Lisboa é nome de (muito bom) tinto

Grande Prova Tintos Lisboa

Bastaria o nome para, a nível internacional, Lisboa ser a zona vitivinícola mais inequivocamente associada a Portugal. Juntando a isso, na última década e meia, os vinhos de Lisboa criaram um modelo de negócio de enorme sucesso, assente em bons vinhos a bom preço, transformando a região na maior exportadora relativa do país (vinho do […]

Bastaria o nome para, a nível internacional, Lisboa ser a zona vitivinícola mais inequivocamente associada a Portugal. Juntando a isso, na última década e meia, os vinhos de Lisboa criaram um modelo de negócio de enorme sucesso, assente em bons vinhos a bom preço, transformando a região na maior exportadora relativa do país (vinho do Porto à parte). Mas Lisboa é bem mais do que isso. Diversidade de solos, castas e clima associam-se ao factor humano para fazer nascer vinhos de primeira grandeza. Como é o caso dos tintos que provámos.

Texto: Valéria Zeferino e Luís Antunes

Notas de Prova: Luís Antunes

 A região de Lisboa começa a partir da capital e estende-se quase 140 km para Norte até Pombal. Em toda a sua extensão é delimitada pelo oceano Atlântico, ocupando em largura entre 20 e 40 km. Pela posição geográfica, a influência Atlântica é a principal “feature” da região, perdendo ligeiramente a sua força à medida que se afasta da orla marítima.

O clima apresenta características da transição entre o Atlântico e o Mediterrânico.  A Serra de Montejunto situada a cerca de 20 km da costa Atlântica, com orientação Noroeste-Sudeste, marca a divisão em parte norte e sul da região, impedindo a progressão das massas de ar marítima. A Noroeste as massas de ar húmido e frio, provenientes do oceano contribuem para a formação de densas neblinas; a Sudeste, ao abrigo dos ventos, com maior exposição solar e menos precipitação, as condições são mais quentes e secas. Até o tipo de vegetação muda de semelhante à da Europa Central para o coberto vegetal mais esparso e rasteiro típico do Mediterrânio.

Os níveis de humidade variam em função da proximidade do mar e orografia. Assim, o clima em Óbidos e Encostas d’Aire é considerado húmido; em Bucelas, Carcavelos, Colares e Torres Vedras – sub-húmido chuvoso; e em Alenquer e Arruda – sub-húmido seco, sendo esta uma zona de tintos por excelência.

Os solos ao longo da região também apresentam grande variedade. A Norte, as vinhas estão assentes no maciço calcário ao longo das encostas das serras de Sicó, Aire e Candeeiros, onde o terreno é formado por ondulações relativamente suaves. Nos vales, assim formados, os solos são bastante mais férteis. Mais a Sul, na zona de Bombarral, Cadaval e Caldas de Rainha variam de calcários aos argilo-calcários. Na zona litoral à volta de Óbidos, Peniche, Lourinhã, encontram-se arenitos, argilas e margas de elevada fertilidade. Em Alenquer e Arruda os solos são predominantemente argilo-calcários e em Bucelas derivados de margas e calcários duros. Carcavelos está assente em solos de formação calcárea e não podemos esquecer o famoso chão de areia de Colares. Assim, olhando para a localização da propriedade é relativamente fácil fazer a leitura das condições climatéricas que acompanham o ciclo vegetativo.

Tiago Correia, da equipa de enologia da Quinta do Gradil, localizada a 18 km do mar no lado norte do sopé da Serra de Montejunto, conta que de manhã há sempre humidade, que desaparece durante o dia. Em comparação, na Quinta do Rol, em Lourinhã ou em São Mamede da Ventosa a cerca de 8 km do mar, há dias de verão em que o sol não aparece.

Sandra Tavares da Silva, responsável pela enologia do projecto familiar na Quinta da Chocapalha em Alenquer (do outro lado da Serra de Montejunto) refere que naquela zona a influência Atlântica nota-se, mas não é “cáustica”. No verão, pode-se falar da clássica brisa marítima suave que até às 10h da manhã faz desaparecer as orvalhadas matinais.

A história é diferente em Torres Vedras, com exposição quase directa ao Atlântico. Os dias de amadurecimento das uvas são mais amenos e nas noites sente-se a frescura marítima. O enólogo da Adega Mãe, Diogo Lopes, nota a diferença em temperatura, por exemplo, desde a saída de Lisboa, com 30˚C, até chegar à adega já com 22-23˚C. É por isso que, para a produção de vinhos tintos, a Adega Mãe explora a Quinta de Dom Carlos em Alenquer.

Grande Prova tintos LisboaVinhas e castas

 Segundo os dados do Instituto da Vinha e do Vinho, a área de vinha da região de Lisboa ocupa 17 989 ha e, pela informação da CVR Lisboa, 10 000 ha correspondem à vinha certificada, apta a produzir uvas para vinhos DO e IG. Este valor mantém-se estável, mas com tendência para crescer, sendo a Região de Lisboa uma das que mais candidaturas tem apresentado para a plantação de novas vinhas. Estes 10 mil hectares são explorados por 2 mil viticultores o que dá uma área média por viticultor de 5 hectares, muito superior à média nacional.

O vinho tinto predomina na região com 75%, deixando 20% para branco e 5% para rosé. Em termos de diversidade varietal, se desconsiderar a Caladoc, utilizada maoiritariamente para vinhos sem denominação de origem, as castas com maior expressão são Castelão, Syrah, Aragonez/Tinta Roriz, Alicante Bouschet e Touriga Nacional. Sandra Tavares da Silva não hesita em afirmar que a Castelão sempre foi aposta da Quinta da Cocapalha, mas é preciso ter paciência. Está numa parcela virada à norte, produzindo vinhos com menos densidade e mais frescura.

Diogo Lopes confessa que hoje dá mais atenção a Castelão do que no início do projecto Adega Mãe. Gosta da sua acidez franca e fruta vermelha. Em parcelas certas com boa exposição e tendo em conta as alterações climáticas é uma opção interessante. Deve-se é evitar a tentação de extrair demais, procurando a sua originalidade e elegância.

Tiago Correia adianta que, no caso de Castelão, é preciso saber trabalhar com os clones certos.

A Tinta Roriz mostra-se bastante bem, mas nem todos os anos. “Dá grandes alegrias, mas também anos com dificuldade de amadurecer; mas é muito boa nos rosés”, – diz Tiago; e Sandra Tavares refere que a casta é extremamente sensível ao stress hídrico, mas em solos argilo-calcários profundos, virada a poente, consegue maturação suave e longa.

Com Alicante Bouschet conseguem-se bons resultados, mas, segundo Tiago Correia, precisa de gestão de produção muito cuidada, começando pela poda de inverno curta para controlar a rebentação, desladroamento a tempo, e monda de cachos ao pintor, se for preciso. A partir dos 8-9 toneladas perde completamente a identidade, acrescenta. No que toca a Touriga Nacional, é fácil de reconhecer o seu carácter, com descritores aromáticos bem presentes, mas às vezes pode faltar-lhe a maturação fenólica e corpo; não é homogénea, conclui Tiago.

Já Sandra Tavares gosta muito da sua experiência com Touriga Nacional, cujas varas trouxeram de Nelas. Dá vinhos com boa concentração, frescura e densidade. Surpreendentemente bem, deu-se na zona de Alenquer, a Touriga Franca. Foi difícil encontrar solos certos, pois fica melhor em terrenos mais pobres e com inclinação. Também é mais sensível à humidade, precisa de zonas bem arejadas e controlo do vigor. Mas segundo Sandra, o resultado vale a pena o esforço.

Já a variedade Ramisco, não tendo muita expressão em termos da área plantada, tem a sua importância, porque não existe em mais lado nenhum do país e no binómio com Colares origina vinhos de carácter único que ultimamente estão a gozar um merecido renascimento.

Algumas castas estrangeiras são populares na região a contribuir para uma diversidade de estilos, como Cabernet Sauvignon, Merlot, Petit Verdot. A experiência com Tannat na Quinta do Gradil é um caso de sucesso. O Pinot Noir também aparece na região e consegue amadurecer de forma equilibrada em zonas onde, normalmente, são plantadas castas brancas.

Grande Prova tintos LisboaDe Lisboa para o mundo

 Segundo a informação da CVR Lisboa, as vendas anuais da região rondam os 65 milhões de garrafas. Este valor duplicou nos últimos 5 anos, sendo esta a região que mais cresceu neste período em termos absolutos. Em volume de vendas, é actualmente a 4ª maior região depois de Alentejo, Vinho Verde e Douro (sem Porto). Em 2020 o crescimento em vendas representou 17% (cerca de mais 10 milhões de garrafas). Nos vinhos não licorosos, Lisboa representa 14% das vendas totais de vinhos certificados, por comparação com o Alentejo, que detém cerca de 22%.

Mas o mais impressionante é que 80% do total de vendas da região de Lisboa corresponde à exportação para cerca de 100 destinos. Tirando o Vinho do Porto, é a região que mais exporta em percentagem do total das suas vendas. Nos últimos 5 anos, Lisboa foi responsável por 33% do crescimento das exportações de vinhos certificados ou seja, olhando apenas para o volume adicional das exportações nestes 5 anos, 1 em 3 garrafas exportadas foi de Lisboa. E para onde vai todo este vinho? Dentro da União Europeia, os principais mercados são Polónia e Países Escandinavos. No resto do mundo avultam os Estados Unidos, Rússia, Canadá, Brasil e Austrália.

Os grandes tintos de Lisboa

Em prova, a região mostra uma grande vitalidade neste segmento de topo, aparecendo vinhos de grande qualidade e também de preços altos. Os preços altos são um pau de dois gumes, se nós consumidores preferimos galinha gorda por pouco dinheiro, os produtores precisam de receitas e boas margens para assegurar a sustentabilidade dos seus projectos, e os preços altos são sempre indicador de sucesso e prestígio. Para uma região andar para a frente, é sempre preciso haver vinhos icónicos que lideram e fazem subir a ambição geral. Impressiona ainda a grande variedade de estilos, de castas, de combinações. Temos de ter em atenção que mudar uma vinha é sempre um projecto a longo prazo. Constatamos assim que estas apostas começaram já há muito tempo, e temos agora o resultado dessa experimentação na vinha, a que se segue experimentação na adega, e finalmente a adesão do público que pode ou não validar as apostas. Vemos assim castas trazidas do Douro e do Alentejo, outras de França, pensamos que numa tentativa (conseguida!) de recuperar algum do atraso que Lisboa leva junto da opinião pública, em relação a outras regiões mais populares. Vemos ainda uma gama variada de estilos, desde vinhos mais frescos e leves a vinhos mais concentrados, desde vinhos mais pálidos a vinhos totalmente opacos. Nota-se igualmente um pouco de indefinição de estilo, dentro de alguns produtores, com tintos de Castelão de cor estranhamente carregada, ou vinhos atlânticos com algum peso alcoólico, ou ainda vinhos com alguma idade que já terão passado os melhores dias. Ainda do lado da diversidade de estilo, aqui com traços bem positivos, vemos vinhos extremamente bem desenhados, por exemplo baseados em Syrah mas não só, com apelo e sedução imediatos, vemos o renascimento da Ramisco como uma grande casta com carácter saudoso único, a ser finalmente feito com enologia moderna que lhe dá afabilidade sem desvirtuar esse carácter, vemos ainda vinhos que já venceram a prova do tempo, com enorme qualidade e encanto, mas que se apresentam ainda prontos para durar muitos anos mais.

E nas recomendações gastronómicas que acompanham por vezes as notas de prova, vemos que estes vinhos são versáteis e amigos da mesa. Há excelência nos tintos de Lisboa, há belíssimas relações qualidade-preço, há a história de uma região com história, que agora se agrupa em torno de um nome, sem esquecer o seu passado se aponta para o futuro. Bravo!

(Artigo publicado na edição de Agosto 2021)[/vc_column_text][vc_column_text]

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Os melhores brancos do Douro: Do xisto ao granito

Brancos Douro

É sabido que os brancos nacionais estão cada vez melhores no país de norte a sul. Talvez não se imagine tão facilmente que boa parte dos melhores vinhos desse lote venha do Douro, território até há pouco tempo associado quase exclusivamente a tintos. A cada colheita que passa, sobretudo das gamas superiores, os brancos do […]

É sabido que os brancos nacionais estão cada vez melhores no país de norte a sul. Talvez não se imagine tão facilmente que boa parte dos melhores vinhos desse lote venha do Douro, território até há pouco tempo associado quase exclusivamente a tintos. A cada colheita que passa, sobretudo das gamas superiores, os brancos do Douro impõem-se como vinhos ambiciosos e de carácter, onde a presença do terroir se encontra tão, ou mais marcada, do que nos tintos da mesma região.

Texto: Nuno de Oliveira Garcia                             

Fotos: Ricardo Palma Veiga

Talvez não faça sentido um excurso longo sobre a razão por detrás da percepção de que o Douro é uma região de tintos. De forma resumida, em qualquer caso, relembre-se que tal decorre, antes do mais, do legado do Vinho do Porto, sector que, apesar da significativa e histórica produção de brancos, centrou a sua imagem de prestígio e longevidade nos tintos rubys, com destaque para os vintages. Com efeito, sempre houve a produção de alguma uva branca para Porto, a partir de castas como a Malvasia Fina. Com raríssimas excepções, no entanto, o Porto branco foi relegado para o início da refeição, a solo ou em cocktail, e a pouca apetência dos consumidores nacionais para bebidas de aperitivo (tema cujo desenvolvimento daria um novo artigo) catalogou-o como um vinho menor.

Outra condição natural para o sucesso dos tintos na região relaciona-se com o solo xistoso e com o verão duriense, muitas vezes escaldante. Se o xisto funciona como um intensificador para os vinhos tintos, nos brancos a acidez perde-se com muita facilidade (literalmente, de um dia para o outro…) levando a vinhos, por vezes, demasiado pesados e com menos sensação de frescura. Por isso, a região produz mais tinto, sem dúvida, mas, rigorosamente, tudo depende dos anos agrícolas. Com efeito, existem anos em que a produção de DOP tinto é quatro vezes maior do que a de branco, caso da colheita de 2019, mas outros em que é apenas pouco mais que o dobro, como sucedeu na de 2018. A tendência geral é, em qualquer caso, para que a produção de tinto se manifeste duas a três vezes superior à do branco.

Outra circunstância que explica a associação do Douro a vinhos tintos assenta no facto de terem sido tintos os primeiros Douro não fortificados que, a partir das décadas de ’60 (os pioneiros) e sobretudo de ’90 do século passado, ganharam estatuto de grandes néctares nacionais.  É certo que sempre houve brancos do Douro não fortificados com fama – lembramo-nos do Grantom Branco Especial Seco da Real Companhia Velha (as melhores colheitas que provámos eram as de 1963 e 1965), mas eram tintos os vinhos mais respeitados. Afinal de contas, tanto Barca Velha como Reserva Especial eram, e são, apenas tintos. Como o Quinta do Cotto Grande Escolha, e os primeiros Quinta da Gaivosa. Foi preciso esperar que, três anos depois do Duas Quintas branco já vingar na restauração, e de alguns ensaios mais ou menos sucedidos (como o famoso Riesling da Quinta da Pacheca), o inconformado Dirk Niepoort procurasse na colheita de 1995 a finura das vinhas em altitude, e as melhores barricas francesas para fermentar e estagiar o seu Redoma. Entretanto, o Quinta dos Bons Ares começava a dar nas vistas, precisamente pela frescura da cota alta, e colheitas como 1997 e 1998 são de grande recorte. Apesar destas tentativas bem-sucedidas, em 1997, o quadro de honra de brancos do Roteiro Prático dos Vinhos Portuguese de José Salvador continha apenas um único Douro (maioria para os Vinhos Verdes e Bairrada), nem mais nem menos do que o Sogrape Reserva 1995. Mas, depois do Redoma do mesmo ano, a revolução estava em curso, e bastou poucos anos mais para se encontrarem novos brancos com barrica, sendo disso bom exemplo o Gouvyas Reserva nos primeiros anos do novo século e o Duas Quintas Reserva. E em 2001, Domingos Alves de Sousa lança o seu primeiro Reserva Pessoal, recuperando, segundo o próprio, os brancos “à moda antiga”, um vinho de enorme personalidade e que, à sua maneira, resgatava o passado traçando um futuro novo.

