Culinary Extravaganza 2.0: estrelas na cozinha e luxo no prato

No primeiro fim-de-semana de Novembro voltámos ao Conrad Algarve para uma experiência gastronómica à medida do seu nome. Durante três dias, quinze chefs de renome internacional, oito deles com uma ou mais estrelas Michelin, levaram à mesa composições sem igual.   TEXTO Mariana Lopes FOTOS Vasco Célio A segunda edição do Culinary Extravaganza não ficou, […]

No primeiro fim-de-semana de Novembro voltámos ao Conrad Algarve para uma experiência gastronómica à medida do seu nome. Durante três dias, quinze chefs de renome internacional, oito deles com uma ou mais estrelas Michelin, levaram à mesa composições sem igual.

 

TEXTO Mariana Lopes FOTOS Vasco Célio

A segunda edição do Culinary Extravaganza não ficou, de maneira nenhuma, atrás da primeira. A Grandes Escolhas assistiu aos dois últimos dias desta jornada, no Conrad, em Almancil, uma referência hoteleira de luxo na região do Algarve. Quando da sua abertura, em 2012, o aclamado chef Heinz Beck assumiu a consultoria do Gusto, o restaurante do hotel da cadeia Hilton, e, juntamente com uma equipa muito bem formada, encetou a viagem que levou o espaço à sua primeira estrela (do Guia Michelin Espanha e Portugal 2018, anunciado no final de Novembro). Mas foi Daniele Pirillo, seu discípulo e seguidor por outras andanças, que recebeu a condecoração do Gusto, na qualidade de chef residente.

Beck, que conta já com sete restaurantes, tem ele próprio as suas três estrelas no La Pergola, em Roma. O seu espírito alegre e sempre incansável fez dele o maestro ideal para conduzir a orquestra de cozinheiros e chefs que trabalhou para servir tudo do bom e do melhor, a par dos som-meliers Miguel Martins (director de vinhos do Conrad) e António Coelho (convidado, responsável pela garrafeira do triplamente estrelado Lasarte, em Espanha). Os vinhos servidos durante todo o Extravaganza foram exclusivamente referências da Ideal Drinks, abrangendo as três regiões com que a empresa trabalha – Vinhos Verdes, Dão e Bairrada.

A turma de sonho contou, além dos já referidos, com Jacob Jan Boerma*** (De Leest, Grand Café Krasnapolsky, Holanda); Ricardo Costa** (The Yeatman Hotel, Porto, Portugal); Maurizio Serva** (La Trota, Itália); Juan Amador** (Amador’s Wirthaus, Austria); Sidney Schutte** (Librije’s Zusje Waldorf Astoria, Amesterdão); Chris Galvin* e Joo Won* (Hilton on Park Lane London, Reino Unido); Osvalde Silva (Conrad Algarve); Christoph Jefferson (Hilton London Heathrow T4, Reino Unido); Franco Luise (Hilton Prague, República Che- ca); Shota Goderzishvili (Hilton Kiev, Ucrânia); Joe Barza (Oak Grill Conrad Cairo, Egipto) e os chefs pasteleiros Roberto Horta (Conrad Algarve) e Idan Hada (Hilton Tel Aviv, Israel).

O primeiro momento, após a chegada ao festival, foi uma masterclass dada por Heinz Beck. O chef, inspirado num pequeno-almoço tradicional com leite, café e pão, criou uma sobremesa chamada Caffè Latte. Ao transformar natas em espuma cremosa, com um sifão algo problemático na mão (instrumento de cozinha para transformar cremes em espumosos), explicou a receita num inglês com sotaque italiano e pausado, para que todos compreendêssemos. No entanto, é seguro dizer que o fascínio foi tanto que poucos de nós fixaram passos suficientes para reproduzir o Caffè Latte. Ah, e o sifão. Também nos falta isso.

De seguida, uma conferência de imprensa com todos os chefs. Sobre o evento, o anfitrião Heinz Beck tocou no ponto essencial: “Gastronomia e entretenimento, uma mistura muito bonita!” E quando questionados sobre o facto de estarem a trabalhar lado a lado com a concorrência, Jacob-Jan Boerma respondeu, com sapiência e sensatez, que “o sabor não é uma competição”. “Somos todos amigos”, reforçou. E Joe Barza acrescentou: “A comida une as pessoas, traz uma mensagem de paz.” Tudo em Barza nos indicou que foi sincero, desde a sua já conhecida bonomia até ao tomate vermelho tatuado na mão direita, por amor à cozinha. E o tempo para a família? Com uma, duas ou três estrelas Michelin, será que existe? “Sou casado com a minha esposa, mas vivo com chefs…”, brincou Jacob-Jan Boerma.

À MESA

Mais tarde, nesse dia, o jantar “Michelin Dining Experience” no Gusto. Oh, Heinz. Já estava a suspirar e ainda íamos no amuse bouche, um salmão marinado com maionese de yuzu (citrino do Leste asiático), gel de marisco e alga desidratada, um dos melhores da noite. A seguir, Boerma trouxe-nos lagostim com black salsify (uma planta da família do girassol, cujas raízes são comestíveis e conhecidas pelo sabor a ostra quando cozinhadas), clementina, especiarias, Tandoori e vegetais da época. Juan Amador, por sua vez, presenteou-nos um carabineiro com salsa, lardo (camada de gordura por baixo da pele de determinadas partes do porco) e uma espuma dos famosos “escargots” de Vienna. De volta a Beck, uma maravilhosa composição de fois gras com castanhas e figos, um prato muito bonito, ainda mais no palato. Ainda do mesmo chef, tortellini de pato com puré de abóbora, fondue de queijo Grana Padano e trufa branca (daquelas de seis mil euros por quilo…). Jacob-Jan regressou com molejas de vitelo acompanhadas de limão e yuzu, cenoura texturizada e jus de erva-príncipe com combava (citrino do sudoeste asiático). Quase no final, Juan Amador ripostou com pombo Miéral (criador francês de aves de qualidade excelsa), com caril roxo, crumble de coco e gel de manga e gengibre. Para rematar, Heinz Beck fez a sobremesa, cannolo siciliano.

