Marta Casanova deixa Quinta da Côrte

A enóloga Alexandra Guedes é a nova diretora técnica da empresa.

Marta Casanova deixou o cargo de diretora geral e enóloga da Quinta da Côrte, pertencente ao grupo de origem francesa Vignobles Austruy, para se dedicar ao desenvolvimento de um projeto familiar na região do Alentejo. A enóloga Alexandra Guedes é a nova diretora técnica da empresa. Foi longa e estreita a ligação de Marta Casanova […]

Marta Casanova deixou o cargo de diretora geral e enóloga da Quinta da Côrte, pertencente ao grupo de origem francesa Vignobles Austruy, para se dedicar ao desenvolvimento de um projeto familiar na região do Alentejo. A enóloga Alexandra Guedes é a nova diretora técnica da empresa.

Foi longa e estreita a ligação de Marta Casanova à Quinta da Côrte e a decisão tomada por esta enóloga foi ponderada e refletida para assegurar uma transição suave e a manutenção da criação consistente de vinhos e azeite de desta quinta bicentenária. Philippe Austruy, presidente do grupo, está convencido “de que nada teria sido possível sem a Marta, que concretizou um dos meus melhores sonhos. Quando descobri este lugar dotado de uma paisagem incrível, passando pelas míticas parcelas de vinhas plantadas nos típicos socalcos desta região icónica, ao trabalho árduo dos homens e mulheres que fizeram desta região o que é hoje, fiquei emocionado até às lágrimas. Esperava-nos um projeto monumental. O encontro com a Marta foi decisivo. Ela geriu de forma exemplar a construção de uma equipa comprometida, toda a reestruturação da vinha, acompanhou com dedicação obras estruturais colossais e, sobretudo… criou vinhos magníficos que são autênticas joias. É com emoção que lhe desejo o melhor para esta nova etapa profissional que sei que tanto deseja e é com muito gosto que acolho Alexandra Guedes, uma talentosa enóloga que assumirá a direção técnica dos vinhos da Quinta”, termina.

A Quinta da Côrte, propriedade do Grupo Vignobles Austruy, liderado por Philippe Austruy, é uma das joias da coroa deste grupo familiar francês, que detém propriedades em regiões icónicas como a Provença e Bordéus, em França e a Toscânia, em Itália.

Vieira de Sousa: Dois “novos” Portos Colheita com 20 e 30 anos

Vieira de Sousa

O evento decorreu na OCCA – Oficina do Olival Contemporary Arts, em Lisboa, o local escolhido por Luísa e Maria Vieira de Sousa, co-proprietárias e rostos do projeto Vieira de Sousa, para o lançamento de duas novas referências no mercado de vinho do Porto Colheita, o Vieira de Sousa Porto Colheita 1994 e o Vieira […]

O evento decorreu na OCCA – Oficina do Olival Contemporary Arts, em Lisboa, o local escolhido por Luísa e Maria Vieira de Sousa, co-proprietárias e rostos do projeto Vieira de Sousa, para o lançamento de duas novas referências no mercado de vinho do Porto Colheita, o Vieira de Sousa Porto Colheita 1994 e o Vieira de Sousa Porto Colheita 2004.
A Vieira de Sousa é uma empresa produtora de vinhos do Douro e do Porto, proprietária de cerca de 70 hectares de vinhas espalhadas por quatro quintas, localizadas na sub-região do Cima Corgo. A Quinta da Água Alta, que reúne as quintas do Bom Dia e do Espinhal fica no Ferrão, em Gouvinhas. A Quinta da Fonte, em Celeirós do Douro. A Quinta do Fojo Velho, em Vale de Mendiz e a Quinta do Roncão Pequeno, em Vilarinho de Cotas.
As uvas usadas para a produção dos vinhos do Porto Colheita agora lançados têm origem em dois terroirs distintos, que se complementam entre si. O primeiro, o da Quinta da Água Alta, tem sobretudo exposição a sul, e vinhas com altitudes que vão dos 120 aos 412 metros de altitude. O segundo fica na Quinta do Fojo Velho, e está encaixado no vale do rio Pinhão. Tem exposição a poente, numa zona protegida do calor escaldante tradicional da região duriense durante o verão.
O encepamento é semelhante nas duas propriedades e é dominado casta Tinta Roriz, “que é determinante no envelhecimento fresco dos nossos tawnies”, contou Luisa Vieira de Sousa durante a apresentação dos Portos. A ela juntam-se, entre outras, a Touriga Francesa e a Tinta Amarela. Após a vindima, as uvas são pisadas pé e fermentam em lagares antigos de granito, nas adegas de cada uma das duas quintas até à paragem da fermentação, o que aconteceu para os dois vinhos lançados.

As uvas usadas para a produção dos vinhos do Porto Colheita agora lançados têm origem em dois terroirs distintos

Condições ideais
O da colheita de 1994 teve origem num ano que foi declarado para vintage clássico. O ciclo no campo iniciou-se com muita chuva e humidade, que originou rendimentos baixos na vinha. Mas, no período restante, as temperaturas nunca excederam os 38ºC e o clima manteve-se predominantemente seco, apenas entremeado com algumas chuvas oportunas. As vindimas decorreram em condições ideais, com as uvas no melhor estado sanitário e de maturação possível. Após a vinificação, foram escolhidos os lotes para o engarrafamento de Porto Vintage e, além destes, António Vieira de Sousa Borges, pai de Luísa e Maria, fez um outro que destinou para o envelhecimento a longo prazo em pipas, que foram sempre atestadas com vinhos de 1994. O lote do Porto Colheita deste ano teve origem nelas.
As uvas que originaram o Porto Colheita de 2004 também foram produzidas num ano particularmente favorável. No verão, as vinhas estavam em boas condições, mas já perto do stress hídrico. Mas decorreu alguma precipitação, num período de temperaturas relativamente baixas que originou uma maturação lenta. A vindima foi realizada sem chuva, nas melhores condições possíveis para o final do ciclo e do ano de trabalho na vinha. Após um inverno de estabilização e afinamento, António Vieira de Sousa Borges seleccionou também um lote para ser envelhecido em tonel, para guarda de longo prazo, que deu origem ao Porto Colheita 2004 agora lançado.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)

Editorial Julho: Ouro dos Tolos

Editorial

Editorial da edição nrº 87 (Julho 2024)   Existe a ideia generalizada de que um produtor de grande dimensão não consegue atingir o patamar máximo da excelência. Casas como a Penfolds, na Austrália, ou a Sogrape, em Portugal, para mencionar apenas estes, contrariam esse dogma.   Desde os primórdios da humanidade que os bens mais […]

Editorial da edição nrº 87 (Julho 2024)

 

Existe a ideia generalizada de que um produtor de grande dimensão não consegue atingir o patamar máximo da excelência. Casas como a Penfolds, na Austrália, ou a Sogrape, em Portugal, para mencionar apenas estes, contrariam esse dogma.

