Grande Prova: Espumantes de Portugal – A festa é quando alguém quiser

Grande Prova Espumantes

Não é preciso cantar os parabéns ou contar as batidas do relógio para abrir uma garrafa de espumante. Não é o espumante que é o atributo da festa, é a festa que se desenvolve em torno de uma garrafa de espumante, a qualquer momento. Se não há uma razão formal para festejar, o espumante só […]

Não é preciso cantar os parabéns ou contar as batidas do relógio para abrir uma garrafa de espumante. Não é o espumante que é o atributo da festa, é a festa que se desenvolve em torno de uma garrafa de espumante, a qualquer momento. Se não há uma razão formal para festejar, o espumante só por si já é uma, pois o pequeno fogo de artifício no copo traz o ânimo e cria o ambiente. Parafraseando Oscar Wilde, só as pessoas pouco criativas não conseguem encontrar um motivo para beber espumante.

Texto: Valéria Zeferino     Fotos: Ricardo Palma Veiga

A tendência mundial é o aumento do consumo do espumante. É um tipo de vinho que harmoniza com vida, oferecendo menos álcool e mais alegria, cativando as fracções mais jovens de população.

De acordo com o relatório da OIV de 2020, os cinco maiores produtores de espumantes a nível mundial são Itália com 27% (só o Prosecco corresponde a 66% de toda a produção de espumantes italianos, a juntar Franciacorta e Trento para os consumidores mais refinados), França com 22% (Champagne, claro, mais os cremants de outras regiões como a Alsácia, Borgonha, Loire e Bordeaux), Alemanha com 14% (já agora, é o pais onde mais espumante se bebe, sendo o nacional sekt o mais consumido), Espanha com 11% (onde o Cava assume 89% de produção) e Estados Unidos com 6%, sendo a Napa Valley a liderar nesta matéria.

Fora dos “big five” o maior crescimento em termos de produção de espumantes foi registado em Inglaterra, Portugal, no Brasil e Austrália. O crescimento no nosso país representa 18% ao ano.

Em Portugal, de acordo com os dados do IVV relativamente aos vinhos espumantes e espumosos (estes últimos são vinhos gaseificados cuja efervescência é produzida pela introdução de gás carbónico) a exportação dos espumantes nacionais está a aumentar, em volume e em valor, nos últimos 6 anos (até 2020), embora o preço médio não varie muito, mantendo-se à volta dos 3,35 euros/litro.

Na Bairrada certifica-se quase 40% dos vinhos com bolhas (embora, presumo, que se desta equação retirar os vinhos espumosos, a quota de espumantes da região vai chegar aos 53% comunicados pela CVR Bairrada). Em Távora-Varosa certifica-se 25%, tendo o segundo maior peso na produção de espumantes portugueses. O Tejo aparece com quase 22% e a região dos Vinhos Verdes também tem uma palavra a dizer com a certificação de mais de 9% de vinhos espumantes.

Regiões clássicas e promissoras

 Um dos pioneiros do espumante português foi o Engenheiro Agrónomo José Maria Tavares da Silva que começou aplicar o método champanhês (há algum  tempo, por imposição da CIVC – Le Comité Interprofessionnel du vin de Champagne, chamado “tradicional”) 1889-1890 como director da Escola Prática de Viticultura e Pomologia da Bairrada. E em 1893 fundou-se a Associação Vinícola da Bairrada com o objectivo produzir e comercializar “vinhos espumantes typo champagnes”, onde o Engº Tavares da Silva era director técnico. Ao mesmo tempo o enólogo da Real Companhia Vinícola do Norte, visconde de Villar d’Allen, também começa a produzir espumante. E poucos anos mais tarde as Caves Raposeira juntam-se à festa.

A seguir à Segunda Guerra Mundial foi fundada a Murganheira em Távora-Varosa, desde então o porta-estandarte desta região, demarcada em 1989.

No mundo do vinho as tradições nem sempre coincidem com a sua fixação formalizada. Na Bairrada, por ironia de destino, os espumantes só obtiveram o estatuto DOC em 1991, mas 130 anos de tradição ninguém lhes tira. Não é por acaso, que em Julho deste ano a Bairrada foi a anfitriã da primeira sessão de espumantes do reputado Concurso Mundial de Bruxelas (que, por tradição, é realizado em sítios diferentes com especialização em determinados tipos de vinhos). E os espumantes portugueses projectaram uma imagem muito boa nesta competição.

Em 1989 foi fundada em Alijó a empresa Caves Transmontanas que apostou no estudo do melhor local para plantação das vinhas e das castas mais apropriadas, com o único objectivo – criar grandes espumantes em Portugal.

A partir dos anos 1990 a região dos Vinhos Verdes entra em jogo. Com clima ameno, solos graníticos e castas com grande estrutura ácida e baixo teor alcoólico – têm todas as condições para se afirmar neste nicho. A Casa da Tapada foi a pioneira, numa altura em que os espumantes locais nem tinham direito à DO, o que só ficou possível a partir de 1999. Em Monção e Melgaço na viragem do século o Alvarinho apresentou-se numa versão efervescente pela Provam, Soalheiro e Quintas de Melgaço.

Com proliferação de “bolhas”, os vinhos espumantes têm vindo a crescer em Portugal em todas as regiões. Algumas empresas começam a produzir espumantes para completar o portefólio, mas como a prática mostra, produzir bolhas é fácil, criar um espumante de qualidade superior exige conhecimento específico e experiência.

As castas do espumante

 Parece unânima a predilecção dos produtores portugueses pela Chardonnay e Pinot Noir, quando se fala dos espumante de qualidade excepcional. Mario Sérgio Nuno, da Quinta das Bágeiras, afirma que “Chardonnay dá uma cremosidade única”, por isto mesmo sendo fiel às castas bairradinas, no seu espumante Pai Abel com Bical (maioritariamente) e Cercial acrescentou 15% de Chardonnay.

Luís Pato, repetindo a experiência de plantar Baga em pé franco no solo arenoso que deu vinho excepcional, em 2015 plantou Bical (a casta que gosta muito) num terreno arenoso junto à adega e fez o primeiro espumante de grande personalidade proveniente desta vinha, numa edição ultra-limitada de 333 garrafas.

A Baga tem, naturalmente, um grande peso na Bairrada. Sendo uma casta de maturação tardia e com boa capacidade de preservar acidez, presta-se muito bem para elaboração de espumantes, sobretudo no clima da Bairrada, onde este amadurecimento traz mais uma vantagem – a estratificação de vindima em função do propósito final.

A casta Alvarinho é uma nova estrela na região de Vinhos Verdes, sobretudo em Monção e Melgaço, ainda não em termos de quantidade, mas sem dúvida, em termos de qualidade. A casta consegue juntar duas dimensões, importantes para o espumante: o volume de boca e a óptima estrutura acídica. Obviamente tem carácter varietal vincado, mas numa vindima mais precoce para espumantes, os compostos aromáticos ainda se encontram em muito menor quantidade do que mais tarde na maturação plena. Por isto é possível obter espumantes com grande equilíbrio aromático.

Nas zonas quentes, como Alentejo, o Arinto desempenha um papel importante, graças ao seu perfil aromático bastante neutro e à grande capacidade de reter ácidos.

Pedro Guedes, enólogo da duriense Caves Transmontanas, para além Pinot Noir e Chardonnay destaca o Gouveio pelo excelente equilíbrio entre ácido natural e álcool, não sendo uma casta particularmente aromática.

Mas o sítio é mais importante do que a casta – afirmam todos.

Grande Prova EspumantesO que é preciso garantir

 O que não se pode subestimar para produzir um espumante de grande elegância e carácter, são as uvas e o tempo de estágio com borras. Mas há muitas pequenas nuances que podem fazer diferença no resultado.

Pode parecer banal, mas um grande espumante é antes de tudo feito com uvas e o perfil e qualidade da matéria-prima é primordial. Por um lado, as uvas que dão origem ao espumante têm de ser preferencialmente neutras nos aromas que apresentam no vinho base (a menos que se pretenda um espumante deliberadamente aromático). Por outro lado, é importante que demonstrem alguma personalidade, sendo minimamente expressivos. E o ponto de maturação é essencial. As uvas colhidas de propósito para espumante não são a mesma coisa que as uvas imaturas, que darão aromas vegetais e herbáceos. Ao invés, as uvas sobremaduras produzirão um vinho pesadão, alcoólico e aromaticamente excessivo.

Nas regiões mais frescas torna-se mais fácil conseguir este equilíbrio de maturação. Em Portugal uma moderação do clima consegue-se ou através da forte influência atlântica (Bairrada, Vinho Verde, Lisboa), ou pela altitude (acima dos 500 metros) com clima mais continental, como é o caso do Douro e Távora Varosa, onde hoje são produzidos alguns dos melhores espumantes portugueses.

A enóloga da Murganheira, Marta Lourenço, confessa que está apaixonada pela região da Távora-Varosa. Tem ali condições especiais para elaborar espumantes, onde as castas Chardonnay e Pinot Noir com 11% de álcool provável apresentam 24 g/l de ácido tartárico e pH 2,7 – valores fantásticos para a elaboração de um vinho base de espumante.