Brancos Douro

Xistos e granitos

O que os primeiros anos do novo milénio vieram mostrar foi, portanto, que o Douro também tinha uma palavra a dizer nos brancos, da mais fresca e chuvosa sub-região do Baixo Corgo até à seca e continental sub-região do Douro Superior, passando pelo Cima Corgo. Por um lado, não se pode dizer que todo o Douro é xisto a torrar ao sol, posto que os altos do Douro – e são vários numa região definitivamente montanhosa – são relativamente frescos mesmo no verão, e os invernos são muito frios. Acresce que existem ilhas de solo granítico, e vários solos de transição, que garantem a tão-procurada sensação de frescura e mineralidade, sem descurar a maturação. Com efeito, nos grandes maciços de xisto penetram frequentemente formações geológicas graníticas como sucede junto a Alijó, ao planalto de Carrazeda de Ansiães e até à foz do Sabor, ou mesmo na zona do Pocinho, Freixo de Numão, Seixo de Numão e entre Fontelo e Sande.  Estas formações graníticas dão origem a solos de textura ligeira, pobres e ácidos, com reduzida capacidade de retenção para a água, que, em altitude, têm-se revelado perfeitos para a produção de brancos de qualidade. Acresce, que foi descoberto o tesouro das vinhas velhas, sendo que, nos últimos anos, foi ver uma autêntica corrida por elas entre produtores e enólogos. Falamos de vinhas entre os 40 e os 100 anos, com várias castas misturadas (cerca de 10 castas diferentes, bem menos do que nas vinhas tintas). Ao longo dos anos, o Douro soube manter (talvez melhor do que nos tintos) quase intacta essa diversidade de castas brancas tradicionais, possibilitando que os enólogos escolham esta ou aquela variedade conforme o perfil pretendido ou conforme o terroir. Seja a exuberância do Gouveio e Moscatel Galego, o corpo e intensidade da Viosinho ou do Folgazão, o floral da Códega, a frescura e acidez do Rabigato e do Arinto, ou a complexidade subtil da Códega do Larinho. O contributo de outras castas “de fora”, como seja o Alvarinho com o seu perfume a acidez, vieram trazer o “sal e a pimenta” que por vezes pode fazer a diferença. Mas o Douro quer mais, e os recentes estudos e ensaios com castas brancas antigas presentes na vinha isso o demonstram, caso bem visível no produtor Real Companhia Velha que tem lançado monocastas como Samarrinho, Donzelinho branco ou Moscatel Ottonel, todas de enorme aprumo. Haverá, então, um lote perfeito no Douro para vinho branco? Não é fácil dizê-lo e dependerá da sub-região e do terroir, mas é seguro afirmar que muitos topos de gama actuais não descuram o Rabigato (sobretudo no Douro Superior) e o Gouveio, sendo que o Arinto e a Códega são também castas de eleição. O Viosinho ainda se monstra muito presente nos lotes, apesar de ter perdido nos últimos anos alguma hegemonia na afirmação como casta branca rainha da região.

Brancos Douro

Estilos e perfis

Para Rita Marques, cujo seu Conceito Único se mostrou imperial em prova, a razão do sucesso da região é um encepamento branco muito bem-adaptado, com castas, essencialmente o Rabigato e Gouveio, na sua opinião, em total harmonia com o terroir. Jorge Serôdio Borges, outro vencedor com o seu Guru, concorda e salienta a necessidade de se procurar solos de granitos e de transição para evitar a perda de acidez que o xisto acarreta na época antes da vindima. Confidencia-nos ser apologista de fermentação de todo o lote em barrica, ainda que prefira a barrica já usada. Jorge Moreira, criador do Poeira (o melhor Alvarinho do Douro), acredita que a região tem enorme potencial pelas diversas exposições, e pela singularidade de ali se conseguirem produzir vinhos com frescura e acidez (perto dos 7g de acidez total) mantendo potência em boca e algum álcool (acima dos 13% com facilidade). Para o enólogo, com vários vinhos sob a sua direção em prova, a combinação perfeita pode muito bem ser os solos ácidos que permitem pH relativamente baixos e maturação completa que o clima da região permite, combinação menos frequente noutros territórios lusitanos.

Como escrevemos noutras provas de Douro, importa ainda sublinhar o papel de mais do que uma geração de produtores (Cristiano Van Zeller, Dirk Niepoort, Domingos Alves de Sousa…) e enólogos (Celso Pereira, Jorge Alves, Jorge Moreira, Jorge Serôdio Borges, Rita Marques…) que souberam criar um novo paradigma de brancos do Douro, vinhos com o corpo e a estrutura tão típica da região sem descurar o factor da diferenciação perante outras regiões.

Criações e marcas como Conceito, CV, Duas Quintas Reserva, Guru, Mirabilis, Quanta Terra, Redoma Reserva, e Vértice, são parte da história recente dos brancos do Douro e, enquanto punhado de grandes marcas, são um adquirido absolutamente fantástico.  Acresce o importantíssimo facto de a generalidade dos vinhos do Douro ser muito valorizada junto dos consumidores o que tem permitido aos produtores selecionarem as suas melhores vinhas e comprarem boas barricas, o que, em conjunto com enologia e viticultura já conhecedoras dos detalhes da região, permite a produção de grandes vinhos. Por outras palavras, a fama da região nos tintos trouxe, como consequência, uma imediata percepção de qualidade pelos consumidores nos brancos, o que permitiu a valorização destes vinhos nos mercados.

Um futuro promissor

Esse factor de rentabilidade tem encorajado mais e mais produtores a lançarem topos de gama, por vezes a preços nunca antes vistos nos brancos nacionais, bem acima dos 50€. Desde jovens enólogos com pequenos projectos pessoais (como Joana Pinhão e Rui Lopes com o seu Somnium, e Márcio Lopes) até novos players como Cortes do Tua, Colinas do Douro, Quinta da Rede ou Costa Boal, passando por adegas cooperativas (destaque para a de Favaios), todos querem fazer parte desta excitante corrida aos grandes brancos do Douro.

Se as últimas duas décadas do milénio anterior permitiram a revolução dos tintos durienses, as primeiras duas décadas no novo milénio foram marcadas pela sublevação nos brancos. O tempo é agora de consolidação das marcas e de alguma expansão na internacionalização dos brancos do Douro. E apostar também em nichos como seja o Porto Branco 10 anos extra-seco, os blends de anos numa só edição (cerca de uma mão cheia de produtores já aderiram, com destaque para o NM da Wine & Soul), os vinhos de parcela específica e ou com castas específicas (caso dos projetos já referidos da Real Companhia Velha, mas também dos Winemaker’s Collection da Kokpe ou do Poeira feito de Alvarinho). Estes são alguns dos grandes desafios que se colocam aos vinhos brancos do Douro mas, como sabemos, a região duriense tem uma especial vocação para superar desafios com distinção!

(Artigo publicado na edição de Julho 2021)[/vc_column_text][vc_column_text][/vc_column_text][vc_column_text][/vc_column_text][vc_column_text][/vc_column_text][vc_column_text][/vc_column_text][vc_column_text]

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Tintos do Alentejo até €15: Prazer no copo, a um preço justo

Tintos Alentejo

No intervalo de preço entre os 8€ e os 15€, o Alentejo entrega tintos com grande qualidade por um valor mais do que justo. E, nos melhores casos, oferece ainda inquestionável carácter. Se somarmos a tudo isto uma consistência entre vindimas acima da média, e uma colocação eficiente nos vários canais de distribuição, não é […]

No intervalo de preço entre os 8€ e os 15€, o Alentejo entrega tintos com grande qualidade por um valor mais do que justo. E, nos melhores casos, oferece ainda inquestionável carácter. Se somarmos a tudo isto uma consistência entre vindimas acima da média, e uma colocação eficiente nos vários canais de distribuição, não é difícil compreender por que os vinhos do Alentejo estão entre os principais favoritos dos consumidores.

Texto: Nuno de Oliveira Garcia

Fotos: Ricardo Palma Veiga

A nossa intuição diz-nos que uma das regiões do país com maior capacidade de produzir tintos de grande categoria com preço entre os 8€ aos 15€ é o Alentejo. Porquê? Por um lado, encontramos na região uma vasta mancha de vinha e, em medida significativa, com capacidade para produções interessantes por hectare, acima da média nacional. Por isso mesmo, é um território que viu aparecer, nas últimas décadas, diversos players dinâmicos com dimensão, ambição e, cada vez mais, preocupações de sustentabilidade, sendo disso bons exemplos casas mais antigas como Esporão, Fundação Eugénio de Almeida e J. Portugal Ramos, não tão antigas, como Casa Relvas ou Herdade dos Grous, ou mesmo recentes, como Symington Family Estates, entre muito outros. E isto sem esquecer as adegas cooperativas que funcionam muito bem e apresentam produtos de qualidade, como comprovam os resultados no nosso painel. A própria extensão geográfica, que é enorme – é a maior região do país, de Almodôvar a Nisa, e de Vila Nova de Mil Fontes a Elvas – e a diversidade de influências climatéricas e de solos (como referiremos abaixo em notas rápidas), são verdadeiros atributos. Por outro lado, a modernização de parte da vinha (com clones adequados e a introdução das denominadas ‘castas melhoradoras’) e a orografia gentil de segmentos do território (sobretudo a sul) também ajudam, bem como o progressivo melhoramento no acesso a água para rega, compensando a pouca chuva decorrente de um clima tendencialmente continental, e com a enorme vantagem da estabilidade climática, mesmo na época de vindima na qual raramente chove.

Por fim, destacamos a percepção geral muito positiva que os vinhos alentejanos conseguiram ao longo dos anos granjear junto do público, nacional e fora do país, sendo inequívoco que a marca Alentejo é das mais fortes no sector do vinho, fruto da qualidade geral nas várias gamas, mas também de rótulos badalados e afamados, sendo um dos melhores exemplos os clássicos Mouchão, Tapada do Chaves, Quinta do Carmo, Pêra-Manca/Cartuxa, bem como os topos de gama do Esporão ou de Júlio Bastos. A somar a estas marcas consolidadas, projectos modernos pululam, quase sempre resultado do trabalho de jovens produtores e enólogos que viram no Alentejo uma região com menos obstáculos do que as demais, e não perderam a oportunidade para investir, caso, por exemplo, de Catarina Vieira/Pedro Ribeiro (Rocim), Luís Louro (Adega do Monte Branco), Tiago Cabaço e António Maçanita (Fita Preta). O facto de algumas marcas de nicho também terem o seu espaço e sucesso – a Quinta do Mouro, com os seus seguidores leais, será o pináculo mais evidente –, é, por fim, o último vértice deste triângulo dourado de marcas.

Não espanta, assim, que mesmo em anos tão complicados como 2020, a exportação dos vinhos alentejanos tenha apresentado resultados positivos. Como nos destaca Francisco Mateus, Presidente da CVR do Alentejo (CRVA), mesmo com as consequências terríveis do COVID no canal Horeca (consumo fora de casa, nomeadamente hotelaria e restauração) e não só, e ainda a sentirem-se as pesadas quebras registadas em mercados anteriormente determinantes para a região como Angola, o Alentejo manteve-se em linha com anos anteriores exportando 17,7 milhões de litros (+0,1%) no valor de 59,1 milhões de euros (-0,5%), de acordo com os dados estatísticos oficiais (INE). Efectivamente, é de destacar que, em 2020, a região teria atingido os melhores números na exportação desde 2014, não fossem os resultados negativos em países como Angola, China ou Rússia. Ora, todas as razões acima elencadas são fundamentais para que num segmento de preço médio a ‘premium’ se encontre qualidade e consistência. Esse segmento médio é fundamental para o Alentejo continuar a reinar nas prateleiras das grandes superfícies (apesar da concorrência forte da região da Península de Setúbal e mesmo do Douro), da mesma forma que o segmento ‘premium’ só vence no canal Horeca se os preços se mantiverem competitivos.

Tintos AlentejoProfissionalismo a todos os níveis

Fomos, então, falar com alguns enólogos que, a par do Alentejo, trabalham noutras regiões para saber se o pressuposto com que começámos este texto se encontra correcto. Diogo Lopes, que na região assessora António Lança (Herdade Grande) na Vidigueira e Couteiro Mor (Herdade do Menir) em Montemor-o-Novo, confirmou-nos que uma das vantagens da região são, precisamente, os resultados actuais da reestruturação das vinhas que começou nos anos ‘90 do século passado. O enólogo, que trabalha noutras regiões como Lisboa ou Açores (Terceira), identifica os progressos na selecção de castas e na introdução de rega (presente em quase toda a região, com a excepção de algumas vinhas velhas em Portalegre, Borba e Granja-Amareleja), mas também na orientação de linhas e nos sistemas de condução, como condição de sucesso. Sucesso esse que permite, no seu entender e experiência, produzir até 10 toneladas por hectare com grande qualidade e consistência, nível de produção esse que é sensivelmente o dobro da média nacional (que é muito baixo, em qualquer caso). Mas, note-se, não se julgue que 10 toneladas é excessivo pois, para termos uma ideia comparativa, uma casta como o Alicante Bouschet pode produzir, com relativa qualidade e em solo adequado para o efeito, até 25 toneladas por hectare, ou mais… Sobre castas, Diogo Lopes revela-nos que tem sido positivamente surpreendido pelo carácter dos vinhos das clássicas variedades Tinta Grossa e Tinta Caiada das vinhas velhas, que actualmente vindima separadamente para as conhecer melhor e, quem sabe, pensar num novo vinho para o futuro… Ainda sobre uvas, o enólogo reconhece a qualidade do Alicante Bouschet na região, e a tendência para que entre em lotes com Touriga Nacional e Syrah, uma “fórmula” de grande sucesso junto do público.

Igualmente muito interessante foi o feedback de Luis Patrão, enólogo da Tapada de Coelheiros, que conhece muito bem a região, desde o tempo em que oficiou no Esporão. O enólogo, que tem um projecto familiar na Bairrada, identifica a escala da planície alentejana, a dimensão de alguns produtores e das próprias propriedades como factores determinantes para se conseguir muito bom vinho a bom preço. Com efeito, é essa escala que permite aos produtores diluírem investimentos avultadíssimos em adegas e no profissionalismo da viticultura. Como nos confidenciou, existem adegas apetrechadas em todo o país, mas mecanização topo de gama de vindima, de rega e de poda, ou instrumentalização sofisticada (como pulverisadores geo-referenciados a partir imagens de satélites), como sucede no Alentejo, é raro encontrar nas demais regiões. A este respeito, a ideia generalizada parece mesmo ser a de que o Alentejo introduz e é pioneiro no país em tecnologia de ponta, ou seja, “começa a fazer”, e frequentemente só anos depois as outras regiões seguem a tendência.

