros) que criam uma protecção das influências atlânticas, aumentando continentalidade de Oeste para Este. Com base nos dados recolhidos nas estações climatológicas de Chaves e Miranda do Douro, o clima transmontano classifica-se como temperado, com noites muito frias e seca moderada.

Os concelhos situados ao longo da fronteira nordeste com Espanha – de Vinhais, Bragança, Vimioso, Miranda do Douro e Mogadouro fazem parte da “Terra Fria” com verões menos quentes, ao contrário da “Terra Quente” com temperaturas de verão superiores. A região é constituída por três sub-regiões com condições bem distintas: Chaves, Valpaços e Planalto Mirandês.

A sub-região de Chaves é delimitada pela fronteira com Espanha a norte e rodeada pelas serras montanhosas: do Larouco (com altitude máxima de 1525 metros) e do Barroso a noroeste (1279 metros), da Cabreira (1261 metros) a Oeste, do Alvão (que é um prolongamento para norte da Serra do Marão) a Norte e da Padrela a Sudeste. É atravessada pelo rio Tâmega e as vinhas situam-se nas encostas de pequenos vales, correndo em direcção ao rio.

O mesoclima é o mais chuvoso das três sub-regiões, dada a menor continentalidade, moldado sobretudo pelas montanhas, e caracteriza-se pelos invernos longos e rigorosos e verões curtos e quentes. Bastante humidade no Inverno e Primavera é propícia a geadas primaveris, pelo que alguns produtores vêem-se obrigados a investir em soluções anti-geada. Os solos, maioritariamente graníticos (com algumas manchas xistosas) com baixa fertilidade e uma boa drenagem promovem o stress hídrico necessário para maturações equilibradas. A vegetação abundante de castanheiros, carvalhos e pinheiros, com elevada transpiração, aumenta a humidade relativa face à restante região.

A sub-região de Valpaços fica na diagonal entre Bragança e Vila Real. É circundada pela serra da Coroa a Norte, da Padrela a Oeste, de Bornes a Sudeste e Nogueira a Este. Nas encostas dos rios Tua, Rabaçal e Tuela que atravessam a região, proporcionam-se microclimas favoráveis a boas maturações. De um modo geral, nesta sub-região as temperaturas durante o verão são mais elevadas e os valores de humidade relativa e de precipitação inferiores. Esta sub-região ainda “apanha” três sub-zonas diferentes. A Terra Fria, mais a Norte, nas cotas mais altas de 600 metros de altitude com pluviosidade elevada e solos mais graníticos. Adapta-se bem à produção de vinhos brancos. Mais a Sul, menor altitude, de 350-400 metros, declives pouco acentuados e predominância de solos xistosos que aquecem mais diminuindo as amplitudes térmicas. Tem pouca vegetação e regista precipitação mais moderada com fortes incursões de calor. É o domínio da Terra Quente. Entre estas duas fica uma zona de transição, de altitude intermédia. Estas duas zonas são conhecidas pelas condições para produzir grandes vinhos tintos.

O Planalto Mirandês é a sub-região que fica no Nordeste do país, com a continentalidade mais pronunciada. A Norte é limitado pela fronteira com Espanha, a Este pelo rio Douro intenacional e a Oeste pelo rio Sabor. Como o próprio nome indica, abrange uma boa parte planáltica da Terra Fria nas altitudes de 350 a 600 metros e solos maioritariamente xistosos. As zonas mais quentes situam-se mais a Sul nas arribas do Douro internacional. Os planaltos caracterizam-se pelos ventos bastante fortes, o que, conjugando com a baixa pluviosidade (precipitações praticamente nulas durante a fase activa do ciclo vegetativo) faz com que as doenças criptogâmicas da videira não se instalam. Naturalmente baixa necessidade em tratamentos, promove condições para agricultura biológica.

Para além da muita vinha velha plantada tradicionalmente em taça, aqui é praticada uma forma própria de condução chamada cabeça de salgueiro. Segundo, Luís Sampaio Arnaldo, da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Norte, profundo conhecedor da região, é uma condução baixa a 30 cm com 4-5 talões pequenos. O cacho fica “resguardado no interior da videira”, evitando escaldões, sendo protegido do “vento que levanta por volta das 11 da manhã”, e curiosamente, também da humidade. O orvalho de manhã fica fora da planta e por dentro os cachos mantêm-se secos.

Um bom estado sanitário das vinhas, exige poucos ou nenhum tratamento. Por isto não é de estranhar que de acordo com os dados mais recentes da Direcção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural “a vinha em agricultura biológica tem a sua maior expressão em Trás-os-Montes, correspondendo a sua superfície a 1.246ha, cerca de 36% da área total”. Depois seguem-se a região do Alentejo com 28% e da Beira Interior com 21%.

Multiplicidade de microclimas

Falando de Trás-os-Montes, não podemos esquecer que os factores de altitude, declive, exposição, proximidades dos rios, distância e maior ou menor protecção da influência atlântica, diferenças em composição de solos, criam uma multiplicidade de meso e microclimas que vão muito para além das três sub-regiões. Sabemos que a altitude é o factor que mais condiciona o clima das montanhas uma vez que a temperatura desce com a altitude, em média, cerca de 0,65˚C por cada 100 metros. Para além disto, as cadeias de montanhas interferem com a circulação atmosférica, determinando também circulações próprias entre os vales e as elevações adjacentes através dos ventos catabáticos (descendentes) e anabáticos (ascendentes) que acabam por modificar o mesoclima.

Os valores de precipitação podem variar significativamente em função de continentalidade e topografia. Aumenta à medida que vamos subindo do nível do mar para as zonas montanhosas do litoral, a partir das quais desce drasticamente nos vales encaixados do interior. Sobe novamente à medida que a altitude vai aumentando na montanha seguinte para depois descer no próximo vale, dependento, no entanto, das respectivas altitudes. No que respeita à distribuição das médias das temperaturas máximas e mínimas, nas cadeias montanhosas muitas vezes acontece o fenómeno das inversões térmicas, quando se registam temperaturas mais altas numa zona de maior altitude e mais baixas numa zona adjacente de menor altitude.

Castas

De acordo com os dados do Instituto da vinha e do Vinho (IVV) de 2018 a vinha ocupa em Trás-os-Montes 13.539 hectares. Para a DO Trás-os-Montes são permitidas 15 castas brancas e 17 tintas, mais o Moscatel Galego Roxo na sub-região de Chaves. Para o vinho regional (IG) Transmontano são também autorizadas as castas internacionais como Chardonnay, Chasselas, Gewürztraminer, Riesling, Sauvignon Blanc, Pinot Noir e Syrah, por exemplo.

A casta mais plantada na região é a omnipresente Tinta Roriz (2.189 ha), dispersa em todas as três sub-regiões. Prefere climas quentes e secos e solos bem drenados. Precisa de grandes amplitudes térmicas como em Espanha na Ribeira del Duero, e em Portugal nem sempre as tem, o que explica a sua variabilidade qualitativa. A segunda casta mais plantada é a Tinta Amarela (1.343 ha). É bastante produtiva, de maturação média, acumula bem os açúcares, mantendo bom nível de acidez e de cor. É necessário controlar o seu vigor e rendimento. Com os cachos muito compactos é especialmente sensível ao oídio e precisa de um sítio bem arejado. Apresenta um bom e regular potencial qualitativo e, segundo Luís Sampaio Arnaldo, é das castas que mais resiste ao aquecimento. É plantada nas três sub-regiões, com mais incidência em Valpaços, onde é conhecida como “Negreda”, provavelmente por causa da intensidade cromática, comparativamente com as castas como Bastardo, Marufo, Cornifesto e Tinta Carvalha.

A terceira casta mais plantada é exclusiva da sub-região do Planalto Mirandês onde ocupa 1.296 ha. Chama-se Tinta Gorda (ou só Gorda), devido ao bago bastante grande. É medianamente produtiva e o seu potencial qualitativo é regular. Possui baixo potencial alcoólico (dificilmente chega as 11%) e acidez média. Não dá muita cor e apresenta aroma simples de frutos vermelhos. É muito provável que tenha vindo do Noroeste de Espanha, onde é conhecida como Juan García. Entretanto, Luís Sampaio Arnaldo diz que há dois tipos desta casta, sendo um deles com bagos mais pequenos. Touriga Nacional (1.169 ha) e Touriga Franca (973 ha) são bastante populares em Trás-os-Montes e encontram-se em todas as três sub-regiões. Bastardo, de ciclo curto e muito precoce, sendo vindimado cedo, acaba a fermentação alcoólica e maloláctica na adega antes do inverno. Também é plantado em todas as três sub-regiões. Nas vinhas velhas há muita Baga com a alcunha local “Bastardo de Leiria”. Esta dá-se melhor na mais fresca e menos seca sub-região de Chaves.

As castas brancas mais representativas da região são Viosinho, Gouveio, Códega do Larinho, Rabigato, Malvasia Fina e Fernão Pires. Os vinhos brancos são maioritariamente de lote. Viosinho é de génese transmontana, encontra-se dispersa pelas vinhas velhas. O facto de ser pouco produtiva e com rendimentos muito baixos explica a sua popularidade reduzida. Ultimamente tem vindo a ser mais valorizada pelo excelente equilíbrio entre açúcar e acidez, proporcionando vinhos estruturados e encorpados. É regularmente lotada com outras castas, para acrescentar acidez e riqueza aromática. Gouveio foi durante anos foi catalogada erradamente como Verdelho, o que conduziu a algum desacerto entre as duas nomenclaturas.

É uma casta produtiva e relativamente temporã, medianamente generosa nos rendimentos. Sendo naturalmente rica em ácidos, proporciona vinhos frescos e vivos com bom equilíbrio entre acidez e açúcar e aromas citrinos com notas de pêssego e anis. Códega do Larinho é bastante aromática a expressar-se com sugestões intensas de fruta tropical e flores e, desde que seja vindimada no tempo certo (com 11-11,5% de álcool provável), é capaz de dar bom resultado. Síria, de polpa rija e suculenta, produz vinhos com intensidade de aroma média e com um bom equilíbrio entre álcool e acidez. Rabigato, de origem duriense, resulta em vinhos aromaticamente complexos, sugerindo notas de acácia e flor de laranjeira com apontamentos vegetais. Confere uma acidez penetrante e óptima estrutura. Enriquece vinhos de lote e pode ser vinificada em extreme. Recentemente, a Comissão Vitivinícola Regional de Trás-os-Montes (CVRTM) propôs alterações à lista das castas autorizadas, proposta que se encontra em apreciação no IVV.

