O Porto que (não) queremos

O Porto é, entre todos os vinhos de Portugal, o mais apreciado e prestigiado internacionalmente. No entanto, os portugueses continuam a olhar para o Vinho do Porto de forma algo ambivalente, reconhecendo a sua categoria, mas fugindo do seu consumo. Algo como: “É muito bom, mas não o bebo”.   HÁ POUCO mais de um […]

O Porto é, entre todos os vinhos de Portugal, o mais apreciado e prestigiado internacionalmente. No entanto, os portugueses continuam a olhar para o Vinho do Porto de forma algo ambivalente, reconhecendo a sua categoria, mas fugindo do seu consumo. Algo como: “É muito bom, mas não o bebo”.

 

HÁ POUCO mais de um mês estive num jantar organizado pela Sogrape, para a apresentação dos seus Vintages de 2015. A refeição foi exclusivamente acompanhada por Vinho do Porto, uma opção arriscada mas que, graças ao elevado nível dos vinhos e ao cuidado do chef Marco Gomes na sua harmonização, resultou plenamente. O enólogo Luís Sottomayor justificou a opção pouco comum como uma forma de chamar a atenção para o Vinho do Porto, injustamente relegado para segundo plano pelos consumidores nacionais. Se olharmos para os números, a preocupação com o baixo consumo de Vinho do Porto entre os portugueses pode parecer descabida. As estatísticas até são positivas, revelando o Porto em crescimento no mercado nacional. Não esqueçamos, porém, que os números também nos dizem que Portugal é, desde 2015, o país do mundo com maior consumo de vinho per capita. Como é que toda a gente desatou a beber vinho desenfreadamente e ninguém deu por isso? A resposta está no turismo. O salto no consumo coincide com o boom do turismo e Portugal recebe hoje, anualmente, o equivalente ao dobro da sua população em turistas. Que, felizmente, também bebem (muito) e apreciam (muito) os vinhos portugueses.

Não é possível tirar os turistas das estatísticas de consumo e, assim, para avaliar o comportamento dos portugueses perante o Vinho do Porto, só nos podemos guiar por aquilo que nos transmitem as pessoas, começando por quem vende (restaurantes e lojistas) e terminando no mais importante, quem bebe. E aquilo que as pessoas nos dizem não é animador. Regra geral, o consumidor português, mesmo o mais esclarecido e exigente, tem uma relação distante com o Vinho do Porto.

Não é preciso um momento especial para abrir uma garrafa de Porto

Eu vejo isso no meu próprio círculo de relações. Há 10 anos era constantemente solicitado para dar dicas sobre os melhores Vintage para comprar. Nos últimos tempos, as solicitações já não passam pelo Porto. E porquê? Porque cada vez bebem menos Porto e os vinhos em stock nas garrafeiras domésticas são mais do que su cientes para o baixo ritmo de consumo. Estarei a exagerar? Aqueles que fazem o favor de me ler que respondam: em média, quantas garrafas de Porto abrem por mês? Duas? Uma? Menos do que isso?

E aqui, coloco a questão: o que fazer para mudar estes padrões de consumo? Não tenho respostas concretas, mas acredito que a solução passará por dois níveis de intervenção. As organizações do sector (IVDP, associações de produtores e exportadores, empresas) deverão simplificar e comunicar muito mais e melhor um vinho que é bastante complexo em termos de categorias, tipos, designações, difícil de explicar e de entender. Mas a verdadeira mudança deverá começar no comportamento de cada um de nós, enquanto consumidores exigentes e líderes de opinião (pelo menos na nossa roda de amigos). O Porto de qualidade está cada vez melhor e mais acessível, como mostram os excelentes LBV que provámos nesta edição da Grandes Escolhas. Não há que inventar desculpas para não abrir uma garrafa de Porto. E não são precisos pretextos ou momentos especiais para o fazer. Vamos a isso?

Excelência garantida

Quando se pensaria que as “receitas” para fazer grandes vinhos tinham passado à história, eis que elas regressam, vestidas agora com novas roupagens e utilizando ingredientes mais apelativos para o consumidor.   MICHEL ROLLAND, sendo o grande enólogo que é, viu a sua imagem beliscada junto do consumidor quando se constatou que, para acudir às […]

Quando se pensaria que as “receitas” para fazer grandes vinhos tinham passado à história, eis que elas regressam, vestidas agora com novas roupagens e utilizando ingredientes mais apelativos para o consumidor.