 

Desde os primórdios da humanidade que os bens mais raros, difíceis de encontrar ou conseguir, são os mais valorizados. No fundo, faz parte da natureza humana tudo fazer para possuir o que os outros não têm. Veja-se o ouro, por exemplo, matéria-valor por excelência. Enquanto metal, tem muito pouca utilidade prática. E, no entanto, travaram-se guerras por ele (ainda hoje se travam guerras por petróleo, um bem, apesar de tudo, mais disponível e muito mais útil…)

O mesmo princípio se aplica a todos os bens de consumo, das roupas aos automóveis, passando pela comida e, claro, pelo vinho. No que respeita a este último, existe, até certo ponto, uma relação directa entre a qualidade e a quantidade disponibilizada. A razão é simples: nem todos os territórios (regiões) têm o mesmo potencial para alcançar excelência; mesmo nas melhores zonas das melhores regiões, nem todas as vinhas possuem a mesma aptidão qualitativa; e mesmo as melhores videiras, plantadas nos melhores locais, necessitam ter a sua produção limitada (natural ou artificialmente) para originar as melhores uvas. Os grandes vinhos não existem em grandes quantidades.

Ainda assim, podemos encontrar marcas de excelência mundial a produzir volumes apreciáveis em cada vindima. Alguns exemplos: Château Mouton Rotschild, 240 mil garrafas, sensivelmente a mesma quantidade do Lafite Rothschild; Château Latour, 200 mil; Château Margaux, 120 mil; Vega Sicilia Único, 100 mil; Sassicaia, 100 mil; Cheval Blanc, 72 mil. Tenha-se igualmente em conta que várias das melhores marcas do mundo podiam perfeitamente produzir mais garrafas com a mesma qualidade. Mas há um limite para o que o mercado pode absorver a um determinado preço num determinado momento. E é preciso gerir a escassez para que o preço não caia. O Porto Vintage é um bom exemplo: apesar de haver todas as condições qualitativas (vinha, adega e conhecimento) para se produzir bastante mais, a verdade é que a produção global é muito inferior à registada há 30 ou 40 anos.

Existe a ideia generalizada de que um produtor de grande dimensão, pela sua própria cultura empresarial, não consegue atingir o patamar máximo da excelência, ficando esse privilégio reservado aos pequenos produtores. Casas como a Penfolds, na Austrália, ou a Sogrape, em Portugal, para mencionar apenas estes, contrariam esse dogma. A Sogrape é mesmo um caso de estudo, já que produz, ao mesmo tempo, a referência mais vendida (Mateus) e a de maior notoriedade (Barca Velha).

Mas parece evidente que, em Portugal e no mundo, existe uma tendência para sobrevalorizar a raridade vínica. Os restaurantes mais exclusivos procuram oferecer aos seus clientes vinhos igualmente exclusivos, produzidos em pequeníssimas quantidades, por vezes algumas centenas de garrafas, associadas a uma boa estória que o sommelier transmite ao cliente.

Nada de errado nisto, um vinho vale aquilo que se está disposto a pagar por ele. Mas é importante que quem compra saiba, pelo menos, duas coisas. Primeiro, poucas garrafas produzidas não significam, necessariamente, qualidade acrescida. Segundo, pequeno produtor não implica maior atenção ao produto ou maior proximidade à origem – aliás, vários desses vinhos “exclusivos” foram comprados já feitos em grandes adegas e quem assina o rótulo nunca viu as vinhas onde nasceram.

Quando da corrida ao ouro em vários estados dos EUA, ao longo do século XIX, ficou famoso o “fool’s gold”, o ouro dos tolos. Basicamente, pirite de ferro que os garimpeiros menos experientes tomavam por ouro, acreditando ter ficado ricos. Muitos enlouqueciam quando descobriam a crua verdade: nem tudo o que luz é ouro.

 

Casa de Saima: Um clássico inovador

Casa de Saima

A Casa de Saima começou a produzir vinhos engarrafados há 41 anos. Primeiro apenas com o perfil clássico da Bairrada, que obriga os tintos a estágio prolongado antes de atingirem todo o potencial de proporcionar prazer a quem os bebe, sobretudo porque são feitos com base na casta rainha da região, a Baga. Com o […]

A Casa de Saima começou a produzir vinhos engarrafados há 41 anos. Primeiro apenas com o perfil clássico da Bairrada, que obriga os tintos a estágio prolongado antes de atingirem todo o potencial de proporcionar prazer a quem os bebe, sobretudo porque são feitos com base na casta rainha da região, a Baga. Com o tempo e a chegada ao mercado de vinhos de outras regiões, a concorrência e a evolução dos gostos dos consumidores levaram a casa a inovar e a criar uma gama de vinhos tintos do ano, mais frescos e apetecíveis a algumas faixas de consumidores. Agora, a equipa da casa procura novos caminhos para os seus espumantes, com estágios mais longos em garrafa e já estão também na calha dois novos espumantes de Pinot Noir e Chardonnay. Mas foi sobretudo a teimosia e o bom senso de manter o encepamento tradicional e a produção dos vinhos clássicos que celebrizaram a casa nos anos 90, com base nas castas tradicionais da Bairrada, que contribuiu para que a Casa de Saima mantivesse o rumo e o seu sucesso sustentado.
A casa foi fundada por Carlos Almeida e Silva e Graça Maria da Silva Miranda, a sua mulher na altura, a partir de um negócio herdado pelos pais do primeiro, de produção de vinhos para venda a granel. A mudança resultou do incentivo do enólogo bairradino Rui Moura Alves, quando este lhes demonstrou as vantagens da venda com marca própria em garrafa.