Abrir para o mundo

Para além das condições climatéricas, o isolamento da região transmontana do resto do país e a dificuldade de comunicações (basta lembrar a existência da segunda língua oficial em Portugal – Mirandês) também contribuíram para a difusão da vinha nas suas terras – para beber vinho, o agricultor teve que o produzir. Praticamente todo o vinho produzido consumia-se dentro da região. Era bastante rústico, não correspondia aos gostos refinados de hoje e dificilmente competia com os vinhos mais sofisticados produzidos noutras regiões.
O reconhecimento da Denominação de Origem (DO Trás-os-Montes) e IG Transmontano, em 2006, deu um novo impulso à região. Segundo Ana Chaves, da CVRTM, “a aposta na promoção e comunicação tem resultado num aumento significativo do volume de exportação, sendo que aproximadamente 15% do vinho produzido na região é exportado para 17 diferentes países, sendo Brasil, França, Suíça, Alemanha e EUA os principais”. Segundo aos dados da CVRTM o vinho certificado corresponde a cerca de 3 milhões de garrafas por ano, sendo aproximadamente 70% de vinho tinto e 30% de vinho branco.

Estão presentes 120 marcas transmontanas no mercado e já existem produtores de vinhos com qualidade impressionante (e a nossa Grande Prova confirma isso mesmo), como a Costa Boal Family Estates, a Quinta de Arcossó, a Valle Pradinhos, a Valle de Passos, a Quinta Serra d’Oura, ou Quinta do Sobreiró, só para nomear alguns. São competentes e dinâmicos, capazes de projectar a imagem da região noutra dimensão, criando valor e notoriedade. Não faltam, pois, as condições para produzir vinhos autênticos e com carácter diferenciador. Agora é preciso ganhar o reconhecimento por parte dos enófilos e consumidores. Depois da nossa prova, estou certa de que a região de Trás-os-Montes ainda vai dar que falar.


 

Lagares Rupestres: regresso ao futuro

No concelho de Valpaços encontra-se a maior concentração (mais de uma centena) de lagares rupestres em Portugal. São de diferentes formas – rectangulares, quadrados e até circulares – escavados em maciços graníticos, mais predominantes em freguesias onde houve uma maior ocupação romana, como Santa Valha. Segundo o professor geólogo Adérito Medeiros Freitas, autor do livro “Lagares Cavados na Rocha”, os lagares “na generalidade, são romanos” e os mais antigos poderão reportar há dois mil anos ou mesmo a mil antes de Cristo”.
Sem dúvida é um grande legado histórico, um património que uma vez identificado não pode retornar ao esquecimento. Por isso já há 2 anos fazem-se os ensaios de produção de vinhos desta forma ancestral – confidenciou Ana Chaves, da CVRTM. Em 2016 realizou-se a primeira colheita de 600 garrafas e em 2018 foi repetida a experiência. Já foi preparada a documentação para certificação dos vinhos feitos em lagares rupestres e, brevemente, a história da região poderá conhecer o seu futuro.

O Melhor do Alentejo: 57 tintos apaixonantes

Provar mais de meia centena de tintos alentejanos de topo é depararmo-nos com um conjunto de vinhos de grande categoria, espelhando conceitos e perfis muito distintos. Entre estilos mais “clássicos” e outros mais “modernos”, o Alentejo é todo um mundo onde a qualidade é o denominador comum. TEXTO Mariana Lopes            […]

Provar mais de meia centena de tintos alentejanos de topo é depararmo-nos com um conjunto de vinhos de grande categoria, espelhando conceitos e perfis muito distintos. Entre estilos mais “clássicos” e outros mais “modernos”, o Alentejo é todo um mundo onde a qualidade é o denominador comum.

TEXTO Mariana Lopes                               FOTOS Mário Cerdeira

O Alentejo tem muitas faces. É como se fosse um prisma que refracta a luz, originando várias cores. A sua multiplicidade de solos, castas, climas e até de conceitos, tornam-no numa região muito rica, apaixonante, diversa, e que transpõe tudo isso para os seus vinhos. Fazer uma prova como esta, de quase 60 tintos do mesmo segmento, já não é um “gira o disco e toca o mesmo”, como seria há uma dezena de anos. São todos diferentes, mesmo que a identidade regional esteja quase sempre presente.
Há duas coisas muito interessantes numa Grande Prova, as curiosas conclusões a que se chega, por comparação, e as várias opiniões, por vezes completamente díspares, das pessoas com quem se fala, quer sejam enólogos ou administradores das empresas. E indagar sobre o que estes pensam sobre as tais conclusões, é ainda mais divertido. Mas vejamos o que se espremeu de tudo isto. Em primeiro lugar, o Alicante Bouschet tem cada vez mais domínio nos lotes, e até em estreme. Mas apesar de uma certa rusticidade habitual na casta, os vinhos que a comportam mostraram-se elegantes, com essa rusticidade bem domada. Pedro Baptista, enólogo da Fundação Eugénio de Almeida e criador de um dos três vinhos melhor classificados na prova, o Scala Coeli Alicante Bouschet, explica que esta casta “acaba por ser muito interessante e importante no Alentejo porque guarda muito bem a acidez, sobretudo na fase de maturação fenólica. Este Scala Coeli, por exemplo, já foi vindimado perto do início de Outubro”, e acrescenta que “por outro lado, esta personalidade de bosque que o Alicante tem, faz dele um vinho muito apelativo”. Quanto à domesticação da rusticidade, afirma que “tem que ver com o momento da vindima e com o saber esperar pelo ponto ideal dos taninos, e para isso é preciso sensibilidade. Além disto, com rigor controlado na produção e solos menos ricos, ele consegue dar a concentração que procuramos, mas também o equilíbrio correcto”.

Já Hamilton Reis, enólogo de Cortes de Cima e de outro dos vencedores da prova, o Cortes de Cima Reserva, concorda com a necessidade de ser controlado na vinha, de forma a produzir menos, mas tem outra convicção quanto à “meiguice” da casta: “O Alicante é uma casta tramada, não é simples como as pessoas dizem. Produz de forma desmesurada e, para ter a identidade que queremos dele, necessita de ter produções menores, entre 7 e 8 toneladas por hectare. Se o deixarmos à solta, pode chegar facilmente às 15”. Na adega, diz ser “um erro extraí-lo demais, porque fica com os tais taninos rústicos. Com maturações delicadas e bem pensadas, e vinificação com engaço, por exemplo, funciona muito bem. É preferível usar um pouco de engaço e acalmar nas maturações. Em vinhas novas, também é difícil obter equilíbrio, tem de ser de uma vinha com alguns anos, para se domesticar a ele próprio. O mesmo acontece com a Touriga Franca”, desenvolveu. Susana Esteban, autora do Procura Vinhas Velhas e também consultora no Monte da Raposinha (produtor do Furtiva Lagrima, que é um 100% Alicante Bouschet), tem uma teoria para esta “tendência”. “O Alicante sempre esteve muito presente nos topos de gama do Alentejo, a questão é que cada vez se fazem melhores vinhos, então há mais com Alicante”. E adiantou que “para o domar, utilizo madeira porque acho que precisa dela, mas com cuidado e, na vinificação, vou mantendo muita atenção à maceração, fazendo uma extracção adequada a cada ano”. Para Luís Patrão, enólogo da Herdade de Coelheiros desde 2016 (o Tapada de Coelheiros Garrafeira ficou no pódio desta prova), é tudo uma questão de identidade. “O Alentejo está a entrar numa nova era, à procura da sua identidade. Neste novo tempo, a identidade para o Alentejo será o Alicante Bouschet. Ele destaca-nos das outras regiões e, talvez por isso, seja essa a tendência”, afirmou. “No caso de Coelheiros, tínhamos muito pouco Alicante mas, agora que eu e esta equipa entrámos, passará a ser a dominante nos vinhos. Terá de ser domesticada através de uma boa viticultura, até de uma condução diferente na vinha. Um factor muito importante é o estágio de barrica e também o de garrafa. É uma casta relativamente neutra de aroma e ganha muito com o estágio em garrafa, onde os terciários começam a aparecer. É isso que a torna não especial”.

Fluxo de imigração

Se se nota bem a predominância de Alicante Bouschet, também é verdade que castas ditas mais recentes, ou menos tradicionais no Alentejo, desempenham um papel considerável nos lotes da região. A Touriga Nacional, por sua vez, é um bom exemplo disso. É aqui que surge a “velha-nova” questão: a sua presença desvirtua, ou não, o carácter alentejano? Afecta, ou não, a sua expressão? É certo e sabido que esta “top model”, como a apelidou Luís Lopes em editorial antigo, chama a atenção onde quer que esteja, polvilhando notas florais expressivas e por vezes cítricas no aroma dos vinhos, mas será que arrebata sempre tudo o que as outras castas conferem, matando assim um sentido de lugar? Luís Cabral de Almeida, enólogo da Herdade do Peso (Sogrape) e do vinho Essência do Peso, é seguro nas suas palavras: “Eu vou contra a opinião da maior parte dos meus colegas. A Touriga Nacional não é diferente do Cabernet no que toca a marcação, por exemplo. Mas claro, tem de ser utilizada com medida. A preocupação é engarrafar vinhos com carácter regional, obviamente, mas é possível tê-lo com essas castas. No nosso caso, estamos muito contentes com a Touriga Nacional. É de ciclo longo e permite-nos garantir acidez. Na nossa zona, confere um carácter arbustivo e não floral, sempre com elegância de taninos, dando prolongamento em boca. Hamilton Reis concorda, e reforça, dizendo que “no nosso Reserva nunca passei sem ela, embora variando na quantidade. Na sua vertente mais fresca, elegante e precisa, a Touriga Nacional entrega ao meu vinho finesse. Nunca deixamos transparecer a expressão da casta propriamente dita, apenas a sua elegância. A Syrah, por exemplo e também neste vinho, também costuma marcar bastante, mas nós não deixamos que comande. Apenas consentimos que o Aragonez comande. É o piloto aromático do vinho. Para mim, a Touriga Nacional não desvirtua, principalmente se usarmos uma que sabemos ser apropriada para um determinado lote, que nem todas são. Uso-a apenas como casamenteira, agregadora de lote”. Na óptica do produtor, Duarte Leal da Costa, da Ervideira, está convicto das vantagens da casta no Alentejo, atestando que “sou favorável a castas novas que já comprovaram melhorar os vinhos do Alentejo. Se for apenas para ter diferente, como o caso do Pinot Noir, não fazem falta nenhuma. Se a Touriga Nacional veio dar coisas boas aos lotes, como o Alvarinho também o fez, sou completamente a favor. Não é uma monocasta para o Alentejo, mas em lote, sim”. Usando do princípio do contraditório, temos Luís Patrão e Pedro Baptista. O primeiro, refere que a Touriga Nacional “afecta e retira um bocadinho de identidade. Ela domina, é assertiva no nariz. É importante no Alentejo para fazer vinhos de entrada, mais jovens, por exemplo. Mas para um público que procura diferenciação, não”, e acrescenta que “há quatro ou cinco anos, a Touriga estava em todos os lotes, caiu-se no exagero. Em sobrematuração, é tudo menos elegante, entra nas compotas. No Alentejo central, é difícil”. Pedro Baptista, na mesma linha de pensamento, retorque que “a Touriga Nacional talvez seja, das mais recentes, com que temos de ter mais cuidado na utilização nos lotes. É importante salvaguardarmos que as características mais importantes dos vinhos alentejanos estejam lá. No entanto, se houver um controle efectivo, e até institucional, sobre isso, tudo tem lugar”.