 

MICHEL ROLLAND, sendo o grande enólogo que é, viu a sua imagem beliscada junto do consumidor quando se constatou que, para acudir às inúmeras adegas a que prestava consultoria no mundo inteiro, utilizava um “protocolo” enológico que era aplicado de forma demasiado generalizada. Provavelmente não poderia fazer de outra forma, dado o gigantesco volume de vinhos que trabalhava em diferentes continentes, mas crítica era justificada e a aversão às receitas ficou.

Na verdade, sobretudo quando se procura a qualidade máxima, trabalhar com receitas é inútil, pois o vinho é feito de diversidade e imprevisto. Não existe um igual a outro porque as condições que os originaram, na vinha e na adega, são também elas diferentes e se alteram em cada vindima. Pretender que, reunindo determinados factores e utilizando determinadas técnicas, se obtém automaticamente um vinho de excelência, é enganar-se a si mesmo e enganar os outros.

Nos últimos anos, porém, tenho vindo a assistir ao regresso das receitas, centradas agora mais na vinha do que na adega (o que não deixa de ser curioso, pois a uva é precisamente aquilo que menos se pode controlar e replicar de um ano para o outro). Vinha velha, viticultura orgânica, leveduras indígenas, barrica usada, vindima precoce, intervenção mínima (seja lá o que isso for), eis a nova receita para o sucesso. A “fórmula” está a ser promovida como sendo a única capaz de assegurar vinhos com grandiosidade e personalidade. E vem com a arrogância de uma certa superioridade moral vitícola e enológica.

A fórmula da grandeza não existe

A receita mudou, mas o erro é o mesmo e pode ser exposto ponto por ponto. Para não me alongar, vou centrar-me apenas num dos seus ingredientes, a vinha velha. O próprio conceito de vinha velha é pouco claro, mas vamos assumir que será uma vinha com muitas castas, todas misturadas e plantada há mais de 70 anos. Ora, dizer que uma vinha origina grandes vinhos por ser velha, é completamente absurdo. Como se a sua localização ou a conjugação de castas que lá existe não tivesse qualquer importância. Uma vinha velha não é igual a outra vinha velha, mesmo quando plantadas a 500 metros uma da outra, como qualquer produtor com várias vinhas deste tipo pode testemunhar. E se uma oferece consistentemente vinhos de enorme categoria, outra pode não originar mais do que vinhos banais.

Já bebi muitíssimos vinhos de grande nível oriundos de vinhas velhas. Mas também já me deliciei muitas vezes com belos vinhos de vinhas jovens, até do primeiro ou segundo ano de produção. Excelência e banalidade já provei de vinhas orgânicas ou de proteção integrada, filtrados ou não filtrados, com leveduras indígenas ou selecionadas, com barrica nova ou usada, de lagar ou de inox.

Não existe uma fórmula que assegure a grandeza. E ainda bem. A paixão do vinho (pelo menos a minha) alimenta-se precisamente do imprevisto, da surpresa, da noção de que nada podemos dar como garantido e de que existe sempre margem para descobrir e aprender. Após 28 anos de escrita de vinhos, a única coisa de que estou certo é de que não há certezas. Quem não percebe isto, não percebe nada.

Cestos lavados

Diz o provérbio que até ao lavar dos cestos é vindima. Mas neste ano de 2017 os cestos foram lavados muito mais cedo do que é habitual, encerrando uma colheita precoce como não há memória.   NÃO há memória, nem registos, de uma vindima assim. No início de Agosto, praticamente todo o país estava a […]

Diz o provérbio que até ao lavar dos cestos é vindima. Mas neste ano de 2017 os cestos foram lavados muito mais cedo do que é habitual, encerrando uma colheita precoce como não há memória.