 

A iniciativa, de Paulo Nunes e Paulo Cêpa, o enólogo e o gestor operacional da Casa de Saima, de produzir vinhos menos graduados, leves e elegantes permitiu, à empresa, alcançar mercados que os preferem no Brasil e Estados Unidos.

 

Vinhas herdadas
Carlos Almeida e Silva já tinha, na altura, algumas vinhas herdadas da família, que ainda hoje integram a área produtiva da Casa de Saima. Mas o negócio foi sendo alargado, a partir da década de 90, com novas plantações e vinhas, que foram compradas nos melhores terroirs da Bairrada. Um dos objectivos era “agrupá-las para ter propriedades um pouco maiores, mais fáceis de gerir”, conta Paulo Cepa, 44 anos, gestor operacional da empresa. Exemplo disso é a Vinha da Corga, que começou por ter dois hectares e actualmente tem seis, de um total de 20 que constitui o património vitícola da empresa. Inclui, entre as castas tintas, a rainha da região, a Baga, as variedades nacionais Touriga Nacional e Castelão, e internacionais Merlot e Pinot Noir, este inicialmente plantado para dar origem à produção de espumantes. Mas apenas foi usado no blend de tinto e, mais recentemente, dá origem à produção de um monocasta do ano. Nas brancas predominam as variedades tradicionais da região, Maria Gomes, Bical e Cercial, mas também há Chardonnay, casta que também foi plantada para dar origem a espumantes.
Num processo que decorreu ao longo de vários anos, sempre com o objectivo de fazer bem e com qualidade, “foi dada prioridade às castas regionais e tradicionais portuguesas”, conta Paulo Cepa. As internacionais foram escolhidas porque os seus proprietários queriam alargar o potencial comercial da empresa. “Permitiram-nos fazer outros blends e introduzir inovações que enriqueceram o nosso portefólio”, explica.
Após a Casa de Saima ter começado a produzir vinhos engarrafados, “feitos com muita paixão e qualidade”, nos anos 90 do século passado, numa altura em que a região da Bairrada estava na berra, os seus vinhos começaram a surgir nos restaurantes de Lisboa e a ficar na moda. De tal forma que o actual presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, reconheceu os rótulos da marca, em visita à região num evento de vinhos recente. “Era uma época em que o Alentejo ainda não estava na moda e não tinham surgido os vinhos do Douro no mercado”, explica Paulo Cepa, defendendo que a marca ficou na memória dos portugueses, apesar de o início do segundo milénio ter corrido menos bem para o seu negócio, devido à separação do casal fundador.

Novos caminhos
A época que se seguiu, “foi uma altura em que se procurou encontrar caminhos”, explica Paulo Cepa, salientando que “o rumo acabou por surgir, como acontece com tudo o que se faz com empenho e paixão”.
Entretanto a responsabilidade pela enologia da casa transitou das mãos de Rui Moura Alves para as de Paulo Nunes, ou seja, “de uma filosofia mais tradicional para outra mais inovadora”, o que contribuiu para melhorar a visibilidade de uma empresa que passou a ter, para além da sua gama clássica, outros mais experimentais.
“Mesmo quando vivemos momentos menos bons, tal como aconteceu com o resto da Bairrada, nunca arrancámos a casta Baga, como o fizeram outros produtores da região e foi essa teimosia de manter tudo como está, mesmo com algum sacrifício, para produzir vinhos clássicos de qualidade, que levou o nosso barco a tomar de novo o rumo”, conta Paulo Cepa, salientando que a sua casa “é um pequeno produtor de vinhos de quinta, comercializados num número restrito de mercados”.
Para Paulo Nunes, o enólogo consultor da Casa de Saima, esse tem sido o seu principal desafio, de “uma jornada gratificante”, desde que começou a trabalhar nela em 2003, ou seja, há 20 anos: “manter o seu classicismo e ser mesmo o seu guardião e, ao mesmo tempo, criar um lado irreverente através da procura de novas abordagens e caminhos”. Para o enólogo, o percurso tem sido, ao mesmo tempo, de “uma aprendizagem fabulosa, porque não há duas vindimas iguais em lado nenhum, e muito menos na Bairrada, onde há uma condição edafoclimática e uma casta, a Baga, desafiantes”, o que tem contribuído para a empresa ser o que é hoje.
A marca é só uma, Casa de Saima, que inclui 13 referências. São quatro espumantes, um branco e um rosé, e um Chardonnay e um Pinot Noir monocastas que ainda estão em fase experimental, dentro do espírito de uma casa que vai procurando novos caminhos sem perder a sua identidade. Há, também, um branco Vinhas Velhas, o base de gama, e um Garrafeira, “com uma escolha mais apurada da matéria prima e fermentação em madeira avinhada”. O rosé, referência que existe na casa há muitos anos, é feito agora com uvas das castas Baga e Pinot Noir, “refresh dado porque este tipo de vinho está um pouco mais na moda”, o que se reflectiu também numa mudança do design do rótulo e da garrafa. Depois existem dois vinhos que surgiram de uma procura de colocar, no mercado, vinhos mais experimentais, inovadores, o Baga Tonel 10 e um Pinot Noir, ambos monocastas, ambos vinhos do ano, feitos com menos extracção e a gama mais clássica de tintos.