Miguel Martins é um óptimo som-melier, isso já sabíamos, e conta já com considerável experiência. O que não sabíamos era que, com uma selecção limitada à sua disposição, de vinhos de uma só empresa, o director de vinhos do Conrad conseguiria dar a volta tão bem dada à questão. Conhecer milhares de vinhos não é su ciente para ser sommelier, mas passar nestes testes difíceis de harmonização, sim.

IGUARIAS AO SOL
No último dia, o almoço foi na Roof Garden Suite, com os chefs do grupo Hilton. Esta é a melhor suite do hotel e, bem, tem espaço para muita gente almoçar, na sua grande varanda com uma vista bonita para lá de Almancil. Aqui, os próprios chefs cozinharam e serviram os seus pratos em bancadas montadas “on site”, debaixo de um sol que nos pôs a todos de bom humor.

De todas as iguarias à disposição, tenho de destacar o risotto de trufa branca sobre carpaccio de vaca, do chef Franco Luise; a açorda de carabineiros do chef Osvalde Silva, e a sobremesa a que Roberto Horta chamou Café e Pastel de Nata. Esta não era um café e um pastel de nata, mas sim um creme de nata com discos de massa folhada no topo, pau de canela e molho de café. Sublime, aparentemente óbvio, mas genial na sua essência. Julguem-me à vontade, mas depois de provar os dez pratos disponíveis ainda voltei ao risotto e à açorda. No que toca a sustento alimentar, sou de alta manutenção, e não há nada que possamos fazer contra isso.

O jantar de encerramento é sempre grandioso. Heinz Beck, sempre titular, começou com tártaro de lírio, “chips” com caviar lio lizado, maçã e pepino com molho de yuzu. Em segundo lugar, Chris Galvin, com escabeche de atum-amarelo, creme de beringela e ervas aromáticas. Com Heinz a voltar, literalmente, em grande, surge um prato com 18 ingredientes: uma autêntica sinfonia de sabores com abóbora, trufa branca, cogumelos e infusão dos mesmos com brócolos e avelã, e por aí fora… A fazer a sua grande chegada, Sidney Schutte ofereceu-nos lagosta azul (espécie muito rara) com língua e fígado de pato, líchias e gerânio-limão, que antecedeu o tortellini de Beck (o chef parece ter uma preferência especial por este tipo de pasta), desta vez de tom magenta escuro porque era de beterraba, com couve roxa, creme de queijo parmesão e Katsuobushi (uma conserva seca japonesa, da carne de atum-bonito). Joo Won apresentou-se mais tradicional, com um borrego com ravioli de queijo de cabra e “piperade” (em França, ou “piperrada”, no País Basco, uma fritada com pimentos de várias cores, tomate, cebola e alho). Antes das coisas doces, veio Sidney Schutte com pombo, iogurte de sésamo, sementes de abóbora, daikon (rabanete branco oriental) e um molho mexicano de nome Mole, que o próprio veio derramar nos pratos, já na mesa. Para – finalizar, de novo Heinz Beck, com Café Montblanc, uma sobremesa de creme de castanha e rum com semi-frio de caramelo salgado, biscoito e gelado de café, com “topping” de molho de dióspiro e trufa branca.

É tudo verdade. Eu vi, ninguém me contou.

Comida, vinho e amigos na pradaria

Fica mesmo junto à Sé de Lisboa e tem à frente um jovem talentoso de 27 anos. O Prado promete marcar a restauração em 2018.   TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga A ideia de António Galapito parece um sonho gourmand moderno. Fazer um restaurante com comida criativa, produtos portugueses de excelência, vinhos […]

Fica mesmo junto à Sé de Lisboa e tem à frente um jovem talentoso de 27 anos. O Prado promete marcar a restauração em 2018.

 

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga

A ideia de António Galapito parece um sonho gourmand moderno. Fazer um restaurante com comida criativa, produtos portugueses de excelência, vinhos naturais e amigos, muitos amigos. “Em vez de ires para o Lux vais para um restaurante. Em vez de ires para uma discoteca vais conviver para um restaurante com boa comida e ambiente festivo”, diz.

Sucede que esse sítio existe desde o mês passado. O Prado abriu na Sé, em Lisboa, e promete marcar a restauração da capital em 2018. António Galapito, à frente da cozinha, é ainda muito novo, mas tem sete anos de experiência ao mais alto nível, ao serviço do chef Nuno Mendes.

Começou com ele no restaurante Bacchus e depois partiu para a estreia do Viajante, em Londres. Esse restaurante haveria de fechar mas lançou Nuno Mendes na primeira divisão da cozinha mundial. Foi todavia no seu restaurante mais recente, a Taberna do Mercado, também em Londres, que António Galapito comandou pela primeira vez a cozinha, já depois de uma experiência breve no Lyle’s, com uma estrela Michelin.

O conceito do Taberna do Mercado era fazer “cozinha portuguesa pelos olhos de quem está de fora”, uma ideia que não será prolongada no Prado, diz Galapito. “No Prado, a minha preocupação é usar produtos portugueses sazonais, não fazer uma cozinha portuguesa.” Pode acontecer, mas não é esse o seu foco. O foco está nos bois de Barrosã que quer desmanchar inteiros ou nos legumes bio que o Hortelão do Oeste vai produzindo.