A sanidade das uvas parece estar muito distante dos copos elegantes com bolhas, mas é absolutamente indispensável. A presença de botrytis cinerea (fungo que provoca a podridão) pode ser desejável para colheitas tardias, mas pode arruinar um espumante causando um impacto negativo no aroma e nas propriedades efervescentes.

O bairradino Luís Gomes, produtor do Giz, ainda sublinha que “para quem quer produzir um bruto natural, sem adição de açúcar, a uva tem de ser muito boa, senão o espumante vai ser rude”. Tendo nível de sulfuroso baixo e teor alcoólico igualmente baixo no vinho base, para além da sanidade das uvas, a higiene na adega é um ponto fulcral , assim o define Pedro Guedes.

Prensagem, tiragem, leveduras

 A prensagem das uvas é um momento importantíssimo, confirmam Marta Lourenço e Pedro Guedes. Os cachos vão inteiros para a prensa, com engaço que ajuda a drenagem, permitindo uma boa extracção a baixas pressões. Quanto mais fraccionado o mosto – melhor, permite uma gestão de lotes mais individualizada. À medida que a prensagem avança, a acidez diminui, o pH sobe e aumenta o teor de potássio e extracção de compostos fenólicos. O mosto fica menos elegante e mais susceptível à oxidação.

Marta Lorenço conta que rejeita o primeiro mosto lágrima, pois este contém sempre as impurezas, “é como se fosse lavar as uvas com o próprio mosto”. Esta fracção nunca entra nas categorias especiais. A fracção que vai logo a seguir é a melhor de todas, “produz vinhos com grande limpeza em boca”.

Para iniciar a segunda fermentação, que leva à produção de bolhas, é necessário introduzir ao vinho base licor de tiragem com leveduras e açúcar para as pôr a trabalhar. Luís Gomes está convencido de que a tiragem deve ser feita no inverno, com temperaturas ainda baixas, pois quanto mais lenta for a fermentação, mais fina fica a bolha. Se fazer a tiragem no verão, a segunda fermentação desenvolve-se muito rápido, produzindo uma bolha mais grossa.

Pedro Baptista, o enólogo da Cartuxa, faz a tiragem no início da primavera e Pedro Guedes em Maio, quando os vinhos estão a uma temperatura à volta de 14˚C pelo que não é preciso aquecê-los para arrancar a fermentação e a temperatura não está muito alta para a segunda fermentação ser demasiado rápida.

Tradicionalmente, para a segunda fermentação, usam-se as leveduras livres que obrigam aos processos típicos de remuage para a sua posterior expulsão do vinho. Este processo pode ser feito manualmente ou recorrendo a giropaletes. Já as leveduras encapsuladas (presas numa estrutura de alginato) são uma “invenção” relativamente recente. O alginato é suficientemente poroso e permeável para deixar uma troca de solutos (açúcar, álcool e outros produtos resultantes da autólise das leveduras), supostamente, eficiente entre o vinho e o interior das cápsulas. Estas leveduras encapsuladas facilitam todos os processos desde a sua introdução na garrafa até à expulsão da mesma. Ainda poupam espaço na adega, permitindo o armazenamento das garrafas em pilhas, sem necessidade de remuage manual ou o uso de giropaletes. Mas são, também, tudo menos consensuais.

Todos os enólogos com quem falei concordam que é uma solução interessante e prática para espumantes comuns e jovens, mas dispensam-na quando se entra no patamar superior. Para além de que há sempre um factor de risco associado de que algumas células de leveduras escapem do interior das esferas de alginato, contrariando as vantagens operacionais das leveduras encapsuladas. Mesmo produtores de espumante mais recentes, como a Cartuxa, torcem o nariz quando se coloca a hipótese de utilizá-las para espumantes com mais idade. Pedro Baptista confessa que os espumantes que provou com leveduras encapsuladas lhe evidenciaram menos complexidade aromática e menor volume de boca. Em resumo, existem neste momento duas (ou, melhor, três) grandes correntes nesta matéria: os que as usam para todos os espumantes; os que as usam apenas para os espumantes mais simples; e os que que não admitem um espumante “método clássico” com outras que não as leveduras livres tradicionais.

Grande Prova EspumantesFermentação e estágio

Se a primeira fermentação para o vinho base pode ser relativamente rápida, a segunda tem de ser lenta. É aqui que se começa a produzir a tão apreciada bolha fina com CO2 que não podendo escapar, fica diluído no vinho. Pedro Guedes aponta para cerca de 6 semanas a 13-14˚C, ganhando, em média, 1 bar por semana. As leveduras introduzidas na tiragem com açúcar, não têm vida fácil. Trabalham literalmente sob pressão, no meio com acidez elevada e pH baixo e ainda por cima já com álcool de cerca de 10,5-11,5% e com pequena dose de dióxido de enxofre (que terá de ser bem medida). Por isto é importante criar para elas as condições de equilíbrio, garantindo que a fermentação não amue e, por outro lado, não se desenvolva demasiado rápido. Neste sentido, até a posição das garrafas faz diferença. Há mesmo quem as prefira na posição vertical para limitar a superfície de contacto com o vinho, prolongando assim, o tempo de fermentação.

O espumante não gosta de atalhos e apela à paciência (e estofo financeiro) do produtor, pois o tempo afina. Vários processos acontecem no vinho durante o estágio e o mais importante é autólise – desnaturação das membranas das células levurianas e degradação da sua parede celular libertando para o vinho glucanas, manoproteinas, aminoácidos, péptidos e outras substâncias que têm impacto na complexidade aromática, sensação em boca e qualidade de espuma. Mas a autólise é um processo muito lento e não ocorre nos espumantes que estagiam apenas uns meses. Um espumante feito com mesmo vinho base que envelhece durante nove meses terá um perfil muito diferente de um vinho que é envelhecido vinte meses ou mais.

Os produtores sabem disto e não dispensam o factor tempo quando se trata de um espumante de topo. Para Pedro Baptista, o estágio mínimo não pode ser inferior de 18 meses, mas com 3-4 anos já se conseguem resultados mais interessantes. Nas caves da Murganheira, Vértice e alguns produtores da Bairrada, estagiam espumantes com borras por 6-8 ou mais anos.

Em Portugal o tempo mínimo de estágio para espumantes com denominação de origem e  elaboração pelo método clássico é de 9 meses. Por comparação, em Champagne, o tempo mínimo para a segunda fermentação e estágio em garrafa é de 15 meses para non-vintage e três anos para o Champagne datado. Mas em Poertugal também se caminha, progressivamente, para estágios mais prolongados. Por exemplo, para aumentar o potencial qualitativo dos espumantes com logomarca Baga/ Bairrada, a região alterou a lei inicial e determinou que, a partir de colheita de 2019, os produtores deverão respeitar o estágio de 18 meses depois da tiragem.

Para maximizar o contacto entre o vinho e as leveduras, nas barricas faz-se bâtonnage e nas garrafas de espumante faz-se poignetage – agitam-se as garrafas para pôr o sedimento em suspensão, provocando a desorganização celular e estimulando o processo autolítico, que melhora a complexidade aromática e a textura. Para as categorias especiais da Murganheira e do Vértice esse trabalho é feito 2-3 vezes por ano e, como é fácil calcular, exige muita mão-de-obra.

O nível de doçura no espumante é manipulado através de licor de expedição que é adicionado a seguir ao dégorgement. Antigamente o espumante bebia-se doce (até vinho do Porto se adicionava no licor de expedição), a tendência de hoje vem a “secar” as bolhas. Cada vez há mais produtores (Quinta das Bágeiras e o Giz, por exemplo) a fazer exclusivamente espumantes com dosagem zero, ou seja, sem qualquer adição de açúcar, apenas atestando as garrafas com o próprio vinho.

 Espumante na mesa e na cave

 Dada a sua acidez cintilante e sabor delicado, o espumante ganha a qualquer bebida no papel de aperitivo. Estimula o apetite e a apetência para a refeição. E há muitos espumantes, com suficiente corpo e estrutura para acompanhar toda a refeição. As bolhas não só oferecem um espectáculo dentro de um copo, criam sensação táctil em boca e transportam os aromas à superfície, onde os libertam no momento do seu colapso.

Usadas outrora, as tradicionais taças de champagne são demasiado largas e rasas para permitir às bolhas o “levantar voo” e perdem rapidamente os aromas, enquanto os flutes, sendo compridos, mostram a efervescência (e já agora permitem encher o copo com menos vinho dando a ideia de copo cheio), mas não deixam espaço para os aromas. Por isto muitos escanções e apreciadores de vinho hoje preferem usar o copo normal de vinho branco ou um flute próprio para espumantes em forma de tulipa. Em minha opinião, o espumante é muito mais interessante à mesa do que numa prova técnica, pois um simples facto de engolir (em vez de cuspir) o líquido efervescente contribui para uma plena percepção da sua cremosidade.

Ao contrário da prática habitual, as garrafas de espumante devem ser guardadas em pé, defende Marta Lourenço. Não estando em contacto com o vinho, não se alteram as propriedades mecânicas da rolha. Quando humedecida, ela não consegue expandir dentro do gargalo e o vinho deixa de estar protegido: entra o oxigénio e escapa o gás carbónico.