Aposta na sustentabilidade

Pedro Pereira Gonçalves, administrador e enólogo do Monte da Ravasqueira, destaca ainda o factor tempo, no sentido em que no Alentejo consegue entregar, em 12 meses, um vinho de qualidade e pronto a beber, algo que beneficia a indústria no geral – potenciando parcerias, evitando stocks, beneficiando a tesouraria – e isto não é fácil de encontrar noutras regiões.  O dinâmico e irreverente António Maçanita (Fita Preta, Azores Wine Company, entre outros projectos) também não tem dúvidas que o Alentejo é, generalizando, a região portuguesa mais profissional na produção de vinho, igualmente destacando que para tal contribui largamente a área média das propriedades que é, por regra, superior às restantes regiões.  Mas chegados aqui, somos forçados a concluir que será então a diferenciação, e os segmentos de preço mais elevados, os principais desafios e objectivos do Alentejo, posto que na área da produção e boas práticas só existem, como vimos, notícias positivas. Nesse capítulo, António Maçanita tem sido dos mais activos a divulgar algum do património histórico da região. Com efeito, é sabido que o encepamento do Alentejo foi fortemente renovado nos últimos 35 anos, sendo hoje menos presentes castas que antigamente marcavam a paisagem vitícola regional. Casos do Castelão e da própria Trincadeira, e das mais raras Tamarez, Alfrocheiro ou Tinta Carvalha. A procura de boa cor e boa maturação, fez privilegiar castas como o Aragonez ou o Alicante Bouschet; por sua vez, a necessidade de uma consistência na qualidade fez triunfar a Syrah ou a Touriga Franca. Já Maçanita, a partir de um vinhedo muito velho – Chão dos Eremitas – procura recuperar o património perdido, comercializando uma excelente gama de monocastas que divulgam um Alentejo diferente e com grande valor acrescentado.

Por falar em divulgação, esse é outro desafio do Alentejo. Região de grande dimensão como nós referimos, e com várias sub-regiões e uma enorme diversidade de solos, não é fácil criar um único padrão e imagem em torno da marca Alentejo. Como acima também dissemos, dúvidas não existem que a marca é muito forte junto do público, todavia associada, em regra, a vinhos de planície e de clima quente o que, sendo verdade em relação a algumas das sub-regiões, deixa outras de fora e é uma imagem redutora dos múltiplos terroirs e castas alentejanos. Em todo o caso, é injusto não referir que o Alentejo foi das primeiras regiões a criar um laço de relação e comunicação fortes com os consumidores. Como nos diz Pedro Pereira Gonçalves a este respeito, a região foi inovadora na imagem e no packaging em geral, criando um modelo de vinho que o consumidor sabe que lhe vai agradar.

Outra demonstração da modernidade e inovação da região, tem sido o investimento e trabalho em projectos vanguardistas de sustentabilidade, mantendo-se, todavia, uma região “amiga dos enólogos” como ouvimos muitas vezes dizer. Nesse aspeto particular, bem como na viticultura de vinhas com extensão, o Alentejo não tem rival. Tendo como parceiro principal a Universidade de Évora, a Comissão Vitivinícola Regional do Alentejo tem vindo a desenvolver e promover melhores práticas no que respeita à sustentabilidade, mantendo a competitividade. Projecto pioneiro no país, o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo centra-se na viticultura e na adega. A par do essencial, a conservação do ambiente e a utilização mais eficiente dos recursos, trata-se de um projeto com impacto económico positivo nos produtores, uma vez que são já vários os ‘tenders’ – propostas de aquisição – vindos de países do norte da europa, sobretudo aqueles com mercado organizado em monopólio, a dar prevalência na compra de vinhos com selos de sustentabilidade…

Em suma, e como vimos, são vários os factores que contribuem para o sucesso do Alentejo nos tintos entre os €8 e os 15€. Mas não nos esquecemos é no segmento abaixo dos 5€, e mesmo dos 3€, que a grandíssima fatia do mercado se foca. Ora, também nessas gamas, o Alentejo – pelas mesmas razões acima aduzidas – tem posição de destaque, ainda que a concorrência seja cada vez maior. E o mesmo se diga nos perfis modernos e internacionais da gama ‘premium’, sempre cativantes e de enorme aprumo, e ainda num estilo clássico e revivalista a que cada vez mais assistimos, muitas vezes assente em castas antigas e/ou no uso da talha, que constitui sem dúvida uma mais-valia para a região no que toca aos consumidores mais exigente. Ou seja, o Alentejo tem tudo!

O Alentejo em poucas palavras

Tintos Alentejo
Portalegre (Quinta da Fonte Souto)

 

Solos: Território marcado por um clima continental, tendencialmente seco (pouca chuva), com excepção dos terroirs de influência atlântica, tem nos múltiplos tipos de solos um dos principais factores de diversidade. Dos granitos e xistos, às areias e argilas, passando pelos calcários e mármores, sendo comum que, num espaço de poucos quilómetros, alguns desses solos convivam em extrema proximidade, caso por exemplo da região da Vidigueira, e à volta de Estremoz, ou mesmo na Serra de São Mamede onde encontramos autênticos solos de fusão entre xisto, argila (argilo-limoso) e granito. Na sub-região de Borba o xisto é muito presente, mas ali também se encontra argila e mármore; no Redondo o xisto também é protagonista, encontrando-se ainda alguns filões de granito. Já na Granja-Amareleja, os solos são sobretudo de barro e extremamente pobres.

Clima e altitude: O clima, como acima escrevemos, é tendencialmente continental, mas mais uma vez existem variações. As sub-regiões de Borba, Redondo, Reguengos e Évora, são claramente sujeitas a um clima continental, tal como a Vidigueira apesar de esta beneficiar da influência da Serra do Mendro na retenção das brisas atlânticas para algum orvalho nocturno. No Alto Alentejo são comuns vinhas em altitude, como sucede em Portalegre, por vezes acima dos 600 metros do nível do mar, descendo para cerca de 300 metros em Estremoz. Em ambos os casos, as temperaturas no Verão, sendo elevadas, não são tão escaldantes quanto no resto da região. No Sul, as regiões de Moura e Granja-Amareleja são naturalmente cálidas e solarengas, pelo que o clima é extremo apesar das vinhas (sobretudo Moreto) a isso estarem habituadas.

Castas: Também as castas são um factor de diversidade, encontrando-se em grandes manchas o Aragonez e o Alicante Bouschet e, em menor dimensão, a Trincadeira e o Castelão. As omnipresentes Touriga Nacional e Syrah (extremamente consistente) também são baluartes para se produzir com qualidade, com a Touriga Franca também a ganhar espaço. Para as bordalesas Cabernet Sauvignon e Petit Verdot não haverá talvez melhor região no país, e as tradicionais Alfrocheiro, Tinta Caiada, Tinta Grossa e Moreto marcam igualmente presença. Quanto a esta última, que tem na sub-região Granja-Amareleza o seu porto-seguro, é cada vez mais elogiada pelo seu carácter (sobretudo se vinificada em talha).

Certificação: Não existindo qualquer hierarquia entre as duas categorias de vinho certificados, os de Denominação de Origem (ou seja, DOC Alentejo), e os de Indicação Geográfica (os Regional Alentejano), os DOC são sujeitos a regras mais rígidas, sobretudo no que respeita à utilização de castas tidas como mais tradicionais, e têm necessariamente que provir das 8 sub-regiões estabelecidas. Já os Regionais podem provir da vasta área de vinha situada fora das sub-regiões, até mesmo do litoral vicentino onde se produzem brancos muito interessantes.

Tintos Alentejo
Vidigueira (Herdade Grande)

(Artigo publicado na edição de Maio de 2021)[/vc_column_text][vc_column_text]

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Vinhão vs. Sousão: A dupla face de uma uva

vinhão sousão

Vinhão no Minho e Sousão no Douro e no resto do país – dois nomes da mesma casta, duas realidades unidas geneticamente e separadas estilisticamente, duas faces da mesma moeda, cara e coroa, yin e yang. Uma casta intensa, com tudo no máximo – cor, acidez, tanino, onde as possíveis fraquezas são consequências das suas virtudes.   […]

Vinhão no Minho e Sousão no Douro e no resto do país – dois nomes da mesma casta, duas realidades unidas geneticamente e separadas estilisticamente, duas faces da mesma moeda, cara e coroa, yin e yang. Uma casta intensa, com tudo no máximo – cor, acidez, tanino, onde as possíveis fraquezas são consequências das suas virtudes.  

Texto: Valéria Zeferino

Como no caso de Syrah e Shiraz, é mais do que uma sinonimia regional, trata-se de diferenças no perfil de vinhos produzidos. O Vinhão representa um vinho popular, por vezes rústico, franco e imediato na fruta e no modo de consumo e o Sousão refere-se ao vinho de nicho, menos divulgado e mais selectivo, onde a forte personalidade da casta fica moldada pela abordagem enológica.

Entretanto, está-se a assistir a uma mudança de paradigma: há Vinhões que ultrapassam a estigma do “vinho do ano” e Sousões a fingir que são Vinhões, como é o caso do Sousão Divina Lampreia da Quinta do Vallado ou de Maçanita Vinhos, onde esta questão se coloca mesmo no rótulo: é Sousão ou será Vinhão?

Na viragem do século, Vinhão/Sousão era a quarta casta tinta mais plantada em Portugal, representando 3% da plantação nacional. Hoje é a 10ª casta mais plantada, com 3772 ha a nível nacional, sendo a região do Minho responsável pela maioria das plantações. Com alguma expressão e peso no Douro, encontra-se também nas regiões de Trás-os-Montes, Alentejo e até no Algarve, mas é claramente minoritária, sendo mais uma curiosidade do que tendência.

Na terra de “nuestros hermanos” chama-se Sousón e está bastante presente na região de Galícia: DO Monterrei, Valdeorras, Rias Baixas, sobretudo nas sub-regiões Condado do Tea e O Rosal “coladas” ao rio Minho do outro lado da fronteira.

Planta-se também algum Vinhão/Sousão na África do Sul, Austrália e Califórnia, mas nos dados estatísticos aparece na categoria “outras castas” e normalmente é usada para produção dos vinhos licorosos.

Vinhão ou Sousão?

É uma casta originária do Minho, mais precisamente da ribeira do Lima. Viajou para o Douro no século XVII, por volta de 1790. Nesta altura, uma das principais castas do Douro era Bastardo, muito precoce, de teor alcoólico alto, mas com intensidade de cor baixíssima, por isto o Vinhão, assumindo o nome de Sousão, veio para conferir a sua cor intensa aos vinhos do Porto como alternativa às bagas de sabugueiro.

Mas existia no Minho outra casta, também antiga, com o nome Sousão. Aparecia mencionada nos estatutos da DO Vinho Verde até há relativamente pouco tempo. Esta casta não tinha nada a ver com Vinhão, nem com Sousão no Douro, mas o nome idêntico era suficiente para criar confusão. A questão resolveu-se com alteração do nome Sousão para Sezão em 2012 na lista de castas aptas à produção de Vinhos em Portugal, passando o Sousão do Douro a sinónimo oficial do Vinhão no Minho. Existem 7 clones homologados da casta e as características variam bastante em termos de rendimento, acidez e teor alcoólico.

É ou não é tintureira?

Ao contrário de maioria das castas com antocianinas concentradas na película, numa casta tintureira estas substâncias estão também presentes na polpa, ficando esta corada. As verdadeiras tintureiras são Alicante Bouschet, Petit Bouschet, Grand Noir ou Saperavi, entre mais algumas. Todas possuem a polpa corada. O nosso Vinhão ou Sousão, não tem esta característica, pelo menos de uma forma homogénea.

O Visconde de Villa Maior, na sua obra “O Douro Ilustrado”, afirma que a matéria corante do Sousão reside, como em todas as castas, na película. Embora Cincinnato da Costa, no seu “Portugal Vinícola”, mencione que Vinhão “é a casta mais retinta que conheço” e aponte outros nomes, bem sugestivos em relação à cor, como Negrão, Tinta ou Espadeiro da Tinta, ao mesmo tempo refere que “nem todos os bagos do mesmo cacho apresentam a polpa corada”.

Tiago Alves de Sousa, que representa a nova geração da empresa familiar duriensa Alves de Sousa, confirma que existe muita heterogenidade em termos de cor nos bagos de Sousão: alguns são levemente corados, outros completamente pigmentados. O produtor e enólogo Anselmo Mendes explica que aos 12-13% de álcool potencial, o Vinhão não tem cor na polpa. Existe uma grande concentração de antocianinas na película que migram para a polpa na última fase de maturação.

O mais importante de tudo é que a cor nesta casta é altamente extraível, por isto, tintureira ou não, tinge tudo e alegra aqueles que apreciam a sua cor retinta característica.

vinhão sousão
Casa Santa Eulália

 

Vinhão no Minho

De entre outras castas do Minho, Vinhão é a mais conhecida e mais divulgada. Tem maior expressão nas sub-regiões de Lima, Basto, Ave. E Amarante é afamada pelos seus vinhos tintos com predominância de Vinhão, sobretudo da zona de Gatão. Não é por acaso que o primeiro “Gatão” da Borges, lançado em 1935, era tinto.

Em 1999, Vinhão ocupava 7 928 ha, em 2017 apenas metade – 3 447 ha, mas é uma das castas mais utilizadas no âmbito de restruturação da vinha (518 ha), sendo a única casta tinta a ser replantada com esta dimensão.

É curioso, que a casta Vinhão, quase ignorada no resto do país, na região dos Vinhos Verdes faz parte da vivência e hábitos gastronómicos. Nas tascas e restaurantes locais é indispensável na época da lampreia. Antigamente, o vinho de lavrador guardava-se em pipas, hoje muitos proprietários têm cubas de 100 a 500 litros para servir vinho tinto a copo e também vendê-lo a granel aos habitantes fiéis ao sabor da tradição. A partir de Novembro começa-se a procurar os melhores vinhos pelas tascas da região. E não são baratos! Compra-se a 5 euros um litro de um bom Vinhão, enquanto o vinho branco nestas condições custa um pouco mais de 1 euro por litro. Os antigos diziam que um tinto é bom quando suja as paredes das canecas ou malgas em que é bebido. Hoje em dia, a cor é ainda uma qualidade essencial, enquanto a presença de gás carbónico já é menos importante, conta o produtor da marca Sapateiro, Tiago Soares.

É entusiasmante ver alguns pequenos produtores com vontade e ambição de mudar o paradigma e mostrar ao mundo que o Vinhão é muito mais do que um vinho de garrafão, que a casta, desde que acarinhada e vinificada para potenciar as suas qualidades, é capaz de originar vinhos com personalidade e certo nível de elegância. Este potencial da casta nunca antes foi explorado na sua região de origem.

Tiago Soares fez o seu Sapateiro Vinhão perseguindo o propósito de mostrar que a casta pode dar um vinho sério, pleno e de guarda. Na qualidade de sal e pimenta adicionou 2,5% de Azal Tinto (Amaral) e 2,5% de Touriga Nacional. O estágio decorreu durante 24 meses em barrica nova de carvalho francês. O vinho foi engarrafado sem adição de CO2 e ainda estagiou 10 meses em garrafa antes de ser lançado para o mercado.

Outro pequeno produtor com um belo Vinhão de nova geração é António Sampaio da AJTS que abraçou o projecto familiar com um estilo incrível. O Vinhão, neste caso, provém de uma vinha plantada pelo seu pai em 2002. Não é uma casta muito vigorosa e no solo granítico muito pobre produz apenas 2-3 tn/ha, não necessitando de monda. As uvas são pisadas a pé em lagar, segue um estágio de 16 meses em barricas de carvalho francês e mais 9 meses em garrafa.

O Vinhão tem, de facto, a capacidade e estrutura para integrar a barrica, mantendo a sua fruta primária viva e adquirindo complexidade. Uma certa rusticidade contribui para lhe apurar o carácter.