Moderno vs. Clássico

Esta questão das castas recentes e das antigas, leva imediatamente a outra. São bem evidentes dois estilos base nos vinhos do Alentejo, um mais moderno, assente na pureza de fruta, onde a Touriga Nacional (e a Syrah) muitas vezes tem um papel, e outro mais clássico, no qual predominam notas balsâmicas, resinas, vegetal seco, especiarias. Seria de esperar que os produtores e os enólogos se identificassem mais com um ou com outro, mas isso acontece com poucos. Hamilton Reis e Duarte Leal da Costa são os únicos com uma preferência clara. “O estilo clássico é o que me diz mais, mas na Cortes de cima faço os dois e no mesmo segmento, dos topos de gama. O Reserva é mais clássico e o Incógnito mais moderno”, diz Hamilton. Duarte Leal da Costa é mais radical: “O nosso estilo é mais o da elegância. O problema dos clássicos poderosos é que ao primeiro copo dizemos ‘uau!’ e ao terceiro estamos enjoados”. Uffa, esta foi forte. Mas ninguém podia ter feito da Ervideira o que ela é hoje sem esta franqueza e pragmatismo. Pedro Baptista fala do caso da Fundação Eugénio de Almeida, e expõe que “sendo o Cartuxa que define a casa, será o estilo mais clássico a prevalecer. Mas quando falamos do Scala Coeli, que tentamos que seja símbolo de vitalidade e de outras interpretações da uva, depende da casta que escolhemos em cada ano. Gosto dos dois estilos porque é uma questão de enquadramento. A minha base, e onde me sinto melhor, é a trabalhar a pureza da fruta e o que ela nos dá”. Luís Patrão também toca nos dois estilos, fazendo essa diferenciação entre gamas. “Acho que há espaço para os dois e gosto dos dois”, declara.

A importância do equilíbrio

Praticamente todos os vinhos da prova têm um grau alcoólico de elevado a bastante elevado. Muitos com 14,5%, alguns com 15% e até dois com 16%. Mas o que é surpreendente é a frescura transversal a todos estes tintos, mesmo com evidentes maturações. Para Susana Esteban, é o factor “serra” que lhe dá o equilíbrio. “No meu caso, é o terroir, a serra de São Mamede, e isso foi o que me cativou nela. São solos de granito, o que também contribui em muito para a frescura deste Procura Vinhas Velhas”, explicou. Luis Cabral de Almeida toca num ponto em que todos estão de acordo, a viticultura: “Cada vez temos melhor viticultura. O grande desafio do Alentejo é mostrar que se fazem vinhos de alto nível e de grande equilíbrio, e isso está a conseguir-se agora. O negócio de vinho barato no Alentejo está a desaparecer, porque já todos percebemos que temos de trabalhar muito perto da vinha e vindimar na altura certa, sobretudo. Antigamente, nesta região, estava tudo vendido à partida, não se pensava como agora. Hoje, os produtores e enólogos têm de se virar para dentro da vinha, perceber o que lá há e o que é preciso fazer para produzir vinhos mais caros, e isso são vinhos que têm obrigatoriamente de ter grande equilíbrio. No Alentejo, dois dias de atraso na colheita podem significar um desequilíbrio total”. Pedro Baptista fala de exposição solar e da sua experiência no biológico (a FEA tem 160 hectares em produção bio, 35 dos quais certificados), defendendo que “o álcool no Alentejo é sempre um assunto presente. Fazer vinhos que atinjam um grau de maturação completo sem álcool elevado é muito difícil. Mas a questão aqui é o equilíbrio ácido. Por exemplo, neste Alicante do Scala Coeli (talhão bio) há uma exposição Norte que o protege do excesso de calor, e isso conta muito. Se tivermos condições de solo, exposição, castas, e um bom equilíbrio entre a área foliar e a quantidade de fruta, está aqui a resposta. E outro factor: pela minha experiência de 12 anos no biológico, já constatei que a percepção de acidez é muito diferente nesse modo de produção. A percepção de acidez e frescura é mais directa, mais óbvia, mais limpa”. Hamilton Reis, por sua vez, desmistifica o conceito de frescura, e afirma que “tem a ver com os taninos, se forem bem trabalhados, dão frescura ao vinho. As pessoas muitas vezes confundem tanino com acidez do vinho. Os taninos bem casados entregam muita frescura e reactividade de boca. Daí o engaço ser tão interessante para o Alicante. Engaço bem maduro, claro”. A fugir da tendência, e como não poderia deixar de ser, está o Conde d’Evideira Private Selection, com apenas 13%. Na prova, ficou ao lado de grandes vinhos com álcool bem mais elevado. A isso, Duarte Leal da Costa responde que “apenas é preciso saber trabalhar. Na Ervideira, em finais de Julho, começamos a fazer o gráfico de evolução da maturação das uvas. Temos capacidade de vindima e de vinificação, então podemos controlar tudo, e quando entendemos que as uvas estão no ponto ideal de maturação, ordenamos a colheita ao campo. Não é o que o campo manda, mas o que a adega manda por análise do que se passa no campo”.

Além do factor “F”, de frescura, temos o factor “M”. Nestes topos de gama, é cada vez mais reduzida a percepção de madeira, isto é notável, principalmente se tivermos em conta o segmento de preço e que praticamente todos a têm. Luís Patrão justifica: “O Alentejo, nesta nova fase, percebeu que o exagero não era o caminho. A procura é cada vez mais pelo que vem da vinha, com discrição no uso da madeira. Todos os meus vinhos passam por madeira, em todas as regiões em que trabalho, mas esta nunca se sente. Hoje, a aposta de Coelheiros é nos foudres. Quando tive de renovar o parque de barricas desta casa, foi a melhor forma que encontrei, os formatos grandes, fazendo também estágios longos”. Hamilton Reis fala de um “shift” na maneira de operar das tanoarias e algo que muitas vezes é esquecido: a higiene. “Essa tem sido a evolução do paradigma dos vinhos, até a nível nacional. A madeira é cada vez mais para entregar complexidade, profundidade e reactividade. Consegue-se com menos carvalho novo, muito menos americano do que no passado e tempos de contacto com as barricas muito menores. Existem tanoarias, bosques e tostas cada vez mais adequados aos dias de hoje. Temperaturas também muito mais controladas e baixas, o que dá muito menos impacto aromático de barrica. Todos nós temos vindo a baixar a percentagem de madeira e também a higienizar muito mais as madeiras”, expõe. Luís Cabral de Almeida passou a utilizar tonéis, e apenas utiliza barricas para o Syrah, porque “os 3000 litros não estragam o sentido de origem, mas dão estrutura. O tonel respeita o que queremos engarrafar, os taninos e a acidez da uva, e não interfere, apenas ajuda a amadurecer. O Essência do Peso é o primeiro a ser lançado estagiado nos tonéis (a parte do Alicante Bouschet)”. Pedro Baptista reforça a importância das tostas, “estamos a trabalhar com tostas longas, ditas borgonhesas, mais suaves. Por vezes, fazemos alguma bâtonnage nos tintos, o que também permite essa melhor integração. Há um respeito pelo vinho muito grande”.

Todos os enólogos e produtores têm um input útil e relevante a dar, sobre todas estas matérias e mais algumas. Pudesse-se entrevistar todos os da região, ficaríamos completos, retirando o melhor de cada contribuição. Quase como uma geringonça do vinho, em bom. Talvez um dia.
O Alentejo é o perfeito exemplo da dispersão cromática, um autêntico arco-íris na sua diversidade e qualidade. Estes 57 tintos topos de gama são a prova disso. Infeliz aquele que pensar o contrário.

Nota: A disposição dos vinhos encontra-se aleatória.

Edição n.º32, Dezembro 2019

Douro tinto, a hora dos magníficos

São grandes tintos do Douro, mas são sobretudo grandes vinhos em qualquer parte do mundo. Em poucas décadas, muitos dos vinhos não fortificados da região saíram de um quase anonimato para se tornarem nomes distinguidos pelos apreciadores de todo o mundo. A viticultura de montanha e a enorme diversidade da região fazem do Douro um […]

São grandes tintos do Douro, mas são sobretudo grandes vinhos em qualquer parte do mundo. Em poucas décadas, muitos dos vinhos não fortificados da região saíram de um quase anonimato para se tornarem nomes distinguidos pelos apreciadores de todo o mundo. A viticultura de montanha e a enorme diversidade da região fazem do Douro um cadinho onde se constrói a excelência.

TEXTO João Paulo Martins
FOTOS Ricardo Palma Veiga

A região do Douro parece ter um íman, algo que atrai de forma irresistível quem se aproxima. Não são só os visitantes turistas, são também os profissionais do sector, sejam eles jornalistas, sommeliers, importadores, distribuidores e todos os apreciadores de vinho. A paisagem e as qualidades naturais da região para originar um grande vinho são razões que bastam para que a tal atracção não tenha parado de crescer nos últimos anos. É verdade que há um “visitante de raspão” que passa sem verdadeiramente entrar na região, que vê a paisagem do seu barco de turismo e que não chega a entender nada de nada, mas, e ainda bem, há cada vez mais turistas que querem ver, falar, palmilhar caminhos e descobrir os vinhos do Douro. Para um turismo de qualidade requer-se uma oferta que lhe corresponda e o Douro tem conhecido um enorme desenvolvimento neste campo. Todos beneficiam com isso. O tema da atracção poderia estender-se a uma quantidade de produtos que se dão muito bem na região, desde o azeite aos produtos hortícolas, dos citrinos aos frutos secos. Terra abençoada dizem uns, terra difícil e muitas vezes ingrata dizem os que lá vivem.