Lufada de ar fresco
A inovação, que já tem alguns anos, foi uma lufada de ar fresco na Casa de Saima, que lhe permitiu colocar vinhos da empresa em mercados que preferem aqueles que são menos graduados, leves e elegantes. “Começámos, primeiro com a venda do Pinot Noir e do Baga Tonel 10 para o Brasil, e depois para os Estados Unidos em 2018”, conta Paulo Cepa, realçando que este último foi destacado pelo crítico Eric Azimov, do New York Times”, aquele que é, afinal “um vinho despretensioso, um Baga do ano, em que muito gente não acreditou”, salienta o gestor.
A Casa de Saima exporta hoje cerca de 40% das suas vendas, principalmente para o Brasil, Estados Unidos e Canadá, e Macau mais recentemente. Na Europa está presente em Espanha, França, Suíça, Luxemburgo e Alemanha. Mas também no mercado da saudade, o dos portugueses que emigraram e estão um pouco por todo o mundo, através de vendas pontuais incentivadas sobretudo pela comunicação feita através da redes sociais. “Têm contribuído muito para isso, sobretudo pela proximidade e facilidade com que se pode comunicar através delas”, explica Paulo Cepa, acrescentando que, na maior parte das vezes, isso acontece “quando alguém vê um post numa plataforma como o Facebook ou Instagram, se interessa e contacta, perguntando como pode comprar os nossos vinhos, por vezes até para o resto da família e amigos”. E explica que foi este mercado que segurou as vendas da empresa quando o nacional estava parado devido à pandemia de Covid-19. Hoje, “ver os posts dos nossos consumidores lá fora, a fazerem coisas como churrascos na companhia do nosso Baga Tonel 10, dá-nos grande orgulho”, afirma o gestor.
A perseverança, desde os primeiros dias, na produção de vinhos clássicos da região da Bairrada, com base nas castas tradicionais e, um pouco mais tarde, a aposta em vinhos mais experimentais para alargar o mercado da empresa a outros consumidores, têm contribuído para diversificar mercados e sustentar melhor o negócio de uma casa que tem apostado sempre, e quase teimosamente, na manutenção da sua identidade. O mais fácil teria sido, há 15-20 anos, quando a Bairrada atravessou uma fase difícil e os seus produtores procuraram outros caminhos que não o da Baga, com a plantação de outras castas, a Casa de Saima ter optado por esse caminho. Mas felizmente manteve-se no certo, procurando, em simultâneo, espicaçar o mercado inovações como um Pinot Noir e um Baga do ano, no início da década passada, sem perder a matriz que identifica a casa. Segundo Paulo Nunes, “foram vinhos que nasceram de alguma inquietude e da necessidade de despertar a consciência do mercado para a nossa presença”. Mas, para Paulo Cepa, isto ainda não chega, porque é difícil, para um produtor como a Casa de Saima, ter um negócio estável e sustentado apenas com base na produção de 20 hectares de vinha, garantindo, em simultâneo, que os seus vinhos bairradinos mais clássicos só são colocados nos mercados após o período de estágio necessário, de cerca de oito anos. Nesta empresa é a venda de vinhos do ano, brancos e tintos, que gera a liquidez que garante o pagamento dos custos correntes e tem sustentado, até agora, o investimento em tempo a armazém para isso. Mas Paulo acredita que um pouco mais de área de vinha, até aos 25 hectares irá assegurar definitivamente uma gestão sem sobressaltos e a sustentabilidade definitiva do negócio da sua empresa. Para já estão 2,5 hectares em estudo, com plantação aprovada, onde irão ser plantadas castas tintas e brancas. “É uma parcela muito boa, onde já houve vinha”, diz ainda Paulo Cepa. Outras se seguirão.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)

Grande Prova: Douro de Ouro …por menos de €15

Prova Douro

Se calhar sou eu que sou velho e os tempos mudaram a mil-à-hora, mas lembro-me de anos (1980s, 1990s) em que a inflação era alta a sério e os vinhos não aumentavam assim tão depressa. Então, aconteceram outras coisas, e não têm a ver com a inflação apenas. Em vez disso, penso que o que […]

Se calhar sou eu que sou velho e os tempos mudaram a mil-à-hora, mas lembro-me de anos (1980s, 1990s) em que a inflação era alta a sério e os vinhos não aumentavam assim tão depressa. Então, aconteceram outras coisas, e não têm a ver com a inflação apenas. Em vez disso, penso que o que aconteceu foi uma mudança nos padrões de consumo. Já se sabe que os apreciadores que procuram vinhos com interesse acrescido fogem das categorias de entrada de gama, que ocupam bem mais de 90% do consumo de vinho em Portugal. É para esses que escrevo, mas não é fácil obter as estatísticas (sou matemático) que reforcem estas opiniões. As médias escondem as verdades. Então vamos pela via do diálogo.

Frescura natural
Fiquei muito impressionado pelo estilo do Crasto, e falei com o enólogo Manuel Lobo de Vasconcellos sobre o vinho. Lembro, como se fosse preciso, que este senhor confeccionou o melhor tinto do país em 2023, vindo da Vinha Maria Teresa. Falamos de “a different beast”, mas nem por isso menos impressionante. É que este Crasto tem apenas 15% de madeira, e mesmo assim tem uma dinâmica em boca impressionante, com suavidade e profundidade. Então, o Manuel disse-me que este vinho é pensado não só como um cartão de visita da Quinta do Crasto, mas também como um cartão de visita dos tintos do Douro. Tendo bem presente a prova de 30 tintos que tinha acabado de fazer, não posso deixar de concordar. O Douro afirma uma identidade e uma qualidade ímpares, mesmo nesta gama, que se já não é de entrada, é a gama de entrada para os consumidores mais interessados, como confirmei mais tarde com Patrícia Santos. Já lá vamos. Segundo Manuel, esta suavidade e profundidade não aparecem por acaso. Cada vez há um trabalho mais cuidado com as madeiras, as vinhas entretanto envelheceram e estão a fornecer uvas com mais qualidade todos os anos, a enologia evoluiu para perceber melhor o seu terroir e ir cada vez mais ao encontro dos desejos dos seus clientes. Esses desejos são cada vez mais vinhos frescos, macios e bebíveis, já se sabe que poucos vinhos serão guardados para um consumo mais tardio. Em especial nesta gama.