O enólogo e produtor Anselmo Mendes tem uma abordagem completamente diferente. A uva provém de 2 ha de uma vinha velha em Ponte da Barca, que na sua opinião é a melhor zona para Vinhão. Considerando a casta muito rústica e um pouco desiquilibrada, produz “uma versão mais civilizada”, sem grande extração. Resulta num Vinhão mais ligeiro e aberto, mas que mostra o seu cartão de visita: acidez e estrutura significativa para aguentar algum tempo em garrafa.

vinhão sousão
Costa Boal crédito Paulo Pereira

Sousão no Douro

A casta Sousão no Douro ocupa 325 ha e maioritariamente é uma componente de lote, quer para vinhos de mesa quer para vinhos do Porto, sobretudo Vintage.

No Douro dá-se melhor nas zonas mais frescas do Baixo Corgo e em algumas partes do Cima Corgo. Já o Douro Superior é demasiado seco e quente para Sousão, pois a casta, embora preserve bem a sua acidez natural, em condições quentes, sobretudo com falta de água, tende a desidratar e passificar rapidamente e perde um pouco a sua famosa cor retinta de rubi violáceo. Como diz o enólogo e produtor António Maçanita, “o Sousão é tramado, um pouco como a Trincadeira: ou está verde ou está em passa”.

Na Quinta do Vallado fazem um monovarietal de Sousão desde 2004. Francisco Ferreira, um dos proprietários da quinta e responsável pela produção, gosta da casta pelo seu carácter vincado e consistência em termos de qualidade. Uma vinha de 5 ha de Sousão já com 25 anos fica mesmo por cima da adega, virada a poente. Francisco Ferreira conta que não precisa de fazer monda de cachos, pois a produção naturalmente não passa dos 3 500 kg/ha. Se fosse virada a Sul, não produzia nada. É normalmente vindimada na terceira semana de Setembro.

O vinho fermenta em lagar: depois do corte de 3-4 horas, durante a fermentação só molham a manta 1-2 vezes por dia. Tiram do lagar antes de acabar a fermentação. Faz maloláctica e estagia em barricas, 40% novas e 60% de 2º ano. São vinhos bastante duros no início, precisam de tempo em garrafa. Por isto agora, extraem menos, retiram mais cedo do lagar, usam menor percentagem de barrica nova e com menos tosta. O vinho fica bebível mais cedo sem perder o potencial de guarda. A partir de 2017 fazem no Vallado um Sousão na versão “Vinhão”. É feito de uvas de uma vinha mais nova, também em lagar, mas sem madeira, e lançado em Dezembro do ano de vindima, para a época de lampreia.

Para Tiago Alves de Sousa, Sousão é uma “casta extraordinária com alguns caprichos”. O interesse surgiu no âmbito do estudo das vinhas velhas do Abandonado. Fizeram o primeiro Sousão monocasta em 2009. Aprecia a sua frescura aromática com lado mais herbal, estrutura, e espinha dorsal de acidez e tanino robusto. Mas se não tiver maturação suficiente, tudo acaba por estar em demasia, angular, e o lado herbal passa a vegetal. Por outro lado, a exposição é importante. No Vale da Raposa (Baixo Corgo) com altitude 300-350 metros a vinha pode ser virada a poente, enquanto no Pinhão, na cota mais baixa tem tendência para emurchecer, por isso, lá a vinha é virada à nascente. Estagia 18 meses, 50% barricas novas e 50% de 2º ano. Uma parte é carvalho nacional que, pela experiência de Tiago Alves de Sousa, funciona bem com o perfil da casta, pois “se a madeira for muito subtil, o vinho come-a”.

O Sousão dos irmãos Maçanita é o mais provocativo de todos no Douro, não só pela sua graduação baixa (12,5%), como pelo estilo. António Maçanita explica que não foi propositadamente, é mais uma constatação do que a casta proporcionou. E não foi vindimado mais cedo, a Joana indica que uvas foram colhidas em Setembro depois da Touriga Nacional de letra A. Provavelmente, tem a ver com clone específico. A vinha fica no Cima Corgo, entre Pinhão e Ferrão, numa zona com vegetação e bastante água, não permitindo grande desidratação. Fica a macerar num lagarete até arrancar a fermentação (sem inoculação). O vinho dá aromas de tinta-da-china, faz lembrar Vinhão. É bruto, é rijo, é ácido – por isso procuraram o conforto na barrica nova para aconchegá-lo um pouco, onde ficou 11 meses.

vinhão sousãoO futuro da casta

Pelas suas caractarísticas intrínsecas, Vinhão/Sousão dificilmente chegará ao estrelato de uma Touriga Nacional. Continuará como um vinho de nicho, a despertar o interesse dos enófilos, sobretudo nos mercados mais maduros, onde se procura diferença de estilos e se aprecia o carácter de castas autóctones.

Nesta prova foi especialmente interessante constatar a mudança de paradigma nas mãos de produtores irriquetos, capazes de agarrar numa casta rústica e teimosa e mostrar o seu brilho interior. Imaginem Tarzan musculado, rijo e bruto a ser educado e vestido por um alfaiate de alta costura. É o que se pode fazer com Vinhão/Sousão.

(Artigo publicado na edição de Junho 2021)[/vc_column_text][vc_column_text]

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Touriga Nacional: Orgulho Nacional

Prova Touriga Nacional

Da “casta mais plantada nos contrarrótulos” de meados dos anos 90, a Touriga Nacional tornou-se a mais emblemática casta portuguesa. A área de vinha de Touriga Nacional não pára de aumentar, fazendo a poesia de contrarrótulo já não um exagero de marketing, mas sim uma verdade dita antes de o ser, uma profecia auto-realizável. Num […]

Da “casta mais plantada nos contrarrótulos” de meados dos anos 90, a Touriga Nacional tornou-se a mais emblemática casta portuguesa. A área de vinha de Touriga Nacional não pára de aumentar, fazendo a poesia de contrarrótulo já não um exagero de marketing, mas sim uma verdade dita antes de o ser, uma profecia auto-realizável. Num país tão orgulhoso das suas castas, a Touriga Nacional é a superstar, o Cristiano Ronaldo de uma selecção campeã.

Texto: Luís Antunes
Fotos: Ricardo Palma Veiga

Prova Touriga Nacional

Num país milenar de vinho, escrever a história da Touriga Nacional é escrever a história da revolução tranquila que os vinhos portugueses atravessaram nos últimos 30 anos. Relembremos a história, em jeito de um livro (adaptação em prosa de “Os Lusíadas”) que na minha infância estava em todas as bibliotecas de escola primária: “A Touriga Nacional contada às crianças e lembrada ao povo.”

Vamos lá então. Apesar de elogiada desde tempos antigos, mesmo antes da praga da filoxera (a partir de c.1860), como capaz de produzir grandes vinhos, a Touriga Nacional era até há pouco tempo uma casta com pouquíssima expressão em todo o Portugal. Quando no final dos anos 80 o vinho de mesa português começou a revolução que hoje nos orgulha a todos, poucos falavam de castas, quanto mais de Touriga Nacional. Claro que no mundo do vinho tudo é lento, e para que apareçam vinhas a dar vinhos estremes de Touriga Nacional, com qualidade de topo, as plantações têm de ter ocorrido anos antes, por vezes décadas antes. Para que vejamos como no mundo do vinho tudo é lento e ainda misterioso basta revermos a recente entrevista televisiva do experiente jornalista e apreciador de vinhos Miguel Sousa Tavares ao experiente crítico e produtor de vinhos Pedro Garcias: quando Miguel lhe perguntou o que é afinal uma casta, Pedro pouco mais fez do que gaguejar. Uma casta?!… Ora, na verdade não é fácil sem ir ao Lineu. Mas com um exemplo é evidente para todos: maçã Reineta, maçã Golden Delicious, maçã Royal Gala, tudo castas, variedades, cultivares (de “cultivated varieties”). Ok? Bora lá, então. Siga.

Voltemos ao ano de 1995. Nesta colheita apareciam os primeiros vinhos comercializados de Touriga Nacional, e os apreciadores prestavam atenção. Álvaro de Castro, um dos pioneiros do Novo Dão, contou-me que andou nas vinhas velhas a colher o Tourigo (nome local da casta, como há muitos outros noutros locais, Preto Mortágua na Bairrada, Tourigão no Douro) escolhendo-a de cepa em cepa. O Dão será a região de origem desta casta, sabe-se hoje pela maior variabilidade genética, e também o sítio onde ela se terá adaptado melhor ao terroir. O sucesso destes vinhos levou a uma aposta cada vez maior dos produtores na Touriga Nacional. De repente, todos os vinhos continham Touriga Nacional, foi a fase do contrarrótulo. Dizia-se na altura que haveria menos de 1% de área de vinha com Touriga. Mas os números do IVV de 2018 já mostram mais de 13 mil hectares, um total de 7% das plantações de vinha, o que é um aumento extraordinário em apenas 20 anos. Note-se que apenas há 5 anos, o mesmo relatório assinalava 8 mil hectares, 3.7% da área total.

Para esta aposta, muito contribuiu a selecção de clones. Os clones antigos eram muito dados a doenças, que contribuíam para uma baixíssima produção. Com a selecção clonal, os níveis de produção, subiram, mas para Álvaro de Castro, os clones antigos ainda são os que dão os melhores vinhos. Com esta ideia concorda Manuel Lobo Vasconcelos, enólogo da Quinta do Crasto no Douro, bem como de outros projectos da sua família no Tejo e Alentejo. Apesar de na zona da Quinta do Crasto se poderem encontrar algumas das primeiras vinhas monovarietais de Touriga Nacional, plantadas nos anos 1960, Manuel não usa essas uvas para o extraordinário varietal de Touriga que faz no Crasto, prefere de longe as uvas dos chamados PEDRITMs, vinhas plantadas em 1985-86 por Nuno Magalhães, com selecção massal, o que preserva mais material genético antigo. O Quinta do Crasto Touriga Nacional sai assim destas duas parcelas de cerca de 5ha, que produzem apenas 8 a 9 mil garrafas por ano, e nem todos os anos alcança a qualidade que o produtor exige.

Prova Touriga Nacional

A Touriga é uma casta que sabe ser amiga na vinha e recompensadora na adega. Mas também sabe ser caprichosa. Álvaro e Manuel numa coisa concordam: tudo tem de ser bem feito. Na vinha, a variedade tem de estar plantada no sítio certo, já que a Touriga sofre com exposições muito agressivas. Estas duas parcelas do Crasto estão viradas uma a Nascente e outra a Norte, o que evita exposições excessivas. Quando exposta a Sul, em anos quentes as videiras sofrem muito, as folhas basais desaparecem e o vinho fica rústico, estruturado, mas sem elegância.

Uma peça-chave é a marcação da data de vindima, para assegurar equilíbrio entre a acidez e o pH. Nos anos em que se consegue o equilíbrio perfeito, os vinhos têm fruta preta, muito bem definida e focada, e um lado de grande frescura. Também no Crasto o primeiro TN foi de 1995, mas houve poucas garrafas, depois 1999, 2001, 2004, e desde então com mais regularidade. Este equilíbrio entre acidez total e pH fazem com que o vinho envelheça lindamente em garrafa, assegura Manuel Lobo. Com sobre-extracção, o vinho morre. Manuel faz uma primeira pisa em lagar, e depois finaliza o vinho em cuba de inox refrigerada, com um controle rigoroso da cinética fermentativa, em particular cuidando da nutrição das leveduras. Quando o vinho reduz não se consegue recuperar os aromas elegantes. Fundamental também é selecionar as melhores barricas, tem de se encontrar a barrica que não vai matar o vinho. Na Touriga por vezes falta um pouco de meio de boca, e a barrica ajuda a construir a sensação de continuidade na boca, de modo a o vinho não secar no final. Em resumo, para Manuel Lobo, os principais pontos são a viticultura, a barrica, e não dormir na vindima, já que tudo tem de ser perfeito, uma remontagem a mais pode estragar o vinho.

Nos anos de construção da febre da Touriga Nacional, chegou a haver entre os apreciadores alguma quase rejeição da casta, já que alguns vinhos mostravam uma exuberância aromática tão impressionante que se poderia tornar cansativa. Essa exuberância resultava de vários factores, fossem as vinhas novas a dificultar a maturação perfeita e a gerar uma ênfase no lado cítrico (bergamorta), fosse a própria juventude dos vinhos, já que com algum estágio em garrafa eles se acalmavam e ofereciam um lado mais sério. Mas se uns provadores rejeitavam esse lado festivo da casta, outros agradeciam-no, já que ele dava aos vinhos um apelo imediato e um reconhecimento de um carácter varietal que não era normal nos vinhos portugueses, tradicionalmente feitos com lotes de várias castas. Aliás, no Douro, e ainda segundo Manuel Lobo, a Touriga Nacional sempre será uma grande casta de lote, em particular na mágica parceria com a Touriga Franca (que agora já se pode chamar, de novo, Francesa), que tem acidez baixa e pH alto. A Nacional aporta sempre aquela frescura tão necessária para dar equilíbrio aos vinhos.

Prova Touriga Nacional

Frescura não é o problema dos vinhos do Dão, apesar de por vezes se verem alguns graus alcoólicos tão elevados que dão razão a Álvaro de Castro quando diz que durante uns anos o Dão andou a tentar fazer Douro, enquanto o Douro tentava fazer Dão. Se durante anos o peso da região de origem era marcante em relação ao peso da casta dos vinhos, pouco a pouco isso esbateu-se. Álvaro faz o seu Carrocel com Touriga Nacional de várias parcelas, mas prefere sempre os vinhos de lote, embora obviamente no Dão a Touriga tenha sempre um grande peso no lote, mas isso começa logo na vinha. Para Álvaro, se é verdade que a Touriga está agora na sua fase madura, ela é apenas “mais uma” casta, Portugal é um país de lotes. É verdade que de algumas castas se pode fazer vinho estreme, e a Touriga é uma delas. Mas os lotes que começam na vinha, com muitas castas, funcionaram bem em muitos sítios. A Touriga, com as dificuldades que traz na vinha e na adega, exige que tudo seja bem feito. Álvaro diz que nunca viu uma videira de Touriga com excesso de produção, principalmente as de clones antigos. Até em cima de fontes de água nunca produzem demais. Nos clones antigos, pelo contrário, a dificuldade é a irregularidade na produção, na floração pode perder-se toda a produção. Nos primeiros vinhos que produziu, Álvaro teve bastantes problemas com a dekkera, o famoso brett. A Touriga Nacional é naturalmente rica em ácidos que favorecem o desenvolvimento da dekkera, ou brettanomyces, bactérias que dão ao vinho um aroma desagradável, por vezes chamado suor de cavalo. Depois de anos de experiência e com o aumento do conhecimento científico, esse problema está agora bastante controlado. Uma solução mais fácil é a filtração apertada do vinho, mas para evitar rapar o vinho, Álvaro defende que é preferível usar sucessivas e cuidadosas passagens a limpo (trasfegas), já que é junto das borras que as bactérias estão mais presentes. Em geral, Álvaro prefere fazer a Touriga Nacional em lagares, ou cubas abertas, e de modo geral com pouca tecnologia. Em cubas mais sofisticadas o vinho resulta mais intenso, mais redutor, e caminha tudo no sentido da extracção.