Como é que isso se reflecte na carta? Na primeira semana, a VINHO Grandes Escolhas almoçou lá e deliciou-se com o berbigão com espinafres, o suco do bivalve reduzido com manteiga. Antes, já houvera oportunidade de limpar o couvert, que incluirá sempre o magnífico pão da Gleba (feito de trigo barbela) e uma manteiga de cabra ou ovelha. Seguiu-se um tártaro de carne barrosã, com cogumelos shitake fermentados, dentro de uma folha de couve e a couve-coração, com soro e nozes tostadas. Tudo de grande nível, mas com uma existência precária. “Talvez o berbigão e o tártaro se mantenham mais umas semanas, mas queremos que a carta tenha uma grande rotação. Mesmo os preferidos dos clientes haverão de desaparecer”, diz António Galapito.

Os preços andam pelos 20 euros ao almoço, e mais uns 10 euros ao jantar. Aconselha-se que vá em grupo, para poder correr a carta toda e para fazer deste Prado uma festa.

Em busca da ostra perfeita

Viajámos de Norte a Sul de Portugal para saber onde se produzem as melhores ostras. E descobrimos porque é que os franceses as levam (quase) todas.   TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga MARGARIDA Simões aponta para uma língua de mar cheia de sedimentos, ladeada por muros de argila, que vem desembocar nos […]

Viajámos de Norte a Sul de Portugal para saber onde se produzem as melhores ostras. E descobrimos porque é que os franceses as levam (quase) todas.

 

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga

MARGARIDA Simões aponta para uma língua de mar cheia de sedimentos, ladeada por muros de argila, que vem desembocar nos tanques piscícolas. “Na maré vazia este canal fica seco e a exposição ao sol mata tudo o que é e.colis. É um processo depurador natural e é isso que faz com que as nossas ostras sejam únicas”.

A dona do Moinho dos Ilhéus fala com o entusiasmo de um encenador, gestos largos, pose de artista. E não esconde o orgulho no seu produto. O Moinho dos Ilhéus, no Livramento, entre Olhão e Tavira, é apontado por chefs e gastrónomos como tendo das melhores ostras da Ria Formosa e do país. “São diferentes de todas as outras. Disso não tenha dúvidas.”

Tradutora ligada à literatura científica, sexagenária, Margarida só entrou tarde no negócio. A propriedade pertencia à família, que a teve arrendada a uma multinacional norueguesa de aquicultura. Durante duas décadas os tanques serviram para produzir robalos e douradas em regime intensivo. “Fizeram-se aqui muitas maldades. Mas a Ria tem um poder regenerador fantástico”, prossegue. A reabilitação começou em 2013, altura em que se iniciou a sementeira das ostras. Semear é mesmo a palavra. Margarida estudou tudo do zero e aconselhou-se com John Bayse, um especialista inglês, dono de uma maternidade de ostras, que lhe vendeu as melhores sementes de ostra japonesa (crassostrea gigas), a espécie mais popular em todo o mundo, no caso triplóide, ou seja, que não se reproduz.

Em 2014, o guru mundial do comércio de ostras, Thierry Gillardeau, agora aos comandos da empresa familiar fundada em 1898, esteve no Moinho e quis levar logo toda a produção. As ostras de Margarida atingiam o calibre ideal ao m de um ano (em França demoram três), com um peso por unidade entre as 60 e as 100 gramas. Eram lisas e roliças e tinham uma salinidade extraordinária, compensadas com um final adocicado. “É o terroir. O meu terroir é único”, justifica Margarida, apontando para um bando de corvos marinhos.

Este parecia o cenário ideal para Margarida, e na verdade é aquilo que todos os produtores querem. De Aveiro a Tavira, toda a gente procura um comprador que lhe leve toda a produção. Na altura, a Gillardeau, com sede perto de La Rochelle, na costa ocidental francesa, fez com as ostras do Moinho o que faz com muitas outras da Ria Formosa: pagou bem e pagou rápido, agarrou nelas, pôs-lhe o carimbo “Spéciale Gillardeau” e exportou-as para todo o mundo, de Moscovo ao Dubai.

Hoje, o Moinho está focado sobretudo no mercado nacional, mas a maioria dos produtores nacionais continuam a olhar para o estrangeiro. Em Aveiro, por exemplo, mais de 90 por cento da produção vai para fora, sobretudo para França e para a Holanda. A ostra aveirense é da mesma família da do Algarve. O que as distingue é a qualidade das sementes, as características do ambiente aquático (as ostras filtram cerca de 30 litros de água por hora) e o método de produção.

A segundos da mesa
Sandro Sousa, um dos produtores mais experientes de Aveiro, tem a sua propriedade já perto da cidade. Na Ostraveiro, usam-se dois métodos. Para além da técnica mais comum das sacas, parte das ostras está submersa dentro de cilindros. A diferença com as ostras de saco de Sandro é evidente na forma das conchas, polidas pelo movimento de rotação dentro dos cilindros e, por isso, mais atraentes. Há também quem ache, como Sandro, que isso favorece a sua alimentação, tornando-as mais carnudas.