 

NÃO há memória, nem registos, de uma vindima assim. No início de Agosto, praticamente todo o país estava a colher uvas. E quem faz vinho base para espumante, em muitos casos, começou em Julho. O stress nas empresas e adegas foi tremendo. Imagine-se precisar de colher as uvas e ter os vindimadores agendados para duas semanas mais tarde; ou querer colocar a adega pronta e os enólogos e funcionários essenciais estarem a descansar bem longe…

Desde o mês de Maio que o tempo seco e quente indiciava uma vindima precoce. Mas ninguém esperava que em Julho a maturação disparasse como um comboio desgovernado. Muito boa gente deixou a família na praia e regressou às adegas. E alguns nem chegaram a ter férias. O calor, ainda que moderado em diversas regiões por noites frescas (que ajudam ao desenvolvimento da maturação) mas, sobretudo, o ano extremamente seco, foi o principal responsável por esta vindima louca. Como alguém me dizia, “parecia que as videiras, à míngua de recursos para sustentar as uvas, queriam ver-se livres delas o mais rápido possível”. Lavados os cestos, é tempo de fazer o balanço. E parece que, apesar dos sustos, os vinhos vão ser muito bons. Antes assim. Da vindima de 2017 e dos seus frutos trata o extenso trabalho realizado por João Afonso e António Falcão que publicamos nesta edição de Outubro.

Parece que, apesar dos sustos, os vinhos vão ser muito bons

Outro tema em destaque é a grande prova de vinhos Syrah, orientada e escrita por Valeria Zeferino. A uva Syrah é, sem dúvida, um fenómeno em Portugal. A seguir à Touriga Nacional, é provavelmente a uva tinta que mais adeptos reúne junto de viticultores e produtores graças, sobretudo, a uma enorme consistência de qualidade, vindima após vindima. Os vinhos que provámos mostram a versatilidade da uva, capaz de originar produtos muito interessantes em diversos segmentos de preço.

Incontornável é igualmente a figura de João Portugal Ramos. Enólogo, produtor, empreendedor, um dos principais responsáveis pelo salto da enologia portuguesa para a era moderna, comemorou agora os 25 anos de vida da empresa vitivinícola que criou em Estremoz e se estendeu depois a outras regiões. Entrevistado nesta edição, expõe a sua visão sobre o vinho português e dá-nos conta daquilo que o move.

O nosso Master of Wine Dirceu Vianna Junior continua a provar todos os meses um conjunto de vinhos escolhidos em torno de um tema específico. Desta vez, procurou tintos do Douro com preço inferior a €15 para fazer as suas recomendações.

Finalmente, de entre os muitos motivos para ler as 144 páginas da Grandes Escolhas de Outubro, permitam-me destacar as várias peças sobre a região bairradina, os seus produtores e os seus vinhos. Enquanto o vinho de 2017 repousa nas adegas, depois de uma vindima em passo de corrida, é tempo de procurarmos nós também um momento de repouso para uma boa leitura.

Encruzado

A casta Encruzado é um verdadeiro fenómeno. Num espaço temporal muito curto passou de quase desconhecida para indisputada líder entre as variedades brancas do Dão. Para o apreciador de vinhos de qualidade, Dão branco e Encruzado são quase sinónimos. E existem certamente boas razões para isso.   QUEM está atento às tendências no mercado de […]

A casta Encruzado é um verdadeiro fenómeno. Num espaço temporal muito curto passou de quase desconhecida para indisputada líder entre as variedades brancas do Dão. Para o apreciador de vinhos de qualidade, Dão branco e Encruzado são quase sinónimos. E existem certamente boas razões para isso.

 

QUEM está atento às tendências no mercado de vinhos e tem idade suficiente para as acompanhar desde há quase três décadas lembra-se certamente do “big bang” dos chamados monovarietais. Estávamos em meados dos anos 90 e muitos consumidores portugueses ouviam pela primeira vez falar em castas e descobriam os vinhos feitos de uma só variedade. A coisa atingiu tal dimensão que até as marcas próprias de alguns supermercados os tinham em quantidade. Das dezenas de castas diferentes que então mereciam honras de engarrafamento a solo, sobreviveram até aos dias de hoje, com sucesso comercial capaz de criar uma categoria de produto, relativamente poucas. Curiosamente, mais brancas do que tintas. Algumas transversais a todo o país, como a omnipresente Touriga Nacional ou as cada vez mais difundidas Arinto, Syrah, Alicante Bouschet ou Alvarinho; outras de âmbito mais regional, como Loureiro, Avesso, Baga, Síria, Antão Vaz e, é claro, Encruzado.