A produção de vinho DOC Douro interessa cada vez a mais produtores que tradicionalmente já eram produtores de uvas para Porto. Não se estranha assim que surjam constantemente novas marcas que procuram entrar no mercado em patamares elevados de preço, o que não é fácil. Não é fácil vender, desde logo por falta de empresas de distribuição dispostas a agarrar mais uma marca; e o consumidor precisa de reconhecer uma qualidade continuada à marca para estar disponível para pagar caro por uma garrafa. Muitos desses vinhos são editados em quantidades muito limitadas que, por outro lado, não chegam a todo o país. O tema é de difícil resolução e a oferta de vinhos DOC Douro a preços elevados é muito, muito grande. A qualidade poderá amplamente justificar o que se paga, mas esse não é o único factor a ter em conta na formação do preço de uma garrafa de vinho.

A região continua a produzir mais Vinho do Porto do que DOC Douro, com o Cima Corgo a ser a principal sub-região, logo seguida pelo Baixo Corgo e, bem mais abaixo, o Douro Superior. No total falamos, dados relativos a 2018, de cerca de 38,5 milhões de litros, sensivelmente metade do que a região produz em Vinho do Porto. Já em termos de vinho comercializado, o Douro já suplantou o Porto em virtude da lei do terço que obriga os operadores do Vinho do Porto a apenas poderem comercializar 1/3 do stock. Os vinhos IG Duriense (que conhecemos pelo nome de Vinhos Regionais) têm aqui uma expressão muito pequena, principalmente se comparados com outras regiões do país. Do ponto de vista das variedade de uva utilizadas, as principais são as tradicionais (ver caixa) e as castas vindas de fora (da região ou do país) são raramente plantadas. Temos assim uma área de vinha de cerca de 40 000 hectares aptos à produção de vinhos Douro e um pouco mais de mil agentes (1.082), que vão dos pequenos produtores-engarrafadores aos armazenistas (engarrafadores não vinificadores) e grandes empresas produtoras.

Da produção ao comércio

Os vinhos DOC Douro não são dos mais consumidos entre nós (estão bem atrás do Alentejo e Vinho Verde, por exemplo) mas são dos que têm mais procura em alguns segmentos do mercado, nomeadamente na gama média/alta dos apreciadores. Jaime Vaz, da Garrafeira Nacional em Lisboa, tem cerca de 500 referências de vinhos do Douro. Neste número incluem-se, naturalmente, várias colheitas da mesma marca (Pintas, Quinta do Vale Meão, por exemplo) e se pensarmos apenas em marcas diferentes, diz-nos Jaime, serão cerca de 400. O negócio de uma garrafeira é bem diferente do de uma grande superfície e aqui vêm sobretudo consumidores que são conhecedores e estrangeiros que procuram os grandes nomes da região. Não se estranha assim que cerca de metade dos vinhos que estão disponíveis nas prateleiras se situem numa gama de preço acima dos €40. A procura tem crescido, têm sido acrescentadas novas marcas mas nada que “dê vazão” à quantidade enorme de produtores que aparecem na loja com a expectativa de ali poderem vender os seus vinhos. As mais recentes entradas na lista da Garrafeira Nacional contemplam a Quinta da Vacaria, Quinta da Zaralhôa, Quinta do Côtto e Quinta do Vale da Perdiz (marca Cistus). Conseguir vender é o enorme desafio dos pequenos produtores.

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O negócio dos vinhos na região tem matizes que se têm alterado, tal como as condições climáticas. Tradicionalmente a zona do Baixo Corgo – fértil e com grande pluviosidade – era sobretudo a região onde se faziam vinhos do Porto das entradas de gama, onde se colhiam uvas com baixa graduação e pouca estrutura. A situação está a alterar-se com as mudanças climáticas e, ironicamente, para melhor. Segundo Paulo Ruão, enólogo da empresa Lavradores de Feitoria, a diminuição da chuva no Baixo Corgo veio a beneficiar os vinhos e, onde antes se encontravam vinhos com 11% de álcool hoje vendem-se com 13% e, mais importante, “os vinhos têm mais estrutura também por via de uma melhor viticultura; na zona de Mesão Frio, que está a ser cada vez mais procurada, conseguem-se comprar hoje vinhos de uma qualidade muito superior à que estávamos habituados há apenas 5 anos”. Este fenómeno liga-se directamente às alterações climáticas e, ainda segundo Paulo Ruão, “o desafio do futuro próximo é muito mais a adaptação das melhores castas do que a introdução da rega”.

É também esta a opinião de Manuel Vieira, enólogo consultor, que não se mostra muito preocupado com o futuro uma vez que “há que tirar partido do património de castas que temos e escolher as que melhor possam responder; também a localização das vinhas passará a ter uma importância fundamental e as encostas viradas a norte e as vinhas em altitude que outrora eram consideradas zonas menores, terão no futuro um papel fundamental”. Neste novo quadro é possível que se tenha de tomar mais atenção aos porta-enxertos, escolhendo sobretudo os mais resistentes à seca (que eram os que tradicionalmente e usavam na região) e é provável que algumas castas tendam a perder importância, como a Tinta Barroca, Tinta Amarela e Tinta Roriz. Ainda sobre o tema das castas, quer Manuel Vieira quer Paulo Ruão concordam com a capacidade da Touriga Nacional para responder a estes desafios mas há menos certezas em relação a castas que têm sido muito faladas como a Sousão, que precisa de clima fresco, como nos Verdes (Ruão) e a Alicante Bouschet que produz bem mas ainda é cedo para se perceber se será casta com muito futuro. E castas que antes amadureciam mal (como a Tinta Francisca) estão agora a dar muito boa resposta.

Há aqui um enorme desafio que se coloca às empresa e produtores: pesquisar, estudar e compreender muitas das castas antigas que estiveram “em arquivo” e apenas presentes nas vinhas velhas e que poderão responder bem às mudanças do clima. A região tem, no entanto, uma enorme vantagem, como salienta Paulo Ruão: o solo xistoso que permite a passagem das raízes entre os fragmentos da rocha e a capacidade do xisto de conservar alguma frescura mesmo em ambiente de pouca pluviosidade, são grandes vantagens, é algo de muito original no Douro”.

O negócio dos vinhos na região tem matizes que se têm alterado, tal como as condições climáticas. Tradicionalmente a zona do Baixo Corgo – fértil e com grande pluviosidade – era sobretudo a região onde se faziam vinhos do Porto das entradas de gama, onde se colhiam uvas com baixa graduação e pouca estrutura. A situação está a alterar-se com as mudanças climáticas e, ironicamente, para melhor. Segundo Paulo Ruão, enólogo da empresa Lavradores de Feitoria, a diminuição da chuva no Baixo Corgo veio a beneficiar os vinhos e, onde antes se encontravam vinhos com 11% de álcool hoje vendem-se com 13% e, mais importante, “os vinhos têm mais estrutura também por via de uma melhor viticultura; na zona de Mesão Frio, que está a ser cada vez mais procurada, conseguem-se comprar hoje vinhos de uma qualidade muito superior à que estávamos habituados há apenas 5 anos”. Este fenómeno liga-se directamente às alterações climáticas e, ainda segundo Paulo Ruão, “o desafio do futuro próximo é muito mais a adaptação das melhores castas do que a introdução da rega”.

É também esta a opinião de Manuel Vieira, enólogo consultor, que não se mostra muito preocupado com o futuro uma vez que “há que tirar partido do património de castas que temos e escolher as que melhor possam responder; também a localização das vinhas passará a ter uma importância fundamental e as encostas viradas a norte e as vinhas em altitude que outrora eram consideradas zonas menores, terão no futuro um papel fundamental”. Neste novo quadro é possível que se tenha de tomar mais atenção aos porta-enxertos, escolhendo sobretudo os mais resistentes à seca (que eram os que tradicionalmente e usavam na região) e é provável que algumas castas tendam a perder importância, como a Tinta Barroca, Tinta Amarela e Tinta Roriz. Ainda sobre o tema das castas, quer Manuel Vieira quer Paulo Ruão concordam com a capacidade da Touriga Nacional para responder a estes desafios mas há menos certezas em relação a castas que têm sido muito faladas como a Sousão, que precisa de clima fresco, como nos Verdes (Ruão) e a Alicante Bouschet que produz bem mas ainda é cedo para se perceber se será casta com muito futuro. E castas que antes amadureciam mal (como a Tinta Francisca) estão agora a dar muito boa resposta.

Há aqui um enorme desafio que se coloca às empresa e produtores: pesquisar, estudar e compreender muitas das castas antigas que estiveram “em arquivo” e apenas presentes nas vinhas velhas e que poderão responder bem às mudanças do clima. A região tem, no entanto, uma enorme vantagem, como salienta Paulo Ruão: o solo xistoso que permite a passagem das raízes entre os fragmentos da rocha e a capacidade do xisto de conservar alguma frescura mesmo em ambiente de pouca pluviosidade, são grandes vantagens, é algo de muito original no Douro”.

Desafios de futuro

Nos anos mais recentes a região conheceu um novo problema que em 2018 assumiu contornos de tragédia: a escassez de mão de obra na vindima. Os relatos que nos chegaram de produtores que queriam vindimar, tinham gente contratada e que no dia acordado tinham 5 pessoas quando tinham contratado 20 (este número é um mero exemplo) mostra bem o drama que se está a viver. O recurso a mão de obra estrangeira contratada apenas para a vindima não só é, dizem-nos, complicada do ponto de vista legal como tudo se agudiza por serem trabalhadores que vêm de países não produtores que de vinha nada percebem e de vinho não consomem. A solução, ainda com Paulo Ruão, tem duas direcções: pagar melhor a mão de obra e “já em 2019 notámos que por termos aumentado a jorna, tivemos menos dificuldade nos vindimadores e, nas zonas onde for possível, introduzir a máquina de vindimar”. As primeiras experiências no sentido da mecanização da vindima foram feitas pelo grupo Symington e os resultados são animadores. A Lavradores de Feitoria já usou este ano a vindima mecânica na zona vitícola do palácio de Mateus e os resultados, segundo Ruão, foram excelentes: “poder vindimar no dia e na hora que se quer, inclusivamente de noite, é um avanço tremendo; já estamos a rentabilizar a máquina alugando a produtores da zona.”

Charles e Rupert Symington estão a utilizar máquinas de vindimar em zonas difíceis com resultados animadores, sobretudo em patamares de um bardo. Não vai decorrer muito tempo para que se veja a replicação destas experiências.

