O cocktail mais louco da cidade

O Red Frog, em Lisboa, foi nomeado um dos 100 melhores bares de cocktails do mundo. O segredo está no sítio, uma cave junto à Avenida da Liberdade, e em cocktails como o Agent Provocateur, onde não falta um botão vegetal que deixa a língua dormente.   TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga […]

O Red Frog, em Lisboa, foi nomeado um dos 100 melhores bares de cocktails do mundo. O segredo está no sítio, uma cave junto à Avenida da Liberdade, e em cocktails como o Agent Provocateur, onde não falta um botão vegetal que deixa a língua dormente.

 

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga

A porta está sempre fechada, mas há uma mensagem subtil que denuncia o bar. Na campainha, pode ler-se: “Press for cocktails”. O mistério regressa quando descemos as escadas escuras. Na cave, do lado direito, está o bar, pequeno mas cheio de preciosidades, dos uísques aos gins, e em frente a sala, com quadros inspirados no período da Lei Seca. O ambiente é escuro, e toca quase sempre cancioneiro norte-americano, sobretudo blues.

Sofás, uma mesa comprida, ao fundo uma área para fumadores e uma enorme estante a toda a largura que se abre para outra sala, secreta, e para outra, ainda mais secreta. É aqui que Paulo Gomes e Emanuel Minez, fundadores da casa em 2015, têm uma espécie de laboratório clandestino, com maquinaria diversa onde reduzem e clarificam caldos, retiram a polpa da fruta, fazem emulsões com azeites, extraem sabores de pedras e outras alquimias. Foi por causa deste cuidado que, recentemente, passaram a integrar a lista dos 100 World’s Best Bars, depois de já terem ganho o prémio de melhor bar de cocktails português pelo Lisbon Bar Show. O Agent Provocateur é uma das suas obras mais requisitadas. Só para quem gosta de experiências fortes.

Gin Hendricks
Um dos ingredientes do Hendricks é a infusão de pétalas de rosa. Esta flor “é a base do cocktail”, explica o barman Paulo Gomes, quer na cor quer nos ingredientes. Paulo Gomes tentou reproduzir as cores da lingerie da marca Agent Provocateur, sobretudo em tons de preto e rosa. A inspiração surgiu depois de ter visitado a loja em Londres.

Pimenta Rosa
A pimenta rosa entra numa redestilação feita na máquina Rotovap, juntamente com o ruibarbo, e de onde se extraem sobretudo os componentes aromáticos desta especiaria.

Cravos chineses
São usados para fazer o kombucha, bebida fermentada alimentada com chá verde ou chá preto. As flores parecem-se com os amores-perfeitos, sendo ligeiramente adocicadas.

Ruibarbo
O ruibarbo “dá notas florais e frescas”. Só se usa o caule da planta. As folhas podem ser tóxicas, mas o caule é conhecido por facilitar o trabalho do fígado, o que é muito apropriado.

Turkish Delight
É um doce tradicional turco. “Aqui desconstruímos o doce e fazemos a montagem em estado líquido.”

Botões de Sichuan
Os botões são de uma planta também conhecida no Brasil como jambu. Aqui são servidos à parte. Quando tocam a língua produzem uma espécie de choque eléctrico que deixa a boca numa dormência refrescante, estimulando a produção de saliva. “Há pessoas que ficam assustadas”, diz Paulo Gomes, rindo. “Tenho de lhes dizer que isto não é nenhuma droga.”

O sonho aveirense de Tiago e Ana

Numa cidade habituada a bacalhau e peixe grelhado, abriu um restaurante que faz a sua própria manteiga e serve gemas inseminadas com tomatada. O ovni chama-se Anna’s e tem à frente um chef-doutor e uma emigrante de regresso às origens.   TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga FALA sempre como se estivesse na […]

Numa cidade habituada a bacalhau e peixe grelhado, abriu um restaurante que faz a sua própria manteiga e serve gemas inseminadas com tomatada. O ovni chama-se Anna’s e tem à frente um chef-doutor e uma emigrante de regresso às origens.

 

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga

FALA sempre como se estivesse na iminência de uma grande aventura. Com apenas 29 anos, tem a energia de uma criança grande — bem grande — e o entusiasmo de um explorador. “Podem vir até aqui”, diz, puxando-nos para a cozinha. Mesmo à entrada, há uma vitrina com rebentos em vaso e ervas aromáticas, lá dentro a roda a servir de portão, depois os fogões. Nas portas dos frigoríficos, vêem-se números escritos pelo seu punho, lá dentro mais códigos indecifráveis em barrigas de porco seladas em vácuo, molhos, pickles caseiros. “Tudo tem de estar embalado e registado. Sou muito organizado e muit’a maluco.” As anotações podem ser defeito de formação. Tiago Emanuel Santo é licenciado em Geografia e mestre em Gestão do Território. Actualmente, será o chef português mais culto da sua geração ou, pelo menos, o que mais sabe sobre gastronomia regional. Na Universidade Nova de Lisboa, onde está a preparar o doutoramento, tem-se dedicado a registar todos os produtos tradicionais portugueses, alguns já esquecidos, um documento com 800 entradas.

Esta paixão nota-se assim que começa a servir o menu de degustação do Anna’s, o seu novo projecto, em Aveiro. O restaurante abriu em Maio e pretende mostrar outra cozinha à cidade, criativa, inquieta mas confortável, feita de sabores nacionais e técnicas sofisticadas. A decoração é limpa, madeiras claras e cadeiras Eames brancas.