Nesta prova de mais de 40 vinhos, apareceu ocasionalmente um tracito de brett, mas nada que me chocasse. Como em tudo, há provadores mais sensíveis a uns defeitos do que a outros, e grosso modo, achei os vinhos bastante limpos. Também fiquei agradavelmente surpreendido por vários outros factores. Não encontrei, nem em vinhos muito jovens, exuberâncias excessivas, vinhos com explosão aromática que quase pareciam cocktails de frutas. Nada disso, sempre vinhos sérios, e em todas as faixas da ampla gama de preços convocada neste prova. Encontrei ainda bastante contenção do lado alcoólico, prova de que pouco a pouco os excessos de todo o tipo estão a recuar, e os vinhos apresentam-se hoje como bons companheiros à mesa, não como cúmplices da GNR no caça-multas. Houve vinhos muito jovens e outros já com alguma idade, e em todos, com excepções raras, encontrei muita saúde e equilíbrio, provando que os méritos propalados da casta não eram só fogo de palha, e os vinhos realmente mostram as qualidades que há décadas vêm fazendo de advogados da casta, e da casta como uma das estrelas para vinhos mono-varietais. Vinhos fragrantes, joviais, muito frescos, com cores bonitas e boa fruta, na boca estruturados, com corpo, acidez e taninos em sintonia, muito vinosos, muito gastronómicos, sempre a pedir um prato consistente da nossa cozinha tradicional. Se quase todos os vinhos iriam crescer com mais tempo em garrafa, mesmo nas excepções que não seriam de abrir já, a vontade de o provar e um prato adequado podem fazer a harmonização já hoje, e com grande prazer. É verdade que são tradicionalmente raros os vinhos tintos estremes, com evidente excepção da super-localizada Baga na Bairrada. Mas com a Touriga Nacional, vemos uma casta de grande universalidade, capaz de produzir grandes vinhos em todos os sítios onde ela é plantada, evidência mais forte agora que o binómio viticultura-enologia recebeu o seu alimento preferido: tempo. Com vinhas adultas e mais experiência, os resultados estão à vista. Touriga, és o Orgulho Nacional.

(Artigo publicado na edição de Junho 2021)[/vc_column_text][vc_column_text]

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Tintos de luxo do Alentejo – Por menos de €30

Tintos do Alentejo

Clássicos ou modernos, com castas portuguesas ou internacionais, os vinhos do Alentejo surpreendem pela qualidade em estilos muito distintos. Demonstram uma diversidade de abordagens enológicas e talento de quem os faz, independentemente de serem produzidos por uma casa familiar, uma grande empresa ou uma adega cooperativa. E dão-nos a possibilidade de aceder a tudo isto […]

Clássicos ou modernos, com castas portuguesas ou internacionais, os vinhos do Alentejo surpreendem pela qualidade em estilos muito distintos. Demonstram uma diversidade de abordagens enológicas e talento de quem os faz, independentemente de serem produzidos por uma casa familiar, uma grande empresa ou uma adega cooperativa. E dão-nos a possibilidade de aceder a tudo isto por um preço sensato.

Texto: Valéria Zeferino

Fotos: Ricardo Palma Veiga

 A região do Alentejo não só contribui com 18% da produção nacional de vinhos (3º lugar a seguir ao Douro e Lisboa) mas também representa a maior quota do mercado, quase 40% em valor e 35% em volume. É por si só uma grande marca.

O Alentejo tem um papel importante na projecção da imagem de qualidade e classe dos vinhos portugueses no palco internacional. Embora não tenha beneficiado da histórica protecção regulamentar do Douro e tenha atravessado várias crises, encontrou o seu caminho para a excelência.

A fama nem sempre traz só coisas boas. Segundo o produtor e enólogo João Portugal Ramos, quando uma região se torna famosa, é sempre um objecto de cobiça, atrai novos investimentos. Por um lado é bom, mas existem dois tipos de operadores. Uns vêm para prestigiar a região, outros  procuram apenas fazer negócio, criando volume sem valor.

Tintos do Alentejo
A região do Alentejo é muito diversa em solos e climas e está dividida em 8 sub-regiões.

Zonas diferentes – qualidade transversal

A região do Alentejo caracteriza-se por 4 zonas distintas – Alto Alentejo mais a norte, Alentejo Central, Baixo Alentejo a sul e Alentejo litoral. Dadas às condições edafoclimáticas e históricas, é dividida em 8 sub-regiões.

Mais a norte, no Alto Alentejo, fica Portalegre situado no sopé da Serra de São Mamede. É bem diferente do resto da região devido a maior altitude – até 700 metros – que se traduz em precipitação abundante (cerca de 800 mm/ano) e maior continentalidade que promove grandes amplitudes térmicas diurnas e anuais. Os solos são maioritariamente de origem granítica com algum xisto. Teve grande impulso e investimento nos últimos 10 anos graças às suas características únicas.

No Alentejo central a serra da Ossa separa duas sub-regiões com tradição vitivinícola bem antiga. A norte fica Borba com maior precipitação e a sul está Redondo, protegida pela serra dos ventos nortenhos. As suas encostas e planícies onduladas são expostas a sul, proporcionando condições climáticas mais quentes e secas.

Junto à cidade de Évora localiza-se a sub-região com o mesmo nome. As vinhas estendem-se em zonas planas, com grande nível de insolação e cerca de 600 mm de precipitação anual.

A este, e até ao rio Guadiana, estende-se Reguengos, também com fortes tradições vitivinícolas. Na margem esquerda do Guadiana fica Granja-Amareleja, na zona com mais horas de sol de Portugal, com Verões muito quentes e dos mais secos de todo o Alentejo. A precipitação anual baixa aos 500 mm, sendo bastante desafiante, sobretudo em condições de aquecimento global.

Mais a sul, já no Baixo Alentejo, encontra-se a sub-região de Moura, a que tem menor área de vinha e também a Vidigueira, desde há muito famosa pela casta Antão Vaz e pela excelência dos seus vinhos brancos. Por muito distintas que sejam, de norte a sul, do litoral ao interior, em praticamente todas as zonas do Alentejo há produtores de topo e marcas conhecidas e respeitadas.

As grandes marcas

Alentejo é uma região de fama relativamente recente, mas tem os seus vinhos de culto e ícones históricos, cujo reconhecimento no mercado enalteceu a imagem da região, e também as estrelas em ascenção que projectam o seu futuro.

A Herdade das Servas, por exemplo, tem uma história ligada à produção de vinho, que abrange mais de três séculos, comercializando os seus vinhos em garrafa a partir de 1940. Na mesma época, já eram famosos os vinhos de talha da casa José de Sousa Rosado Fernandes, adquirida em 1986 pela histórica José Maria da Fonseca.

A história da Mouchão no Alentejo começou nos finais do século XIX com a plantação das primeiras cepas de Alicante Bouschet trazida de França. A construção da adega, iniciada em 1901 assinalou o novo século. Em 1954 foi lançado o primeiro vinho com a marca Mouchão que se tornou um dos ícones da região.

A Tapada do Chaves pode gabar-se de uma história secular, tendo plantado as suas primeiras vinhas em 1901 (castas tintas) e 1903 (castas brancas), e são das parcelas mais velhas no Alentejo, na sub-região de Portalegre.  Há três anos foi adquirida pela outra empresa de grande renome na região – Fundação Eugénio de Almeida. Fundada em 1963, é associada a três grandes marcas portuguesas: Cartuxa, criada ainda na década dos 80, Pêra Manca lançada em 1990, ambos num estilo bem clássico, com castas tradicionais alentejanas. O Scala Coeli surgiu em 2005 para expressar um estilo mais moderno.

Quando sararam as cicatrizes da revolução, na altura dos anos 80-90 aparecem mais marcas emblemáticas.

Em 1985, realiza-se a primeira colheita sob a marca Esporão e desde aquela altura a empresa associa arte ao vinho, convidando artistas portugueses para criar os rótulos dos Esporão Reserva e Private Selection – uma decisão de marketing inovadora na altura. Este ano, a marca Esporão foi reconhecida pela revista Drinks International como uma das 50 marcas de vinho mais admiradas do mundo, ficando em 13º lugar no ranking.

Júlio Bastos, proveniente de uma antiga família produtora de vinhos, assinala esta época com os seus famosos Garrafeiras da Quinta do Carmo (de 1985, 1986 e 1987). A marca hoje pertence à Bacalhôa, mas a partir de 2000 o produtor avança com um novo projecto – Dona Maria

João Portugal Ramos é uma figura incontornável no Alentejo, conhece a região como ninguém. Começou o seu percurso enólogico em 1980. Quando se deu o boom dos vinhos do Alentejo a partir de 1985, prestou consultadoria a várias casas conhecidas da região, e na década dos 90 arrancou com o seu próprio projecto em Estremoz.

Em 1986, Joaquim e Leonilde Silveira plantaram a sua primeira vinha na Tapada de Coelheiros, na zona de Arraiolos. O primeiro vinho chegou ao mercado em 1994 com o rótulo inspirado num tapete de Arraiolos com cenas de caça.

Em 1988 um casal americano-dinamarquês, Hans e Carrie Jorgensen, iniciaram a sua aventura de Cortes de Cima no Alentejo perto da Vidigueira. A Sogrape entra no Alentejo em 1991 e em 1996 adquire a Herdade do Peso para reforçar a sua posição na região promissora. Em 1994 o irreverente Miguel Louro estreou-se com vinhos de carácter desruptivo.

Na viragem do século, surgem os “millennials” da região a fazer uma nova história.

Catarina Vieira, realizando o sonho do seu pai, começou a plantar vinhas no Baixo Alentejo, entre a Vidigueira e Cuba, em 2001, e em 2007 o mercado conheceu a primeira marca da Herdade de Rocim – Olho de Mocho. É uma das casas mais dinâmicas e empreendedoras da reigão.

Em 2004 António Maçanita arranca com a Fita Preta, abraçando projectos desafiantes, criando vinhos com carácter vincado e marcas irreverentes que geram polémica e criam empatia. Em 2005 entra no palco a Herdade da Malhadinha, com os rótulos desenhados pelas crianças da família, e foi construída a adega da Herdade dos Grous, também no Baixo Alentejo.

Do outro lado da região, no Alto Alentejo, no mesmo ano arranca o projecto de Altas Quintas baseado nas vinhas de altitude. Há três anos a família Symington adquiriu esta propriedade com 43 hectares de vinha instalada entre os 490 e os 550 metros nos solos xistosos e graníticos e criou a marca Fonte Souto. Pedro Correia, o enólogo dos “não fortiticados” da Symington, afirma que “aquela zona pouco ou nada tem a ver com o Douro”. Em Portalegre acabaram a vindima apenas em meados de Outubro, quando no Douro já tinham acabado há tempo. Julho, Agosto e Setembro no Douro marcam pelas temperaturas extremamente elevadas e em Portalegre não aquece tanto e as noites estão mais frias.

Tintos do Alentejo
O Alentejo oferece um elevado nível de qualidade aliado a variedade de castas e estilos.

Grandes vinhos dão trabalho

Os vinhos de gama alta e média alta exigem muita atenção por parte dos produtores. A diferença está nas nuances e pormenores, que são infinitos.

O enólogo da Esporão, David Baverstock, afirma que os detalhes são indispensáveis quando se quer produzir grandes vinhos. Desde os cuidados a ter na viticultura à abordagem enológica – tudo em função da parcela e da casta. Os rendimentos não podem ultrapassar 4-5 tn/ha para maioria das castas e 7/8 tn/ha no caso de Alicante Bouschet. A separação das uvas destinadas para os vinhos de topo é feita na altura da vindima. Para vinificações usam cubas mais pequenas, que levam apenas 5 toneladas e não 50 como para Monte Velho, por exemplo. Usam lagares de mármore ou cubas rotativas (estas, por serem fechadas, funcionam bem na vinificação da Touriga Nacional, preservando melhor a sua parte aromática). David nota que as castas como Syrah, Alicante Bouschet e Touriga Nacional aguentam bem barricas novas, mas prefere as de maior dimensão (500 litros) “para uma fusão melhor e evolução mais lenta”.

Para António Maçanita, o vinho do Alentejo é textura, concentração “e até mais frescura do que no Douro”. O desafio é evitar passas, vindimar quase maduro. Logo que as uvas ganham cor (a fase do pintor), tira uns cachos mais atrasados para promover o amadurecimento mais homogéneo. Acompanha as parcelas de perto e apanha só o que já está maduro. Porque a mesma casta, nas parcelas distintas, amadurece nas alturas diferentes, vai colhendo um pouco de cada vez. A logística da vindima é complexa, mas vale a pena. Um lote de vinhos também não é estanque e pode variar em função do ano. Em seu entender, a Touriga Nacional no Alentejo não entrega qualidade todos os anos, por exemplo.

Preocupações com o álcool

Sendo o Alentejo uma região quente, inevitavelmente, surge a questão do teor alcoólico dos vinhos que ao longo dos anos tem tendência a subir (um tema transversal a várias regiões do país). Tirando uma parte dos consumidores adeptos dos vinhos “potentes”, existe uma preocupação geral e uma pressão internacional de várias companhias anti-álcool.

Os produtores estão cientes disto. David Baverstock confirma a preocupação sobre o tema, sobretudo a nível de aceitação comercial. Pessoalmente, acha que “até 15%, se a concentração permite, tudo bem, mais do que isto já é um exagero”.

Mesmo colocando de lado a questão do aquecimento global, muitas coisas mudaram ao longo das décadas. Supostamente para melhor. Com viticultura de antigamente e o objectivo de produzir mais, os vinhos não chegavam a 10,5-11% de álcool, por vezes adicionava-se mosto concentrado (sendo esta prática autorizada) para aumentar 1-2%. Aprendeu-se a controlar as produções, orientar a viticultura para a planta ser mais eficiente na sua capacidade fotossintética, escolheram-se clones menos produtivos, pratica-se monda de cachos… O resultado – álcool a mais.

“Agora queixamo-nos que Aragonez fica sem acidez”, – dá um exemplo António Maçanita, “mas é o Aragonez que fica sem acidez, ou aquele que nós seleccionámos para dar mais álcool?”

Castas e tendências

Segundo os dados do IVV, em 30 anos a área de vinha plantada no Alentejo duplicou (de 11.510 hectares em 1989 para 24.709 em 2019). Embora o património vitícola na região seja bastante jovem, nas sub-regiões de Portalegre, Granja-Amareleja e Vidigueira, sobretudo, existem vinhas centenárias.

A questão das castas portuguesas vs. internacionais e estilo clássico vs. moderno continua a ser pertinente. Uns produtores, como Paulo Laureano ou Duarte Leal da Costa defendem, desde sempre, as castas portuguesas.

Os números mostram que as castas nacionais como Aragonez e Trincadeira continuam a ser as mais plantadas, seguidas de Alicante Bouschet. Esta, embora seja de origem francesa, já se pode considerar tradicional no Alentejo pela sua longa história e méritos confirmados. Obtida por cruzamento de Grenache com Petit Bouschet nos meados do século XIX, terá sido trazida para Portugal no final do mesmo século e plantada na Herdade do Mouchão pela família Reynolds. O reconhecimento da casta pelos produtores e consumidores não foi imediato e só aconteceu nos anos 90 do século passado. Hoje, há mais Alicante Bouschet em Portugal do que em França, de onde é original e onde é praticamente desprezada.  Gosta de clima quente, precisa de muitas horas de sol, para amadurecer os seus taninos esmagadores. Com produção controlada e plantada no sítio certo, dá vinhos com estrutura e concentração, preparados para aguentar anos em garrafa.

Syrah apareceu na região há apenas duas décadas, pela mão dos proprietários da Cortes de Cima, onde a primeira vindima aconteceu em 1998 “incognitamente” porque não fazia parte de castas permitidas para a região. Hoje é a quarta casta mais plantada no Alentejo e continua a liderar a lista das castas mais utilizadas na reestruturação da vinha. A Cabernet Sauvignon também faz parte das primeiras 10 na lista de castas mais plantadas da região.