E como guardar um espumante depois de aberto? Não sei qual poderá ser a razão que leva alguém a não acabar uma garrafa de espumante… mas se tal acontecer, o melhor é fechar com uma daquelas rolhas que agarram o gargalo de garrafa e a fecham hermeticamente. É importante guardá-lo no frigorífico, pois com temperaturas baixas o gás carbónico fica mais diluído no vinho e conserva-se mais tempo. Mas o melhor mesmo é beber a garrafa aberta. E, como disse no início, não é preciso um pretexto. Basta querer.

(Artigo publicado na Edição de Novembro de 2022)

 

Grande Prova- Alentejo tinto Potência com elegância: afinal é possível…

Alentejo tinto

Ao pensar num topo de gama do Alentejo, imediatamente no nosso imaginário surgem vinhos poderosos, carnudos, macios e densos. A qualidade nem se coloca em causa, está lá por defeito. Entretanto, existem muito mais estilos nos vinhos que representam a crème de la crème da região. E descobrimos vários nesta prova de mais de cinco […]

Ao pensar num topo de gama do Alentejo, imediatamente no nosso imaginário surgem vinhos poderosos, carnudos, macios e densos. A qualidade nem se coloca em causa, está lá por defeito. Entretanto, existem muito mais estilos nos vinhos que representam a crème de la crème da região. E descobrimos vários nesta prova de mais de cinco dezenas de tintos alentejanos.

Texto: Valéria Zeferino Fotos: Ricardo Palma Veiga

 

Sendo o Alentejo extenso e muito heterogéneo em termos de solos e clima, a diversidade dentro da região é enorme. Para além das zonas quentes e mais áridas, tem o litoral, temperado pela influência atlântica e Portalegre, onde altitude em combinação com um clima continental, confere uma frescura própria aos vinhos. Não é por acaso que nos últimos anos assinalou-se um investimento nesta zona. As serras de São Mamede, do Mendro, de Ossa moldam as condições microclimáticas dos territórios adjacentes. A falha da Vidigueira com escarpas orientadas no sentido Este-Oeste permitem que os ventos do Atlântico empurrem o ar frio, promovendo o arrefecimento significativo do ar à noite. Luís Cabral de Almeida, responsável pela enologia na Herdade do Peso, conta que isto acontece quase todos os anos: as temperaturas de dia podem chegar a 38-39˚C e à noite caem até 15-17˚C o que tem um efeito benéfico na composição das uvas.

O calor e a água (ou falta dela)

O clima quente e seco do Alentejo, em certa medida, beneficia os produtores. Luís Cabral de Almeida que já trabalhou noutras regiões onde a Sogrape tem produção, como o Douro, Dão e até na Argentina, considera o Alentejo uma região consistente, com baixa carga de doenças. Não é por acaso que no Alentejo há muita produção biológica. As características da região e a sua fama junto do consumidor motivam alguns produtores de outras regiões a investir no Alentejo. É o caso do projecto da Symington na Quinta da Fonte Souto em Portalegre e da Costa Boal na Quinta dos Cardeais, entre os mais recentes.

Por outro lado, a seca é capaz de comprometer não apenas a quantidade e a qualidade de uma ou outra colheita, mas colocar em causa a sobrevivência das videiras, pois na falta de água esta não tem forma de buscar os nutrientes do solo e distribuí-los de forma correcta na própria planta. Por isto, a rega é indispensável em muitas partes do Alentejo, sobretudo nos solos mais pobres e com baixa retenção de água.

Contudo, a rega não visa proporcionar à videira um acesso desmedido à água. O equilíbrio da área foliar e rega controlada são essenciais, sublinha Luís Cabral de Almeida. Até à fase do pintor (quando os bagos ganham cor) dá-se água à videira (quando a chuva não vem) para obter os nutrientes do solo, e construir a área foliar para garantir actividade fotossintética. A partir do pintor, limita-se a água, para a videira investir na maturação da fruta.

Por exemplo, o enólogo Pedro Hipólito tem um sistema de rega instalado na Herdade da Mingorra, pronto para qualquer eventualidade, mas nas vinhas velhas não tem sido preciso. Tem 7 talhões que nunca foram regados.

Entretanto, no Alentejo ainda existem vinhas de sequeiro, mas estas encontram-se plantadas em áreas muito especiais. Como conta António Maçanita, há zonas na região, onde as águas freáticas ficam mais perto da superfície, permitindo que as raízes das videiras possam chegar até lá. O produtor e enólogo Luís Louro, que em 2004 iniciou o seu projecto do Monte Branco, também tem algumas vinhas em sequeiro. Estas estão implantadas em solos mais profundos e relativamente férteis, num xisto argiloso, que tem melhor capacidade de retenção do que o xisto normal.

Tudo no sítio e momento certos

As castas certas no sítio certo + momento de vindima + filosofia do produtor: é este o segredo do sucesso. Conseguir potência no Alentejo é fácil, juntar a elegância, às vezes, é um desafio. Nos topos de gama a tentação de criar vinhos poderosos é natural e as principais castas também ajudam. A triologia de Alicante Bouschet, Aragonez e Trincadeira que predominam nos lotes de há 30 anos, proporcionam muita estrutura e potência, diz António Maçanita, enólogo e produtor com projectos em várias regiões do país. Cabernet e Syrah também ajudam à festa. As castas “mais fracas” como Castelão ou Alfrocheiro não são das mais presentes nos topos de gama. Mas há excepções.

Repetindo as palavras de Luís Louro, um vinho é um produto de vinha e filosofia. O principal foco é nas castas certas e na época de colheita. A principal preocupação é “colher maduro, mas nunca sobremaduro”.

António Maçanita partilha a sua experiência, referindo que Castelão, Tinta Carvalha e Alfrocheiro têm muita tolerância para o momento da vindima, enquanto o Moreto não. As castas tânicas como Aragonez, Alicante Bouschet ou Syrah se não forem vindimadas maduras, são verdes e difíceis.

As castas certas por vezes já se encontram numa vinha, sobretudo numa vinha velha bem adaptada ao local e que expressa o seu carácter único. Tivemos alguns exemplos interessantes nesta prova. O Chão dos Eremitas Os Paulistas, da Fita Preta, por exemplo, com as castas (curiosamente, não misturadas, o que facilita a vindima) Tinta Carvalha, Moreto, Castelão, Alfrocheiro e Trincadeira, plantadas há 50 anos.

A Vinha da Ira, da Mingorra, é uma pequena parcela de 2 ha, plantada nos anos 80. É um resultado da selecção massal  de uma vinha mãe da Vidigueira. Chamava-se o Talhão de Alfrocheiro e no início fez muita confusão, porque quando a uva chegava à adega, era óbvio que não se tratava só de Alfrocheiro, até porque tinha muita uva tintureira. Em 2004 fizeram uma biblioteca genética das castas que tinham nesta vinha e estavam lá 12 variedades misturadas, onde 50% era Alicante Bouschet, também Aragonez, Touriga Nacional entre outras. O Alfrocheiro só representa 7% da vinha. Vindima-se tudo junto e o Alicante Bouschet serve de referência para a colheita.

Na Herdade do Peso, da Sogrape, o conceito do vinho Parcelas é diferente do Reserva, ou do Revelado, que têm que ter um determinado perfil. Os vinhos da gama Parcelas podem ter um perfil próprio em função do ano, explica Luís Cabral de Almeida. Por exemplo o Parcelas Block 21 é 100% Alicante Bouschet.

Dos produtores entrevistados, há unanimidade que o futuro passa muito pelas castas de ciclo longo: Touriga Nacional, Petit Verdot, Tinta Miúda, como exemplo.

A filosofia do produtor começa na escolha de terrenos e castas e acaba na abordagem na adega e até no tempo do estágio em garrafa antes de lançar para o mercado. Os produtores como Julian Reynolds ou Luís Louro não abdicam deste estágio o que sempre se reflecte no momento da prova.

Os estilos dos tintos do Alentejo

 Normalmente fala-se de dois principais estilos de vinhos no Alentejo: um clássico (mais balsâmico, com bosque e resinas, com vegetal seco e até uma certa rusticidade) e um moderno, de grande polimento, com fruta mais imediata, mais intensa e mais presente.

Na realidade, o Alentejo é muito mais do que isto. Depois de provar mais de 50 vinhos, eu diria que existem quatro estilos: dois clássicos – um que consegue aliar potência à elegância (vinhos profundos, perfeitos em cada momento de contacto) e outro onde a potência predomina, com vinhos muito extraídos e alcoólicos, mornos e quase doces (secos tecnicamente, mas pela sensação da doçura de fruta sobremadura e muita presença de barrica). Estes últimos são bem-feitos e impactantes, impressionam ao primeiro gole, mas a partir do segundo o entusiasmo diminui.

Nos vinhos de estilo dito “moderno”, também há duas variações. Um é mais sensual e consensual, guloso, com fruta bonita, encorporando normalmente as “castas melhoradoras” no lote, como a Syrah ou Touriga Nacional. Uma espécie de Novo Mundo no Alentejo.