Em cima da mesa, está agora um dos azeites preferidos de Tiago, o Angélica, extraído de um pequeno olival em Moura. O produtor é tratado pelo nome, como se fosse um amigo. São todos: é o Gonçalo dos azeites, o Arlindo das carnes maturadas de Alcains, o Leonardo das ostras de Aveiro. Na boca, o Angélica surge com surpreendentes notas amargas e picantes, pouco comuns em azeites alentejanos. “O Gonçalo colhe as azeitonas à mão, ainda verdes. E depois junta as variedades cordovil e verdeal à azeitona galega”, explica Tiago.

Num pratinho ao lado, o chef despeja agora outro azeite, guardado numa garrafa sem rótulo. “Este é único. Vem de umas oliveiras centenárias da zona onde se faz o Boom.” O Boom é um festival de música electrónica, perto de Idanha-a-Nova, também conhecido pela abundância de outro tipo de substâncias, nem todas lícitas. Quando a tenda se desmonta, os festivaleiros costumam levar consigo os cogumelos mágicos mas deixam as azeitonas, uma cultura antiga na região. “Diz-se que já ali se fazia azeite no tempo dos romanos”.

As histórias, as pessoas, vão acompanhando os pratos. Nada é só o que parece. Uma manteiga não é uma manteiga. “Fazêmo-la nós, aqui. Descobrimos uma senhora da região que tem uma vaca e que nos fornece o leite não pasteurizado.”

Replicar o conceito noutras cidades
Algumas das criações de Tiago, como o extraordinário bolo lêvedo dos Açores ou o pastel de molho, já o acompanham há algum tempo. Antes de rumar a Aveiro, o chef assumiu os comandos do restaurante do Hotel Areias do Seixo, perto de Torres Vedras. Esse posto deu-lhe palco, mas foi ao mesmo tempo uma honra e uma herança difícil. Leonardo Pereira, ex-chef do Noma, o premiadíssimo restaurante de Copenhaga, tinha acabado de deixar o lugar, elevando a fasquia.

A nova aventura de Tiago não parece ser menos emocionante. O projecto nasceu da vontade e do investimento de Ana Pinto e da sua irmã (também chamada Ana, daí o nome do restaurante, Anna’s). Naturais de Aveiro, emigraram para a Venezuela muito novas, onde acabaram por gerir uma rede de supermercados e pastelarias. Com a crescente onda de violência no país, contudo, decidiram regressar a Portugal. “Mantemos alguns negócios lá, mas estamos a vender. É muito perigoso viver ali”, diz Ana Pinto, que se junta à mesa e procura refrear a velocidade com que o seu chef debita novas ideias, novos pratos, novos restaurantes.

Por esta altura, ao lado da mesa já jaziam várias garrafas que o chef tinha seleccionado para o pairing, tudo coisas exuberantes e difíceis de encontrar nos supermercados. O menu de degustação acontece em sete momentos (50€) e pode ser acompanhado por dois tipos de harmonizações, uma de 25 euros, outra mais premium, de 50 euros. Isto ao jantar. Ao almoço, o conceito — e o preço — são diferentes. Em Novembro, altura da nossa visita, por apenas 10,50€ podia comer uns filetes de peixe galo com um arroz cremoso de ervilhas, mais uma entrada (que podia ser uma canja de bacalhau com ovo escalfado) e um copo de vinho. Os pratos mudam diariamente.

A ideia de Tiago é que o conceito do Anna’s seja replicado. “Queremos fazer restaurantes deste nível noutras cidades médias do país”, diz. Mais à frente, há-de adiantar que a capital também não perde pela demora. “Vamos abrir em Lisboa. E vai ser bombástico. Um espaço enorme”, atira. O conceito é sempre o mesmo: fazer tudo em casa, dos pães aos pickles, passando pelos molhos e pelos fermentados.

A conversa é interrompida por causa de um ovo que é preciso inseminar com tomatada. Regresso à cozinha. Na banca da roda, o chef agarra numa seringa onde está o molho e espeta-a na gema. A primeira rebenta. “Dêem-me outra”. A segunda rebenta. “Não ficou bem. A gema tem de estar fresca se não acontece isto. Outra”, zanga-se. A operação repete-se até o chef achar que merece ir para a mesa.

No final, a imagem é surpreendente. A gema assenta numa areia e tem por cima um pequeno merengue, branco como um iceberg, dando um ar dramático ao conjunto. Quando a empregada leva o prato para a sala, os clientes ficam a olhar, como se fosse um ovni. Um ovni gastronómico a aterrar na Ria.

Couve Portuguesa

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga As couves portuguesas não são um vegetal simpático. As folhas são disformes, desarrumadas, soltas, difíceis de ensacar. E depois têm aquele caule gigante, rijo como um tronco, que se espalha em nervuras brancas passíveis de protagonizar um filme de terror de série B em que pequenos póneis […]

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga

As couves portuguesas não são um vegetal simpático. As folhas são disformes, desarrumadas, soltas, difíceis de ensacar. E depois têm aquele caule gigante, rijo como um tronco, que se espalha em nervuras brancas passíveis de protagonizar um filme de terror de série B em que pequenos póneis acabam devorados pelo temível repolho assassino.

As couves portuguesas são um estorvo. Não foram feitas para bancas de mercearias modernas. E dificilmente cabem nos frigoríficos e nos tachinhos dos lares urbanos unicelulares. Precisam de grandes tachos, precisam de espaço, precisam de tempo.

De alguma forma, é surpreendente que resistam. Vêm de um antepassado neolítico, espécie de dinossauro dos legumes próxima das couves selvagens. Há mais de cinco mil anos, cresciam nas escarpas atlânticas do Norte da Europa e terão sido trazidas pelos celtas para a Ibéria.