A carne é, aliás, o que toda a gente procura. Uma ostra magra vale pouco. O que se quer é um músculo adutor grande, a encher a concha. Todos os órgãos, e são muitos, devem aparecer bem definidos, com o rebordo preto bem delineado em volta da membrana exterior. O que por vezes parece uma pastilha gelatinosa é, afinal, um bicho com estômago, guelras, ventrículo, intestinos, fígado. Na Ostraveiro, a viagem da ostra da água para a mesa pode demorar segundos. Mesmo junto aos tanques, num ilhéu rodeado de água, está o restaurante (tem de reservar e tem de ir de barco) onde Sandro faz degustações. Apesar de ter uma depuradora, às vezes a tentação de as levar logo à boca é mais forte. “Faço análises regularmente e sei o que estou a comer”, garante. Para além de ostras, serve-se também berbigão dentro de um pão rústico, com molho à Bulhão Pato.

O turismo ligado aos bivalves da Ria pode ser uma solução para um negócio que está longe de ser seguro, devido quer à mão-de-obra que implica, quer ao facto de muitos portugueses ainda desconfiarem de um bicho que se come vivo.

Mesmo os mais insuspeitos temem comê-lo. Margarida Simões, por exemplo, admite. “Antigamente, não as comia. Fui obrigada. A engenheira da Gillardeau que cá veio, logo no início, passou-me um atestado de incompetência e então eu experimentei-as. Mas só gosto das minhas, que não são gelatinosas. E só como das pequeninas. E mastigo. A ostra tem de ser mastigada para ser saboreada. Fico furiosa quando vejo alguém a deglutir as minhas ostras.”

As ostras maiores do Moinho podem chegar às 400 gramas. A intensidade é maior quanto maior a dimensão, trazendo notas mais amargas. Há no entanto mercado para elas, sobretudo entre os chefs. O Moinho vende as pequenas para restaurantes Michelin, do Ocean ao Vista, mas há quem aproveite as grandes — e bem. “A Noélia [do restaurante Noélia & Jerónimo, em Cabanas de Tavira], que é a nossa madrinha, faz com elas um arroz com espumante maravilhoso”, garante Margarida.

A ostra-portuguesa
Outros chefs, contudo, preferem as ostras do Sado. São os casos de André Magalhães, do restaurante Taberna das Flores (Lisboa), e de Tiago Emanuel Santos, do Anna’s (Aveiro), ambos conhecidos pela importância que dão ao produto. Na sua opinião, as ostras de Setúbal, ainda que menos salgadas, são firmes e têm um músculo grande. Tiago enaltece o seu sabor iodado, André a sua complexidade. Os dois preferem as da Neptunpearl, empresa estabelecida na Gâmbia, zona do Estuário do Sado que não está contaminada.

Também aqui é uma mulher quem está à frente do projecto. Célia Rodrigues é uma apaixonada pelo mar e uma defensora fervorosa de uma espécie autóctone: a crassostrea angulata, popularizada em todo o mundo como ostra-portuguesa e, hoje, ameaçada pela introdução da ostra japonesa diplóide.

Célia também tem da japonesa e da plana, mas não entra em competições. O segredo — diz — está na técnica. A NeptunPearl tem sacos mas é das poucas empresas a produzir em regime de fine de claire, uma técnica francesa em que as ostras são trabalhadas fora dos sacos, uma a uma. “É isso que faz com que todas tenham um índice de carne superior a 15 por cento, relativamente ao peso total, tornando-as especiais”, garante.

Daqui decorre que, seja em Aveiro, seja na Ria Formosa, seja em Setúbal, cada produtor tem ostras especiais. O problema, muitas vezes, é conseguir comprá-las antes de um importador deitar-lhes a mão e levá-las além-fronteiras.

Margarida está agora a provar umas de tamanho 3, com umas 80 gramas, numa casa de apoio à exploração. Foram apanhadas de manhã. Olha para ela e vira-a. “A ostra é fantástica. Parece um pedregulho, mas é um ser extraordinário, até limpa a casa. Olhe para esta, tão bonita.”

A história acaba como deve acabar uma história de ostras. Sem concha, o bivalve está agora na mão de Margarida, que o mete na boca. Mastiga ligeiramente, passa a ostra de uma bochecha para a outra, fecha os olhos. “Hummmmm.”

José Avillez premiado pela Academia Internacional de Gastronomia

José Avillez

Trata-se do “Grand prix de l’Art de la cuisine” e é considerado o prémio máximo da Academia Internacional da Gastronomia. O chefe José Avillez (do restaurante Belcanto) é o primeiro português a conseguir esta distinção, que já coube, desde 1990, a alguns dos mais conhecidos chefes do mundo. Recorde-se que o Belcanto de José Avillez […]

Trata-se do “Grand prix de l’Art de la cuisine” e é considerado o prémio máximo da Academia Internacional da Gastronomia. O chefe José Avillez (do restaurante Belcanto) é o primeiro português a conseguir esta distinção, que já coube, desde 1990, a alguns dos mais conhecidos chefes do mundo. Recorde-se que o Belcanto de José Avillez possui duas estrelas Michelin e que a terceira poderá estar agora mais próxima. Seria também a primeira vez que tal acontecia em Portugal…

Portugal esteve representado na Assembleia Geral da Academia Internacional pela Academia Portuguesa de Gastronomia, a qual se congratulou efusivamente com este prémio.
Foram ainda distinguidos Pedro Pena Bastos (Chef de l’Avenir), Gabriela Marques (Prix au Sommelier), George Mendes com o livro “My Portugal” (Prix de Literature Gastronomique) e Leonardo Pereira com o programa de televisão “Chef de Raiz” (Prix Multimedia).