Uma prova de excelência

Os vinhos que provámos são do melhor que se faz na região e em Portugal. Seria impossível estarem todos na nossa mesa de provas, mas percebe-se muito facilmente porque a região do Douro interessa a cada vez mais wine writers, winemakers, sommeliers e investidores estrangeiros. A originalidade do terroir do Douro é transmitida ao vinho e o que aqui tivemos é uma espécie de “passeio da fama” onde desfilam vinhos de enorme qualidade e carácter, vinhos que nos entusiasmam vivamente. O preço elevado a que muitos são vendidos é a certidão do reconhecimento nacional e internacional e reflecte a relação entre a oferta e a procura. São vinhos de excelência de uma região que, apesar dos desafios que enfrenta, atingiu já um elevadíssimo patamar. Sabendo que, com as condições de solo, clima, património varietal e sobretudo, dinamismo e talento dos seus viticólogos, enólogos e produtores, muito tem ainda para descobrir, crescer e oferecer aos apreciadores.

As tourigas e as outras

Tal como acontece com outras regiões, o Douro tem um universo muito extenso de variedades que podem entrar na composição dos lotes, quer de brancos quer de tintos. Nas vinhas velhas encontramos uma proliferação enorme de castas, algumas delas “esquecidas”, mas actualmente a conhecerem mais notoriedade, como a Alicante Bouschet, a Tinta Francisca, Tinta da Barca ou Tinta Carvalha, por exemplo. No entanto, apesar da escolha ser enorme, a verdade é que a história e a tradição foram impondo como mais importantes um conjunto relativamente restrito de castas. São estas que constituem a espinha dorsal dos tintos da região. Em primeiro lugar a Touriga Franca, desde sempre a casta mais plantada, a que mais adaptada está a um clima de intenso calor estival e de produtividade baixa; depois, a Touriga Nacional, com notável “boom” nos anos 90 e que veio a impor-se como casta diferenciadora, cada vez mais casada com a Touriga Franca. Muitos dos vinhos que avaliámos nesta prova resultam de lotes destas duas castas. A Tinta Roriz surge em seguida, já foi mais apreciada, mas continua a ser uma referência, fazendo parte do “núcleo duro” das castas durienses. Menos usada nos vinhos de topo, mas muito presente na região, a Tinta Amarela (Trincadeira). As castas “de tempero” estão a adquirir cada vez mais importância, como Sousão e Tinto Cão, agora acrescentadas das novas variedades renascidas, como a Donzelinho tinto, Bastardo, Casculho ou Malvasia Preta. A Tinta Barroca está tendencialmente a desaparecer dos vinhos DOC Douro sendo apenas usada para fazer Vinho do Porto. A produtividade, apesar de estar autorizada até aos 55hl/hectare, situa-se por norma nos 30 hectolitros, o que mostra a baixa produção que é característica da região.

Edição Nº31, Novembro 2019

Bairrada, a excelência em tons de branco

A Bairrada é uma pequena região de grandes vinhos. E a sua dimensão qualitativa vai muito além da notoriedade dos sólidos tintos de Baga e dos frescos espumantes. Na verdade, a Bairrada é uma das melhores regiões do país para produção de belíssimos vinhos brancos, com uma longevidade invejável. TEXTO Valéria Zeferino FOTOS Ricardo Gomez […]

A Bairrada é uma pequena região de grandes vinhos. E a sua dimensão qualitativa vai muito além da notoriedade dos sólidos tintos de Baga e dos frescos espumantes. Na verdade, a Bairrada é uma das melhores regiões do país para produção de belíssimos vinhos brancos, com uma longevidade invejável.

TEXTO Valéria Zeferino
FOTOS Ricardo Gomez

Há até quem considere que a Bairrada é mais região de brancos do que de tintos e é fácil de perceber porquê. A casta predominante na Bairrada é a Baga, que amadurece tarde, muitas vezes ultrapassando as chuvas de equinócio e, quanto a chuva se prolonga, nem sempre consegue a melhor performance. As castas brancas, amadurecendo mais cedo, têm mais condições para uma maturação perfeita e consistente de ano para ano.
Esta prova evidenciou que os vinhos brancos da Bairrada são de altíssima qualidade e que melhoram substancialmente com o tempo em garrafa.
Em termos quantitativos, os vinhos brancos certificados (sem contar com os vinhos base para espumantes) são em minoria e correspondem a cerca de 20% da produção na Bairrada (de 400 a 450 mil garrafas). Isto deve-se a uma menor popularidade de brancos entre os consumidores e, tirando os Vinhos Verdes, a verdade é que o tinto predomina em todas as regiões do país.Condições edafo-climáticas
A Bairrada está situada no centro litoral do país, orientada no sentido Norte-Sul entre as cidades Águeda e Coimbra e os rios Vouga e Mondego. A leste fica naturalmente demarcada pelas serras do Caramulo e do Buçaco e a oeste estende-se até à orla marítima que exerce forte influência atlântica na região. O clima é temperado, com verões não demasiado quentes, invernos brandos e moderada amplitude térmica anual. As temperaturas médias anuais situam-se entre os 12,5˚C e os 15˚C (em comparação, no Alentejo varia de 15˚C a 17,5˚C). A maioria das zonas da Região da Bairrada usufrui de cerca de 2.500 horas de sol por ano. A precipitação vai de 800 a 1600 mm/ano (este último valor está ao nível da região dos Vinhos Verdes), aumentando de Oeste para Este e concentrando-se nos meses de Outono e Inverno.
Trata-se uma região bastante plana com colinas pouco acentuadas. As vinhas encontram-se plantadas entre os 40 e 120 m de altitude, o que faz sentir a influência Atlântica em toda a região. Geologicamente é muito heterogénea e os solos variam em composição de argila e calcário, com algumas zonas arenosas. Os solos mais argilosos precisam de ser bem drenados e dificultam a sua mobilização e os com mais calcário apresentam cor esbranquiçada e uma maior pedregosidade. Actualmente, conta com cerca de 6000 hectares de vinha.Marcos históricos
A cultura da vinha na região remonta à época da Reconquista cristã aos Mouros que teve início no século VIII. Demonstrou um grande crescimento nos séculos X – XII graças a ordens monásticas.
A produção de vinho estagnou após a demarcação da região do Douro em 1756, quando o Marquês de Pombal decretou o arranque das vinhas nas margens e campinas dos rios Mondego e Vouga. Para além de proteger a origem dos Vinhos do Porto, queria substituir o cultivo da vinha na região, que era abundante, pelo cultivo dos cereais, pois o pão escasseava.
No início do sêculo XIX, lentamente, a vitivinicultura bairradina começou a recuperar, mas mal o vinho voltou a ser valorizado, muitos produtores gananciosos cederam à tentação de plantar vinha em terrenos impróprios. Isto levou à primeira tentativa da demarcação na Bairrada que foi feita pelo político e cientista António Augusto Aguiar em 1867, baseada na relação entre constituição geológica dos terrenos e tipos de vinho.
O vinho de melhor qualidade chamava-se “Vinho de Embarque” e era destinado à exportação, e o vinho de qualidade mais fraca – “Vinho de Consumo” para o mercado interno. Os vinhos brancos de embarque eram produzidos na margem esquerda do rio Cértima até Óis do Bairro, São Lourenço do Bairro e Mogofores. No século passado, a partir dos anos 20, na Bairrada começaram a proliferar as Caves (Irmãos Unidos/Caves São João, Caves do Barrocão, Cave Central da Bairrada, Caves Messias, Caves Aliança, Caves Valdarcos, Caves Borlido, Caves Neto Costa, Caves do Solar de S. Domingos entre outras) que não tendo vinha própria, compravam vinho feito e estagiavam-no nas suas instalações. E não eram vinhos provenientes só da Bairrada, loteavam-se com os vinhos de outras regiões, nomeadamente Ribatejo, Beiras, Douro e Trás-os-Montes. A maior parte do vinho vendia-se a granel, algum em garrafões e muito pouco em garrafas. Os principais mercados de venda, para além do interno, eram as antigas colónias.
Os anos 50 foram marcados pela criação de adegas cooperativas – Adega de Cantanhede, de Mealhada, de Souselas, de Mogofores e Vilarinho do bairro. Até aos dias de hoje sobreviveu apenas a primeira.
Em meados da década de 70 com a independência das colónias, os produtores tinham que procurar mercados alternativos. O vinho foi canalizado para o mercado da saudade nos países europeus (França, Bélgica, Luxemburgo, Suíça e Alemanha) e nas Américas (Estados Unidos, Canadá, Brasil e Venezuela). Mas só este mercado também não era sustentável a longo prazo, à medida que os emigrantes da primeira geração regressavam à Patria e os seus filhos tinham hábitos diferentes. Os novos destinos de exportação trouxeram maiores exigências em termos de qualidade e assim a pouco e pouco começou-se a investir na modernização: higiene, novos equipamentos, cubas de inox, controlo de temperatura, clarificação dos mostos. Esta revolução tecnológica, que se deu um pouco por todo o país, contribuiu para a qualidade crescente dos vinhos – com aromas mais limpos, vinhos menos oxidativos e com óptimo equilibrio.
Em 1979 a Bairrada foi reconhecida como Denominação de Origem e procedeu-se à sua demarcação oficial que recentemente festejou os 40 anos. Nas decadas 70 e 80 surgem os primeiros produtores engarrafadores, que produzem vinho da sua vinha e com a sua marca. A demarcação, embora tenha colidido com o negócio de volume, encorajou os pequenos e médios produtores a avançarem com os seus projectos próprios.
Luís Pato, Quinta das Bágeiras, Casa de Saima, Campolargo, Sidónio de Sousa, entre outros, deram credibilidade e potenciaram a nova imagem da Bairrada a partir do início do século XXI.A polémica Maria Gomes
De acordo com os dados da Comissão Vitivinícola da Bairrada, 70% a 75% uvas produzidas na região são tintas, deixando os restantes 25 a 30% para castas brancas. A mais expressiva em termos de plantação é a Maria Gomes, conhecida noutras regiões como Fernão Pires, seguida de Bical e Arinto. Nos últimos anos registou-se um incremento de Cercial e Sauvignon Blanc. O Chardonnay é bastante valorizado para a produção de espumantes.
O trio principal para um lote bairradino consiste em Maria Gomes, Bical e Cercial, onde cada variedade tem o seu papel. A Maria Gomes, sendo a mais aromática das três, é responsável pelos aromas, sobretudo nos primeiros anos. O Bical dá corpo e untuosidade ao vinho e o Cercial contribui com a estrutura acídica.
A casta Maria Gomes, conhecida também como Fernão Pires no resto do país e que é a casta branca mais cultivada a nível nacional. A sua origem é desconhecida, mas foi mencionada em 1788 relativamente às regiões Tejo, Beiras e Douro. Alguns produtores constatam que nos encepamentos antigos esta casta na Bairrada apresenta uma morfologia ligeiramente diferente e tem bagos mais pequenos, que, provavelmente, poderão ser alguns dos clones diferentes de outras regiões.Maria Gomes amadurece cedo e tem uma curta janela de vindima, pois acumula muito açúcar e perde rapidamente a acidez. Muitas vezes é mal-amada pelos enólogos. As “culpas” são exuberância aromática e falta de acidez. João Soares, o enólogo da Messias aponta as mesmas razões “baixa acidez e normalmente com potencial de guarda reduzido, é muito terpénica, não deixa reflectir o solo”.
O produtor Nuno do Ó também confessa que não morre de amores por esta casta, mas se trabalhar com ela, prefere apanhá-la mais cedo “com carácter mais mineral e menos exuberante”.
Já Mário Sérgio da Quinta das Bágeiras defende a casta que, embora tenha menos acidez, tem aromas interessantes de geleia e floral. E a sua experiência diz-lhe que a qualidade depende da quantidade de uva na videira. A casta naturalmente é muito produtiva e este aspecto tem que ser controlado. Frequentemente colhe Maria Gomes em óptimo estado de maturação, com 14% de álcool, e perfeito equilíbrio ácido, com 7,5 g/l de acidez total e 3 pH.
O experiente Luís Pato, exemplo para muitos produtores de dentro e fora da região, planta a Maria Gomes em solo arenoso para manter acidez (no barro dá vinhos mais gordos), mas com rega, porque a casta é muito sensível ao stress hídrico, “os bagos mirram ainda antes de amadurecerem”. É uma casta muito importante para vinhos de entrada de gama, fornecendo-lhes aromas imediatos e apelativos, mas também ser a base de vinhos de topo.A elegante Bical
Bical, também apelidada como Borrado das Moscas devido às pequenas manchas castanhas que apresentam os bagos maduros. É uma casta autóctone, situada maioritariamente nas regiões das Beiras. Por não ter o porte erecto, dificulta a vida dos viticultores. É muito sensível aos ataques de oídio na floração e a sua produção varia bastante de ano para ano. Comporta-se melhor em solos medianamente férteis, com boa drenagem e não muito alcalinos.
Amadurece mais tarde do que a Maria Gomes, em meados de Setembro e é resistente à podridão graças aos seus cachos com bagos soltos.
É mais neutra em termos aromáticos, confere estrutura e corpo ao vinho. Atinge menos grau alcoólico do que a Maria Gomes e tem menos acidez do que a Cercial. Também tem que ser colhida no momento certo, porque “facilmente perde acidez numa semana”, refere Luís Pato.
O enólogo da Casa de Saima, Paulo Nunes, que também trabalha muito no Dão, confessa que nunca plantaria Bical no Dão, mas que na Bairrada com o clima Atlântico e neblinas matinais frequentes preserva muito melhor a acidez.
Já João Soares é um fã da Bical. Para ele, é a casta que melhor mostra a região, com notas de barro, iodo, maresia, se for apanhada atempadamente. Quando sobremadura desenvolve notas tropicais e de goiabas. Com idade, os vinhos de Bical evoluem para resinas e cera de abelha, fazendo lembrar o cheiro de pranchas de surf. Acha que não tem grande aptidão para ir à barrica e apresenta grande capacidade de envelhecimento em garrafa que considera o mérito da região.
Nuno do Ó também gosta de Bical pela sua austeridade e potencial de guarda. Aguenta vinificação oxidativa (o mosto fica acastanhado por uns tempos, mas depois já não oxida). Utiliza prensa aberta, onde os chachos vão com engaço. Prefere barricas usadas, porque a casta já tem aromas de especiaria e o excesso de barrica não lhe fica bem. Com 2-3 anos de guarda os vinhos cheiram a barro molhado.A nova estrela: Cercial
Deve ser uma das castas cujo nome provoca mais confusão, não só no meio de consumidores, mas também na sua classificação e caracterização histórica. Cercial da Bairrada não é a mesma casta que Cerceal Branco utilizado no Dão e Douro, e também não tem nada a ver com Sercial da Madeira (que no continente é chamado Esgana Cão). Apenas a acidez natural elevada é comum a estas três castas, de resto são bem diferentes.
Amadurece relativamente tarde e é suceptível à podridão dos cachos devido à sua película bastante fina. Tem aroma discreto e enorme capacidade de envelhecimento.
Na opinião de João Soares, a Cercial, tal como Bical, é bastante neutra aromaticamente (fruta branca delicada com um toque de bechamel) , “transparecem atlanticidade”, mas a Cercial é mais vertical, mais tensa.
Mário Sérgio não tem dúvidas que Cercial é uma casta fabulosa. É capaz de, com 14% de álcool provável apresentar 8 g/l de acidez e 2,98 de pH. O problema é que apodrece com facilidade. Porta-se melhor em talhão estreme do que misturada com outras nas vinhas velhas (matura mais sedo e apodrece) e tem maior potencial. Ao envelhecer desenvolve os aromas de favos de mel. Produz relativamente pouco, 5 a 6 mil litros por hectare.
Segundo Luís Pato, a casta tem acidez vibrante, demonstra elegância e tem óptima aptidão para estágio em madeira.
Entre as outras uvas presentes nas vinhas bairradinas, releva a Arinto, que é uma casta nobre plantada em quase todo o país, conferindo acidez aos lotes em que entra. Na Bairrada amadurece mais tarde, nos finais de Setembro, é normalmente a última a ser vindimada, explica Nuno do Ó. Mostra o seu lado “mais salino, mais calcário, com frescura nervosa, o vinho é mais vertical e austero, menos gordo do que em Bucelas”.
Há ainda outras castas com menos expressão, como o Rabo de Ovelha que produz muito e tem cachos grandes, de maturação tardia e conhecida pela acidez alta. Sercialinho, que é muito aromática e com óptima acidez. E as castas internacionais, como Chardonnay, Sauvignon Blanc, Pinot Blanc e Viognier também são permitidas na legislação regional de DOC (com excepção da categoria Bairrada Clássico), sendo muitas vezes utilizadas em lote com as variedades tradicionais, mais raramente engarrafadas a solo.
Independentemente da casta, o terroir bairradino imprime o seu carácter nos vinhos ali produzidos, e os brancos da região, amplos, vibrantes, longevos, merecem toda a atenção do apreciador exigente.