A Grande Prova publicada nesta edição de Setembro é um bom exemplo do peso que a casta hoje tem nos vinhos mais ambiciosos do Dão. Apesar de ser apenas a 5ª variedade branca mais plantada na região, está presente em todos os 47 vinhos provados. E desses, a maioria é feita exclusivamente de Encruzado.

Sabemos ainda pouco da uva branca mais famosa do Dão

Para os consumidores actuais, pode parecer que a uva Encruzado foi desde sempre rainha dos brancos do Dão. Mas quando eu comecei a escrever sobre vinhos, em 1989, ninguém ninguém falava nela. O primeiro vinho comercializado como Encruzado foi o Quinta dos Carvalhais da colheita de 1992. A vida de uma casta, a sua adaptação natural às condições especificas de cada região, a aquisição de conhecimentos sobre o seu comportamento na vinha e na adega, é algo que se mede, normalmente, em séculos. Nesta perspectiva, a Encruzado é das variedades menos conhecidas em Portugal. Segundo o Grande Livro das Castas, coordenado por Jorge Bohm e para o qual contribuíram diversos investigadores nacionais, a primeira menção escrita a uma casta identificada como Encruzado ocorreu apenas em 1942. Em termos de comparação com outras castas regionais, a Malvasia Fina (a uva branca mais plantada no Dão, oriunda da grande família das Malvasias) está identificada desde 1515; a Gouveio (Godello na Galiza), desde 1531; e António Augusto de Aguiar catalogava as uvas Bical e Cerceal-Branco em 1866/1867.

Já agora, noutra parte do mundo, em França, os monges de Cister referiam em 1330 uma uva chamada Chardonnay… Em pouco mais de duas décadas de “utilização consciente”, na vinha, na adega, no mercado, a Encruzado mostrou ser uva de enorme categoria, capaz de originar alguns dos melhores brancos portugueses, com elegância, classe, longevidade. No entanto, comparada com outras castas, não tivemos ainda vindimas suficientes para experimentar/explorar todas as suas capacidades. O que me leva a pensar que o melhor do Encruzado ainda está para vir…

Not so silly

Desculpem-me os leitores o anglicismo do título, que tem obviamente a ver com o Verão e a chamada “silly season” da comunicação, aquela temporada em que nada acontece e qualquer notícia, por mais irrelevante que seja, serve para ocupar jornais e televisões. Pois no que ao vinho diz respeito, a estação tola está a ser […]

Desculpem-me os leitores o anglicismo do título, que tem obviamente a ver com o Verão e a chamada “silly season” da comunicação, aquela temporada em que nada acontece e qualquer notícia, por mais irrelevante que seja, serve para ocupar jornais e televisões. Pois no que ao vinho diz respeito, a estação tola está a ser tudo menos isso.

 

NÃO sei se é por a maturação das uvas ir muito adiantada face ao habitual, mas as empresas de vinho não estão com vontade de descansar. E já nem falo das novas marcas e colheitas que chegaram ao mercado no Verão, mas sim de grandes movimentações estratégicas, com aquisições sonantes, daquelas que são e fazem notícia. Em final de Julho assistimos a dois casos que merecem destaque: as compras da Quinta Vale D. Maria por parte da Aveleda e da Tapada do Chaves pela Fundação Eugénio de Almeida.

Sendo negócios obviamente distintos, possuem alguns aspectos em comum: têm como comprador empresas de grande dimensão com marcas de referência; o “objecto de desejo” são pequenas propriedades com vinhos de prestígio, posicionados no segmento alto do mercado; para as empresas compradoras, o negócio não é uma mera oportunidade para ampliar património, é estrategicamente inovador e significativo.

Com a Quinta do Vale D. Maria, a Aveleda sai da sua zona de conforto e salta para o topo da pirâmide, para os vinhos de nicho. Não é apenas estender-se dos Verdes para o Douro. No Douro já a Aveleda estava com o Charamba. É entrar no mercado da singularidade, da diferença, do exclusivo, abrindo a sua oferta a novos distribuidores e clientes. E, ao mesmo tempo, aproveitar o know-how de produto e mercado super premium da equipa Vale D. Maria para reactivar o projecto da Quinta da Aguieira, na Bairrada, e lançar-se a sério nos Vinhos do Porto. Genial!