Sabores tradicionais em destaque no Continente

Alheira de Mirandela, Queijo da Serra da Estrela, Farinheira do Fundão, Queijo de Azeitão e Morcela da Guarda são apenas algumas opções que pode encontrar em mais uma feira de Queijos, Enchidos e Vinhos da cadeia de supermercados Continente. No total são centenas de produtos de origem portuguesa, de quase todas as regiões do país. […]

Alheira de Mirandela, Queijo da Serra da Estrela, Farinheira do Fundão, Queijo de Azeitão e Morcela da Guarda são apenas algumas opções que pode encontrar em mais uma feira de Queijos, Enchidos e Vinhos da cadeia de supermercados Continente. No total são centenas de produtos de origem portuguesa, de quase todas as regiões do país. A feira decorre até 25 de Fevereiro e inclui ainda uma selecção de mais de 200 vinhos, em todas as faixas de preços. Destaque ainda para uma secção de acessórios para o vinho. Pode consultar o portefólio (e comprar online) no site do Continente.

 

Trufas regressam à mesa do Egoísta, a 25 de Janeiro

O chefe Herminio Costa, trufas

O Egoísta, restaurante inserido no casino da Póvoa de Varzim, recebe, no próximo dia 25 de Janeiro, um jantar dedicado às trufas, uma das iguarias mais especiais e raras do mundo. O chef Hermínio Costa desenvolveu um menu exclusivo que destaca as trufas negras, a sua intensidade e delicadeza aromática. Todos os pratos são acompanhados […]

O Egoísta, restaurante inserido no casino da Póvoa de Varzim, recebe, no próximo dia 25 de Janeiro, um jantar dedicado às trufas, uma das iguarias mais especiais e raras do mundo. O chef Hermínio Costa desenvolveu um menu exclusivo que destaca as trufas negras, a sua intensidade e delicadeza aromática. Todos os pratos são acompanhados por um vinho pensado especificamente para o efeito.
“Este evento já se tornou numa espécie de ritual para o Egoísta. No início de cada ano realizamos um jantar que celebra um dos produtos mais incríveis a que podemos ter acesso. É um desafio e um privilégio preparar um menu que destaca uma iguaria com um sabor e um aroma tão distintos e que tornam cada prato realmente especial”, refere o chef Hermínio Costa.
As reservas podem ser efectuadas para: restaurante.egoista@estoril-sol.com ou pelo telefone 252 690 888. O preço por pessoa é de 100€ (inclui as bebidas). O menu é composto por:

No Bar
Valle de Passos rosé 2016
Cornucópia de Trufa Negra
Vértice Espumante Reserva Cuvée Bruto
Linguado de Mar, Crumble de Trufa Negra e Legumes Baby
Quinta dos Carvalhais Encruzado branco 2016
Black Angus, Batata Ratte e Trufa negra
Pintas Character tinto 2014
Cacau, Avelãs e Trufa Negra
Nieeport Porto L.B.V. 2012

Quem bebeu o meu queijo?

Queijo e vinho são combinação frequente e, no entanto, não há grandes registos de na história da alimentação haver quem fizesse ambos muito bem. Isto porque cada um pressupõe grande especialização na respectiva área, raramente concebidos para viver juntos e felizes para sempre. Óptima altura para abalar um pouco os fundamentos e repensar o assunto. […]

Queijo e vinho são combinação frequente e, no entanto, não há grandes registos de na história da alimentação haver quem fizesse ambos muito bem. Isto porque cada um pressupõe grande especialização na respectiva área, raramente concebidos para viver juntos e felizes para sempre. Óptima altura para abalar um pouco os fundamentos e repensar o assunto.

 

TEXTO Fernando Melo FOTOS Ricardo Palma Veiga

CADA um tem as suas experiências e histórias diferentes de harmonizações de sucesso ou fracasso e cada um integrou os seus dogmas no sistema próprio de prova. Eu habituei-me aos queijos postos na mesa nos dias de festa, para ir debicando e lascando com um copo de espumante ou vinho branco na mão enquanto vinham chegando as pessoas. O queijo Serra da Estrela – a que se chamava simplesmente queijo da serra – vinha de novo no final, para acompanhar com um Porto Vintage. Hoje penso e faço tudo de outra forma, porque tive a sorte de nunca deixar de gostar muito de queijo. Sempre lhe dediquei tempo e provas aturadas e sempre lhe descobri novos ângulos e harmonizações possíveis.

Claro que compliquei tudo, ao entrar pelos diferentes tipos, denominações de origem e afinações de queijo, a ponto de em 2002 ter ido a Londres provar queijo Stilton, referido por todos os produtores de Vinho do Porto como a grande ponte com o Porto Vintage. Publiquei no “Expresso” então um artigo que dava conta da Londres gourmet que fui encontrar e desconhecia por completo. Sobre a bondade da harmonização em si, confesso que voltei cheio de dúvidas, tal a variabilidade que detectei. Quando falamos de Stilton de leite (de vaca) cru, coalhado com flor de cardo natural, é um produto fantástico, mas quando o leite é pasteurizado, o confronto é ruinoso. Ainda hoje me sai assim.

Acontece que o nosso Serra da Estrela é produzido a partir de leite cru de ovelha, o coalho é produzido de forma natural com flor de cardo natural e o sal é integrado na perfeição. É talvez mais copioso que o Stilton de quinta, mas a regra antiga não estava mal de todo. Ainda há bem pouco tempo provei um bom queijo Serra da Estrela com um Vintage 2007 e soube-me pela vida. Mas não é verdade que seja a melhor ligação, porque ao pé de um bom Encruzado – casta rainha branca do Dão – nada mais funciona tão bem com o Serra da Estrela. E agora? Um Porto Vintage e um branco seco do Dão lado a lado, quando pouco ou nada têm em comum? Dá pelo menos que pensar.