Edição Nº30, Outubro 2019

Dão tinto: prazer e carácter por menos de €8

Têm um preço muito conveniente, são grandes companheiros da refeição e deixam-nos saudades. São os tintos do Dão que continuam, passado mais de um século, a serem o que sempre deles esperámos: vinhos elegantes, envolventes e com sentido regional. TEXTO João Paulo Martins FOTOS Ricardo Gomez Foi no longínquo ano de 1908 que o Dão […]

Têm um preço muito conveniente, são grandes companheiros da refeição e deixam-nos saudades. São os tintos do Dão que continuam, passado mais de um século, a serem o que sempre deles esperámos: vinhos elegantes, envolventes e com sentido regional.

TEXTO João Paulo Martins
FOTOS Ricardo Gomez

Foi no longínquo ano de 1908 que o Dão ganhou foros de região demarcada mas só depois do 25 de Abril a região adquiriu novo impulso. Neste sentido pode dizer-se que seguiu de perto o movimento que, a partir daquela data varreu todas a regiões, criou organismos e estabeleceu regras precisas do que se podia ou não produzir. A fama que então já tinha e que vinha do início do século XX manteve-se e os consumidores sempre lhe notaram a qualidade dos vinhos. E numa época – anos 70 e 80 – em que ainda tudo estava por fazer, o Dão marcava presença no mercado com o selo da região demarcada.

As regras que se impuseram na altura foram claras: quem quisesse plantar vinha tinha de cumprir alguns requisitos e nos tintos apontava-se, basicamente, para quatro castas: Touriga Nacional, Tinta Roriz, Alfrocheiro e Jaen. A variedade Jaen era a mais plantada na região, logo seguida da casta Baga, a mesma que hoje conotamos com a Bairrada. Quatro décadas depois, uma muito elevada percentagem dos tintos da região mantém aquelas quatro variedades como as eleitas, quase em exclusivo. Nesta prova há nove vinhos que têm aquela composição e um outro que, além das quatro, ainda tem Rufete. Foi assim durante uns bons anos mas cremos que actualmente se está a caminhar num sentido um pouco diferente; a Jaen está a perder terreno nos lotes da região e assim, as restantes  – Touriga Nacional, Tinta Roriz e Alfrocheiro – estão a surgir cada vez mais em trio em vez do tradicional quarteto.

Fomos tentar perceber o porquê e Manuel Vieira, enólogo com muita experiência na região, diz-nos que a Jaen é uma boa casta mas que funciona melhor para ser usada a solo num determinado tipo de vinho; “gera vinhos mais abertos de cor, mais joviais e que nem sempre acrescenta grande coisa em lote com as outras três. Para mim o grande lote da região são mesmo as restantes castas tintas desde que a Touriga Nacional tenha um peso maior, uma vez que é casta mais completa que temos no Dão”. Ficamos então num trio onde entra a mal-amada Tinta Roriz, uma variedade que tem adeptos e detractores. Pelo que pudemos observar, a Roriz tem comportamentos diversos conforme a localização da vinha, mas, se colocada nos terrenos mais pobres e bem arejados, pode dar um bom contributo para o lote de tintos. Peter Eckert, da Quinta das Marias é dessa opinião e a Roriz faz parte do seu trio de eleição. A tradição falava muito também de uma variedade hoje meio escondida: a Tinta Pinheira ou Rufete. Manuel Vieira volta à carga: com pouca cor e pouca estrutura, a Tinta Pinheira perde no lote mas, com as novas tendências de vinhos abertos, menos escuros e pouco álcool, a casta pode conhecer um certo renascimento. E foi por ser menos rica que foi arrancada na Quinta dos Carvalhais e também na Quinta das Marias.