E a gama acaba por ser a de entrada. Segundo Manuel Lobo, do Crasto já se fazem 500 a 600 mil garrafas por ano. O vinho na gama abaixo, Flor de Crasto, nem é vendido em Portugal. Uma outra observação que Manuel me fez é que o vinho já não se chama “Quinta do Crasto,” mas apenas “Crasto.” O que significa isto: é óbvio, nem todas as uvas provêm da quinta, algumas vêm da quinta da família no Douro Superior, a Cabreira, onde a altitude assegura uma frescura natural suave e integrada. Mão de mestre na arte dos lotes, e temos cada vez mais vinhos que vão ao encontro dos nossos anseios à mesa. Isto mesmo fui validar falando com quem encara diariamente o consumidor. Patrícia Santos (“filha do Boss” — mítico Arlindo Santos — da Garrafeira de Campo de Ourique) confirmou que esta é uma categoria muito forte nos dias de hoje. São os novos vinhos baratos. Por vezes, se for uma grande quantidade, por exemplo para um casamento, podem lá procurar vinhos abaixo de €10. Já se for um vinho para oferta, os clientes procuram preços mais altos, de €20 ou €30 para cima. Mesmo que para o dia-a-dia os clientes procurem vinhos mais baratos, fazem-no nos supermercados, não procuram o comércio especializado. Neste ponto de preços, o Douro é a região mais forte. O Dão compete com vinhos de grande qualidade por volta de €10, enquanto Lisboa mantém este nível de preços mas oferece um outro estilo, mais leve, para pessoas que procuram diferença. Já no Alentejo, os vinhos de qualidade estão mais caros, e o cliente facilmente gasta mais de €20.

 

O Douro afirma uma identidade e uma qualidade ímpares, mesmo nesta, que é a gama de entrada para os consumidores mais interessados.

Cultura de vinho
Quem visita o Douro compreende porque é que esta região se tornou, em poucas décadas, tão forte comercialmente em Portugal e com um impacto impressionante na imagem dos vinhos portugueses no mundo. Começou logo por beber da fama dos vinhos do Porto, um dos nossos vinhos tradicionalmente mais conhecidos e uma das nossas marcas mais fortes. A seguir vem o facto de a região, sendo pequena, ter uma impressionante área de mais de 40 mil hectares de vinha. Praticamente é uma mono-cultura, e isso transvasa para as pessoas que habitam no Douro. Há ali verdadeira cultura de vinha e de vinho, onde cada duriense é um guardião do seu terroir, que acaba por ser o seu tesouro.
Acertando as agulhas com a enologia, com a fortíssima aposta em formação universitária que as últimas décadas viram, com os holofotes do país e do mundo para ali voltados, com produtores-estrelas a atrair as atenções de todos, com as casas mais fortes do sector do vinho do Porto cada vez mais apostadas em comprar propriedades para controlar a produção das uvas desde a origem, a qualidade acabou por ser o padrão e a exigência de toda uma região. Temos muita sorte, como consumidores, em ter um tal farol a liderar o sector. Mas esta é uma liderança partilhada, porque temos outras regiões que também fizeram o mesmo, galgando passos nos casos em que a cultura de vinho não era tão tradicional, ou porfiando em recuperar o tempo nos casos em que as estratégias eram orientadas para outros critérios.

Hoje vemos, em muitas regiões, fortíssimas apostas em qualidade, e produtores independentes a procurar caminhos alternativos para recuperar estilos antigos ou experimentar caminhos novos. Isso também se vê no Douro, e um dos vencedores deste painel afirma claramente essa diferença. Vou ser claro, este foi um painel muito fácil, porque todos os vinhos tinham belíssima qualidade. Mas também foi muito difícil, porque o estilo era quase sempre muito parecido. Binómio Touriga Nacional e Touriga Franca, com acompanhamento e/ou tempero das outras castas usuais, maturação e extracção elevadas, embora mantendo boa frescura ácida e taninos civilizados, trabalho ajuizado com a madeira, para amaciar e temperar o vinho sem o marcar com doçuras ou especiarias demasiado óbvias. Descrevi 95% do painel. As diferenças de classificação prendem-se com detalhes, seja a integração, seja a maciez, seja o apelo guloso, seja, raras vezes, uma questão de estilo e preferência pessoal. Pormenores. Convido o leitor a experimentar todos estes vinhos, faça o seu próprio painel com qualquer subconjunto deles. Vai deleitar-se, em particular, se no fim da prova da cozinha sair um assado fumegante e acabar à mesa em festa.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)

Herdade da Amada: Da Vinha, com amor…

Herdade da Amada

No ano 2018 a Herdade da Amada, situada em Elvas, foi adquirida pelo grupo empresarial da família Marvanejo (Armazéns Marvanejo), um grossista que se dedica à comercialização de inúmeros produtos do ramo alimentar, com especial incidência nas carnes de porco preto “Patanegra”, vinhos e destilados. Helena e Luís Marvanejo apostaram nas tradições seculares da herdade, […]

No ano 2018 a Herdade da Amada, situada em Elvas, foi adquirida pelo grupo empresarial da família Marvanejo (Armazéns Marvanejo), um grossista que se dedica à comercialização de inúmeros produtos do ramo alimentar, com especial incidência nas carnes de porco preto “Patanegra”, vinhos e destilados. Helena e Luís Marvanejo apostaram nas tradições seculares da herdade, ao plantarem 14 hectares de vinha, o resultado de uma aspiração e de um sonho familiar.
“Quisemos fazer algo diferente do que já existia no mercado, e apresentar, ao mundo, vinhos que reflectissem, na nossa ideia, um novo e renovado Alentejo. Não queríamos produzir vinhos sobre-maduros, com excesso de álcool ou madeira a mais, mas antes apostar num perfil claro de elegância e frescura, vivacidade e autenticidade”, referiram Luís e Helena Marvanejo.

Herdade da Amada
Helena e Luís Marvanejo apostaram nas tradições seculares da Herdade da Amada.