A importância da proximidade geográfica
O raciocínio da proximidade geográfica que está na base do sucesso do Encruzado num produto da mesma região como é o caso do queijo Serra da Estrela é inteiramente válido. Aliás, sempre que ambos – vinho e comida – têm já um historial conhecido, mesmo separadamente, é sempre de tentar a harmonização. Um outro caso, vinho verde tinto com cabidela de lampreia, não deixa margem para dúvidas. A única condição é gostar muito de ambos, o que raramente é o caso.

A validação de uma boa harmonização tem de ser universal, o que põe ao rubro a natureza essencialmente diferente que têm o vinho e a comida. Além de que quem não gostar de comida salgada no geral nem de queijo em particular nunca irá entrar no universo que é maravilhoso para os amantes de queijo. À medida que os queijos vão envelhecendo vão perdendo água e apurando o picante e o salgado, o que é outro aspecto relevante no cenário e que leva muitos a abandonar o barco queijeiro. Se estamos a comer a medo, dificilmente vamos gostar seja de que harmonização for.

O leite, em particular a caseína, e a gordura são alvo tradicional de atenção, e a relação simples do corte, ou destruição, ocupam o pensamento de quem tem de encontrar as melhores pontes queijo e vinho. É verdade que amaciam os taninos duros que por vezes o vinho apresenta, mas também é verdade que sem humidade relativa considerável não é possível qualquer êxito na abordagem. Vistas bem as coisas, isto não devia surpreender ninguém, a história desde o leite líquido até ao queijo velho totalmente sólido é pouco mais do que a redução progressiva da humidade. Mas o corolário desse fenómeno é também que tanto a proteína como a gordura aumentam a concentração. Pede por isso vinhos mais encorpados e vigorosos.

Depois vem a questão da acidez, outro dado físico químico do vinho que tem, de certa forma, servido como ponto chave para encontrar boas pontes de harmonização. O caso do Encruzado e Serra da Estrela, contudo, orienta-nos para patamares mais complexos; a acidez como lâmina afiada para cortar a gordura levaria a que um vinho com 9g/l de acidez seria sempre o ideal para o queijo, o que está longe de ser verdade. O nosso palato é uma fábrica de novas moléculas e é a isso que chamamos gosto. Por uma estranha razão, as reacções de todos são semelhantes, e é isso que torna universal uma boa ligação. As oposições doce-salgado ou amargo-suave, só por si são insuficientes para dar boa saúde à comunicação os componentes líquido e sólido.

Uma harmonia ainda em construção
A dança da harmonia entre vinho e queijo está longe do fim. A pressão para diminuir o teor de sal nos queijos está a mudar drasticamente o cenário e a tendência para descer a força tânica e o grau alcoólico dos vinhos vai instalar-se não tarda. Tudo vai em breve saber a outra coisa e nós vamos ter de acompanhar. O momento mais vibrante da refeição poderá vir a ser o início ou um qualquer ponto intermédio, quem sabe se os queijos não vão passar a ser propostos no meio da refeição? Talvez até faça mais sentido do que ao chegar ao fim encontrarmos um desafio titânico de proteínas que pedem vinhos de monta. Enquanto o mundo não começar a girar ao contrário, vale a pena fazer um périplo por alguns dos nossos queijos e dar-lhes aconchego vínico. Temos razões para acreditar que o diálogo existe e é pacífico. Boas experiências!

Cabra
Tem teor baixo de gordura e sódio e um sabor bastante intenso, de resto como o leite de cabra que lhe está na origem. Bom conteúdo de vitaminas e minerais, pelo que é à partida um alimento equilibrado e pronto a harmonizar com bons resultados, de forma geral. Há um cuidado a ter com o que se compra, que é o sal que contém. Sabemos que é utilizado para moderar a actividade microbiológica, pode haver tendência para o excesso para garantir que o queijo está estabilizado quando vai para casa do cliente. Quando equilibrado, contudo, é uma maravilha com um Sauvignon Blanc ou um Viognier.

Terrincho
Feito com leite cru de ovelha churra da Terra Quente, em Trás-os-Montes, tanto se encontra em pasta semi-dura como dura, caso do Terrincho Velho. Mais um caso que conseguimos resolver bem na região, os Arintos que medram para lá do Marão são salinos, frescos e dão bom corte ao apessoado queijo. Para o Terrincho Velho, mude para um Tinta Amarela transmontano, delícia garantida.

Nisa
Abastece Portalegre há gerações este queijo único, produzido a partir de leite cru de ovelha Merina Branca, em bitolas pequenas, normalmente merendeira, que também se leva a assar inteiro. Muito intenso no aroma, é ligeiramente ácido na boca. Um bom Alicante Bouschet vai gostar de conversar com ele, assim como um tinto de vinhas velhas da Serra de São Mamede.

Serra da Estrela
É o porta-estandarte dos queijos portugueses e hoje há que aprender a dar com ele nas boas queijarias. Talvez um dia o cenário se componha, mas actualmente é importante ter confiança em quem o produz. Adora brincar com os brancos estremes de Encruzado e, quando mais velho, conversa bem com um bom Jaen. Ambos do Dão, como é evidente.

Serpa
É divino quando é bom, e a técnica é em tudo semelhante à do Serra da Estrela, acrescida de alguns rituais herdados que fazem a diferença. O corte do coalho em quatro movimentos e o pano de filtração do leite sobrado quatro vezes são dois deles. Tintos velhos – mais de 30 anos – harmonizam bem, e os tintos de talha são companhia valente.