O carácter regional

Tida como uma das regiões onde se nota um maior equilíbrio nos vinhos, o Dão tem quase tudo o que é preciso para fazer um belo tinto: tem solos graníticos, pobres em matéria orgânica que geram vinhos de boa concentração ainda que de baixa produção; tem dois rios – Dão e Mondego – que definem sub-regiões e marcam o perfil dos vinhos, algo que Paulo Nunes, enólogo na Quinta da Passarela, afirma categoricamente: “se comparamos por exemplo a zona de Silgueiros ou a zona da Serra da Estrela vemos que nesta última estão a começar as vindimas quando na outra estão já a acabar”. Em todas as sua sub-regiões o Dão gera vinhos de muito boa acidez que, em geral, não requerem qualquer correcção. Mas o facto de a região estar rodeada de montanhas leva a que haja uma maior protecção em relação à influência marítima. Paulo, que também faz vinhos na Bairrada salienta a menor intervenção que é necessária no Dão, onde as doenças fito-sanitárias têm menor expressão.

Mas não é tudo: as castas disponíveis aqui são uma importante ajuda para os enólogos quando chega a hora de fazer o lote. Salienta Manuel Vieira que “a diversidade que temos à disposição ajuda imenso quando se faz um lote e o perfil específico de cada casta permite resultado mais completo, ao contrário por exemplo do Douro onde há mais semelhança entre as principais variedades”. Se a isto juntarmos a disponibilidade de água no solo, a altitude, as 2500 horas de sol/ano e as noites frescas que se fazem sentir mesmo em pleno Verão temos um quadro completo que nos ajuda a entender melhor a região do Dão.

No que respeita aos tintos é também curioso verificar que algumas das castas mais plantadas na região não aparecem nas indicações dos contra-rótulos. É o caso da Baga, a segunda mais plantada a seguir à Jaen, e a Trincadeira que também é omissa nos rótulos embora tenha mais área de plantação que a Alfrocheiro e poucas foram as vezes que foi comercializada como varietal. Já nos brancos acontece algo de parecido porque a Fernão Pires, por exemplo, tem o dobro da área de vinha da Encruzado e, no entanto, é provável que poucos consumidores associem aquela variedade ao Dão.

O Dão e o mercado

Apesar de todas as suas qualidades, o Dão não está nas primeiras escolhas dos consumidores nacionais, situando-se actualmente em 5º lugar, atrás do Alentejo, Vinhos Verdes, Setúbal e Douro mas, se analisarmos apenas o consumo na restauração, está em 4º lugar nas preferências do mercado. No entanto, a região tem feito uma grande aposta nos vinhos DOP em detrimento dos Regionais (IGP) e a região está em 2º lugar atrás de Vinho Verde e Douro nas regiões que maior percentagem de vinhos DOP vendidos. No 1º trimestre de 2019, dados disponibilizados no site do IVV, nota-se uma pequena subida dos vinhos IGP e descida nos DOP mas ainda é cedo para conclusões.

O Canadá e o Brasil são os destinos principais dos vinhos do Dão; a China está em franco crescimento e os EUA em queda. Segundo informação da CVR do Dão, um problema com um importador nos EUA foi quanto bastou para que as vendas se ressentissem de imediato. A região conheceu uma completa mudança desde os anos 90 do século passado quando cresceram os produtores engarrafadores, diminuiu o número dos armazenistas (que compravam vinho a granel e o engarrafavam com as suas marcas) e fecharam algumas adegas cooperativas. Mudou assim, e muito, o panorama regional e hoje, para além de empresas grandes que marcam a região, como a Sogrape e Dão Sul, por exemplo, o Dão é campo fértil para empresas de média dimensão (casos de Lusovini, Caminhos Cruzados, Magnum-Carlos Lucas, Álvaro Castro, entre outros) e ainda muitos pequenos produtores, numa conjugação de experiências e ideias inovadoras.

A região tem mostrado que mesmo nas gamas de entrada e no patamar até aos 8/10 euros pode produzir vinhos de bom gabarito e a nossa prova demonstra isso mesmo. A qualidade média é muito boa, nota-se que há uma preocupação em originar vinhos equilibrados e intensamente gastronómicos. Paulo Nunes é claro: “nesta gama de preço o Dão permite fazer vinhos com muita qualidade, desde que não se abuse nem das extracções nem da madeira em excesso”. Ora neste painel a esmagadora maioria dos vinhos apresentou, de facto, aquela que é a mais notória característica da região: bom equilíbrio entre acidez/álcool, com taninos macios e muito elegantes (segundo Manuel Vieira a presença da Roriz justifica-se exactamente pela contribuição tânica), com resultados muito positivos. As classificações reflectem essa qualidade média bem elevada: estes são vinhos amigos do consumidor, um verdadeiro porto-seguro na hora da escolha. São também excelentes opções para os restauradores pela ampla margem de associação vinho/comida que permitem.

Com razoável visibilidade nas grandes superfícies e boa presença na restauração os tintos do Dão têm tudo para agradar ao apreciador exigente.

VINHOS EM PROVA

Edição Nº28, Agosto 2019

A revolução silenciosa dos Verdes

Esqueça tudo o que pensa que sabe sobre Vinho Verde. Ou já não é verdade, ou não é suficiente. Ao longo de mais de 100 anos, foram vários os momentos de mudança, a culminar no que hoje temos: uma região multifacetada, com vinhos que vão desde os mais despretensiosos e simples aos mais ambiciosos, de […]

Esqueça tudo o que pensa que sabe sobre Vinho Verde. Ou já não é verdade, ou não é suficiente. Ao longo de mais de 100 anos, foram vários os momentos de mudança, a culminar no que hoje temos: uma região multifacetada, com vinhos que vão desde os mais despretensiosos e simples aos mais ambiciosos, de grande qualidade e longevidade. São estes últimos que aqui mostramos e que representam um novo caminho que se abre para os Vinhos Verdes.