Hoje em dia, a genética hortícola consegue produzir primas mais fofinhas, maneirinhas e compactas. Mas ainda não há nada que bata a textura e a doçura elegante de uma couve portuguesa, também conhecida como tronchuda ou penca, com pequenas variantes sobretudo no Norte: penca de Chaves, penca do Povão, tronchuda Glória de Portugal, Murciana, de Mirandela e a troncha de Safres.

Apesar das modernas formas de confecção – o vapor, sobretudo, recomenda-se para quem quer manter todas as qualidades nutritivas, e são muitas —, continuo a preferir cozê-las em água abundante, só com sal. A técnica não tem sofisticação nenhuma, mas convém usar dos ensinamentos das cozinheiras de Trás-os-Montes, a maior região produtora e consumidora, que batem os caules contra a bancada da cozinha antes de as atirar para o tacho. As rachas que nascem dessa violência, não só apressam a cozedura como abrem caminho aos sucos do tempero.

Azeite, vinagre e alho são três coisas que casam maravilhosamente com este vegetal. Mas os frutos secos (amêndoa, amendoim) também acompanham maravilhosamente, tal como as leguminosas (feijões, grão), seja em sopas, seja em migas.

Embora seja um legume todo-o-terreno, que se dá em todo o país e praticamente todo o ano, a couve portuguesa pede frio e há quem diga que até a geada é essencial para adquirir tenrura.

Daí que esta seja a altura certa para as consumir. Com ou sem bacalhau.

Espargos

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga Há uns anos, um amigo meu decidiu plantar espargos num terreno que acabara de comprar. Fê-lo por impulso e paixão, sem se precaver do escoamento para o mercado. Sucede que as grandes superfícies preferiam os do Perú e de Espanha, mais baratos e com fornecimento o ano […]

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga

Há uns anos, um amigo meu decidiu plantar espargos num terreno que acabara de comprar. Fê-lo por impulso e paixão, sem se precaver do escoamento para o mercado. Sucede que as grandes superfícies preferiam os do Perú e de Espanha, mais baratos e com fornecimento o ano todo, e os chefs preferiam os certificados, mais seguros. Pelo que, na altura da primeira colheita, o meu amigo ficou sem saber o que fazer a umas centenas de quilos. Uma das poucas pessoas que lucrou com o desaire fui eu. Durante várias semanas, por esta altura do ano, tive fornecimento regular dos rebentos e pude experimentar todo o tipo de receitas. Das sopas aos ovos, das saladas aos purés, fiz de tudo.

É preciso dizer, todavia, que nenhuma fórmula bateu a preparação clássica dos italianos: um minuto em água a ferver, de pé; depois cortá-los em troços e saltear em azeite; com o lume desligado acrescentar manteiga, limão, pimenta preta, flor de sal e lascas de parmesão. Se cozinhados no tempo certo, ficavam crocantes, o interior tenro e sumarento, notas verdes e doces — uma das grandes maravilhas vegetarianas de sempre.

Quando os comprar no comércio, a primeira coisa que deve ter em atenção são as pontas. Nunca compre espargos com as pontas pisadas. É sempre por aí que eles apodrecem. De resto, escolha os que têm a pele mais uniforme.

Os meus preferidos, com mais sabor, mais doces, são os espargos verdes. Mas há quem aprecie os brancos, uma variedade privada de clorofila pela ausência de contacto com o sol, popular em Itália, na Holanda e na Alemanha. Os verdes de cultivo devem ser cortados pela base, muito rija, mas não a descarte: pode sempre fazer um caldo de legumes para entrar num arroz ou numa sopa. Se pelar a metade inferior, mais fibrosa e dura, com um descascador de vegetais, não terá qualquer problema. No caso dos espargos selvagens, que se encontram à venda na beira das estradas, sobretudo no Alentejo, o truque é dobrá-los com uma mão em cada ponta. O sítio por onde partirem separa a parte tenra da parte fibrosa.

Para terminar, uma nota escatológica: se notar um cheiro estranho na urina depois de comer espargos, não estranhe. Resulta da metabolização de um composto e só é detectado em algumas pessoas. No limite, significa que anda a comer bem.

O novo menu do The Yeatman

chef ricardo costa

TEXTO: Mariana Lopes            FOTOS: cortesia The Yeatman Não é nenhuma maldição ancestral e, se disser em voz alta, os móveis não vão começar a levitar. Carta Fata é uma folha plástica transparente e preparada para a culinária (originalmente para cozinhar porco em Itália), que o Chef Ricardo Costa utiliza no […]

TEXTO: Mariana Lopes            FOTOS: cortesia The Yeatman

Não é nenhuma maldição ancestral e, se disser em voz alta, os móveis não vão começar a levitar. Carta Fata é uma folha plástica transparente e preparada para a culinária (originalmente para cozinhar porco em Itália), que o Chef Ricardo Costa utiliza no novo menu do restaurante do The Yeatman Hotel, de Primavera e Verão, que fica disponível a partir de hoje.

Com duas estrelas Michelin desde 2017, este destino gastronómico de Vila Nova de Gaia continua a subir a fasquia: “O público é o mesmo, mas vem com uma atitude diferente” – confessa o Chef, referindo-se ao período pós dupla-estrela – “para nós, a tensão é maior e a adrenalina também”. Na cozinha, a jovem (mas experiente) equipa de 14 executantes não vacila perante a pressão e essa é uma das razões que fazem deste restaurante uma referência no plano português.