Castelo Branco
Malvasias e Arintos dos granitos mais a norte, seja de Pinhel ou de Figueira de Castelo Rodrigo vestem este queijo como um príncipe. O cardo costuma pronunciar-se muito na cura do queijo, e a versão picante – que existe sempre, trate-se do picante ou não – pode ser muito pungente.

Azeitão
Consta que foi alguém que colocou na região ovelhas trazidas da Serra da Estrela e que todos os anos mandava vir alguém daquelas paragens para lhe fazer o queijo, porque queria tê-lo em casa também nas latitudes mais baixas. Nasceu o Azeitão, que acrescenta em sabor e sofisticação pela forragem onde pastam as ovelhas. É imperativo dar-lhe a companhia de Moscatel de Setúbal com alguma idade, ou brancos das vinhas de areia, que as há ali.

Ilha de São Jorge
É talvez o campeão do umami, dentre todos os queijos nacionais. Complexo e intenso, fica na boca e quando ainda não está demasiado curado (4 ou 6 meses) vai muito bem com Chardonnay com mais de 10 anos ou Pinot Noir recente. Uma aventura bem-sucedida.

Alta cozinha na quinta do Celso

O restaurante Mesa de Lemos, em Silgueiros, acaba de estrear a sua nova carta, totalmente dedicada ao seu proprietário, o carismático empresário dos têxteis Celso Lemos.   TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Cortesia Quinta de Lemos AO entrarmos no edifício de espelhos, encastrado na colina de granito, deparamo-nos logo com a cozinha galáctica. As ilhas, […]

O restaurante Mesa de Lemos, em Silgueiros, acaba de estrear a sua nova carta, totalmente dedicada ao seu proprietário, o carismático empresário dos têxteis Celso Lemos.

 

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Cortesia Quinta de Lemos

AO entrarmos no edifício de espelhos, encastrado na colina de granito, deparamo-nos logo com a cozinha galáctica. As ilhas, em inox, usam da última tecnologia e estão instaladas dentro da sala de refeições, uma área em betão maciço que se estende ao longo do vidrado — um ovni na paisagem antiga de pedra escura e hortas do Dão. A primeira mesa está já ali, sem qualquer barreira, primeira plateia para assistir ao show de Diogo Rocha, o chef residente.

Quando chegamos, pelas 18h00, ele está num frenesim, a tratar da refeição. Não há tempo a perder com boas-vindas. “Vão ter de esperar até ao jantar”, atira, voltando à bancada de preparação. Daí a duas horas seremos os primeiros a experimentar a obra mais ambiciosa e, porventura, mais brilhante da sua carreira: o novo menu de Lemos, uma dúzia de pratos “inspirados” na figura do dono da quinta, Celso Lemos.

À primeira vista, a ideia de homenagear o patrão pode parecer graxa fajuta ou adoração provinciana. Mas rapidamente percebemos que o fundador da empresa Abyss & Habidecor, sedeada em Viseu e que alguém já classificou como “o Rolls Royce dos atoalhados”, mas também produtor de vinhos exclusivos, não é um homem qualquer. A primeira prova está no restaurante. A segunda aparece uns metros à frente.

Os quartos onde ficaremos alojados são no prolongamento da sala do restaurante. Ao abrirmos a porta, cinco metros de pé direito em madeira, o espanto outra vez, um espanto ainda maior. Ao centro, uma cama vestida de colchas luxuosas, ao lado uma banheira de granito onde se pode imergir e ficar a ver o cenário verdejante dos montes a sudoeste, só um vidro imenso a separar-nos daquele postal de pôr-do-sol.

Para encontrarmos a terceira prova de que Celso Lemos não é um homem qualquer, é só olharmos para o chão. O tapete gigante de algodão do Egipto, que decora o quarto, é um exemplo da qualidade dos seus têxteis. Muito poucos, todavia, têm tido o privilégio de o pisar. Os quartos são para uso exclusivo de chefs, importadores de vinho e outros amigos da família. A nós, coube-nos a vaga da imprensa.

Jantar completo
Completada a visita guiada — e um banhito na tal banheira, vá — é tempo de comer. Às oito começa o jantar, um festim de cinco horas. A abertura é logo em grande, celebrando uma velha máxima de Celso: uma refeição boa tem de ter bons ovos e boas batatas. Tudo simples, uma patanisca de batata com ovo cozinhado a baixa temperatura e um pickle de cebola — coisa para nos ficar na cabeça durante uma vida.

A filosofia prolonga-se nos outros pratos, sempre sofisticados, mas com poucos elementos e saborosíssimos. Pontos altos, para além do ovo inaugural: o carapau em salmoura; a raia com pinhões e molho de fígados; o atum com fricassé, feijão frade e feijão trigueiro; o tártaro de lagostim. A acompanhar só vinhos da casa, onde não faltou o mítico Dona Paullete, de Encruzado, ou o Jaen de 2008. O Mesa de Lemos abre às quintas e sextas ao jantar, sábados ao almoço e jantar, domingo ao almoço. Menus a começar nos 35 euros e a subirem por aí a fora, até mais de uma centena de euros.

Muito dinheiro, é certo, mas o restaurante faz alta-cozinha de nível Michelin e Diogo Rocha só vai ao tapete se ele for do Celso.

O Embaixador escreveu ao mundo

O chef português Nuno Mendes, de quem Gordon Ramsay disse ser “o chef dos chefs”, acaba de lançar um livro sobre a cozinha de Lisboa. Esperam-se efeitos planetários.   TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Cortesia Nuno Mendes SE um dia destes o mundo deixar de olhar para a gastronomia portuguesa como uma subespécie pobrezita da […]

O chef português Nuno Mendes, de quem Gordon Ramsay disse ser “o chef dos chefs”, acaba de lançar um livro sobre a cozinha de Lisboa. Esperam-se efeitos planetários.