O outro “novo” estilo do Alentejo é uma regressão ao passado, dando protagonismo às castas antigas, com fruta simples e pura, sem o lustro da Touriga ou Syrah. Podem não ser tão consensuais, mas têm muito bom senso na sua essência, são pensados, ensaiados e bem interpretados. São elegantes com estrutura, extremamente precisos e sofisticados.

Com isto não pretendo dizer que tem que se excluir castas ou estilos. Há gostos para tudo. As tendências vêm e vão, e o que é realmente bom acaba por perdurar.

Castas: as nossas, as outras e o Alicante Bouschet

 De acordo com o cadastro da CVR Alentejo, nos últimos dez anos a área de vinha tem crescido, tendo aumentado 4.003 hectares (21%) e em 2021 ocupou 23.277 ha. As castas tintas predominam com 79%. A vinha nas sub-regiões D.O. representa 72% da área total do Alentejo e 74% da produção total de uvas da região.

Nas castas tintas é notória a importância adquirida pelo Alicante Bouschet, que aumenta em área e representatividade na região e, com menor intensidade, também a Syrah e Touriga Nacional. Em diminuição estão as castas Aragonez, Trincadeira e Castelão, que perdem área e expressão na área vitícola.

As castas dividem-se em dois polos principais: portuguesas típicas do Alentejo (Aragonez, Trincadeira) ou vindas de outras regiões como a Touriga Nacional ou Touriga Franca, e estrangeiras como o Cabernet Sauvignon, a Syrah ou o Petit Verdot.

E depois há Alicante Bouschet que é a casta estrangeira mais portuguesa. Entrou no país há mais de 100 anos e ganhou a cidadania e reconhecimento que nunca teve no seu país natal. Luís Cabral de Almeida compara o percurso do Alicante Bouschet em Portugal como o do Malbec na Argentina: ambas as castas são de origem francesa e ambas encontraram a sua expressão máxima nos países de adopção. Hoje, Alicante Bouschet é parte importante da tipicidade dos vinhos do Alentejo e está em franco crescimento na região, sendo a segunda tinta mais plantada.

Para Luís Louro, Alicante Bouschet é uma casta fantástica que conjuga potência e acidez se for colhida a tempo. Tem uma parcela na zona de sequeiro que dá óptimos resultados.

Para Luís Cabral de Almeida, Alicante Bouschet é a garantia de fruta, cor e sabor, mas há que lhe aumentar a complexidade. Considera que não adianta forçar a extracção através de remontagens, por exemplo, pois vai-se extrair o que tem de bruto e agressivo. Prefere aplicar o engaço maduro na fermentação, que confere ao vinho tanino de meio de boca, diferente do tanino da madeira que é mais lateral.

Frederico Rosa Santos sublinha que as uvas de Alicante Bouschet têm de estar bem maduras e muitas vezes só amadurece a parte fenólica com o grau alcoólico alto. Não se dá bem em todo o lado. Mais a sul de Beja é demasiado quente para o Alicante e a ondas de calor em Julho ou Agosto fazem com que não amadureça. Fica bem de Estremoz para cima.

Das castas portuguesas, Aragonez continua a ser a uva mais plantada (com 23% de encepamento), mas não é de todo a mais amada. Muitos produtores reconhecem as suas limitações, começando por ser altamente sensível à produção. Se não for controlada, não consegue amadurecer a parte fenólica e apresenta taninos verdes e duros. Também precisa de amplitudes térmicas significativas.

Pedro Hipólito, enólogo da Herdade da Mingorra, conta que quando temperatura se mantém durante algum tempo acima dos 35˚C, a videira fecha os estomas e deixa de funcionar. Ainda por cima, como se sabe, o Aragonez com o stress hídrico sacrifica folhas o que faz difícil a sua maturação posterior.

Usar o clone certo também é importante. Frederico Rosa Santos conta que quando decidiram plantar Aragonez na propriedade da família, foram buscar o clone de Tinta de Toro num viveirista em Navarra. A vinha, no seu máximo, produz 4 tn/ha.

A Trincadeira, outrora muito popular, mantém-se em 3º lugar com 14,9% de encepamento, mas está a perder posição. Os enólogos são da opinião que com produções elevadas, perde todo o carácter e torna-se muito vegetal, fazendo lembrar um “mau Cabernet do Alentejo”. É capaz de produzir excelentes vinhos mas tem que se descobrir o seu ponto de equilíbrio. A casta também não gosta do stress hídrico, embora o aguente melhor que o Aragonez mas, se for preciso, vai buscar água aos bagos desidratando-os.

Já Luís Louro defende esta casta polémica, afirmando que cada vez gosta mais dela. No lote com Alicante Bouschet tira-lhe a brutalidade. Basta 15% e já se nota a diferença, diz.

A Touriga Nacional é a 5ª casta mais plantada no Alentejo, ocupando 8% de encepamento e com tendência a crescer. Há muitos argumentos a favor, começando por ser de maturação longa o que traz vantagens no Alentejo. Frederico Rosa Santos reconhece que a casta aguenta muito bem a seca, e o bago está sempre túrgido. Aromaticamente agradável, mas às vezes no Alentejo torna-se um pouco enjoativa, com violetas em excesso e canela.

Ainda se fala pouco da Tinta Miúda que representa apenas 0,5% de encepamento da região, mas já há produtores atentos a esta casta. Luís Louro gosta dela porque é poderosa, com concentração e intensidade, é menos rústica do que o Alicante Bouschet, tem classe.

Das castas estrangeiras mais recentes destaca-se claramente a Syrah, cujas plantações têm vindo a crescer e que hoje em dia fica no 4º lugar com 12%.

Frederico Rosa Santos não tem dúvidas que Syrah se dá bem em todo o lado, variando em estilo. Pedro Hipólito repara que até num ano bem difícil como este, teve uma boa evolução. Luís Louro reconhece que é uma casta fácil, melhoradora, mas acha que se impõe muito e tira a identidade aos vinhos. António Maçanita admite que Syrah em monocasta pode expressar o terroir e é capaz de ser interessante, mas no lote marca demasiado. Melhora sim, mas desvirtua o perfil, como a Touriga Nacional.

Embora o Cabernet Sauvignon tenha chegado ao Alentejo mais cedo do que a Syrah e ocupe uma área significativa (4,4% do encepamento, 7ª casta mais plantada) a sua presença está lentamente a diminuir. Faz parte de muitos lotes, mas não identifica a região.

Pedro Hipólito explica isto pelo ciclo do Cabernet Sauvignon ser relativamente curto para o Alentejo. Com um tipo de taninos próprio e o lado herbáceo, a casta necessita de tempo de maturação. E no Altentejo os ciclos estão a encurtar. Antigamente vindimava-se de Setembro até quase início de Outubro e agora começa-se no início de Agosto. O Cabernet pode ter 15% de álcool e continuar vegetal o que de todo não se enquadra no perfil dos vinhos que procuram. Por isto, na Herdade da Mingorra, que fica a 15 km a sul de Beja, numa zona muito quente, acabou-se com o Cabernet Sauvignon.

Frederico Rosa Santos sempre teve reticências relativametne ao Cabernet no Alentejo. É demasiado quente para a casta, acredita. Os bagos relativamente pequenos rapidamente transformam-se em passas. Mas reconhece que em bons anos beneficia alguns lotes.

Uma estrela em ascenção é o Petit Verdot que se dá lindamente no Alentejo e agora ocupa 1,9% da plantação. Para Frederico Rosa Santos foi uma agradável surpresa depois de a ter provado durante um estágio em Bordeaux, onde não tem condições para amadurecer bem a parte fenólica, ficando muito dura e difícil. Por cá, a casta apresenta tanino maduro, sensação de boca e corpo, fica muito mais completa e equilibrada. E pode produzir imenso sem diminuir a qualidade. António Maçanita está de acordo e diz que o Petit Verdot funciona como um relógio suíço, sem problemas sanitários, muito no registo de Alicante Bouschet, ou seja, não marca demasiado, não passa por cima do perfil da região.

Os tintos do Alentejo, como se vê, são em si mesmo um mundo. Feito de corpo, maturação, vigor, mas também elegância, finura, frescura. Os estilos abundam, a qualidade também. É bom que assim seja: nenhum apreciador sai insatisfeito.

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2022)

 

Sugestão: Os brancos de Outono e Inverno

brancos outono inverno

Mais ricos, cremosos, texturados, encorpados, concentrados. Mais ambiciosos também. Em pé de igualdade com os tintos pela capacidade de alinhar com pratos mais gordos e elaborados e de despoletar experiências sensoriais mais intensas, são assim os brancos de Outono/Inverno. Aqui deixamos 13 sugestões de primeira linha, vinhos com profundidade e longevidade, para os meses mais […]

Mais ricos, cremosos, texturados, encorpados, concentrados. Mais ambiciosos também. Em pé de igualdade com os tintos pela capacidade de alinhar com pratos mais gordos e elaborados e de despoletar experiências sensoriais mais intensas, são assim os brancos de Outono/Inverno. Aqui deixamos 13 sugestões de primeira linha, vinhos com profundidade e longevidade, para os meses mais frios que virão.