Na nova carta constam dois menus, um mais extenso com nove pratos, a “Experiência Gastronómica”, a custar €160, e o “Selecção do Chef”, de seis composições em prato, com um preço de €130. A harmonização com vinho, da curadoria de Beatriz Machado (directora de vinhos) e Elizabete Fernandes (Head Sommelier), pode ser feita de três maneiras: escolha livre de entre os quase 2000 vinhos presentes no Wine Book do The Yeatman, entre a pequena selecção aconselhada para o menu, ou o pairing completo preparado pelas curadoras, que custa €70 para o menu maior e €60 para o mais pequeno. Nesta última hipótese, o perfil dos vinhos é sempre o mesmo, mas as referências variam. Richard Bowden, director de marketing, é pertinente com as palavras “O vinho harmoniza com a comida, mas também com as pessoas”.

A “Experiência Gastronómica” começa com um chá de alga Kombu (japonesa) com lúcia-lima, morno e aconchegante, para limpar e preparar o interior para a refeição. De seguida, os aperitivos: nabo apresentado como uma vieira sem o ser, mas como molho desta com matcha (chá verde moído) e ovas finger lime (uma espécie de caviar australiano de fruta cítrica), tudo acompanhado com um “cannellone” de caranguejo real; uma interpretação de frango de churrasco com arepa de milho, esferas moleculares de tomate cereja e azeitona banhadas com água gelada de tomate e, espetados em galhos num vaso com lavanda, aquilo a que chamo “nuggets Michelin” (nuggets de frango mas da alta-cozinha); e uma “marisqueira” de lingueirão, mexilhão e camarão da costa, com pérolas de tremoço e puré de amendoim.

nabo
O Nabo

A entrar no “real deal”, Chocos (ou lulas, consoante a disponibilidade) com tinta e soro de leite, um toque de queijo de São Jorge, com crocante de iogurte no topo e molho à bordalesa, e também um crocante de tapioca com tinta. Depois, o prato de Lavagante, que consiste numa sopa tom yum (tailandesa) de galanga (gengibre do Laos) com papaia, manga e o referido crustáceo, a fazer par com o mesmo em crosta de sal, kimuchi, óleo de sésamo, ervilhas, pickles e cebola, e ainda tripas “à moda de Gaia”, cozinhadas na dita Carta Fata, com feijão branco, cebolinho e molho de aves.

lavagante
O Lavagante

Em jeito de pausa, veio da cozinha um pão quente de alfarroba e malte com manteiga de vaca do Pico e azeite Quinta de Vargellas (do grupo Fladgate, onde está inserido o Hotel, a Taylor’s, Croft, Fonseca, etc.). De volta ao exercício, Raia glaceada com beurre blanc e caviar e algas. Sublimes são os Ovos The Yeatman, com cocochas de bacalhau (parte junto à traqueia do peixe), presunto, codorniz e molho Bolhão Pato. Continuando, o Leitão “quase” à Bairrada muito bem conseguido, com a pele super-estaladiça, tostada com perícia. Quase a terminar, o Arroz de Pombo à Antiga, com trufa, o prato que faz revirar os olhos, quase literalmente, pela qualidade da matéria prima (pombo francês Mieral) e pelo talento na remistura.

arroz de pombo
O Arroz de Pombo à Antiga
mirtilos
Os Mirtilos

As coisas doces, do chef pasteleiro Pedro Carvalho, são três. Carpaccio de Ananás com chá verde e gelado de piña colada, muito bem-apresentado dentro de uma metade de um coco. A seguir, um desmanchado de Mirtilo com mascarpone e Kaffir (um citrino do sudeste asiático). Para rematar, uma Tripa de Aveiro (terra natal do Chef) com pipocas e caramelo.

Ficou com água na boca?

Anho Assado candidato às “7 maravilhas à mesa”

Anho Assado com Arroz de Forno

A confraria do Anho Assado com Arroz de Forno anunciou que já apresentou a candidatura deste prato emblemático de Marco de Canaveses a ser considerado uma das “7 maravilhas à mesa”. O anúncio decorreu num almoço de promoção do Rebanho da Confraria, onde foram degustados os primeiros exemplares. O evento decorreu no Restaurante Oficina, no […]

A confraria do Anho Assado com Arroz de Forno anunciou que já apresentou a candidatura deste prato emblemático de Marco de Canaveses a ser considerado uma das “7 maravilhas à mesa”. O anúncio decorreu num almoço de promoção do Rebanho da Confraria, onde foram degustados os primeiros exemplares. O evento decorreu no Restaurante Oficina, no Porto, e a confecção ficou a cargo do Chefe Marco Gomes, que preparou um Menu de degustação com os anhos da Confraria, em harmonização com os Vinhos Verdes do concelho. O repasto ficou completo com a doçaria tradicional de Marco de Canaveses.

A candidatura não é só uma aposta da confraria, dado que tem o apoio da Câmara Municipal de Marco de Canaveses e a parceria da Escola de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Marco de Canaveses, que criou os animais para esta degustação.

Os presentes tiveram ainda a oportunidade de verificar a forma tradicional de fazer o Anho Assado com Arroz de Forno, que ficou a cargo do Restaurante Cancela Velha.

Robalo de Inverno

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga Em francês chamam-lhe loup de mer (lobo do mar). Os gregos antigos, por sua vez, associavam-no à palavra labros (turbulência), e hoje em dia designam-no por lavraki (o esperto). Nada disto é por acaso, como confirmará qualquer pescador português. O robalo é um dos peixes mais inteligentes […]

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga

Em francês chamam-lhe loup de mer (lobo do mar). Os gregos antigos, por sua vez, associavam-no à palavra labros (turbulência), e hoje em dia designam-no por lavraki (o esperto). Nada disto é por acaso, como confirmará qualquer pescador português. O robalo é um dos peixes mais inteligentes e tenazes dos oceanos, tendo tanto de ruim como de saboroso e delicado.