A estação tola, de tola não teve nada

Quanto ao negócio protagonizado pela Fundação Eugénio de Almeida apetece perguntar: o que é que Portalegre tem que acrescente o que quer que seja a quem já possui Cartuxa e Pêra Manca? Já sabemos a resposta: diferença. Um Alentejo singular graças à serra de S. Mamede, à altitude, ao clima, às vinhas velhas, à pequena dimensão fundiária. Um Alentejo que cativa cada vez mais empreendedores (vide a família Symington, no seu primeiro investimento fora do Douro) em busca de vinhos de forte personalidade. Note-se que, dentro de Portalegre, Tapada do Chaves não é uma marca qualquer. Para quem, como eu, tem bem vivos na memória os gloriosos Frangoneiro dos anos 80, Tapada do Chaves é “a marca” de Portalegre. E um nome incontornável na história do vinho do Alentejo. Sabê-la com a Fundação Eugénio de Almeida deixa-me, enquanto adepto, muito entusiasmado: não poderia estar em melhores mãos. E igualmente contente por a empresa vendedora, o grupo Raposeira/Murganheira, poder agora concentrar todos os seus recursos nos magníficos vinhos espumantes que tão bem sabe fazer.

Finalmente, para não deixar todas as notícias para os outros, a Grandes Escolhas também tem uma, e não é coisa pouca: Dirceu Vianna Junior, prestigiado Master of Wine, entrou para a nossa equipa, onde terá contributos regulares enquanto provador e formador. Isto é que tem sido um Verão em cheio!

Loureiro & Avesso, Lda

Após largas décadas na sombra da estrela Alvarinho, as castas Loureiro e Avesso começam a ganhar o seu espaço e, sobretudo, o respeito dos apreciadores, que se traduz quase sempre na valorização dos vinhos. Mais uma boa notícia para a região dos Vinhos Verdes, e um reflexo das muitas transformações que ali têm ocorrido.   […]

Após largas décadas na sombra da estrela Alvarinho, as castas Loureiro e Avesso começam a ganhar o seu espaço e, sobretudo, o respeito dos apreciadores, que se traduz quase sempre na valorização dos vinhos. Mais uma boa notícia para a região dos Vinhos Verdes, e um reflexo das muitas transformações que ali têm ocorrido.

 

AQUILO que é uma vantagem pode constituir também um problema. Acontece com os Ver­des: ser frutado, ligeiro, fresco e ter um preço competitivo faz dos vinhos da região os mais exportados de Portugal (Vinho do Porto à parte); mas es­sas mesmas características que ajudam a vender muitos milhões fazem com que poucos levem o Vinho Verde a sério, colando-lhe uma imagem de simples e barato. Re­sultado: vende-se muito, mas vende-se por pouco, ga­nhando-se dinheiro nos volumes mas tornando muito difí­cil introduzir valor na marca genérica Vinho Verde.

Como libertar-se destas amarras? O primeiro passo já foi dado há algum tempo: elevar a qualidade média dos vi­nhos. A região dos Vinhos Verdes é certamente aquela que mais cresceu qualitativamente na última década. Os tais vinhos simples e baratos de hoje, nada se asseme­lham aos seus congéneres de antigamente. Agora são simples, baratos e bons.

Investir na viticultura é determinante para os Vinhos Verdes

Mas isso não chega. A fase seguinte, determinante para o futuro regional, consiste no investimento a sério na vi­ticultura. Nesse contexto de “nova viticultura”, acredito que o caminho para valorizar a marca Vinho Verde pas­sa por vinhos brancos varietais ambiciosos, que possam tornar-se verdadeiros pontas-de-lança da região e posi­cionar-se num patamar de preço superior. E aí emergem, naturalmente, as castas Alvarinho, Loureiro e Avesso. Já muito escrevi sobre Alvarinho, deixem-me dedicar algum espaço às outras duas, cujos vinhos são objeto de prova alargada nesta edição.