 Texto: Valéria Zeferino  Notas de Prova: Painel de Prova GE     Fotos: D.R.

 

Em Portugal produzem-se mais tintos do que brancos, a única excepção é a região dos Vinhos Verdes. No mundo, em geral, é assim. E a sazonalidade é forte: nos brancos pensa-se mais no verão, à beira da piscina ou ao almoço leve na praia. No outono e inverno preferem-se os tintos, esquecendo-se que temos excelentes brancos para acompanhar estas estações do ano.

Antigamente, em Portugal dizia-se que “o vinho é tinto; e também há branco”, conta o incontornável produtor bairradino Luís Pato. Hoje ainda é parcialmente assim, mas muito menos. Mario Sérgio Nuno, da Quinta das Bágeiras, lembra-se que quando era menino, as pessoas diziam “bebo branco quando não há tinto” e que às vezes para vender 10 caixas de tinto, o distribuidor era “obrigado” a levar 10 caixas de branco.

As técnicas de produção de brancos também eram “muito agressivas” – partilha Manuel Vieira, responsável de enologia durante muitos anos na Quinta dos Carvalhais e agora na Caminhos Cruzados. Os cachos e as massas vínicas sujeitavam-se à acção mecânica violenta, os equipamentos usados na altura eram fonte de oxidações, as temperaturas não se controlavam… enfim… muitas vezes os vinhos não aguentavam mais de um ano em garrafa (com honrosas excepções de alguns brancos antigos que chegam aos nossos dias em perfeita saúde).

brancos outono inverno
Anselmo Mendes levou a uva Alvarinho e o terroir de Monção e Melgaço até ao topo.

No final dos anos 80 e início dos anos 90 do século passado a tecnologia começou a entrar nas adegas com o controlo de temperatura e cuidados no sentido de proteger o vinho contra as oxidações. Proliferação de cubas de inox e aposta na fruta primária conduziram a vinhos mais limpos aromaticamente, mas bem acabados. O nível geral de qualidade dos brancos subiu e tornou-se um padrão.

Quando Mario Sérgio lançou o seu primeiro Quinta das Bágeiras Garrafeira 2001, um branco mais compenetrado do que extrovertido, fermentado em tonel antigo e preparado para anos de guarda e vocacionado, foi contra a corrente. Já o Guru, da Wine & Soul, nasceu em 2004 com a ideia da Sandra Tavares e Jorge Borges de fazer um grande branco do Douro com potencial de guarda, pois na altura havia poucos.

Hoje, os produtores têm à sua disposição um vasto leque de técnicas para fazer vinhos brancos adequadas a qualquer ocasião. Com mais ou menos intervenção, fermentações expontâneas ou controladas, diferentes abordagens técnico-filosóficas, com qualidade altíssima e por vezes surpreendente, não nos podemos queixar.

Como um branco Outono/Inverno é um oposto de “leve e crocante”, procura-se criar condições para o vinho ter solidez, estrutura, textura e potencial de guarda. A intensidade dos aromas primários não é o principal objectivo, a palavra-chave é complexidade. Normalmente, recorre-se ao estágio em madeira de diferentes tipos e capacidades, tosta e tempo de uso, para dar as nuances que o produtor deseja e que a matéria prima permite. Não existe uma “receita”. A escolha das barricas depende da sensibilidade de cada enólogo e da matriz do vinho em função da casta, terroir e até o ano de produção. E esta sensibilidade e preferências podem mudar ao longo do tempo, alterando o perfil do vinho.

Fermentação e estágio em madeira

 O contacto com madeira molda o vinho de certa forma, promovendo a microoxigenação contínua (estabiliza e amacia o vinho) e modificando os seus aromas com os compostos vindos da tosta da madeira (baunilha, canela, cravinho entre outros) de maneira que a fruta deixa de ser óbvia e o vinho ganha complexidade olfactiva. Quanto maior for a capacidade do vasilhame, menos marca deixa; e quanto menor for o grau da tosta, menos aromas transfere para o vinho. A barrica nova permite mais troca gasosa por ter os poros limpos, mas também deixa a sua marca mais evidente no vinho.

Se a madeira for em excesso, pode arruinar o vinho, sobrepondo-se às suas virtudes e deixando uma sensação de secura e amargor dos taninos elágicos da madeira. Aplicada ajuizadamente, beneficia e confere complexidade.

“Bom trabalho de barrica”, “barrica bem integrada” ou “barrica de luxo” são expressões frequentes nos comentários dos enófilos e notas de prova dos vinhos. “Amadeirado”, “madeira em excesso”, “marcado pela madeira” são os epítetos do lado oposto da escala.

Sandra Tavares, enóloga e produtora da Wine & Soul, conta que na primeira edição do Guru de 2004 foram utilizadas apenas barricas novas. Em 2016 a percentagem da barrica nova baixou quase para metade e o 2019 tem apenas 9% de barrica nova de 500 litros, tosta média-leve. A origem da barrica também ganhou outra importância. Agora começam a usar fudres de maior capacidade.

António Maçanita, o enólogo e produtor da Fita Preta, para o seu Chão dos Eremitas escolhe barricas de, pelo menos, terceiro uso, pois pretende-se a acção mais delicada do estágio em madeira sem ser muito óbvia. E também apenas 40% estagia em barrica, o resto fica em inox.

Se o Quinta das Bágeiras Garrafeira estagia em tonéis antigos de madeira de 2500 litros, ao Pai Abel o produtor queria dar um pouco mais de estrutura e de volume através do estágio em barricas muito usadas da Borgonha, com bâtonnage.

Já o Parcela Única de Anselmo Mendes estagia em madeira nova, mas a barrica é escolhida a dedo em função da proveniência (da floresta de Bertranges perto de Sancerre) e feita à medida, com uma tosta ainda mais leve do que é usada para os Grand Grus da Borgonha.

Ao falar da madeira, pensamos normalmente em carvalho, mas não é a única opção possível. Luís Pato, por exemplo, para o seu Vinha Formal prefere o castanho que na sua opinião não marca os brancos com baunilha. E argumenta que a madeira de castanho é mais porosa do que o carvalho, permitindo maior contacto com oxigénio durante o estágio pelo que o vinho fica mais resistente a oxidação a longo prazo; para além de ser tradicional na região e mais barato.

brancos outono inverno
Nas vinhas velhas do Chão dos Eremitas, António Maçanita descobre verdadeiros tesouros.

Normalmente o contacto com a barrica começa na fermentação, o que permite que a madeira a integre melhor. Entretanto, Manuel Vieira prefere arrancar a fermentação em inox para ter mais controlo sobre a temperatura (16˚C no início) e aos 1050 de densidade transfere o mosto para a barrica, onde acaba a fermentação e depois fica a estagiar.

Já agora, a temperatura de fermentação destes vinhos mais ambiciosos nunca é muito baixa (12-13˚C) para não evocar aromas de bananas e fruta tropical, que podem ser bem vindos nos brancos frescos de Verão, mas não transparecem nem a casta, nem o terroir. Normalmente, a temperatura de fermentação ronda os 18˚C, mais coisa menos coisa.

Outra variável importante é o tempo que o vinho permanece na barrica. Nem sempre o estágio mais prolongado resulta em vinhos excessivamente amadeirados. O Teixuga é um grande exemplo: passa 19 meses na barrica e não fica marcado pela madeira. Manuel Vieira explica que há sempre um momento durante o estágio, um pico, quando o vinho fica dominado pela madeira. Muitos neste momento tiram o vinho da barrica para o “salvar”, mas na realidade, se o vinho permanecer na barrica mais tempo, acaba tudo por integrar, afirma.

Borras e curtimentas

As borras representam a fração sólida no meio (mosto) acumulada durante a fermentação alcoólica. Numa primeira trasfega as borras mais espessas, normalmente, são removidas, deixando em suspensão os compostos mais pequenos, chamados de borras finas. São maioritariamente compostos pelas células das leveduras mortas.

Quando o vinho estagia sobre borras, a parede celular das leveduras é destruída, libertando polissacáridos, manoproteinas e outros compostos para o meio, que não só protegem o vinho contra as oxidações durante o estágio, mas também melhoram as suas características organolépticas (textura, volume, cremosidade e aromas) e faz com que a acção da madeira seja menos intrusiva no vinho.

A agitação das borras com um bastão – bâtonnage – mantêm-nas em suspensão e homogeniza a sua acção, intensificando os efeitos mencionados. Geralmente, as borras são levantadas com maior frequência no início do estágio, abrandando ou até mesmo cessando mais tarde.

O Alvarinho no Parcela Única estágia com borras totais. Desta forma Anselmo Mendes providencia uma maior quantidade de biomassa para garantir a melhor protecção do vinho da acção da madeira nova. “Juntar potência com elegância” – diz o mestre. Em sua opinião, isto não funciona com castas como o Chardonnay ou o Sauvignon Blanc, porque reduzem bastante nestas condições, mas o Alvarinho aguenta-se bem. A frequência da bâtonnage é feita com grande precisão em função do consumo de oxigénio no vinho durante o estágio.