Daí que a caça ao bicho seja uma batalha épica e imemorial, sobretudo no Inverno. Até Fevereiro, quando o mar está mais batido — mais turbulento —, se for à praia é muito provável que assista a dezenas de homens forrados de impermeáveis até às orelhas a baterem-se à linha com robalos bojudos prestes a desovar. Cada fêmea traz um milhão de ovos, mas só um, em média, sobrevive.

Há dias, um bicho de dois quilos foi-me vendido na praça (18€/kg) com as ovas enormes, do tamanho das de um bacalhau médio. Para escolher as fêmeas mais frescas deve tomar atenção ao brilho das escamas, aos olhos translúcidos e convexos e ao relevo da barriga. Este vinha com um bócio protuberante, não enganava. Por ter a carne branca e poucas espinhas, o robalo pode ser cozinhado de várias formas. Seja qual for a opção, evite o excesso de cozedura, de fritura, de forno ou de brasa. Caso faça ao sal, é pô-lo no forno uns 30 minutos a 180oC, envolto em sal marinho batido com clara de ovo. E se ele for muito grande e o quiser grelhar, mande os snobs gourmet à fava e peça à peixeira para o escalar. Ah, e não se esqueça de tratar bem a pele, porventura o melhor de tudo.

Culinary Extravaganza 2.0: estrelas na cozinha e luxo no prato

No primeiro fim-de-semana de Novembro voltámos ao Conrad Algarve para uma experiência gastronómica à medida do seu nome. Durante três dias, quinze chefs de renome internacional, oito deles com uma ou mais estrelas Michelin, levaram à mesa composições sem igual.   TEXTO Mariana Lopes FOTOS Vasco Célio A segunda edição do Culinary Extravaganza não ficou, […]

No primeiro fim-de-semana de Novembro voltámos ao Conrad Algarve para uma experiência gastronómica à medida do seu nome. Durante três dias, quinze chefs de renome internacional, oito deles com uma ou mais estrelas Michelin, levaram à mesa composições sem igual.

 

TEXTO Mariana Lopes FOTOS Vasco Célio

A segunda edição do Culinary Extravaganza não ficou, de maneira nenhuma, atrás da primeira. A Grandes Escolhas assistiu aos dois últimos dias desta jornada, no Conrad, em Almancil, uma referência hoteleira de luxo na região do Algarve. Quando da sua abertura, em 2012, o aclamado chef Heinz Beck assumiu a consultoria do Gusto, o restaurante do hotel da cadeia Hilton, e, juntamente com uma equipa muito bem formada, encetou a viagem que levou o espaço à sua primeira estrela (do Guia Michelin Espanha e Portugal 2018, anunciado no final de Novembro). Mas foi Daniele Pirillo, seu discípulo e seguidor por outras andanças, que recebeu a condecoração do Gusto, na qualidade de chef residente.

Beck, que conta já com sete restaurantes, tem ele próprio as suas três estrelas no La Pergola, em Roma. O seu espírito alegre e sempre incansável fez dele o maestro ideal para conduzir a orquestra de cozinheiros e chefs que trabalhou para servir tudo do bom e do melhor, a par dos som-meliers Miguel Martins (director de vinhos do Conrad) e António Coelho (convidado, responsável pela garrafeira do triplamente estrelado Lasarte, em Espanha). Os vinhos servidos durante todo o Extravaganza foram exclusivamente referências da Ideal Drinks, abrangendo as três regiões com que a empresa trabalha – Vinhos Verdes, Dão e Bairrada.

A turma de sonho contou, além dos já referidos, com Jacob Jan Boerma*** (De Leest, Grand Café Krasnapolsky, Holanda); Ricardo Costa** (The Yeatman Hotel, Porto, Portugal); Maurizio Serva** (La Trota, Itália); Juan Amador** (Amador’s Wirthaus, Austria); Sidney Schutte** (Librije’s Zusje Waldorf Astoria, Amesterdão); Chris Galvin* e Joo Won* (Hilton on Park Lane London, Reino Unido); Osvalde Silva (Conrad Algarve); Christoph Jefferson (Hilton London Heathrow T4, Reino Unido); Franco Luise (Hilton Prague, República Che- ca); Shota Goderzishvili (Hilton Kiev, Ucrânia); Joe Barza (Oak Grill Conrad Cairo, Egipto) e os chefs pasteleiros Roberto Horta (Conrad Algarve) e Idan Hada (Hilton Tel Aviv, Israel).

O primeiro momento, após a chegada ao festival, foi uma masterclass dada por Heinz Beck. O chef, inspirado num pequeno-almoço tradicional com leite, café e pão, criou uma sobremesa chamada Caffè Latte. Ao transformar natas em espuma cremosa, com um sifão algo problemático na mão (instrumento de cozinha para transformar cremes em espumosos), explicou a receita num inglês com sotaque italiano e pausado, para que todos compreendêssemos. No entanto, é seguro dizer que o fascínio foi tanto que poucos de nós fixaram passos suficientes para reproduzir o Caffè Latte. Ah, e o sifão. Também nos falta isso.