Como variedades de uva, não podiam ser mais distintas. A Loureiro, associada sobretudo ao vale do rio Lima, mas dispersa por quase toda a região, é uma uva atlântica, que gosta de verões amenos e solos férteis; a Avesso, ligada quase exclusivamente ao vale do Douro e à zona de Baião, prefere solos mais pobres e mais calor. Além disso, a casta Loureiro tem um histórico de vinhos varietais, desde mea­dos dos anos 80, que a Avesso não possui. Claro, nem sempre o histórico ajuda. Salvo algumas honrosas excep­ções, os Loureiro de então eram vinhos exuberantes nos primeiros seis meses e oxidados nos seguintes. Que dife­rença para os Loureiro de agora! O interesse generalizado pelo Avesso é bem mais recente, mas a casta beneficiou de uma imagem construída com base em bons vinhos, de vi­ticultura moderna. Esse factor, associado à maior raridade, ajuda a que os preços médios dos Avesso sejam inclusive superiores aos dos Loureiro, algo evidente na nossa prova.

Já agora, a propósito de provas e provadores, permi­tam-me dar publicamente as boas vindas ao mais recen­te membro do nosso painel de prova, Valeria Zeferino. Não são só os Verdes que se rejuvenescem e valorizam. A equipa da VINHO Grandes Escolhas também. Só assim se garante o futuro.

Estórias de vinho e gente

OS enófilos ficam por vezes tão envolvidos com os aromas e sabores dos vinhos que facilmente se esquecem das pessoas que os criaram. Pois eu acredito que o factor humano é muito mais importante num grande vinho do que o clima, o solo ou a casta. A segunda edição da VINHO Grandes Escolhas tem por […]

OS enófilos ficam por vezes tão envolvidos com os aromas e sabores dos vinhos que facilmente se esquecem das pessoas que os criaram. Pois eu acredito que o factor humano é muito mais importante num grande vinho do que o clima, o solo ou a casta.

A segunda edição da VINHO Grandes Escolhas tem por isso muito a ver com gente, gente que sonhou uma vinha ou um vinho e os materializou nos nossos copos. Gente como Domingos Alves de Sousa (tema de capa), um pioneiro do Douro moderno e um dos maiores profissionais do vinho que encontrei ao longo da minha vida. A peça de António Falcão descreve o seu percurso, consistente e seguro como poucos.

Nuno Oliveira Garcia fala-nos dos vinhos de Monção e Melgaço e da sua relação com a madeira. E emergem aí visionários como Anselmo Mendes e Luís Cerdeira, que tanto experimentaram (e também erraram, como todos os que se atrevem) até chegarem aos seus grandiosos Alvarinho fermentados em barrica.

As terras de Mértola são o pretexto para João Afonso abordar os seus surpreendentes vinhos. Dos produtores que visitou, tive o privilégio de conhecer um deles, Luís Fiúza, um homem genuíno e intrépido, autêntica força da natureza, impulsionador daquela tão inóspita quanto bela e fascinante parcela do Alentejo.

Mariana Lopes conta-nos os primórdios das singulares caves da Bairrada, das que vingaram e cresceram e das que se perderam pelo caminho. A propósito de uma destas, a Valdarcos, deixem-me contar-lhes uma estória. O período mais interessante desta casa da Malaposta, há muito encerrada, coincidiu com a presença de Rui Moura Alves, enólogo de convicções inabaláveis e apóstolo da tradição, de cujas mãos saíram Bairradas “clássicos” ainda hoje monumentais, como os tintos Garrafeira Valdarcos de 1985, 1988 ou 1989.

O factor humano é mais importante do que o clima, o solo ou a casta.

Entre as suas muitas “teimosias vínicas” conta-se o Valdarcos Espumante Garrafeira 1991, exclusivamente engarrafado em magnum. Voltei a ele recentemente (restavam-me três garrafas, agora duas…) após muitos anos sem o provar. Encontrei um espumante rolhado há mais de duas décadas e ainda cheio de gás e vivacidade, sem traços de oxidação, extremamente complexo, avelanado, cremoso, seco, pleno de sabor e frescura, com final interminável. O vinho base que lhe deu origem foi fermentado em tonéis e sem especiais precauções anti-oxidativas, contrariando todos os preceitos enológicos. Lembro-me de que quando este espumante foi lançado não o apreciei por aí além, era algo rústico, com muitos amargos vegetais, impositivo mas pouco elegante. Hoje mantém o forte carácter mas tornou-se um primor de finura e sofisticação.