Já António Maçanita não fez bâtonnage no Chão dos Eremitas, mas prefere manter as cubas, onde estagia 60% do vinho, na horizontal para, desta forma aumentar a distribuição das borras.

Para além do estágio em madeira existem outras formas de realçar as características sensoriais do vinho. A curtimenta é uma delas e agora esta técnica está na moda. Mas Paulo Nunes conta que até aos anos 80 do século passado, na Casa da Passarella os brancos habitualmente faziam-se como os tintos – fermentavam-se com películas. E na altura não se chamavam “orange wine”…

No Casa da Passarella O Fugitivo Curtimenta as uvas não são desengaçadas, pois Paulo Nunes vê o benefício na transferência de algum tanino na percepção organoléptica, procurando mais sensação táctil, de “textura e até algum amargo para contrastar com vinhos muito limados”.

brancos outono inverno
Na Quinta das Bágeiras, o Pai Abel fermenta em barricas muito usadas vindas da Borgonha.

Castas e regiões

 A região de origem, na realidade, não é grande indicadora do estilo do vinho – em todas as regiões de Portugal podemos encontrar vinhos brancos estruturados e sérios. E a casta nem sempre define inequivocamente perfil. Um Chardonnay da California com estágio em barrica nova, amanteigado e untuoso, não tem nada a ver com um Chablis, feito da mesma casta. No nosso caso, Arinto ou Alvarinho vinificados em inox serão mais leves e crocantes do que os seus homólogos que passaram uma boa parte da sua vida em barrica, por exemplo.

Felizmente, temos muito por onde escolher em termos da região e das castas. No Dão, Encruzado presta-se particularmente bem para vinhos com dimensão. Manuel Vieira trabalha com esta casta já há mais de 30 anos. Quando entrou na Quinta dos Carvalhais em 1990, resolveu fazer um branco “à borgonhesa”, com fermentação em barricas de carvalho e estágio sobre borras. Fez uns ensaios de vinificação com cinco castas do Dão em separado, e foi o Encruzado que se mostrou melhor por não se deixar “comer” pela madeira.  Os grandes brancos da Bairrada são, geralmente, feitos do Bical, Maria Gomes e Cercial em várias combinações. No Douro, um típico blend inclui Viosinho, Gouveio, Rabigato, Códega e outras castas em proporções diferentes.

No Alentejo, Antão Vaz e Arinto, por regra, funcionam bem em conjunto. O Alvarinho também já marca a sua presença nesta região. Nós escolhemos aqui uma casta diferente, pouco conhecida, de propósito para mostrar que qualquer variedade pode brilhar se for bem trabalhada. Alicante Branco (aka Boal de Alicante ou Boal Cachudo), foi uma variedade importante no Alentejo antes da filoxera. António Maçanita teve o contacto com esta casta quando começou a explorar uma parcela plantada em 1970 com várias castas (um field blend organizado) sem rega. Como muitas outras variedades do Sul, tem acidez baixa e um perfil aromático neutro o que despertou o interesse do produtor para uma experiência, adaptando o processo de vinificação à casta.

Na região de Lisboa, obviamente, brilha o Arinto e ultimamente, a casta Fernão Pires, oriunda do Tejo, tem surpreendido bastante na região vizinha. Na região dos Vinhos Verdes, o Alvarinho e o Loureiro com estágio em barrica, são os principais protagonistas para a nossa selecção de brancos para acompanhar as almoçaradas e os serões outonais.

Selecionar sempre

A idade das vinhas e as particularidades da parcela podem influenciar as características da matéria-prima e proporcionar vinhos diferenciados. Como a concentração é bem-vinda nestes vinhos, muitas vezes preferem-se as uvas das vinhas velhas, onde a produção é reduzida naturalmente pela idade das videiras. É o caso do Guru, proveniente de uma vinha com 70-80 anos em Porrais, na zona de transição de xisto para o granito e com muito quartzo. Sandra Tavares considera que o xisto dá estrutura e tensão, enquanto o granito e o quartzo – pureza e final de boca mais fino.

Entretanto, para fazer o Pai Abel branco, Mário Sérgio optou pela vinha nova (que agora tem cerca de 30 anos), mas reduzindo drasticamente a produção – fazendo a primeira colheita mais cedo para espumante.

A precisão na escolha da matéria-prima não se limita pela idade das vinhas, o terroir também entra em jogo. Luís Pato escolheu o Bical da Vinha Formal, que comprou em 1998, plantada em solo argilo-calcário na encosta de Óis do Bairro. As uvas desta zona sempre davam vinho de melhor qualidade, destinado à exportação, chamado no século XIX “Vinho de Embarque”.

O Parcela Única de Anselmo Mendes é autoexplicativo, vem de uma parcela de 4,5 ha da Quinta da Torre, que dava sempre vinho vibrante, que não cheirava muito e tinha uma óptima acidez. Nesta zona o solo é de textura mediana composta por argila, limo, pedra e areia mais grossa. São terraços fluviais, ricos em minerais e com capacidade de retenção. E mesmo dentro da melhor parcela, a selecção de cachos é muito rigorosa. É feita na vinha na altura da vindima em função da fisiologia da videira e não no tapete de escolha, quando já é tarde. Colhem-se apenas os cachos da base e das varas bem atempadas. Como é óbvio, para uma vindima tão precisa é necessário ter o núcleo duro do pessoal experiente.

brancos outono inverno
Na Quinta da Teixuga, da Caminhos Cruzados, os vinhos reflectem um Dão moderno.

No caso do Curtimenta, a casta deixa de ter importância, sobretudo a nível de aromas varietais, porque a técnica de vinificação anula a componente aromática. Mas a selecção de uvas certas para este vinho é importante. Paulo Nunes vai buscar a uva das vinhas onde muitas castas têm acidez elevada – Uva Cão, Cerceal Branco, Terrantez, para dar equilíbrio à estrutura e a dimenção de boca dos vinhos de curtimenta.

Na mesa

 Mencionamos no início que o que chamamos de brancos de Outono/Inverno, corresponde sempre a vinhos extremamente gastronómicos. Como tal, deixamos algumas sugestões de boas parcerias à mesa.

De um modo geral, têm que ser pratos com alguma estrutura, textura e intensidade. Os crustáceos mais densos podem ser uma boa opção – santola ou sapateira, lavagante ou lagosta. Não esquecemos o arroz de polvo ou de marisco. Peixe grelhado ou no forno, bacalhau assado, migas de bacalhau, açorda ou sopas elaboradas, como a sopa de pedra, são harmonizações a experimentar. Outras alternativas podem ser pratos de galinha, perdiz ou peru. Embora tradicionalmente seja acompanhado com espumantes ou colheitas tardias, eu também não excluia foie-gras pela intensidadde de sabor, gordura e textura.

Agora só faltam os queijos! Paulo Nunes, recorda que na Serra da Estrela o queijo com o mesmo nome era muitas vezes acompanhado com vinhos brancos, com alguma idade. E faz todo o sentido.

Os vinhos brancos com estas características não devem ser servidos muito frios. A temperatura de serviço pode ser entre os 10˚C e 12˚C, tendo em conta que o vinho vai sempre aumentar no copo 2-3˚C o que, no caso dos vinhos mais complexos até vai trazer benefícios. Ajuda abrir a complexidade aromática e apreciar a textura.

E para finalizar, chamar-lhes “brancos de Outono/Inverno” é uma força de expressão: bebem-se lindamente noutras estações do ano, basta querer e combinar com a comida certa.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2022)

 

Grande Prova: O fresco perfume do Verde Loureiro

prova loureiro

É certamente uma das mais originais e frescas variedades de uva que temos em Portugal. Na região dos Vinhos Verdes, de onde é oriunda, apresenta-se em diferentes perfis. Encontramos o lado mais “tradicional”, com algum gás carbónico, acidez elevada e leve doçura frutada; e a vertente mais ambiciosa, com vinhos secos, austeros, minerais e longevos. […]

É certamente uma das mais originais e frescas variedades de uva que temos em Portugal. Na região dos Vinhos Verdes, de onde é oriunda, apresenta-se em diferentes perfis. Encontramos o lado mais “tradicional”, com algum gás carbónico, acidez elevada e leve doçura frutada; e a vertente mais ambiciosa, com vinhos secos, austeros, minerais e longevos. Certo é que o Verde Loureiro não passa indiferente e após 36 vinhos provados fica-nos a certeza de que o nível qualitativo nunca foi tão elevado.

Texto: Nuno de Oliveira Garcia

Fotos: Ricardo Palma Veiga

Na região dos Vinhos Verdes temos três castas brancas que reinam em termos de notoriedade: Alvarinho, Loureiro e Avesso. Implementadas em todas as sub-regiões, poucas dúvidas existem que, salvo uma ou outra excepção, cada uma destas variedades tem um terroir de eleição, associado a um rio nortenho. A “casa” do Alvarinho é o vale do Minho (em especial na sub-região de Monção-Melgaço), o Loureiro assume-se no vale do Lima e o Avesso prefere o vale do Douro.