 

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Cortesia Nuno Mendes

SE um dia destes o mundo deixar de olhar para a gastronomia portuguesa como uma subespécie pobrezita da cozinha espanhola, Nuno Mendes e o seu novo livro podem muito bem ter a ver com isso. “Lisboeta” foi lançado a 18 de Outubro, em inglês, pela super-editora Bloomsbury, com o luxo das grandes produções do género; e é bem provável que, em Dezembro, esteja nas listas dos títulos de cozinha internacional que mais marcaram o ano.

A edição em língua portuguesa foi garantida pela Campo das Letras, mas não verá a luz para já. Segundo disse Nuno Mendes à Vinho Grandes Escolhas, é previsível que só esteja nas livrarias portuguesas na Primavera do próximo ano.

“Vou lançá-lo agora em inglês porque acredito que pode ser uma ferramenta muito útil para promover a cozinha portuguesa em todo o mundo”, justificou, a partir de Inglaterra, em resposta a perguntas enviadas por email. “É uma carta de amor a Lisboa e é também inspirado na comida que comia quando aí vivia, na minha juventude”.

Nas páginas do pesado bloco de 372 páginas servem-se vários pratos da Taberna do Mercado, o seu restaurante de inspiração portuguesa na capital inglesa. As receitas vão do Polvo à Lagareiro passando pela Sapateira Recheada ou pelo Prego, mas têm sempre toque de chef.

E quem é o chef? A maioria dos portugueses não o conhece. Nuno Mendes é uma espécie de guru da nova vaga, um René Redzepi (restaurante Noma) do Sul da Europa, “o chef dos chefs”, como lhe chamou Gordon Ramsay. Cresceu em Cascais, depois foi estudar biologia marítima para os EUA, depois trabalhou com gado numa quinta do pai em Portugal, depois dedicou-se à cozinha. Passou pela Trump Tower, no restaurante de Jean-Georges Vongerichten, mas foi no El Bulli, já trintão, que viu a luz da alta-cozinha moderna.

A escalada na cena londrina começou com o The Loft, um ‘supper club’ com menu de degustação. Mas foi com o Viajante que ganhou a sua primeira estrela Michelin. Este restaurante acabaria por fechar, dando lugar ao badalado The Chiltern Firehouse, financiado por um milionário. O restaurante é uma das mesas com mais famosos por cadeira, um sítio onde, na mesma noite se podem encontrar David Cameron, Kate Moss e Madonna (quando não está por Alfama).

A Taberna do Mercado, aberta em 2015, acabou por aproveitar essa euforia e é, actualmente, outro dos restaurantes mais concorridos da capital inglesa por ‘foodies’ e chefs de todo o mundo.

Não admira por isso que a voz de Nuno Mendes em Londres soe mais alto do que 30 chefs de Lisboa a gritar ao mesmo tempo. E ele tem noção disso. Há dois anos, disse ao jornal The Guardian, onde escreve semanalmente: “Quer queiramos, quer não, tornamo-nos embaixadores do nosso país”.

“Lisboeta” é o seu primeiro despacho e pode ser adquirido através da Amazon.

Ananás dos Açores

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga É comum apanharem-se maus ananases dos Açores. Durante algum tempo, fui um crítico dos ananases dos Açores. Ouvia toda a gente a dizer que eram os melhores do mundo e eu só apanhava dos ressequidos, ácidos e bafientos. Achava que a avaliação estava contaminada de patriotismo e […]

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga

É comum apanharem-se maus ananases dos Açores. Durante algum tempo, fui um crítico dos ananases dos Açores. Ouvia toda a gente a dizer que eram os melhores do mundo e eu só apanhava dos ressequidos, ácidos e bafientos. Achava que a avaliação estava contaminada de patriotismo e vistas curtas.

O problema, percebi depois, é que nem todos os ananases dos Açores são iguais; nem todos os anos são bons anos; e há épocas melhores do que outras para os comer. “Agora é quando estão mais frescos e suculentos”, garantiu-me há umas semanas, por telefone, uma funcionária do Miosótis, o supermercado biológico de Lisboa. E eu fui logo atrás deles. A prova acabaria por confirmar a expectativa. Este ano, por estes dias, parecem estar doces, equilibrados de acidez e aromáticos.

Dito isto, é sempre difícil escolhê-los. Um truque clássico é, sorrateiramente, puxar uma das folhas da coroa: se ela estiver verde mas se desprender apenas com um leve resistência é bom sinal. Outra avaliação clássica do estado de maturação decorre da cor da casca, que não deve ser demasiado verde nas intersecções dos botões (não amadurece fora da planta), nem ter a casca esbranquiçada ou seca (não rejuvenesce, também). Procure um aspecto amarelo-rosado na base e um aroma doce.

Saiba ainda que o Ananás dos Açores é citado no livro “1001 Foods You Must Try Before You Die” e que é um produto biológico. O método de produção mantém-se o mesmo dos primórdios do cultivo na ilha, no século XIX. Para ser certificado como um produto DOP, tem de crescer em estufas de vidro e madeira da ilha de S. Miguel, ao longo de dois anos. O método implica a aplicação de “fumos” e a preparação de “camas quentes” à base de matéria vegetal.

Há várias maneiras de comer ananás, mas felizmente a loucura dos anos 80 passou. Já não é fácil encontrar rodelas amarelas a estragar pizzas ou enfiadas em copos de cocktails. A loucura passou. Eu gosto de os comer ao natural, no final de refeições pesadas ou gordurosas. Melhor do que Eno.