Bacelos bravos
E foi com esta ideia de vinho que, começando as coisas pelo princípio, como deve de ser, decidiram tomar a opção de, ao contrário do habitual, plantarem em bravo, talvez a primeira manifestação de amor para com a futura vinha, lembram-se da frase do Poeta?
Plantar bacelos bravos, por si só, não resulta em nada. É necessário, posteriormente, enxertar neles as videiras das castas que se pretendem criar. O processo começa pela escolha dos porta-enxertos. Os da Herdade da Amada foram seleccionados em vinhas velhas da região, recuperando assim a genética das vinhas velhas de sequeiro. Foram, depois, plantados na terra, tendo ficado a criar raízes durante um ano, um sistema radicular com maior profundidade para que a planta aguente melhor as altas temperaturas do Alentejo, garantindo, assim, um vinha durante mais anos, e, ao mesmo tempo, dando alguma resposta ao problema das alterações climáticas
Adicionalmente, este método, segundo Luís Marvanejo, permite que, a longo prazo, se poupe dois terços da água geralmente usada nas regas de uma vinha normal.
Quando os porta-enxertos já revelam a circulação da seiva, são colocadas, então, as videiras, meticulosamente identificadas e colhidas durante o Verão, uma a uma, tendo ficado armazenadas numa câmara frigorífica até Março-Abril, altura em que são colocadas nos porta-enxertos. O terreno foi dividido em parcelas identificadas, tendo sido enxertada, em cada uma delas, a casta que previsivelmente melhor se adaptará, depois de previamente estudados e analisados os respectivos solos.
Este método de plantação em bacelo bravo, para além de ser uma prática muito antiga, é também mais morosa e dispendiosa, existindo sempre a opção alternativa de adquirir porta enxertos já prontos. No entanto, a opção pelo método de enxertia tradicional constitui um forte motivo de orgulho para Luís e Helena Marvanejo, razão pela qual lhe é dada menção de destaque no rótulo dos vinhos da casa, ou não fosse a Herdade da Amada um dos maiores vinhedos da região inteiramente plantado com enxertia no local.
A vinha está entregue ao viticólogo José Luís Marmelo, e a enologia conta com as contribuições do enólogo residente Bruno Pinto da Silva e o conhecimento e experiência da enóloga consultora Susana Esteban que, por si só, dispensa grandes apresentações.

Produção integrada
A viticultura da Herdade da Amada, certificada pelo Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo, é baseada no modo de produção integrada e segue o princípio da intervenção mínima, no respeito pela natureza das castas e do seu terroir. Este tipo de viticultura tem, como base, a prevenção aliada a uma forte monitorização e acompanhamento. Por seu lado, a enologia segue também o princípio da intervenção mínima. Trata-se de uma enologia subtractiva, de forte base científica, que trabalha ao máximo com a química da uva e o factor tempo, quase sem recurso a produtos enológicos, exceto quando estritamente necessário. E este será, provavelmente, o segundo momento de demonstração de amor para com a vinha.
Resta saber se o termo “intervenção mínima” será o verdadeiramente correcto, pois toda a atenção, constante monitorização e acompanhamento da vinha, aliado ao forte trabalho científico com a química da uva e factor tempo, não serão antes uma verdadeira e salutar “intervenção máxima”? Mas isso são contas de outro rosário…
Com solos argilo-calcários, clima tipicamente Mediterrâneo, caracterizado por verões quentes e secos e invernos chuvosos, foram escolhidas dez castas a serem plantadas, após selecção massal. Nas brancas, Arinto, Fernão Pires de vinhas velhas da Serra de Portalegre, Roupeiro e Verdejo de Rueda DO. Nas tintas, Alicante Bouschet, Castelão, Syrah do Rhône, Grand Noir de vinhas velhas da Serra de Portalegre, Touriga Nacional do Crasto e Tempranillo (Aragonez) de Toro DO. De momento, para a vinificação, ainda se recorre aos serviços de uma adega em Arronches, mas está já em andamento o projecto para a construção da própria adega na Herdade da Amada.
A primeira vindima foi em 2022, tendo resultado vários vinhos, um branco e um tinto de lote, com produção de 6898 e 11630 garrafas, respectivamente, ambos já disponíveis no mercado, e ainda três monocastas, Touriga Nacional, Syrah e Alicante Bouschet, que deverão sair durante a Primavera de 2024, em virtude de precisarem de mais tempo depois de um curto estágio em madeira.
E eis-nos chegados ao momento em que podemos constatar a frase inicial do Poeta, será que a vinha correspondeu a tanto amor, cuidado e dedicação? A resposta é francamente positiva. Brindemos pois!

(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)

Lagoalva de cima: Um ícone do Tejo

Lagoalva

A Quinta da Lagoalva de Cima tem 660 hectares e fica muito próxima de Alpiarça, na margem Sul do Tejo, a Nordeste de Santarém. A quinta é muito antiga. Há referências datadas de 1193. É há muitos anos propriedade da família Louçã Campilho, hoje seis irmãos, filhos da recentemente falecida Dona Isabel Juliana, aliás devidamente […]

A Quinta da Lagoalva de Cima tem 660 hectares e fica muito próxima de Alpiarça, na margem Sul do Tejo, a Nordeste de Santarém. A quinta é muito antiga. Há referências datadas de 1193. É há muitos anos propriedade da família Louçã Campilho, hoje seis irmãos, filhos da recentemente falecida Dona Isabel Juliana, aliás devidamente homenageada ainda em vida com um vinho topo de gama com o seu nome. A família explora um total de 5500 hectares, com muita floresta de sobreiros, eucaliptos e pinheiros, produção animal, incluindo gado e coudelaria, e ainda milho, batata, couves, e muitas outras diferentes culturas. De vinha são 45ha, todos em Alpiarça. Com o nome da quinta, apenas chegam ao consumidor o vinho e o azeite.