Sucede, que as três variedades não se encontram no mesmo patamar de conhecimento enológico e de reconhecimento do mercado. Se o Alvarinho é já um sucesso com algumas décadas e marcas de grande notoriedade, e o Avesso uma redescoberta relativamente recente, pode-se dizer que o Loureiro está numa fase intermédia. Trata-se de uma etapa em que, mesmo com várias marcas disponíveis, e apesar de um público fiel que aprecia a sua frescura e exuberância, há ainda muito a fazer, mas, simultaneamente, já existem no mercado vários vinhos excelentes, como se verificou na presente prova. Em abono da verdade, depois do Alvarinho, o Loureiro é, certamente, a casta branca de Vinho Verde mais conceituada junto dos consumidores, sendo que, em alguns casos, o preço dos vinhos supera os €10€ ou €15, algo também perceptível neste painel de prova. É certo que a maioria dos Loureiros provados se cinge ao intervalo entre os €4,50 e os €7, mas mesmo essa circunstância tem de ser contextualizada; com efeito, não só a cada ano que passa surgem vinhos mais valorizados como, rigorosamente, o referido patamar de preço está bem acima da média dos demais Vinhos Verdes.

Apesar de a fama da casta vir de longe, é inquestionável o contributo que algumas marcas fomentaram ao Loureiro, sendo disso bom exemplo, no final do século XX, os vinhos da Casa dos Cunhas, Paço d’Anha, Solar das Bouças, Casa de Sezim, Casa da Senra ou Quinta do Convento da Franqueira. Com efeito, e apesar de há 30 ou 40 anos não ser comum a casta aparecer totalmente sozinha, todos os referidos vinhos tinham Loureiro como base. Mais recentemente, esse contributo foi aumentado com vinhos, desta feita, 100% Loureiro, da marca Muros Antigos (Anselmo Mendes) e das várias declinações da casta produzidas pela Quinta do Ameal (hoje, parte do grupo Esporão), porventura a propriedade mais intrinsecamente ligada à casta no imaginário do consumidor. Exemplos recentes de projectos que têm levado longe o Loureiro são, entre outros, os vinhos de Márcio Lopes, de João Cabral de Almeida, de Vasco Croft e, ainda, os novos vinhos dos produtores Aveleda e Soalheiro, todos provados neste trabalho.

Conforme referido acima, a casta está muito associada ao Vale do rio Lima, e também ao Cávado, mas tivemos em prova vinhos das demais sub-regiões. É certo que vários dos vinhos mais pontuados provieram do eixo Ponte de Lima – Viana do Castelo, mas provámos óptimos exemplares de outras sub-regiões como no já mencionado vale do Cávado. Até em Monção e Melgaço se começa a apostar no Loureiro para emparelhar com Alvarinho. Efectivamente, as melhores prestações do Loureiro face à uva Trajadura (outra uva da região, por regra com mais álcool e de menor acidez), tem feito com que aquela esteja a substituir esta na hora de contribuir com frescura e acidez a um típico lote baseado em Alvarinho. Percebe-se esta tendência, na medida em que a acidez do Loureiro acaba por equilibrar um perfil mais guloso e cheio do Alvarinho.

Com efeito, o equilíbrio ácido do Loureiro é muito valorizado pelos enólogos que o descrevem como puro e vibrante, a meio caminho entre a acidez por vezes “dura” do Avesso e a acidez quase doce de alguns Alvarinhos.

DIFERENTES ESTILOS E PERFIS

Falando de terroirs, há quem sustente que a casta funciona particularmente bem em solos franco-argilosos (até com um pouco de xisto), mas o consenso sobre a textura dos solos não é total, antes dependendo a qualidade, como quase sempre sucede, de outros factores como a respectiva porosidade e matéria orgânica. Casta de maturação precoce, que prefere solos profundos e de média fertilidade, ganha percepção de mineralidade em solos de base granítica com altitude acima dos 150 metros e com porosidade, com os melhores vinhos a não ultrapassarem 12,5% de álcool. Com cacho comprido e apertado, ou seja, com pouco arejamento, certo é a sua preferência por anos pouco chuvosos por altura da vindima (por isso as colheitas de 2005, 2009 e 2015 deram alguns dos melhores Loureiros), ainda que aprecie a brisa atlântica e as noites mais frescas de verão. No copo, começa por apresentar uma tonalidade citrina pálida, mas, com o passar dos anos ganha rapidamente mais cor em garrafa, ainda que menos intensa do que o Alvarinho. Com diferentes clones disponíveis, é possível um produtor escolher entre perfis aromáticos mais terpénicos e florais (a lembrar, por vezes, algum Moscatel) ou um carácter mais austero e até salino. O mesmo sucede com a produtividade (tipicamente alta) da casta, com os melhores vinhos a resultarem de produções até às 6,5 toneladas/hectare, mas existindo resultados bem positivos próximo das 10 toneladas. A sua presença no encepamento da região dos Vinhos Verdes é dominante: segundo as informações estatísticas disponibilizadas no site oficial da região, ocupa quase 4200 hectares, contra 2300 de Alvarinho (embora esta esteja a crescer mais rapidamente) e outro tanto de Arinto.

A prova que fizemos de 36 marcas, oriundas de toda a região, permitiu-nos encontrar vinhos com diferentes interpretações da casta. Um desses modelos é a utilização do Loureiro para fazer vinhos que se inserem no imaginário do Vinho Verde que se quer beber no ano a seguir à colheita, geralmente acompanhando peixe grelhado ou marisco. Exuberantes na vertente aromática, com gás carbónico, e acidez elevada compensada com alguma doçura frutada, a casta entrega bons exemplares vínicos neste registo. Aqui, agrada-nos o álcool de baixo teor, os preços muito cordatos, apesar de, genericamente, os vinhos serem lançados no mercado precocemente, uma vez que beneficiariam muito com mais alguns meses em garrafa. Nas antípodas, encontramos a tradução da casta assente em fermentação e/ou estágio em barrica, e sem qualquer gás. Por vezes com mais de um ano em estágio de garrafa, são vinhos que revelam ambição. Na sua grande maioria, a barrica aporta um ambiente mais barroco e generoso, com a casta a manter a sua presença, privilegiando uma harmonia entre as notas varietais e utilização da madeira. São vinhos perfeitos para assados, de peixe ou carne, e podem ser bebidos no verão, mas também em meia-estação. Por fim, tivemos vinhos que, sem utilização de barrica, se mantiveram no perfil da região, mas procurando modernizá-lo. Aproveitando o carácter único e muito original da casta (é uma uva que “viaja” pouco a nível nacional ou internacional), são vinhos que expressam a região com muita identidade, vinhos austeros e com notas vegetais deliciosas, vinhos que crescem claramente com alguns anos em garrafa. Descartando-se da exuberância aromática excessiva, do gás carbónico desarranjado e da afinidade entre acidez elevada e doçura frutada, essa terceira vertente mostrou alguns dos melhores vinhos em prova. O certo é que, em todas estas variações, encontrámos denominadores comuns, alguns dos quais já identificados neste texto: originalidade, acidez vibrante, álcool, preços ajustados à qualidade e ambição e, não menos importante, nos melhores exemplares, grande potencial de longevidade. Belíssimas razões para o consumidor eleger os Verdes Loureiro como um dos seus parceiros. À mesa, e não só.

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)

 

Grande Prova: Beira Interior 2.0

Beira Interior desafiante

Brancos e tintos desafiantes A Beira Interior está em constante mudança, com o solidificar e desenvolver de projectos clássicos e bem-sucedidos e o surgir de outros que vêm trazer ainda mais dinamismo e competitividade. Nesta prova, percorremos os brancos e tintos bem diferenciadores de uma região com antigas tradições de vinha e de vinho, onde […]

Brancos e tintos desafiantes

A Beira Interior está em constante mudança, com o solidificar e desenvolver de projectos clássicos e bem-sucedidos e o surgir de outros que vêm trazer ainda mais dinamismo e competitividade. Nesta prova, percorremos os brancos e tintos bem diferenciadores de uma região com antigas tradições de vinha e de vinho, onde o carácter, a frescura e a elegância são denominador comum.

Texto: Valéria Zeferino
Fotos: Ricardo Palma Veiga

A tradição vitivinícola antiga na Beira Interior remonta à época romana, sendo oficialmente demarcada em 1999. Há alguns anos falámos no despertar da Beira Interior, quando surgiram projectos novos a inspirados pelos entusiastas, alguns com raízes na região, outros vindos de fora dela. Enólogos conhecidos, como Virgílio Loureiro, Anselmo Mendes, Rui Madeira, Rui Reguinga ou Patrícia Santos, trouxeram o seu conhecimento, elevaram a qualidade dos vinhos e deram credibilidade à região. O consumidor também despertou, (re)descobrindo uma região antiga na sua versão 2.0 com identidade própria que privilegia frescura e elegância.