De seguida, uma conferência de imprensa com todos os chefs. Sobre o evento, o anfitrião Heinz Beck tocou no ponto essencial: “Gastronomia e entretenimento, uma mistura muito bonita!” E quando questionados sobre o facto de estarem a trabalhar lado a lado com a concorrência, Jacob-Jan Boerma respondeu, com sapiência e sensatez, que “o sabor não é uma competição”. “Somos todos amigos”, reforçou. E Joe Barza acrescentou: “A comida une as pessoas, traz uma mensagem de paz.” Tudo em Barza nos indicou que foi sincero, desde a sua já conhecida bonomia até ao tomate vermelho tatuado na mão direita, por amor à cozinha. E o tempo para a família? Com uma, duas ou três estrelas Michelin, será que existe? “Sou casado com a minha esposa, mas vivo com chefs…”, brincou Jacob-Jan Boerma.

À MESA

Mais tarde, nesse dia, o jantar “Michelin Dining Experience” no Gusto. Oh, Heinz. Já estava a suspirar e ainda íamos no amuse bouche, um salmão marinado com maionese de yuzu (citrino do Leste asiático), gel de marisco e alga desidratada, um dos melhores da noite. A seguir, Boerma trouxe-nos lagostim com black salsify (uma planta da família do girassol, cujas raízes são comestíveis e conhecidas pelo sabor a ostra quando cozinhadas), clementina, especiarias, Tandoori e vegetais da época. Juan Amador, por sua vez, presenteou-nos um carabineiro com salsa, lardo (camada de gordura por baixo da pele de determinadas partes do porco) e uma espuma dos famosos “escargots” de Vienna. De volta a Beck, uma maravilhosa composição de fois gras com castanhas e figos, um prato muito bonito, ainda mais no palato. Ainda do mesmo chef, tortellini de pato com puré de abóbora, fondue de queijo Grana Padano e trufa branca (daquelas de seis mil euros por quilo…). Jacob-Jan regressou com molejas de vitelo acompanhadas de limão e yuzu, cenoura texturizada e jus de erva-príncipe com combava (citrino do sudoeste asiático). Quase no final, Juan Amador ripostou com pombo Miéral (criador francês de aves de qualidade excelsa), com caril roxo, crumble de coco e gel de manga e gengibre. Para rematar, Heinz Beck fez a sobremesa, cannolo siciliano.

Miguel Martins é um óptimo som-melier, isso já sabíamos, e conta já com considerável experiência. O que não sabíamos era que, com uma selecção limitada à sua disposição, de vinhos de uma só empresa, o director de vinhos do Conrad conseguiria dar a volta tão bem dada à questão. Conhecer milhares de vinhos não é su ciente para ser sommelier, mas passar nestes testes difíceis de harmonização, sim.

IGUARIAS AO SOL
No último dia, o almoço foi na Roof Garden Suite, com os chefs do grupo Hilton. Esta é a melhor suite do hotel e, bem, tem espaço para muita gente almoçar, na sua grande varanda com uma vista bonita para lá de Almancil. Aqui, os próprios chefs cozinharam e serviram os seus pratos em bancadas montadas “on site”, debaixo de um sol que nos pôs a todos de bom humor.

De todas as iguarias à disposição, tenho de destacar o risotto de trufa branca sobre carpaccio de vaca, do chef Franco Luise; a açorda de carabineiros do chef Osvalde Silva, e a sobremesa a que Roberto Horta chamou Café e Pastel de Nata. Esta não era um café e um pastel de nata, mas sim um creme de nata com discos de massa folhada no topo, pau de canela e molho de café. Sublime, aparentemente óbvio, mas genial na sua essência. Julguem-me à vontade, mas depois de provar os dez pratos disponíveis ainda voltei ao risotto e à açorda. No que toca a sustento alimentar, sou de alta manutenção, e não há nada que possamos fazer contra isso.

O jantar de encerramento é sempre grandioso. Heinz Beck, sempre titular, começou com tártaro de lírio, “chips” com caviar lio lizado, maçã e pepino com molho de yuzu. Em segundo lugar, Chris Galvin, com escabeche de atum-amarelo, creme de beringela e ervas aromáticas. Com Heinz a voltar, literalmente, em grande, surge um prato com 18 ingredientes: uma autêntica sinfonia de sabores com abóbora, trufa branca, cogumelos e infusão dos mesmos com brócolos e avelã, e por aí fora… A fazer a sua grande chegada, Sidney Schutte ofereceu-nos lagosta azul (espécie muito rara) com língua e fígado de pato, líchias e gerânio-limão, que antecedeu o tortellini de Beck (o chef parece ter uma preferência especial por este tipo de pasta), desta vez de tom magenta escuro porque era de beterraba, com couve roxa, creme de queijo parmesão e Katsuobushi (uma conserva seca japonesa, da carne de atum-bonito). Joo Won apresentou-se mais tradicional, com um borrego com ravioli de queijo de cabra e “piperade” (em França, ou “piperrada”, no País Basco, uma fritada com pimentos de várias cores, tomate, cebola e alho). Antes das coisas doces, veio Sidney Schutte com pombo, iogurte de sésamo, sementes de abóbora, daikon (rabanete branco oriental) e um molho mexicano de nome Mole, que o próprio veio derramar nos pratos, já na mesa. Para – finalizar, de novo Heinz Beck, com Café Montblanc, uma sobremesa de creme de castanha e rum com semi-frio de caramelo salgado, biscoito e gelado de café, com “topping” de molho de dióspiro e trufa branca.

É tudo verdade. Eu vi, ninguém me contou.