Dias quentes e noites frias
A vinha fica muito próximo do rio Tejo e o clima dá dias muito quentes e noites frias. As castas foram plantadas em diversas parcelas, e ao longo dos anos têm sido feitas alterações para optimizar o seu desempenho. Muitas vinhas estão em solos de aluvião, e já aconteceu ficarem inundadas, apesar de hoje as cheias serem pouco frequentes. Com as vinhas em dormência, quando as águas baixavam voltavam a rebentar sem problemas. Outras culturas nestes solos estariam perdidas. Segundo Pedro Pinhão, há 20 anos enólogo na propriedade e hoje com a responsabilidade desta área, em 1979 a casa da quinta chegou a estar toda alagada. No início dos anos 1990 desenvolveu-se muito o regadio, para melhor controlar os ciclos vegetativos das várias castas. O Arinto é complicado na vinha, tem cacho grande mas pouca produção, precisa de muito trabalho. O Alfrocheiro vem de uma vinha velha, oriundo dos primos Soares Franco, da José Maria da Fonseca.
A Lagoalva chegou a ter 200 ha de vinhas, mas o enfoque era na quantidade, não na qualidade. Era o tempo do granel. Essas terras passaram a produzir culturas de Primavera e Verão. O primeiro rótulo da Quinta da Lagoalva é de 1989, quando começou a conversão da quantidade para a qualidade. Aliás, este é um ano inicial para muitos outros produtores ao longo de todo o país.
A Lagoalva foi pioneira no plantio da Syrah, com uma vinha de 1984. Na altura tinham parcelas de Tinta Carvalha, a produzir 40ton/ha, para granel. A casa apostou muito na exportação, e teve algumas combinações de sucesso entre castas portuguesas e internacionais, para atrair o olhar dos consumidores. Exemplos que se tornaram clássicos são o Arinto/Chardonnay e a Syrah/Touriga Nacional.
Recentemente, a restruturação das vinhas levou à plantação de castas brancas nos solos mais profundos. Um exemplo é o Sauvignon Blanc, que é podado à máquina, primeiro pré-poda e depois poda de precisão. É mais rápida do que a poda à mão e mais eficiente do ponto de vista de mão de obra. Os tintos estão plantados em solos mais pobres, arenosos. 95% da vindima é feita à máquina, sempre à noite, entre as 2h e as 8h da manhã, já que Outubro é muito quente. Apenas os topos de gama são feitos à mão, por uma equipa de 10 a 12 pessoas. A quinta tem muitas castas exóticas, por razões históricas. Por exemplo, tem Tannat em solos de aluvião, mas esta casta precisa de solos de areia, mais pobres. Do ponto de vista agrícola, é mantido um enrelvamento natural entre as linhas de videiras. Pode inclusive ser de sementeira, para ser mais vigoroso e consumir mais água. Faz-se uma agricultura de conservação, não lavram nem mobilizam muito o solo para controlar infestantes. Esta prática começou há 30 anos na cultura do milho. Todas as vinhas estão em produção integrada e o olival também.

Lagoalva
A equipa da Lagoalva é liderada há dois anos por Pedro Pinhão, e conta ainda com Luís Paulino na enologia e Cristina Barreira no controle de qualidade.

Mais brancos que tintos
A quinta tem um talhão de 2,5ha com Alfrocheiro em agricultura biológica (“há muita pressão comercial para ter biológico”, dizem-nos), parcela isolada das outras numa zona franca de transição entre campo e areia, com pouco vigor e sem muitos problemas para controlar o míldio, que é a principal doença vitícola na região. Esta vinha foi plantada em 1974 e origina o Grande Reserva Alfrocheiro. Com muita precipitação e muito vigor, não seria competitivo produzir biológico em todos os 45ha de vinha. A vinha do Alfrocheiro fazia monda de cachos para reduzir a produção. O míldio faz uma monda natural, a vinha passa a 3ton/ha. E assim mantém a qualidade desejada.
Com solos férteis, é preciso reduzir a produção. As novas vinhas têm cepas espaçadas a 2,3m por 1m. Em 2010 ainda plantavam a 3m para os tratores passarem. Não se compravam tratores próprios para a vinha. Assim, as produções são de 15 a 16ton/ha no Chardonnay e 28 a 30 ton/ha no Fernão Pires. O Sauvignon Blanc, que é casta de cacho pequeno, aguenta 20 a 25 ton/ha e mantém a qualidade. O Arinto chega a ter cachos de 1kg e dá produção a mais, cerca de 28 a 30/ton/ha. Mas na vinha velha a produção é de 7 a 8ton/ha e tem grande qualidade.
A poda mecânica de precisão é uma ferramenta útil, em particular pela falta de mão de obra e pelas alterações climáticas que exigem acção rápida: “não podemos vacilar”, diz Pedro Pinhão, e acrescenta: “Não consigo produzir grandes tintos com grandes produções, mas os brancos sim. Com qualidade que se reflecte no bolso do consumidor.” Claro que para o Grande Reserva branco, fermentado em barrica, recorre-se à vinha velha de Fernão Pires, com menos de 2ha, podada e vindimada manualmente.
A rega nas novas plantações é também uma ferramenta para controlar os fenómenos climáticos. Sustentabilidade sim, mas com sustentabilidade económica também. Em termos de distribuição de castas, a área é metade de tintas e metade de brancas, mas a produção de brancos é 70% do total. 70/30 também é a distribuição entre mercado nacional e exportação.
A equipa é liderada há dois anos por Pedro Pinhão, e conta ainda com Luís Paulino na enologia e Cristina Barreira no controle de qualidade. Com Rita Barosa como CEO da quinta, os desafios do crescimento têm sido encarados com coragem. De 650 mil garrafas em 2022, passaram para 1,4 milhões em 2023, muito graças a um vinho colocado no cabaz do Pinto Doce. Em 2024 o orçamento prevê 1,1 milhões de garrafas. O vinho na Lagoalva passa por dores de crescimento, com o rebranding de todos os produtos, novas propostas para o mercado e grandes projectos programados para o próximo biénio, incluindo grandes obras na adega. Os depósitos de cimento de 25 mil litros são muito estáveis em termos térmicos, e permitem encarar aumentos na produção. 2023 foi já o melhor ano de sempre, com mais de 3M€ de facturação. Ao mesmo tempo, os vinhos estão melhores que nunca. O portefólio tem 14 vinhos, incluindo Lagoalva e Quinta da Lagoalva. A Syrah e o Alfrocheiro plantados em 1984 e 1974 continuam a ser bandeiras da casa. O topo de gama Dona Isabel Juliana nasceu com o tinto em 2009 e o branco em 2018. Em verdade vos digo: são grandes vinhos que vale a pena provar. Regressa um dos grandes ícones da região Tejo, que tanto deles precisa.