TEXTO E NOTAS DE PROVA Mariana Lopes
FOTOS Mário Cerdeira

Não está na hora de mudar a forma como olhamos para o Vinho Verde. É, sim, tempo de ver o outro lado da moeda, não reduzindo a região apenas ao estilo que sempre conhecemos. Há um novo (antigo) Verde e, por mais que alguns esperneiem em discórdia, esta Grande Prova veio demonstrar que assim é.
Como foi escrito num editorial da Grandes Escolhas, exactamente há um ano, desde a sua fundação, em 1908, que a região dos Vinhos Verdes se viu em vários momentos de fractura. Estes pontos de agitação permitiram que esta se desenvolvesse positivamente e, mesmo quando deu um passo atrás, a região acabou sempre, mais tarde, por dar dois em frente. Refiro-me, por exemplo, ao fenómeno a que Luís Lopes chamou de “Verdes de Quinta”, lá para o final da década de 80, em que as grandes casas e solares da região prosseguiram um estilo de vinho mais seco, estruturado e sério. Mas nem o país, nem as pessoas, nem o mercado estavam preparados para esta disrupção do Vinho Verde, e o sol acabou por ser de pouca dura, com estes projectos a reverter para um perfil mais comercial. Porém, nada disto foi em vão, pois deixou no ar um bichinho que se tem vindo a apoderar, mais uma vez, de algumas empresas, num tempo em que tudo isso já é realista. E é realista por¬que uma parte muito importante do sector também sofreu uma grande revolução nos últimos anos, em todo o país: a viticultura. E isso não foi excepção nos Vinhos Verdes. Com novas técnicas, mais sabedoria, e a sensatez de saber ir buscar ao passado aquilo que pode fazer bem ao presente, as uvas mais nobres da região exprimem-se cada vez mais nos vinhos, dando-lhes sentido de lugar.
Seguindo esta linha de pensamento, a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV) tem posto em marcha um plano de marketing, promovendo estes Verdes mais ambiciosos e diferenciadores. Não é uma campanha em detrimento dos mais correntes, dos mais jovens, com gás e doçura, que servem o seu propósito e representam a maior parte do mercado da região. Felizmente, esses vendem-se tão bem que não carecem de grandes investimentos de marketing. Aliás, Manuel Pinheiro, presidente da CVRVV, conta que “Hoje exporta¬mos mais de metade do Vinho Verde produzido e, em mercados como a Alemanha ou os EUA, mais de metade do vinho português é Vinho Verde”. Consultando os dados estatísticos da CVRVV, constatamos que, em 2018, se exportou uns atordoantes 13 milhões de euros para os EUA, e 11 milhões para a Alemanha. Se tivermos em conta os 16 maiores importadores de Vinho Verde, estamos a falar de 57 milhões. Depois desta informação assentar, e voltando à campanha, nas peças publicitárias pode ler-se, por exemplo, “Os Vinhos Verdes estão mais ricos, descubra-os”, com imagens gastronómicas que sugerem capacidade de harmonização. O objectivo das novas acções de pro¬moção é, segundo o presidente da Comissão, “Valorizar as castas, as sub-regiões, os vinhos que melhor afirmam esta ambição de valorização”. Relançar a Rota dos Vinhos Verdes é outra medida em curso, que quer intensificar “a ligação dos produtores aos territórios, sendo essencial para a afirmação, até comercial, dos mais pequenos”. Quanto à maneira, por vezes distorcida, como o Vinho Verde é visto pelos consumidores nacionais e internacionais, Manuel Pinheiro não está preocupado: “Sei que é uma visão que se está a desvanecer. Aliás, ela não existe em mercados novos como, por exemplo, o Japão, que valoriza os Vinhos Verdes como grandes vinhos, com uma personalidade própria”. Mas tem também consciência de que a realidade de hoje é totalmente diferente da de outrora, e explica que “Quem compara os Vinhos Verdes de hoje com os de há duas décadas, não reconhece a mesma região”. E aponta o papel da viticultura, dizendo “Estamos a reconverter entre 600 e 700 hectares de vinha por ano, a mudar a paisagem do Minho vinha a vinha, e com isso a produzir uvas muito mais interessantes, com uma estrutura de custos muito mais competitiva”. Isto leva-nos à questão dos preços, que, como desmistifica o jurista de formação, pode estar a ser interpretada de um modo falacioso: “Há uma ideia de que o Vinho Verde é um vinho barato, mas essa ideia desaparece com um simples olhar aos números Nielsen para o mercado nacional, ou aos números de exportação do Intrastat”. Não nos podemos esquecer também de um factor incontornável, sem o qual nenhuma revolução teria lugar, os enólogos. “Hoje, a vinificação está concentrada em centros bem equipados, dirigidos por enólogos que não hesitam em inovar, e as castas do Vinho Verde são a melhor testemunha desta nova parceria vinha/enologia. Mais do que o valor que se trouxe para a região, é relevante o conhecimento que se adquiriu nesta área”, valorizou Manuel Pinheiro.[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”40440″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][divider line_type=”No Line” custom_height=”20″][vc_column_text]VINHOS BRANCOS DE GUARDA
Nesta prova incluíram-se 29 vinhos com um preço de venda ao público médio superior a sete euros e sem qualquer adição de gás carbónico. Não foram pedidos vinhos da sub-região Monção e Melgaço, pela sua especificidade e por representarem, em si mesmo, uma categoria diferenciada junto do consumidor, nem foram contemplados Regional Minho. Em primeira instância, o que destacou foi a qualidade generalizada, com a nota mínima de toda a prova a situar-se nos 16 valores, significando que tivemos apenas vinhos muito bons e vinhos excelentes. Em segundo lugar, a predominância de Avesso e de lotes de Alvarinho com Avesso, ou Alvarinho com Loureiro. Por último, o teor alcoólico dos vinhos, com muitos a recair nos 13% ou mais. Está na hora de arregaçar as mangas e descortinar tudo isto, com a ajuda de quem põe a mão na massa, os enólogos, os viticultores e os produtores. E como é que eles próprios vêem esta onda de ambição? Ou será que não a vêem, de todo? João Camizão, autor dos vinhos Sem Igual, reconhece-a: “É uma pequena onda que alguns de nós já estão a ‘apanhar’ há alguns anos e que, finalmente, empresas com negócios de referência na região vão começar a ‘surfar’. Provavelmente, apenas começa agora a ter notoriedade e a ser cobiçada, pois a região dos Vinhos Verdes tem uma tipicidade tão intrínseca (até as cartas de quase todos os restaurantes têm uma secção para os Vinhos Verdes e outra para os brancos), que é como nascer num berço de ouro. Ou seja, não houve necessidade de reinventar e inovar o estilo de vinho. E esta tipicidade gera, per si, grande volume de negócio com muita exportação e preços que não são os mais baixos do país (é das regiões que mais valoriza a uva)”. E revela aquilo que acha ser a chave para o sucesso, tocando num ponto fundamental, a longevidade, e dizendo “Nos dias de hoje, muitos produtores da região ambicionam ter vinhos de grande qualidade, mesmo tendo de se desviar do perfil da casa. Portanto, há que estar preparado para investir e esperar uns anos com o vinho na adega, para aferir à longevidade e deixar a acidez vibrante ser arredondada pelo tempo. Penso que esta será condição necessária para o sucesso. Estamos numa região com grande potencial para fazer vinhos brancos de guarda, de classe mundial”. Já Gonçalo Sousa Lopes, produtor e viticultor dos vinhos Quinta do Cruzeiro, assume que “É o único caminho que o pequeno produtor-engarrafador tem de fazer, atingindo assim um nicho de clientes apreciadores e conhecedores. Existem produtores que já estão nesta linha há muto tempo, mas como a região sempre foi vista como produtora de vinhos ‘do ano’ e pouco complexos (há excepção de Monção e Melgaço), estes sempre ficaram na sombra e, para se afirmarem, tinham de se por nas pontas dos pés, ou gastar muito dinheiro para divulgarem os seus ‘vinhos sérios’”. Mostrando que há visões diferentes sobre os preços a que o Vinho Verde é vendido, defende que, desta maneira, “diferenciam-se dos grandes armazenistas que vendem Vinho Verde (muito gaseificado e doce) a preços incompreensivelmente baixos e desprestigiantes para a região”. Por sua vez, Rui Cunha, enólogo dos Covela, é implacável na sua visão e alerta “Fala-se muito de Verdes ambiciosos, mas, na verdade e em geral, o que existe são vinhos com um pouco menos de gás e um pouco me¬nos de açúcar”. Na posição de quem lida com dois perfis de Vinho Verde, João Cabral de Almeida, enólogo da Quinta da Calçada e produtor dos vinhos Camaleão, esclarece: “Os dois caminhos são interessantes e os dois têm lugar no mercado. Quando faço vinhos mais ‘sérios’ (se bem que há seriedade em ambos) estou focado naquilo que a vinha tem para oferecer e no terroir, quando faço vinhos mais ‘jovens’ estou a pensar nas sensações, na experiência imediata que estou a dar a um consumidor”.[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”40441″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][divider line_type=”No Line” custom_height=”20″][vc_column_text]A SOLUÇÃO ESTÁ NA VINHA
E a questão que a seguir se coloca é inevitável. Como lá chegar? Que castas são mais propícias? O álcool e a barrica são factores fundamentais para atingir este estilo de Verde mais, digamos, complexo? As respostas variam, mas há um ponto em que todos concordam: viticultura, viticultura, viticultura. Márcio Lopes, criador e enólogo dos Pequenos Rebentos, faz a sua eleição. “O Alvarinho, que já tem provas dadas. O Loureiro é uma casta delicada, mas num bom local pode originar grandes vinhos, e o Avesso que também é complicado, mas tem grande potencial. Já o Azal é uma casta excelente para contrariar as alterações climáticas. Com a viticultura mais avançada, é agora mais fácil cuidar das uvas mais sensíveis”. Não podendo deixar de pegar no tema do clima, fazemos Márcio alongar-se nele: “A ramada e o enforcado são sistemas de condução muito pertinentes para um Verde com ambição, pela resistência às alterações climáticas, porque criam maturações mais lentas e equilibradas, folhagem que protege as uvas e impede o escaldão. Devem ser hipóteses a considerar na viticultura. Temos de encontrar um meio termo entre o passado e o futuro”. Para Rui Cunha, destacam-se o Alvarinho, o Avesso e o Arinto, sem esquecer o Loureiro. “Infelizmente, o Loureiro não é uma casta que tenha o peso devido na região, porque é fantástica. Sobre o Arinto, há a vantagem de já se conhecer bem e saber-se que tem bom envelhecimento, assim como o Avesso. Esta última é a minha favorita. É difícil ‘competir’ com a fama que o Alvarinho tem, no sentido em que, lá fora, muita gente pensa que a região se reduz a esta casta”. Gonçalo Lopes elege as mesmas que os dois anteriores, mas com um extra, a Trajadura. Tal como Márcio Lopes, também dá importância às vinhas velhas e com diversas castas mistura¬das, admitindo que dão ainda mais complexidade aos vinhos, e aponta o terroir como factor determinante de qualidade. João Cabral de Almeida lembra, ainda, que “urge saber mais sobre castas antigas ainda desconhecidas, muitas presentes nas vinhas velhas, que se podem revelar muito interessantes”, mas acha redutor associar este perfil mais ambicioso a castas em concreto.
No que toca a madeiras e álcool, reina a palavra “equilíbrio”. Mas é Márcio Lopes que mais simplifica o caminho para chegar a um grande Verde: “O fundamental é a qualidade da uva, depois é não estragar. Acima de tudo, a boa acidez é importante. Não nos interessa que o álcool vá subindo e a acidez descendo. Quanto à necessidade de barrica, a própria uva pode dar estrutura, corpo e complexidade. Tem mais que ver com os rendimentos da vinha. Se ela produzir muito, vai ter muitos filhos para alimentar e esgotar-se a si própria, se produzir menos, consegue conferir mais às uvas. Ou seja, tem tudo mais que ver com a nascença do que com os extras. Uma região granítica e de frescura natural é uma região de futuro no mundo actual”. João Camizão também não dá valor ao álcool e afirma que este deve ser controlado, acima de tudo “com os novos sistemas de condução”. “Devemos ter a ambição de fazer grandes vinhos com álcool abaixo dos 13%, o que é difícil, mas torna tudo bem mais equilibrado”. Mais do que a barrica, que considera útil, mas não necessária, releva outras opções enológicas, sugerindo “Deixar a fermentação ir até ao fim, para ficarmos sem açúcar residual. Ou, por exemplo, fazer brancos de curti¬menta, estágios em cubas de cimento, etc., práticas que eram muito comuns nos Vinhos Verdes. Temos a sorte de estar numa região com uma história tão rica em temos de práticas de vinificação, que será uma pena se não explorarmos estes caminhos”. Gonçalo Lopes acrescenta elementos à lista: “Existem outras técnicas, na vinificação, que se podem usar. Refiro-me à maceração pelicular a frio antes da prensagem, bâtonnage de borras totais a frio pré-fermentativa e estágio prolongado com borras finas. Associado a estas técnicas, qualquer vinho ganha sempre com o estágio em garrafa. Vinhos produzidos assim, mui¬tas vezes não necessitam de teores alcoólicos elevados nem de ir à barrica, esta pode mesmo ser um elemento a mais”. Depois, Rui Cunha vem abrir a cortina a outra perspectiva, concordando que há qualidade na uva para que esta brilhe por si só, mas recordando “Até os grandes brancos alemães estagiam em madeira. Se me disserem ‘faz um grande branco’, provavelmente vou utilizá-la. O que não quer dizer que precisemos dela para lá chegar”.[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”40447″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][divider line_type=”No Line” custom_height=”20″][vc_column_text]POTENCIAR UMA MARCA
Podemos dizer que há aqui uma estrela no meio da trama: a vinha. Quando ela se porta bem, quando se cuida bem dela e não se desvirtua o produto com excessos disto ou daquilo, é difícil que o resultado não seja um vinho ambicioso. Principalmente numa região com matéria-prima deste nível, frescura natural, e técnicos inteligentes, arroja¬dos, que pesquisam o que já se fez e o que se pode fazer para ser cada vez melhor. Mas vamos por as coisas em pratos limpos: o facto de o Vinho Verde ser, para muita gente, mais uma cor do vinho, como o branco, o tinto ou o rosé, é uma desvantagem, acima de tudo porque não é verdade e está associado apenas ao estilo de vinho doce e com gás. Porém, isso também significa que o Vinho Verde se enraizou como uma marca forte, num fenómeno muito semelhante ao da Gillette, do Kispo, ou do Tupperware. Lá fora, muita gente conhece a palavra Vinho Verde, bem mais até do que outros nomes de regiões portuguesas. Há que pegar nela e mostrar que é marca de grandes vinhos, nunca esquecendo que todos os estilos têm o seu lugar no mercado. E as perspectivas são muito positivas. O que se vê é que os enólogos estão cada vez mais apaixonados pela uva, pela terra, trabalhando em uníssono com os viticultores. Já lá vai o tempo em que não entravam na vinha, com medo de sujar o sapato. E isso, além de bonito, é benéfico para vinhos melhores, mais puros, singulares, fiéis à sua origem. A revolução dos Vinhos Verdes não será televisionada. Será bebida, e com muito prazer.[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”20″][heading]VINHOS EM PROVA[/heading][vc_column_text]

Edição Nº27, Julho 2019