Comida, vinho e amigos na pradaria

Fica mesmo junto à Sé de Lisboa e tem à frente um jovem talentoso de 27 anos. O Prado promete marcar a restauração em 2018.   TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga A ideia de António Galapito parece um sonho gourmand moderno. Fazer um restaurante com comida criativa, produtos portugueses de excelência, vinhos […]

Fica mesmo junto à Sé de Lisboa e tem à frente um jovem talentoso de 27 anos. O Prado promete marcar a restauração em 2018.

 

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga

A ideia de António Galapito parece um sonho gourmand moderno. Fazer um restaurante com comida criativa, produtos portugueses de excelência, vinhos naturais e amigos, muitos amigos. “Em vez de ires para o Lux vais para um restaurante. Em vez de ires para uma discoteca vais conviver para um restaurante com boa comida e ambiente festivo”, diz.

Sucede que esse sítio existe desde o mês passado. O Prado abriu na Sé, em Lisboa, e promete marcar a restauração da capital em 2018. António Galapito, à frente da cozinha, é ainda muito novo, mas tem sete anos de experiência ao mais alto nível, ao serviço do chef Nuno Mendes.

Começou com ele no restaurante Bacchus e depois partiu para a estreia do Viajante, em Londres. Esse restaurante haveria de fechar mas lançou Nuno Mendes na primeira divisão da cozinha mundial. Foi todavia no seu restaurante mais recente, a Taberna do Mercado, também em Londres, que António Galapito comandou pela primeira vez a cozinha, já depois de uma experiência breve no Lyle’s, com uma estrela Michelin.

O conceito do Taberna do Mercado era fazer “cozinha portuguesa pelos olhos de quem está de fora”, uma ideia que não será prolongada no Prado, diz Galapito. “No Prado, a minha preocupação é usar produtos portugueses sazonais, não fazer uma cozinha portuguesa.” Pode acontecer, mas não é esse o seu foco. O foco está nos bois de Barrosã que quer desmanchar inteiros ou nos legumes bio que o Hortelão do Oeste vai produzindo.

Como é que isso se reflecte na carta? Na primeira semana, a VINHO Grandes Escolhas almoçou lá e deliciou-se com o berbigão com espinafres, o suco do bivalve reduzido com manteiga. Antes, já houvera oportunidade de limpar o couvert, que incluirá sempre o magnífico pão da Gleba (feito de trigo barbela) e uma manteiga de cabra ou ovelha. Seguiu-se um tártaro de carne barrosã, com cogumelos shitake fermentados, dentro de uma folha de couve e a couve-coração, com soro e nozes tostadas. Tudo de grande nível, mas com uma existência precária. “Talvez o berbigão e o tártaro se mantenham mais umas semanas, mas queremos que a carta tenha uma grande rotação. Mesmo os preferidos dos clientes haverão de desaparecer”, diz António Galapito.

Os preços andam pelos 20 euros ao almoço, e mais uns 10 euros ao jantar. Aconselha-se que vá em grupo, para poder correr a carta toda e para fazer deste Prado uma festa.

Em busca da ostra perfeita

Viajámos de Norte a Sul de Portugal para saber onde se produzem as melhores ostras. E descobrimos porque é que os franceses as levam (quase) todas.   TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga MARGARIDA Simões aponta para uma língua de mar cheia de sedimentos, ladeada por muros de argila, que vem desembocar nos […]

Viajámos de Norte a Sul de Portugal para saber onde se produzem as melhores ostras. E descobrimos porque é que os franceses as levam (quase) todas.

 

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga

MARGARIDA Simões aponta para uma língua de mar cheia de sedimentos, ladeada por muros de argila, que vem desembocar nos tanques piscícolas. “Na maré vazia este canal fica seco e a exposição ao sol mata tudo o que é e.colis. É um processo depurador natural e é isso que faz com que as nossas ostras sejam únicas”.

A dona do Moinho dos Ilhéus fala com o entusiasmo de um encenador, gestos largos, pose de artista. E não esconde o orgulho no seu produto. O Moinho dos Ilhéus, no Livramento, entre Olhão e Tavira, é apontado por chefs e gastrónomos como tendo das melhores ostras da Ria Formosa e do país. “São diferentes de todas as outras. Disso não tenha dúvidas.”

Tradutora ligada à literatura científica, sexagenária, Margarida só entrou tarde no negócio. A propriedade pertencia à família, que a teve arrendada a uma multinacional norueguesa de aquicultura. Durante duas décadas os tanques serviram para produzir robalos e douradas em regime intensivo. “Fizeram-se aqui muitas maldades. Mas a Ria tem um poder regenerador fantástico”, prossegue. A reabilitação começou em 2013, altura em que se iniciou a sementeira das ostras. Semear é mesmo a palavra. Margarida estudou tudo do zero e aconselhou-se com John Bayse, um especialista inglês, dono de uma maternidade de ostras, que lhe vendeu as melhores sementes de ostra japonesa (crassostrea gigas), a espécie mais popular em todo o mundo, no caso triplóide, ou seja, que não se reproduz.

Em 2014, o guru mundial do comércio de ostras, Thierry Gillardeau, agora aos comandos da empresa familiar fundada em 1898, esteve no Moinho e quis levar logo toda a produção. As ostras de Margarida atingiam o calibre ideal ao m de um ano (em França demoram três), com um peso por unidade entre as 60 e as 100 gramas. Eram lisas e roliças e tinham uma salinidade extraordinária, compensadas com um final adocicado. “É o terroir. O meu terroir é único”, justifica Margarida, apontando para um bando de corvos marinhos.