João Portugal Ramos refere que nos seus topos de gama dá preferência às castas portuguesas. Também gosta de Syrah, como uma casta melhoradora, e repara que “no Alentejo a Syrah é moldada pela região; ou melhor, o perfil da casta vai ao encontro do perfil do Alentejo.”

António Maçanita acha que esta abertura foi uma fase necessária para a região: mostrámos que conseguimos fazer as castas mais conhecidas como noutras regiões do mundo. O foco agora é recuperar equilíbrio. “As castas e os vinhos do século XXI não devem ser uma cópia do passado, mas uma integração gradual de castas que podem complementar o perfil.”

A verdade é que, como esta prova mais uma vez demonstrou, o Alentejo oferece um nível de qualidade aliado a diversidade de castas e estilos, como talvez nenhuma outra região do mundo. E poder aceder a estes vinhos por valores bastante razoáveis é, sem dúvida, um privilégio.

As uvas nacionais como Aragonez e Trincadeira continuam a ser as mais plantadas, seguidas de Alicante Bouschet.

Sugestão: O movimento rosa

sugestão rosés

Provámos rosés provenientes do norte, centro e sul, litoral e interior do país, passando pelas ilhas. Por todo o território novos vinhos emergem, lado a lado com aqueles que foram pioneiros. Vinhos sérios, ambiciosos, diferentes, num movimento rosa apaixonante. Aqui fica uma vintena de sugestões menos óbvias, para partir à descoberta. TEXTO Nuno de Oliveira […]

Provámos rosés provenientes do norte, centro e sul, litoral e interior do país, passando pelas ilhas. Por todo o território novos vinhos emergem, lado a lado com aqueles que foram pioneiros. Vinhos sérios, ambiciosos, diferentes, num movimento rosa apaixonante. Aqui fica uma vintena de sugestões menos óbvias, para partir à descoberta.

TEXTO Nuno de Oliveira Garcia

Apesar do tempo que levamos a compilar selecções anuais de rosés, a verdade é que a cada ano somos surpreendidos com novos vinhos. De néctar de nicho e aposta pessoal de produtores de vanguarda – casos de Dirk Niepoort (‘Redoma’), Domingos Soares Franco (‘Coleção Privada Moscatel Roxo’), Júlio Bastos (‘Dona Maria’) e, mais recentemente, Ravasqueira (‘Premium’) e Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo (agora só com uma referência, tendo sido suprimido o Reserva) – o vinho rosé de perfil sério e elegante passou a modelo quase obrigatório numa gama. O exemplo mais acabado desta tendência é a empresa Wine & Soul que lança agora, na gama Manoella, precisamente um rosé para completar o branco e os tintos desta magnífica propriedade duriense. O mesmo tinha acontecido com a Quinta da Pacheca que lançou também um rosé reserva ambicioso não há muito tempo, fechando o seu portefólio de vinhos. 

A cada ano somos também surpreendidos pelas novidades das regiões cuja aposta num rosé de qualidade é particularmente levada a sério, seja pela sua frequência e ocupação turística, seja por uma inata propensão para este tipo de néctar vínico. Casos notórios do Algarve e dos Açores que contribuem com duas referências cada para a nossa lista. Com efeito, a procura de vinhos leves e frescos por parte de clientes internacionais faz com que os rosés sejam uma seleção quase natural, em especial para o produtor tipo algarvio que invariavelmente esgota os seus rosés poucos meses depois de os ver lançados no mercado. A par das indicadas na nossa selecção, ambas estreias absolutas, diga-se, destacamos ainda as marcas algarvias Cabrita e Quinta do Barranco Longo (o mais interessante é a versão ‘Oaked’), cujos produtores levam já várias colheitas de experiência.

sugestão rosésNa região do Tejo, de enorme projeção nos mercados internacionais, há muito que se levou a sério os seus rosés gulosos e atractivos, propícios para a exportação e não só, aspecto bem visível em produtores como Quinta da Lagoalva de Cima, Quinta da Alorna, Fiuza, Casal Branco, e até no irreverente Areias Gordas. Outra região muito bem-sucedida, e também na exportação, é o Alentejo, região que nos últimos anos tem vendido um valor próximo de 2,5 milhões de garrafas de rosés, e apenas nos referimos aos vinhos certificados. Marcas como Lima Mayer (sempre num registo estruturado) e Alento (Luís Louro/Monte Branco), bem como Herdade do Rocim (Rocim) e Paço do Infantes, estes dois últimos feitos a partir de Touriga Nacional, são referências deliciosas e obrigatórias.

Mais a norte, no Douro, o preço elevado do quilo da uva, em especial da Touriga Nacional, e a atenção maioritária dada a tintos (DOCs e Portos), fez com que durante muitos anos os rosés fossem tudo menos uma prioridade. Até há bem pouco tempo, para o protótipo produtor duriense, os rosés eram um vinho desinteressante e que não prestigiava a região (nada de mais errado, todavia). Tudo isso tem vindo mudar, com rosés cada mais ambiciosos e sedutores que em vez de desabonar a região, abrem-na a novos clientes. A par dos selecionados abaixo, vinhos como ‘Redoma’, verdadeiro pioneiro, ‘Vinha Grande’, ‘Vallado Touriga Nacional’, ‘Quinta Nova’, ‘Avidagos Reserva’ são óptimas compras.

Em busca da frescura

Mas quanto a regiões, a verdade é que existem terroirs mais propícios a rosés que outros… É certo que, como desenvolveremos adiante, um bom rosé é, sobretudo, um vinho feito na adega e vindimado na altura perfeita para obtermos um vinho gracioso e leve. Sucede, que existem regiões no nosso país que, sobretudo pelo seu clima, propiciam a produção de néctares muito frescos e de acidez vibrante. Neste domínio, as regiões atlânticas de Lisboa e da Bairrada ganham destaque, sendo que desta última vêm vários dos melhores rosés nacionais, como sejam ‘Aliás de Outrora’ (João Soares e Nuno Mira do Ó), ‘Giz’ (Luis Gomes, o fundador de um dos mais excitantes projetos da região), ‘Quinta do Poço do Lobo Reserva’ (Caves S. João) ou, mais recentemente, ‘Buçaco’ (Alexandre de Almeida) e ‘Casa de Saima’ (Graça da Silva Miranda), quase todos com recurso à casta Baga e/ou Pinot Noir. Também o exclusivo ‘Principal Tête de Cuvée’ – uma estrela no firmamento nacional de rosés, como atesta a nota na nossa seleção – é bairradino e 100% feito de Pinot Noir, com última edição ainda no mercado a ser a de 2010 (mas atenção, a segunda marca é igualmente de qualidade, de nome ‘Colinas’ cujo último rosé no mercado é de 2015).

Menos atlântica, mas ainda temperada e com alguma altitude, a região do Dão apresenta também um número significativo de bons rosés, casos do Quinta do Perdigão, Fonte de Ouro, Quinta de Lemos ‘Nélita’, ‘Elpenor’, entre outros. Um dos vencedores do nosso painel, ‘Tirados a Ferro’, provém precisamente da região, no limite sul, no terroir de Midões, outrora famoso pelos brancos. Um aviso: trata-se apenas de uma barrica (o que deveria ser “proibido” até, dada a escassez!) e o preço escalda… Quanto a castas, são várias na região a permitem a criação de vinhos elegantes e florais, como seja a Touriga Nacional, o Alfrocheiro e a Tinta Roriz, e a temperatura média – mais fresca que outras regiões vizinhas – ajuda no perfil elegante. 

sugestão rosésPor falar em castas, é notório que o actual perfil de rosé de gama alta privilegia uvas que proporcionam cor clara, aroma e prova de boca delicados, e com boa acidez. A casta Baga é daquelas que consegue preencher todos esses requisitos com relativa facilidade e, por isso, não espanta os bons resultados que almeja em rosé. Mais a norte, a casta Espadeiro é utilizada pela mesma razão, assim como a Negra Mole no Algarve, casta na qual cada cacho tem uvas em diferentes estados de maturação e cor. A omnipresente Touriga Nacional, quando vindimada cedo, contribui com os seus aromas florais muito elegantes, a Tinta Francisca apresenta cor aberta e fruto bonito, e a uva francesa Pinot Noir – com pouca cor, fruto elegante e por vezes fresco e subtil – também funciona bem, sobretudo em terroirs atlânticos. 

Já que nos referimos a castas francesas, nos solos calcários e barrentos do sul de França – regiões de Bandol, Bergerac, Corbière – vingam as uvas Mourvèdre, Cinsault e Carignan. Alguns dos melhores produtores de rosé do mundo produzem precisamente na Provence os seus vinhos que são vendidos um pouco em todo o mundo como produtos sofisticados que são. Já no Ródano – regiões de Tavel e Lirac – é a Grenache que reina também nos rosés, e um pouco por todo o país a Syrah faz parte de lotes de rosés conceituados, tal como sucede no nosso país. A fruta encarnada do Aragonez/Tinta Roriz também proporciona, sobretudo em lotes, rosés de muito bom nível no nosso país, e o mesmo sucede em Espanha, na versão Tempranillo, sendo que o mercado espanhol tem sido palco de uma autêntica revolução rosa nas últimas três colheitas. Com efeito, depois de anos a privilegiarem tintos concentrados e maduros, os produtores espanhóis viraram-se para produtos mais leves e frescos, sendo a aposta em rosés de qualidade uma consequência natural dessa evolução. 

Criar ambição

A regra é, portanto, evitar utilizar castas rústicas e com muita cor, como seja as francesas Alicante Bouschet, Petit Verdot, Grand Noir, a georgiana Saperavi ou a lusitana Vinhão. A uva Cabernet Sauvignon, salvo exceções, também não é uma das preferidas para rosé, sobretudo pelas notas vegetais que pode aportar ao lote final e pela quantidade de antocianinas na película que tingem significativamente o líquido (por isso, aliás, não há hábito de fazer brancos de Cabernet…). Uma alternativa à utilização exclusiva de castas tintas passa pela inclusão de uvas brancas no lote final, solução que em Portugal foi seguida pelo conhecido produtor Soalheiro misturando Pinot Noir e Alvarinho, com a versão de 2019 a ser talvez a mais bem conseguida até hoje. Outros produtores nacionais também incluem uma pequena parte de vinho branco nos rosés, mas não o referem nos rótulos ou contrarrótulos. Mais assumida é a política de utilização de borras de vinho branco na elaboração de rosés sempre com belíssimos resultados, contribuindo tanto com cremosidade como com acidez crocante para o vinho final. Na verdade, existem nos rosés de topo de gama com tendências comuns evidentes, como seja a utilização de bica aberta (evitando-se a sangria de tintos) e a fermentação (em parte ou totalmente) em barrica.

Tal como escrevemos no passado, um dos maiores desafios dos rosés em Portugal é ser levado a sério enquanto vinho, e ser vendido um preço relativamente alto. Em todo o caso, como a nossa selecção demonstra, já são vários os rosés em Portugal acima de 10€ e mesmo de 20€. Em França, os melhores produtores (não necessariamente os mais famosos…) – como seja Domaine Hauvette Domaine de Terrebrune ou Clos Cibonne –, raramente ultrapassam o preço de €30 a garrafa, e o mesmo sucede com os melhores rosés espanhóis como ‘Pícaro del Aguilla’ (que na verdade é um clarete), e ‘Viña Tondonia Gran Reserva’ (Lopez de Herédía), este um pouco mais caro e vendido sempre com mais de 5 ou 6 anos a contar da vindima. Nos Estados Unidos da América, aí sim, a moda de rosés explodiu faz já alguns anos fazendo com que seja difícil encontrar um topo de gama abaixo de $50, sobretudo se constar da famosa lista dos 100 melhores vinhos do mundo…

sugestão rosésOutro desafio é a definição do conceito ou tipo de rosé, sempre que falamos de um néctar topo de gama. Será um rosé de guarda, gastronómico ou de terroir? De terroir é mais difícil de concordar, pois não só se produzem bons rosés em todo o território nacional, como os rosés são, por regra, menos marcados pelas nuances e diferenças entre regiões do que brancos e tintos. A explicação para esse fenómeno reside no facto de as uvas serem colhidas muito cedo (por vezes mais cedo do que as uvas brancas), bastante antes de a maturação fenólica estar completa. Por outro lado, como as uvas são vindimadas cedo, as temperaturas altas e a perda de acidez típicas das regiões mais a sul não costumam ser um problema. Isso faz com que o líquido, quase sempre lágrima apenas, seja muito leve e fresco, mas relativamente indiferenciado e incaracterístico quando à casta ou ao solo… Na verdade, um bom rosé depende mais dos cuidados e exigências na (data da) vindima e na adega do que do ano agrícola ou das particularidades de uma região. Mas este facto em nada deve afastar o consumidor deste tipo de vinho, muito pelo contrário. A razão de termos cada vez melhores rosés portugueses é o maior nível de profissionalismo por parte de produtores e enólogos no nosso país. Paralelamente, a razão de termos cada vez mais e diferentes rosés é o consumidor cada vez estar mais esclarecido e sem preconceitos. Não queira ficar de fora…

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Vinhos Leves: Quando o simples sabe bem

vinhos leves

Os Vinhos Leves, na região de Lisboa, surgiram no século passado, por necessidade, devido à viticultura da época. Hoje, a categoria solidifica-se nos vinhos regionais e é representada por vinhos aromáticos, leves, descomplicados, perfeitos para usufruir nestes dias mais quentes. TEXTO Valéria Zeferino O mundo já conhece vinhos com este perfil há muito tempo, basta […]

Os Vinhos Leves, na região de Lisboa, surgiram no século passado, por necessidade, devido à viticultura da época. Hoje, a categoria solidifica-se nos vinhos regionais e é representada por vinhos aromáticos, leves, descomplicados, perfeitos para usufruir nestes dias mais quentes.

TEXTO Valéria Zeferino

O mundo já conhece vinhos com este perfil há muito tempo, basta lembrar os Rieslings da Alemanha na sua versão mais simples. A existência dos vinhos leves na região de Lisboa deveu-se, inicialmente, à dificuldade de amadurecimento das uvas, associada a vários factores como a forte influência atlântica e humidade elevada, sobretudo em certas zonas menos protegidas; e também solos férteis e castas menos nobres e altamente produtivas, incluindo alguns híbridos, criados na Estação Agronómica de Dois Portos na década de 1950.

Os mostos com um teor alcoólico baixo, que não chegavam aos 11% fixados como o limite mínimo para os vinhos “comuns”, obrigavam os produtores fazer lotes com outros vinhos de maior graduação, ou simplesmente adicionar álcool ou aguardente vínica. Para resolver esta questão, o Ministério da Agricultura através da Portaria 547/85 de 6 de Agosto, autorizou a produção de vinhos de grau mais baixo, devendo estes conter na rotulagem a menção “vinho leve” ou “baixo grau”. Esta medida, na altura, não estava relacionada com a região de produção.

vinhos levesMais tarde, com a Portaria n.º 351/93 de 24 de Março, a menção tradicional “Leve” ficou associada, em exclusivo, às regiões de Lisboa (antiga Estremadura) e Tejo (antigo Ribatejo). A menção destinava-se a vinhos regionais com grau até 10% e acidez mínima de 4,5g/l. Devido à evolução das condições edafoclimáticas da região de Lisboa, em 2018 o limite máximo do título alcoométrico volúmico adquirido do vinho com direito à menção Leve foi aumentado em 0,5% até os 10,5%.