(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)

Casa Relvas: Um Pom Pom rosé e outras novidades

Casa Relvas

Já relatámos, noutros textos, que o percurso da Casa Relvas pode ser descrito como uma história de família. A anteriormente conhecida por Casa Agrícola Alexandre Relvas, nome que realçava a ligação ao empresário que a fundou em 1997, conta hoje com o papel essencial de ambos os filhos. De tal modo que Alexandre Relvas, o […]

Já relatámos, noutros textos, que o percurso da Casa Relvas pode ser descrito como uma história de família. A anteriormente conhecida por Casa Agrícola Alexandre Relvas, nome que realçava a ligação ao empresário que a fundou em 1997, conta hoje com o papel essencial de ambos os filhos. De tal modo que Alexandre Relvas, o fundador (um dos filhos tem o mesmo nome, lá iremos), diz que já não acompanha tudo o que se passa neste negócio agrícola. Mas não acreditamos… Até porque o sucesso raramente vem do acaso e o êxito da Casa Relvas é inegável. Os números comprovam. Pouco mais de 20 anos depois, a produção total é hoje de oito milhões de garrafas por ano.
A gama é extensa, bem pensada, com muitas referências a serem dedicadas ao mercado externo, sendo que a exportação para mais de 30 países representa cerca de 70% das vendas globais, com mais de 15 mil pontos de venda pelo mundo. Para tal, a empresa detém e controla hoje algumas centenas de hectares de vinha no Alentejo em várias localizações, mas como sempre sucede com os projectos sólidos, o começo foi mais cauteloso. Assim, o primeiro passo foi a aquisição da Herdade de São Miguel no Redondo, em 1995, que conta hoje com 35 hectares em produção, tendo a primeira plantação ocorrido só em 2001. Situada em São Miguel de Machede, é nesta propriedade que se mantém a adega fundadora, construída em 2023, aquela que mais recebe eventos de enoturismo. Esta é uma aposta do produtor, com oferta de programas sazonais e eventos personalizados, para além do evento anual “Um dia em São Miguel”, que ocorre na Primavera.

A exportação para mais de 30 países representa cerca de 70% das vendas globais da empresa

Projecto ambicioso

Mais tarde, o investimento passou pela aquisição da Herdade da Pimenta em Évora (geograficamente a meio caminho do Redondo a Évora), que conta com quase 70 hectares, parte em modo de produção biológico. É aqui onde fica a atual morada da empresa. Mais recente foi a aquisição da Herdade dos Pisões, sita na Vidigueira, ainda com maior dimensão do que as anteriores. Esta aquisição foi a que mais contribuiu para que a Casa Relvas seja, sem dúvida, um dos players alentejanos em destaque no que a vinhos diz respeito.
Alexandre Relvas Jr., filho do empresário, que estudou enologia e viticultura em Bordéus, conta-nos que se juntou ao projeto em 2006, ou seja, cinco anos depois da plantação das primeiras vinhas e da contratação do enólogo Nuno Franco, se mantém na empresa. Nuno, que antes da Casa Relvas teve passagens por outros produtores, com destaque para o também alentejano Monte da Penha (F. Fino), é atualmente o diretor de enologia e viticultura e parte de uma equipa com mais de 70 pessoas. Tendo em consideração a dimensão da operação actual, e a necessidade de criar valor em todas as gamas, Nuno Franco conta agora com a companhia do conceituado enólogo António Braga, consultadoria que espelha bem a ambição do projecto. Com efeito, com um passado longo na Sogrape – universo com a dimensão conhecida e vários vinhos topos de gama afamados – António Braga é um trunfo para qualquer produtor que quer ver analisados todos os seus processos, no sentido de crescer em qualidade e posicionamento, sobretudo nas gamas premium e ultra-premium.
A primeira colheita no mercado foi em 2004, a original do Herdade de São Miguel Colheita Selecionada Tinto, então com apenas 26 mil garrafas. A consistência e inegável relação qualidade/preço dos vinhos fez com que esse número se multiplicasse nos anos seguintes. Em 2008, o número de garrafas comercializadas chega já ao meio milhão e, dois anos depois, atinge mesmo um milhão de vendas. Não espanta que, em 2011, tinha sido necessário construir uma nova adega, agora na Herdade da Pimenta. Em 2016, foi a vez do filho António Relvas se juntar à equipa, para desenvolver um projeto de olival, que se concretizou no ano seguinte com a plantação das primeiras plantas na Herdade dos Pisões, na Vidigueira. Atualmente, os azeites são uma aposta evidente.

Paixão pelo Alentejo

Com paixão pelo Alentejo, a Casa Relvas tem desempenhado um papel importante quer na seleção de castas de origem portuguesa e no desenvolvimento tecnológico (trabalhando em conjunto com o Instituto Superior de Agronomia e a Universidade de Évora com o intuito de conhecer e compreender a complexa vida da videira), quer quanto à sustentabilidade dos vinhos, tendo sido o primeiro produtor a receber a certificação do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo (PSVA). A verdade é que a empresa tem um pouco de tudo, de castas aos tipos de vinificação. Mas em momento algum quis ficar de fora da tradição, tendo sido dos primeiros produtores de grande dimensão a recuperar a técnica de produção de vinho de talha com mínima intervenção humana.
Já atrás dissemos que a gama é alargada, com marcas que identificam o lugar onde são criadas (caso dos vinhos Herdade de São Miguel e Herdade da Pimenta), se referem a sub-regiões (caso dos lotes Redondo e Vidigueira) e privilegiam a variedade, caso dos vários monocastas disponíveis (do Tinta Miúda ao Syrah, passando pelo Rabo de Ovelha e Sauvignon Blanc). Uma novidade saborosa é o sofisticado Pom Pom, o topo de gama rosé do produtor. O sucesso com o rosé Herdade de São Miguel Colheita Seleccionada, que atualmente vende várias dezenas de milhares de garrafas, implicou, há muito, que parte de uma vinha só fosse dedicada a rosés. Ora da seleção de uma parte dessa vinha, e de uma vinificação ainda mais cuidada, surge agora um novo vinho, mais exclusivo e mais gastronómico, tudo numa bonita garrafa. É caso para dizer que a Casa Relvas só tem razão para festejar!

(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)