Este parecia o cenário ideal para Margarida, e na verdade é aquilo que todos os produtores querem. De Aveiro a Tavira, toda a gente procura um comprador que lhe leve toda a produção. Na altura, a Gillardeau, com sede perto de La Rochelle, na costa ocidental francesa, fez com as ostras do Moinho o que faz com muitas outras da Ria Formosa: pagou bem e pagou rápido, agarrou nelas, pôs-lhe o carimbo “Spéciale Gillardeau” e exportou-as para todo o mundo, de Moscovo ao Dubai.

Hoje, o Moinho está focado sobretudo no mercado nacional, mas a maioria dos produtores nacionais continuam a olhar para o estrangeiro. Em Aveiro, por exemplo, mais de 90 por cento da produção vai para fora, sobretudo para França e para a Holanda. A ostra aveirense é da mesma família da do Algarve. O que as distingue é a qualidade das sementes, as características do ambiente aquático (as ostras filtram cerca de 30 litros de água por hora) e o método de produção.

A segundos da mesa
Sandro Sousa, um dos produtores mais experientes de Aveiro, tem a sua propriedade já perto da cidade. Na Ostraveiro, usam-se dois métodos. Para além da técnica mais comum das sacas, parte das ostras está submersa dentro de cilindros. A diferença com as ostras de saco de Sandro é evidente na forma das conchas, polidas pelo movimento de rotação dentro dos cilindros e, por isso, mais atraentes. Há também quem ache, como Sandro, que isso favorece a sua alimentação, tornando-as mais carnudas.

A carne é, aliás, o que toda a gente procura. Uma ostra magra vale pouco. O que se quer é um músculo adutor grande, a encher a concha. Todos os órgãos, e são muitos, devem aparecer bem definidos, com o rebordo preto bem delineado em volta da membrana exterior. O que por vezes parece uma pastilha gelatinosa é, afinal, um bicho com estômago, guelras, ventrículo, intestinos, fígado. Na Ostraveiro, a viagem da ostra da água para a mesa pode demorar segundos. Mesmo junto aos tanques, num ilhéu rodeado de água, está o restaurante (tem de reservar e tem de ir de barco) onde Sandro faz degustações. Apesar de ter uma depuradora, às vezes a tentação de as levar logo à boca é mais forte. “Faço análises regularmente e sei o que estou a comer”, garante. Para além de ostras, serve-se também berbigão dentro de um pão rústico, com molho à Bulhão Pato.

O turismo ligado aos bivalves da Ria pode ser uma solução para um negócio que está longe de ser seguro, devido quer à mão-de-obra que implica, quer ao facto de muitos portugueses ainda desconfiarem de um bicho que se come vivo.

Mesmo os mais insuspeitos temem comê-lo. Margarida Simões, por exemplo, admite. “Antigamente, não as comia. Fui obrigada. A engenheira da Gillardeau que cá veio, logo no início, passou-me um atestado de incompetência e então eu experimentei-as. Mas só gosto das minhas, que não são gelatinosas. E só como das pequeninas. E mastigo. A ostra tem de ser mastigada para ser saboreada. Fico furiosa quando vejo alguém a deglutir as minhas ostras.”

As ostras maiores do Moinho podem chegar às 400 gramas. A intensidade é maior quanto maior a dimensão, trazendo notas mais amargas. Há no entanto mercado para elas, sobretudo entre os chefs. O Moinho vende as pequenas para restaurantes Michelin, do Ocean ao Vista, mas há quem aproveite as grandes — e bem. “A Noélia [do restaurante Noélia & Jerónimo, em Cabanas de Tavira], que é a nossa madrinha, faz com elas um arroz com espumante maravilhoso”, garante Margarida.

A ostra-portuguesa
Outros chefs, contudo, preferem as ostras do Sado. São os casos de André Magalhães, do restaurante Taberna das Flores (Lisboa), e de Tiago Emanuel Santos, do Anna’s (Aveiro), ambos conhecidos pela importância que dão ao produto. Na sua opinião, as ostras de Setúbal, ainda que menos salgadas, são firmes e têm um músculo grande. Tiago enaltece o seu sabor iodado, André a sua complexidade. Os dois preferem as da Neptunpearl, empresa estabelecida na Gâmbia, zona do Estuário do Sado que não está contaminada.

Também aqui é uma mulher quem está à frente do projecto. Célia Rodrigues é uma apaixonada pelo mar e uma defensora fervorosa de uma espécie autóctone: a crassostrea angulata, popularizada em todo o mundo como ostra-portuguesa e, hoje, ameaçada pela introdução da ostra japonesa diplóide.

Célia também tem da japonesa e da plana, mas não entra em competições. O segredo — diz — está na técnica. A NeptunPearl tem sacos mas é das poucas empresas a produzir em regime de fine de claire, uma técnica francesa em que as ostras são trabalhadas fora dos sacos, uma a uma. “É isso que faz com que todas tenham um índice de carne superior a 15 por cento, relativamente ao peso total, tornando-as especiais”, garante.

Daqui decorre que, seja em Aveiro, seja na Ria Formosa, seja em Setúbal, cada produtor tem ostras especiais. O problema, muitas vezes, é conseguir comprá-las antes de um importador deitar-lhes a mão e levá-las além-fronteiras.

Margarida está agora a provar umas de tamanho 3, com umas 80 gramas, numa casa de apoio à exploração. Foram apanhadas de manhã. Olha para ela e vira-a. “A ostra é fantástica. Parece um pedregulho, mas é um ser extraordinário, até limpa a casa. Olhe para esta, tão bonita.”

A história acaba como deve acabar uma história de ostras. Sem concha, o bivalve está agora na mão de Margarida, que o mete na boca. Mastiga ligeiramente, passa a ostra de uma bochecha para a outra, fecha os olhos. “Hummmmm.”