O primeiro Vinho Leve Regional Estremadura foi produzido sob a marca Sôttal pela Companhia Agrícola do Sanguinhal e, segundo o seu director comercial Diogo Reis, queria dizer “eu sou o tal” do Sanguinhal. A marca já existia antes, desde os anos 20 e 30 do século passado, sendo utilizada para diversos vinhos. 

Inicialmente, os Vinhos Leves eram brancos e tintos. O tempo e as preferências do mercado vieram a corrigir o estilo. Enquanto os se tintos procuram encorpados, os rosés começaram a ganhar terreno.

De acordo com os dados da CVR Lisboa “o crescimento exponencial das vendas nos últimos 5 anos (duplicaram, chegando em 2019 a 56 milhões de garrafas), em especial dos vinhos tintos que representam 75% da produção da região, levou os produtores, a orientarem as suas produções de tintos para vinhos “não leves”.

Ao mesmo tempo “as preferências dos consumidores e a própria avaliação dos críticos de vinho que reconhecem no branco leve e rosé leve uma mais valia qualitativa, o mesmo não sucedendo com o tinto”, levaram os produtores a fazer as suas escolhas a favor de brancos e rosés.

Dos 126 engarrafadores de vinhos de Lisboa presentes actualmente no mercado, cerca de 20 produzem Vinho Leve. As vendas de Vinho Leve têm-se mantido estáveis ao longo dos anos, variando entre 2 e 3 milhões de garrafas por ano. A maior parte é comercializada nas grandes superfícies (80%), tendo também uma boa presença na restauração local e alguma exportação. 

O Presidente da CVR Lisboa, Francisco Toscano Rico, nota que o volume de produção e consequentemente das vendas, está fortemente condicionado pelas condições climatéricas, sendo que o aumento das temperaturas leva a que cada vez seja mais difícil produzir mostos com um grau alcoólico tão baixo.  Ou seja, o potencial produtivo desta categoria de vinho está logo à cabeça condicionada pela própria natureza, não se perspectivando que no futuro este cenário se venha a inverter. 

Ao mesmo tempo, nota-se uma melhoria substancial no nível qualitativo destes vinhos, contribuindo para isso a vindima no momento certo e a escolha de castas mais nobres. O próprio branding tem melhorado muito entre alguns produtores que apostam neste segmento, com rótulos que comunicam muito bem a ideia de “vinho leve”, transmitindo a sua essência na imagem. 

Como se faz um Vinho Leve?

Os vinhos leves muitas vezes são feitos de castas aromáticas, como Moscatel Graúdo ou Fernão Pires, se bem que esta última é mais difícil de colher atempadamente, com teor alcoólico mais baixo. 

Miguel Móteo, enólogo da Companhia Agrícola do Sanguinhal, conta que na utilização de Moscatel esta casa foi uma das primeiras. Na região de Lisboa, a casta é bastante produtiva o que leva a nunca atingir os valores elevados de maturação em termos de açúcar, mantendo-se nos níveis de 9-10%. O facto de ser vindimado mais cedo, penaliza um pouco a parte aromática, o que é compensado pela maceração com películas. Diz que quando se fermenta o Moscatel, “a adega parece um laboratório de perfume”. O Moscatel contribui com 50% do lote e para o Vinho Leve vindimam as uvas de certas parcelas, pois do outro lado da Serra de Montejunto já é mais quente e as maturações sobem. O Arinto amadurece lentamente e mantém a frescura. Entra com 40% e na altura da vindima para Vinho Leve tem 8 g/l de acidez. Vital é uma casta com mais corpo. Matura bem e desidrata facilmente devido à pelicula fina. É melhor para os vinhos DOC, por isto só entra em 10% no lote.   

vinhos leves

Carlos Nicolau, da Casa Agrícola Nicolau confessa que a casta Moscatel não foi a primeira opção. Aconteceu mesmo uma história engraçada. Como muitas casas agrícolas na chamada “região Oeste”, a Casa Agrícola Nicolau também tem produção frutícola. Plantaram a casta Moscatel, que também é apreciada como uva de mesa, a pedido de um parceiro seu. Mas só se conseguiu vender uma vez, pois as uvas eram pouco doces. A partir daí, foram redireccionadas para produzir o vinho leve (e com sucesso) já há cerca de 20 anos. 

Outras castas da região, como Arinto, Malvasia Rei, Jampal, Seara Nova, Vital, Tamarez e outras também entram nos lotes de acordo com a preferência de cada produtor.

O vinho é feito como se fosse uma base para espumantes: fermenta até ficar seco e depois acrescenta-se o mosto concentrado para o fazer ligeiramente mais doce. O nível de doçura não está indicado pela regulamentação e fica à consideração do produtor. Costuma variar entre 10 e 17 g/l, compensados e equilibrados pela acidez sempre bem elevada.

É óbvio que com o grau de álcool baixo e com açúcar residual, o vinho tem de ser bem estabilizado microbiologicamente através de processos térmicos, filtrações rigorosas e adições de conservantes como DMDC ou sorbato de potássio para evitar o crescimento de microorganismos. Cabe ao produtor adaptar a técnica mais adequada para o seu caso.  

Os Vinhos Leves não são todos iguais. Para além das castas utilizadas, com ou sem maceração pelicular, varia o nível de acidez, a sensação de gaseificação (no Mundus nota-se muito menos, do que no Solar da Marquesa, por exemplo, onde as bolhas vão subindo do fundo do copo a lembrar um espumante). A maior parte dos vinhos fermenta em cubas de inox, mas o Mundus Evolução da Adega da Vermelha tem um toque de madeira para conferir alguma complexidade ao vinho.

3 razões para repensar o Vinho Leve

Um vinho que abre o caminho para o mundo dos vinhos

Este tipo de vinho faz muito mais pelo vinho do que possamos pensar. É uma alternativa a refrigerantes e até à cerveja junto dos consumidores na faixa dos 20+ anos. É uma introdução ao mundo do vinho, mais adaptada ao paladar mais jovem. Há quem não goste de cerveja por ser amarga, mas um vinho simples, aromático, com uma ligeira doçura e um bocadinho de gás até vai muito bem. Não é um vinho que obrigue a um grande exercício sensorial, mas cumpre a sua missão de ser agradável e proporcionar um momento de socialização, quando é bem-feito e servido bem fresco à volta de 8-10˚C. É um vinho também leve para carteira, não ultrapassando os €4 PVP, e também acessível na restauração.

Um vinho adequado para uma vida saudável

Tem uma gradução alcoólica mais baixa do que os vinhos “não leves”, não ultrapassa os 10,5%, situando-se maioria dos Vinhos Leves entre os 9 e 10%, o que o torna bem menos calórico do que o habitual.

Um vinho flexível que desafia preconceitos

Gostar de vinho não é só beber vinhos caros de produtores famosos ou mais bem pontuados. Um verdadeiro enófilo não marginaliza nenhum tipo de vinho e sabe beber um vinho adequado a contextos diferentes. Quando vamos à praia, levamos um fato de banho e não um vestido de noite ou smoking. Numa esplanada junto à piscina quem consegue apreciar devidamente um Porto Vintage, por exemplo? O Vinho Leve parece que foi desenhado para estes momentos descontraídos e de socialização.

O Vinho Leve à mesa

Sendo leves e equilibrados, tornam-se autosuficientes numa esplanada ao pé da praia ou piscina. Ideal para uma conversa descontraída, fazem companhia sem atrair muita atenção. Entretanto, podem acompanhar umas entradas simples, como umas tostas barradas com um paté, humus ou guacamole, sushi ou marisco. Uma pizza havaiana que inclui pedaços de ananás é outra aposta segura. Comida indiana ou chinesa, que contém especiaria ou alguma doçura no sabor funciona sempre muito bem.

Não foram encontrados produtos correspondentes à sua pesquisa.

Artigo da edição nº40, Agosto 2020

Sugestão: Loureiro, a rainha do Lima

São várias as castas de uva que proliferam no Minho. Umas são bem conhecidas de todos, aparecendo em lugar de destaque nos rótulos das garrafas. Outras, um pouco mais obscuras, são hoje apenas curiosidades ampelográficas. Das primeiras, destacamos a variedade Loureiro, para muitos a melhor casta da região dos Vinhos Verdes. TEXTO João Paulo Martins […]

São várias as castas de uva que proliferam no Minho. Umas são bem conhecidas de todos, aparecendo em lugar de destaque nos rótulos das garrafas. Outras, um pouco mais obscuras, são hoje apenas curiosidades ampelográficas. Das primeiras, destacamos a variedade Loureiro, para muitos a melhor casta da região dos Vinhos Verdes.

TEXTO João Paulo Martins

As castas de uva têm por vezes características enigmáticas. Uma delas é a diferente apetência que mostram em querer viajar. Temos em Portugal exemplos para todas as situações, desde variedades que evidenciam muitas virtudes em todos os locais para onde foram levadas, caso da Alvarinho, mas também a Verdelho, Arinto ou Roupeiro, até outras que se quedaram na zona de origem e não deram mostras de querer viajar muito. Recordamos aqui o caso paradigmático da Encruzado e da que hoje tratamos, a Loureiro. No que respeita a esta variedade emblemática dos Vinhos Verdes, foram feitas algumas tentativas de a levar para outras zonas. Recordamos aqui que ela já esteve plantada na Quinta dos Carvalhais, no Dão, onde chegou a integrar, por uma única vez, um branco feito de lote entre Bical e Loureiro, na colheita de 2000. À época enólogo nessa quinta do Dão, Manuel Vieira disse à Grandes Escolhas que a casta produzia muito, mesmo muito, mas que “originava mostos com teor ácido baixo”, o que contraria a ideia que temos dela. A ideia de arrancar a vinha foi decisão empresarial, mas, na verdade, o tal 2000 Bical/Loureiro, ainda em 2019 dava mostras de estar em grande forma. Também na zona de Setúbal se fizeram experiências com a Loureiro. Domingos Sores Franco, enólogo da casa José Maria da Fonseca, confirmou que a casta foi para ali levada, há muitas décadas, pelo seu tio António Soares Franco. Ainda hoje tem cerca de 2ha de Loureiro plantados na zona de Azeitão, destinando-se o mosto para o lote do Quinta de Camarate branco doce, um vinho que nada tem a ver com vinhos doces de colheita tardia, mas que Domingos nos confirma ser um enorme sucesso, do qual se produzem 25.000 litros por ano. “Noto-lhe aromas de grande qualidade que lembram os que se conseguem no Minho, mas aqui tem menos acidez, tem mesmo uma certa gordura e peso na boca que funcionam muito bem no branco doce, onde a juntamos com a casta Alvarinho”, disse.

Unicer.

Uma casta produtiva

O vale do rio Lima, o solar do Loureiro, é bem distinto em configuração dos vales do Minho ou do Douro, importantes rios que atravessam a região dos Vinhos Verdes. O vale do Lima é amplo e largo, deixando entrar a influência atlântica bem dentro de terra.

Como já escreveu João Afonso em reportagem publicada neste revista, “em termos orográficos podemos dividir a sub-região do Lima em três zonas distintas: a zona mais litoral e ventosa de Viana, com vale aberto e pouca montanha; uma zona intermédia de Ponte de Lima (de Geraz do Lima até Jolda e Gondufe) ainda de vale aberto, mais protegido da nortada e já com traços de montanha; e a zona interior de Ponte da Barca e Arcos de Valdevez com vale mais estreito, de perfil montanhoso e com alguma continentalidade a misturar-se com o clima marítimo.”

A casta Loureiro gosta de frio, mas não aprecia vento. Segundo Anselmo Mendes, “prefere zonas mais abrigadas para evitar partir as varas e é exigente na gestão da sebe para que a vinha possa respirar. Produz bem, mas não convém deixar ir muito além das 10 ton/hectare para não perder carácter.” Esta produtividade, que se pode considerar normal na região do Verdes está, no entanto, muito acima do que encontramos noutras zonas do país, nomeadamente na vizinha região do Douro. José Luis Moreira da Siva é enólogo na quinta dos Murças (Douro) e, por via da aquisição por parte do Esporão da Quinta do Ameal, ficou também responsável pela viticultura e enologia desta propriedade minhota. As diferenças não podiam ser maiores, “é que estou a lidar com produções por hectare que são cinco vezes superiores às do Douro, com terrenos muito mais férteis e também muito mais propícios às doenças e pragas da vinha e tudo isso é um grande desafio”. José Luis confirma que apesar dessa pressão das doenças, é no Minho mais fácil assegurar uma produção regular, com solos ricos e água com fartura. A Quinta do Ameal esteve durante algum tempo certificada como bio, mas, foi-nos confirmada, essa certificação foi abandonada. O enólogo foi pragmático: “estamos a seguir tratamentos e práticas bio, mas se houver um ataque a sério avançamos com tratamentos químicos; não faz sentido perder a produção por falta de tratamentos. Estou de resto convencido que enquanto no Douro é mais fácil a certificação bio, aqui nos Verdes tenho muito mais dúvidas”.

Polivalente na adega

Na adega, a Loureiro mostra-se polivalente. Na Quinta do Ameal sempre se usou uma vinificação diferenciada, ora em inox ora em barricas usadas, praticando abundantemente a bâtonnage, mesmo no inox. Essa prática pode ser fundamental sobretudo se se pretende fazer um Loureiro que dure 20 anos na garrafa. No Ameal sempre existiu a preocupação de mostrar a longevidade da casta Loureiro, a única plantada na quinta e inúmeras provas confirmam amplamente que o tempo está muito mais ao lado da casta do que em tempos se pensava. Anselmo Mendes diz-nos que, “com o tempo, os aromas transformam-se e surgem algumas notas terpénicas que, essas sim, fazem lembrar o Riesling do Mosela”. No entanto, salienta ainda, “existem vários clones de interesse desigual, alguns originam vinhos com notas de Moscatel, mas eu prefiro uns clones que fazem vinhos mais discretos, mas que evoluem bem com o tempo”.

Quinta de Gomariz.

Além da fermentação em inox e barrica (mais usada do que nova), no Ameal estão a fazer-se ensaios com ovos e túlipas de cimento. E trabalhar com teores alcoólicos na casa dos 11,5% de “chega perfeitamente, não precisamos de mais”, confirma Moreira da Silva.

Mesmo nas outras sub-regiões dos Verdes onde a Loureiro entra em lote com outras variedades, os resultados são compensadores. É boa a ligação com a casta Arinto e está em desuso o lote com a Trajadura, uma variedade que recolhe cada vez menos adeptos. Como nos diz Anselmo Mendes, “em tempos era usada para fazer baixar a acidez do Alvarinho, mas hoje já se usa menos”. E em Valença, bem perto da zona de Monção e Melgaço, mas fora da sub-região, a casta Loureiro dá resultados muito interessantes.

Tal como acontece noutras sub-regiões dos Vinho Verdes, o Vale do Lima é a pátria da casta Loureiro, é ali sem dúvida que melhor se expressa e também a casta que melhor expressa as virtudes daquele terroir. Já na sub-região do Sousa impera a Arinto, em Baião a Avesso, exemplos que nos mostram que, embora viajantes, as castas encontram por vezes razões de sobra para não saírem de onde estão. 