Não tenho qualquer explicação para a metamorfose que aqui ocorreu e que já vi acontecer dezenas de vezes em diferentes vinhos. Na verdade, não preciso de explicações para os mistérios dos vinhos, e muito menos as desejo. É precisamente essa ausência de previsibilidade, essa surpresa que pode estar em cada garrafa, que faz com que, após quase 28 anos a fazer das provas profissão, ainda consiga, aqui e ali, olhar maravilhado para um vinho como se fosse a primeira vez. E depois fico a pensar nas pessoas, as pessoas, sempre.

Número 1

GOSTO deste algarismo e dos seus múltiplos significados. Pode querer dizer o primeiro, no sentido qualitativo do termo, mas também início e único. Acredito que todos eles se aplicam à revista que agora apresentamos. VINHO Grandes Escolhas, é o seu nome. Fundei a Revista de Vinhos em Dezembro de 1989 e coube-me conduzir os seus […]

GOSTO deste algarismo e dos seus múltiplos significados. Pode querer dizer o primeiro, no sentido qualitativo do termo, mas também início e único. Acredito que todos eles se aplicam à revista que agora apresentamos. VINHO Grandes Escolhas, é o seu nome.

Fundei a Revista de Vinhos em Dezembro de 1989 e coube-me conduzir os seus destinos desde a primeira edição até Março passado. Foram 328 meses, mais de 27 anos. Acompanhar de muito perto a enorme evolução do vinho português ao longo de quase três décadas foi um privilégio para mim e para a equipa que ao longo dos anos se foi juntando ao projecto. Acredito que demos o nosso pequeno contributo para que o Vinho de Portugal seja o que é hoje. E sei também que nunca teríamos chegado onde chegámos sem o inequívoco apoio e confiança de todos vós, leitores, profissionais da fileira do vinho e da gastronomia, colegas jornalistas e enófilos em geral. Deixo aqui o meu sentido agradecimento a todos.

Essa página de história foi virada e fechada com um misto de mágoa e orgulho. Inicia-se agora uma outra etapa, na qual nos empenhamos com forças renovadas e ambiciosos objectivos. VINHO Grandes Escolhas é uma revista mensal, dedicada sobretudo à temática do vinho, como é óbvio, mas sem esquecer o turismo, a gastronomia, a cultura e outros prazeres da vida. Estamos apostados em informar, divulgar, opinar, avaliar, com a isenção, independência, rigor e profissionalismo que sempre nos regeram. Vamos fazer mais, fazer melhor mas, também, fazer diferente. A equipa editorial desta publicação, com um capital de experiência e conhecimentos que, sem falsa modéstia, classifico como únicos, está a ser enriquecida e renovada com colaboradores que nos trazem outras perspectivas e abrem novos horizontes. Em conjunto, queremos transmitir a nossa paixão àqueles que agora se iniciam neste mundo do vinho, utilizando para tal as ferramentas e linguagens à nossa disposição. Desse modo, a vertente digital e social media, bem como a área de formação (a ACADEMIA Grandes Escolhas), vão ser objecto de forte desenvolvimento através de importantes parcerias estratégicas.

Vamos fazer mais, fazer melhor mas, também, fazer diferente. Estamos mais motivados do que nunca.

Os eventos de vinho e gastronomia com o nosso selo de qualidade, e aos quais empresas e visitantes se fidelizaram, continuarão a realizar-se por todo o país. De entre os muitos já agendados (cujas datas e locais poderá conferir nesta revista) não posso deixar de destacar o maior evento do sector, o Grandes Escolhas | Vinhos&Sabores, que terá lugar em Lisboa na FIL (Parque das Nações) de 27 a 30 de Outubro de 2017. Será certamente um momento inolvidável e marcante para todos os apreciadores.
Falando por esta fantástica equipa editorial e de eventos, com a qual me orgulho de trabalhar, quero dizer-lhes que estamos mais motivados do que nunca. Contem connosco para levar a singularidade e a excelência do Vinho de Portugal a um número crescente de apreciadores, dentro e fora do País. E nós contamos com o que nunca nos faltou: o vosso apoio e confiança.