 

SABIA QUE…
Loureiro, uma variedade das terras frias

A casta Loureiro é, do ponto de vista económico, a variedade mais importante da região dos Vinhos Verdes. É no vale do rio Lima que ela melhor mostra as suas virtudes. Casta produtiva, gosta sobretudo de zonas onde se faça ainda sentir a influência atlântica, contribuindo com elevada acidez para os mostos. Por esta razão é aqui, na sub-região do Lima, que melhores resultados origina. As zonas mais interiores, de Basto até Baião e Amarante já não lhe convêm porque perde rapidamente a acidez, característica marcante desta casta. Gera vinhos de teor alcoólico médio, mas muito aromáticos, razão pela qual é muito procurada pelos viticultores. Também presente nas Rias Baixas tem aí, no entanto, um peso muito residual, uma vez que a região é quase monocultura de Alvarinho. Apesar de gerar boas produções, não se pode deixar produzir demais porque depois perde aromas. Prefere solos férteis e abundância de água, mostrando muitas dificuldades para enfrentar o stress hídrico. Existem vários clones certificados desta casta sendo mais cotado o que gera o cacho com bagos pequenos e coloração dourada. Segundo informação da CVR dos Vinhos Verdes, existem 189 marcas válidas de vinhos varietais de Loureiro, correspondendo a 111 engarrafadores. Até aos anos 80 do século passado não existiam no mercado vinhos varietais de Loureiro e foi então nessa década que surgiram os primeiros varietais de Loureiro, da Adega Cooperativa Ponte de Lima e de alguns produtores engarrafadores, como a Quinta de S. Cláudio, Casa dos Cunhas ou Quinta do Luou.

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Douro tinto por menos de €10: Vinhos ambiciosos, compras inteligentes

Foram 36 os “candidatos” tintos e durienses com preços em euros até ao redondo 10, e o conjunto mostrou ser campeão na relação qualidade-preço, revelando frescura e complexidade. Será este segmento a compra inteligente do Douro? TEXTO Mariana Lopes FOTOS Ricardo Gomez Já se faz vinho no vale do Douro, segundo os mais antigos vestígios, […]

Foram 36 os “candidatos” tintos e durienses com preços em euros até ao redondo 10, e o conjunto mostrou ser campeão na relação qualidade-preço, revelando frescura e complexidade. Será este segmento a compra inteligente do Douro?

TEXTO Mariana Lopes
FOTOS Ricardo Gomez

Já se faz vinho no vale do Douro, segundo os mais antigos vestígios, há mais de 2 mil anos. No entanto, se olharmos apenas para os últimos dez, a evolução dos números desta região foi absolutamente notável, principalmente no que toca à produção e à comercialização. Segundo dados estatísticos recolhidos dos sites do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto e do Instituto da Vinha e do Vinho, a área total de vinha diminuiu de 2010 (45.553ha) para 2019 (43.608ha). No entanto, a área de vinha apta a Denominação de Origem (DO) Douro e Porto aumentou, no mesmo período, de 38.364ha para 40.071ha, o que significa que aquele decréscimo de área total de vinha representa, na verdade, boas notícias. Falamos de vinhas de uma região (e já que esta Grande Prova assenta em vinhos tintos) em que as castas tintas predominantes são a Tinta Amarela, Tinta Barroca, Tinta Roriz, Touriga Francesa, Touriga Nacional e Tinto Cão, mas onde as (verdadeiras) vinhas velhas escondem dezenas de outras uvas antigas. São precisamente estas seis variedades de uva e também, de forma mais ocasional, a Sousão, que entram nos lotes de vinhos tintos do Douro com preço inferior a 10 euros, apenas variando entre elas e nas percentagens de cada uma. Note-se que a newsletter da associação ProDouro, na sua edição de Maio, deu conta de que já se pode oficialmente voltar a chamar Touriga Francesa à Touriga Franca. Nessa edição, pode ler-se: “Segundo o aviso nº 3999/2020 do Instituto da Vinha e do Vinho, publicado em Diário da República de 6 de Março «são incluídos na lista de castas anexa à referida Portaria [nº 380/2012 de 22 de Novembro] e da qual faz parte integrante as seguintes castas e sinónimos: (…) Casta Touriga-Francesa como sinónimo da casta Touriga-Franca (PRT52205), apenas na rotulagem da DO Porto, Douro e IG Duriense».”

Já no que toca à produtividade, devida aos solos pobres, clima agreste e orografia difícil, o Douro não é uma região que se caracterize por elevado rendimento, estando a produtividade permitida tabelada num máximo de 55 hectolitros (cerca de 7.500kg) por hectare. A produtividade média fica-se, inclusive, pelos 30 hectolitros (cerca de 4.100kg) por hectare, contra, por exemplo, os cerca de 7.600 kg/ha do Alentejo (dado de 2016).

Mas é quando chegamos aos números da produção de vinho que a coisa fica ainda mais séria. Em 2010, a produção total de vinho apto para poder originar DO Douro era de pouco mais de 50 milhões de litros. Em 2019, passou os 81 milhões. Em volume, as vendas de vinho tinto certificado DO Douro passaram, no mesmo período, de 17.543.521 litros para 30.024.831 litros, o que correspondeu, em valor, a um salto dos quase 80 milhões de euros para mais de 134 milhões. Tudo isto com um aumento de 43 cêntimos por litro, dos 4.04 euros para os 4.47, o que conclui que o Douro conseguiu aumentar a produção e as vendas sem baixar o preço, o que é sempre de louvar.

Os anos vitícolas 2017 e 2018

Quase todos os vinhos provados são das colheitas de 2017 (maioria) e 2018, dois anos vitícolas que se revelaram bastante díspares. A família Symington, com mais de 1000 hectares de vinha no Douro, produz óptimos relatórios de vindima que são excelentes apoios para qualquer trabalho, e o disposto a seguir foi baseado nesses mesmos relatórios, podendo ajudar a perceber os perfis dos vinhos destas colheitas. O ano de 2017 foi, em geral, bastante quente e seco, com a maioria dos seus meses a registar um nível de precipitação bem abaixo da média. Março, Abril e Maio foram, inclusive, cerca de 2.6ºC mais quentes do que a média e Abril, em concreto, foi o mais quente desde 1931. Junho também não quis ficar atrás, e foi o mais quente desde 1980, com a temperatura a atingir os 43ºC. Julho manteve-se seco e quente. Já Agosto mostrou-se mais moderado, com noites relativamente frescas. Consequentemente, e devido a esta seca, as produções em 2017 acabaram por diminuir.

A seca prolongou-se até Março de 2018, ano que acabou por divergir bastante do anterior porque em Março, Abril e Maio choveu abundantemente, a um nível que chegou a ser duas vezes acima da média destes meses. Depois, a 28 de Maio deu-se um episódio dantesco que poucos esquecerão: uma tempestade acompanhada de forte granizo, tendo a zona do Pinhão sofrido uma precipitação de 90mm em menos de duas horas. Foi desastroso e muitos produtores viram os seus solos arrastados para o rio e as vinhas destruídas, e também por isso as perdas na produção em 2018 foram muito grandes, mesmo com o resto do ano vitícola (com a excepção de um Setembro bastante mais quente do que o habitual) a revelar-se “normal”, com números próximos da média. Em 2017, a produção total de vinho DO Douro foi de 51.564.497 litros e em 2018 caiu de forma impressionante para os 38.530.429 litros. 

Como são os tintos do Douro até €10?

A amostra de 36 tintos do Douro com preço até 10 euros, é já suficiente para que se possam tirar algumas conclusões interessantes, a partir dos pontos em comum que apresentaram, e até dos que divergiram por alguma razão. Em primeiro lugar, é preciso ter em conta que a faixa de preço se situou, na maior parte dos casos, nos 7, 8 e 9 euros. Uma das ilações, e a minha favorita, é o facto de este conjunto dos tintos ter apresentado uma enorme frescura transversal, e também um nível de complexidade já bem “jeitoso” para o segmento de preço. Os enólogos de alguns dos vinhos mais bem pontuados desta Grande Prova vieram ajudar a perceber isto e várias outras coisas. Francisco Baptista, autor do Andreza Reserva 2017, da Lua Cheia em Vinhas Velhas, explica que “o Douro é uma região que se tem adaptado as novas tendências, de vinhos com frescura e complexidade, e isto deve-se à riqueza de todo o vale, como as diferentes altitudes, vinhas em encosta com diferentes exposições, e três sub-regiões totalmente diferentes. Esta vindima [2017] foi complicada, pois começámos em Agosto com imenso calor e a maturação foi rápida nas zonas perto do rio, mas os mostos eram ricos em antocianas, polifenóis e ácidos. Na meia encosta, em vinhas viradas a Norte e nos planaltos, o equilíbrio era extraordinário”. Quanto à complexidade, o enólogo diz que esta “não é de admirar”, porque “a viticultura tem feito um trabalho notável na região e, se as castas estiverem nos sítios certos, a partir daí o trabalho na adega é facilitado”. Manuel Lobo, enólogo-chefe dos vinhos Quinta do Crasto, vai de encontro à ideia da pluralidade de terroirs do Douro com que se pode “jogar”, e acrescenta que “a resposta está na “nova era” de enologia, que assenta os seus pilares no respeito pela vinha e consequentemente pelo seu equilíbrio natural”. Em relação ao ano 2017, Manuel Lobo conta que “para encontrar o equilíbrio e frescura, foi fundamental não falhar o ponto óptimo de maturação, evitando assim os aromas de sobre-maturação, e privilegiar a altitude e exposições Norte e Nascente”. E é precisamente esta a exposição das vinhas que dão origem ao Flor das Tecedeiras, cuja enologia está a cargo de Rui Cunha (também do Quinta dos Avidagos Reserva 2017), que reforça que “isso contribui muito para o seu lado de frescura”. Jorge Moreira, responsável pelos vinhos da Real Companhia Velha, neste caso o Quinta dos Aciprestes 2017, e também pelos Quinta de La Rosa, lembra que “no passado havia uma grande procura por concentração e potência, mas hoje os enólogos estão muito mais virados para o equilíbrio. Assim, a frescura e a própria acidez passaram a ser uma das nossas maiores preocupações”. Paulo Coutinho, que assina os vinhos da Quinta do Portal, é ainda mais assertivo quando fala de complexidade e afirma que esta “vem claramente de um ano quente, pois a vinha, para produzir um bom vinho, precisa de sofrer. Mas, por exemplo, 2003 foi bem mais quente, produzindo ainda maior complexidade, mas faltou acidez e frescura. Já 2017 beneficiou do que 2009 já tinha beneficiado no Douro, que foi uma busca incessante por maior elegância e frescura. O enólogo da região tentou, desde aí, combater a concentração nos anos mais quentes com a acidez, seja recorrendo à altitude, ao portefólio das castas, ou ao controlo na viticultura, com práticas que nos permitem proteger a folha e fruto da agressividade do tempo quente”.

Mas, o que deve ser um vinho deste segmento de preço, tendo em conta o que o consumidor procura neles? José Manuel Sousa Soares, enólogo da Quinta de Ventozelo, da Gran Cruz, elucida de forma muito pertinente que, para si e nesta empresa, é “necessariamente um vinho da gama média em qualidade e com um preço pouco superior à entrada de gama. Pretende-se que a força, o carácter e a complexidade do lugar sejam evidentes num vinho acessível, marcado pela expressividade das castas que o compõem”. Jorge Moreira concorda e, além de falar na identidade regional, refere que “devem ser equilibrados e estar em bom momento para serem consumidos”, e que são vinhos que estão “no nosso segundo patamar qualitativo, tendo em conta que os de entrada de gama têm carácter regional, os do segundo patamar já mostram a Quinta de onde vêm, num terceiro mostram a casta e/ou a vinha, e assim sucessivamente”. Uma hierarquia e perspetiva interessante, demonstrada por este enólogo.

Rui Cunha, por sua vez, defende o contraditório de uma forma válida: “De uma forma geral, nós (e eu também sou consumidor) procuramos aqui vinhos equilibrados, coerentes, com complexidade e bom final de boca. Mas não há uma definição de como deve ser um vinho ‘nesta faixa de preço’. No projecto das Tecedeiras, o Flor das Tecedeiras está na gama de entrada mas, nos Avidagos, o Avidagos Reserva é um ‘premium’. Este é só um dos argumentos”. Já Paulo Coutinho vê esta questão um pouco como um “jogo de cintura”, explicando que “esta é uma gama de preço onde o consumidor procura chegar sempre que quer um pouco mais de sofisticação e complexidade do que o habitual. Já não é o vinho do dia-a-dia. Além disso, é quando o consumidor pensa não só nele, mas na companhia para o tomar, e normalmente escolhe esta gama dos [quase] 10 euros para iniciar o jogo antes de passar o ponto alto, ao nível acima. Assim, tem de ter a complexidade suficiente para não defraudar”. Manuel Lobo acrescenta que “devem ser vinhos que despertem também no consumidor a curiosidade para conhecer melhor a região”.

Na vinha e na adega

Há um elemento comum nas respostas dos enólogos, que é a vinha, o respeito por ela, e a importância da viticultura, e isto não só nesta prova, mas em muitas outras que a Grandes Escolhas já fez. O que nos leva a indagar sobre se, para cada tipo de vinho, haverá ou não uma viticultura especifica, e até, em concreto no Douro, castas favoritas ou “essenciais” para tintos deste segmento. José Manuel Sousa Soares começa por expor que “na viticultura temos de escolher métodos que expressem bem o carácter das castas e dos locais de produção, de forma a que a produção seja equilibrada com o potencial vitícola em causa, quer do ponto de vista qualitativo como quantitativo, e que promova a boa sanidade vegetal. Não há, portanto, soluções únicas nem sempre vencedoras, até porque os anos, do ponto de vista climático, não se repetem e originam alteração do potencial das uvas. É necessário um acompanhamento muito próximo da evolução anual que possibilite a escolha acertada das datas de vindima em cada parcela”. Este enólogo escolheu integrar Alicante Bouschet no lote do Ventozelo 2016, juntamente com Touriga Francesa e Sousão, porque aquela casta “está instalada numa meia encosta virada a Nascente-Norte e, em 2016, apresentava frescura com algum carácter vegetal muito importante para o resultado final”. Além deste pormenor, que confere alguma originalidade, José Manuel Soares acredita que, neste tipo de vinho, “a Touriga Franca [ou Francesa] é essencial na estruturação”. Jorge Moreira e Francisco Baptista também elegem a Touriga Francesa como favorita nestes lotes, este último dizendo que dá “pouco álcool, boa acidez, e fruta vermelha intensa e fresca”. E Manuel Lobo reforça que não há receitas, mas que “é fundamental estarmos presentes. O modelo deve ser de equilíbrio e de respeito pela identidade o que, na minha opinião, só se consegue com uma viticultura de precisão.”. E defende, nestes vinhos, a tríade “Touriga Nacional, para aroma e frescura, Touriga Franca, para volume e estrutura, e Tinta Roriz, que dá elegância e persistência”. Depois de confessar que lhe dá gozo voltar a usar o nome “Francesa”, Paulo Coutinho confessa que esta é a “pacificadora do lote”, mas que adora a Tinta Roriz para esta categoria, achando “incrível para o frutado que pretendo”. E Rui Cunha volta a trazer o fundamental contra-argumento: “De nada serve dizer que uma determinada casta é fundamental se o local não lhe é favorável. Felizmente, a região do Douro é rica em castas que estão muito bem-adaptadas aos variadíssimos ‘micro-terroirs’”.

Quanto à enologia destes vinhos, e quando falamos do ano quente de 2017, Manuel Lobo diz que “foi essencial controlar muito bem as extracções e as temperaturas de fermentação” para que não se perdesse frescura. Jorge Moreira e Paulo Coutinho sublinham a pouca extracção e o primeiro fala também da necessidade de vindimar cedo “quando ainda temos fruta fresca”, e do “cuidado com a madeira nova para não descaracterizar os vinhos”. Rui Cunha toca estes pontos mas acrescenta (e muito bem) o factor higiene. E depois de tudo isto, só há uma coisa a desejar, nos tempos que correm: haja higiene e saúde para beber vinhos desta qualidade!

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Artigo da edição nº38, Junho 2020