Hoje, a região produz mais de 3 milhões de garrafas, apostando cada vez mais na exportação. Nos últimos dois anos a exportação duplicou chegando a 40% de produção. Os principais mercados neste momento são Brasil, Letónia, USA, Canadá, Dinamarca, Bélgica e Holanda, de acordo com os dados da CVRBI. Esta entidade certificadora também assume um papel de promotora da região, apostando fortemente no enoturismo e na internacionalização dos seus vinhos, trazendo potenciais importadores à região através das missões inversas. Nos últimos dois anos foi criada a Rota dos Vinhos da Beira Interior que pretende atrair cada vez mais pessoas ao interior. Até porque a oferta enogastronómica e cultural dentro da região é grande. E não podemos esquecer que das 12 aldeias históricas de Portugal, 11 ficam na Beira Interior.

Identidade geográfica

A altitude, a continentalidade e os solos pobres moldam as condições edafo-climáticas da Beira Interior.  A região estende-se do vale do Douro e Trás-os-Montes no norte ao rio Tejo no sul. Faz fronteira com a Espanha e é separada da Beira Litoral pelas várias formações montanhosas:  Serra da Estrela, do Açor, Gardunha e Lousã, que cortam a influência atlântica, deixando o clima mais seco, com maior amplitude térmica diária e anual.

A continentalidade manifesta-se pelos invernos rigorosos e frios, temperaturas negativas e neve frequente e pelos verões curtos, mas quentes e secos, com muitas horas de sol. A amplitude também ameniza os extremos de temperatura no pico de Verão. As noites frescas criam condições importantes para maturações mais homogéneas e retenção da acidez que mais tarde se traduz na frescura dos vinhos produzidos.

As montanhas e planaltos elevam as vinhas à altitude de 300 a 700 metros, amenizando as temperaturas médias, pois a temperatura baixa 0,6˚C por cada 100 metros.

Os solos são pobres em matéria orgânica e bem drenados, de origem maioritariamente granítica, mas também xistosa em zonas de transição para o Douro, com filões de quartzo e alguma ascendência arenosa.

Existem três sub-regiões, que antes da criação de denominação de origem em 1999, eram três regiões separadas: Pinhel, Castelo Rodrigo e Cova da Beira.

A sub-região de Pinhel com altitude média de 650 metros fica a norte da Guarda e estende-se até Mêda e à serra da Marofa.  A sub-região do Castelo Rodrigo está praticamente colada à de Pinhel, tendo como a linha de separação o rio Côa e uma estrutura montanhosa. Caracteriza-se pelos planaltos a 600 e 750 m de altitude. Ambas as sub-regiões são secas, com precipitação anual raramente a ultrapassar os 500 mm e com grandes amplitudes térmicas.

A Cova da Beira situa-se na zona sul da região, sendo limitada, a Norte, pelas serras da Estrela, Gardunha e Malcata e a sul, pela bacia hidrográfica do Tejo, onde o clima já tem alguma influência mediterrânica. É a sub-região mais extensa da Beira Interior, onde dá para distinguir duas zonas com características um pouco diferentes. Uma mais a Norte, entre as Serras da Gardunha e da Serra, à volta do Fundão e da Covilhã, com a precipitação a variar muito (de 600 a 1.800 mm por ano) em função do relevo. Outra, a Sul da Serra da Gardunha, com temperaturas mais elevadas e de precipitação a rondar os 500-700 mm. Aqui o clima apresenta semelhanças com o Alentejo.

A vindima entre a Cova da Beira e Pinhel pode começar com três semanas de diferença. As geadas de primavera são problemáticas na maior parte da região. Como diz Pedro Carvalho, da Quinta dos Termos, “geada há sempre, a dúvida é se será muita ou pouca”. Por isto as podas são mais tardias, às vezes são feitas em Abril para os abrolhamentos serem mais tarde, não prejudicando a produção em caso de geada.

Castas com carácter

De acordo com os dados do IVV, houve uma diminuição em termos de área plantada nos últimos anos (de 15110 ha para 13874 ha), provavelmente devido  ao abandono da vinha e a algum arranque para plantação de outras culturas. Mesmo que 75% da vinha não tenha DOP/IGP, a área de vinha para vinhos certificados como DOP e IGP aumentou bastante, o que é uma dinâmica muito positiva.

As castas mais plantadas na Beira Interior, segundo o IVV, são Rufete e Siria representando 16,2% e 15,6% da área plantada, respectivamente. O Aragonez também tem uma grande presença na região ocupando 14,5% da vinha.

As primeiras duas castas existiam antes da filoxera, variando um pouco entre as zonas, e expressam mais a região, mas na maior parte dos vinhos entram em lotes. Outras castas antigas são Fonte Cal, Malvasia, Gouveio, Rabigato e Folgasão, nas brancas e Marufo, Bastardo, Tinta Francisca, Donzelinho, entre castas tintas. Com o passar do tempo e novas tendências o encepamento mudou e hoje encontramos na região as castas nacionais de outras regiões (Touriga Nacional, Tinta Roriz, Touriga Franca, por exemplo) e estrangeiras como a Chardonnay, Cabernet Sauvignon, Syrah e Merlot. Até Sangiovese e Nebbiolo foram plantadas pela Quinta dos Termos a título de experiência.

A casta Rufete, também é conhecida como Tinta Pinheira no Dão e encontra-se em pouca quantidade noutras regiões, ocupando 2% de encepamento do país. Produz imenso, diz o produtor José Afonso, das Casas Altas. Tirando isto, na sua opinião, é bem amiga do viticultor. Antigamente, quando chovia mais no Outono, verificavam-se problemas de podridão a que a casta é sensível, ultimamente nem isto. Na adega tem tendência para aromas um pouco reduzidos, pelo que convém transfegar logo quando acaba a fermentação.

Pela sua grande produtividade, o Rufete ganhou alcunha de “pai dos pobres”. Nas adegas cooperativas chegava a produzir até 20 tn/ha, perdendo completamente a sua identidade e imagem, e nos anos 80-90 acabou por ser renegada na sua terra natal. O proprietário da Quinta dos Termos, João Carvalho, contou uma vez que em algumas adegas cooperativas até nem se aceitavam novos sócios com muito Rufete, dando preferência a outras castas.

O Rufete origina vinhos de grau alcoólico contido, com pouco tanino, cor aberta e acidez média. Plantada nos sítios certos, em solos pobres, com produções controladas a não ultrapassar 6-7 tn/ha, produz vinhos sérios, mas delicados, com frescura e carácter próprio.

A enóloga e produtora Patrícia Santos (Rosa da Mata), refere que, em termos aromáticos, Rufete tem bastante fruta, mas é delicada, nada de excessos. Tem bastante acidez e evolui bem em barrica.

É sempre uma óptima alternativa a vinhos mais extraídos, carnudos e tánicos que são cada vez mais apreciados pelos enófilos, mas nem sempre a cor mais aberta do Rufete é entendida pelo consumidor geral. José Afonso explica que vende os vinhos de Rufete mais aos conhecedores e hotelaria de luxo do que ao consumidor menos informado, embora as pessoas mais antigas da região, que entendiam o vinho como parte da alimentação, aceitassem bem a cor menos intensa.

A casta Síria no nosso país responde por muitos nomes: Roupeiro no Alentejo e Códega no Douro, são os sinónimos oficiais. Para além disto é conhecida como Alvadourão ou Alvadurão no Dão, Malvasia Grossa e Dona Branca em Bucelas e Crato Branco no Algarve. Até na Beira Interior, na zona de Belmonte, e em Portalegre, usava o sinónimo de Alva. Como vemos é bastante comum em várias regiões e ocupa 3% do encepamento nacional. Mas é na Beira Interior que a casta se destaca pela maior frescura e aromas menos terpênicos, mais delicados e focados, mas que duram mais tempo no envelhecimento em garrafa. Segundo Patrícia Santos, a Síria é uma casta muito versátil e expressa de forma identificativa não só a região da Beira Interior, como também cada sub-região. Na zona de Castelo Branco demonstra mais perfume, mas consegue manter a frescura; na zona de Pinhel é mais discreta, mais selecta; na zona de Figueira é um compromisso entre as outras duas.

A Fonte Cal é uma casta originária da zona de Pinhel e praticamente só existe na Beira Interior, sobretudo nos encepamentos antigos. Representa menos de 1% do encepamento da região, mas encontra-se principalmente em vinhas velhas onde existe uma mistura de muitas castas e por isto não se encontra identificada pelo IVV como Fonte Cal. É uma casta vigorosa, mas não muito produtiva. Precisa de mais tempo para amadurecer do que a Síria, mas perde rapidamente a acidez, pelo que a janela de vindima é muito pequena. Por esta razão entrava sempre nos lotes com Síria ou Arinto com mais nervo.

Patrícia Santos refere que na adega a Fonte Cal também não é fácil. Tem tendência para oxidar e perde aromas rapidamente. Como se não bastasse, apresenta instabilidade em termos de tartaratos de cálcio e tem tendência para o pinking (um fenómeno oxidativo do vinho branco, dando origem a uma evolução da cor para um tom cinzento-rosado). A verdade é que continuam a existir muito poucos vinhos monovarietais de Fonte Cal.

Algumas castas antigas da região são pouco conhecidas hoje em dia e trazem alguma polémica quanto à sua origem. E o caso da Callum, vinificada em extreme pela Quinta dos Termos. As opiniões dividem-se e nem os especialistas chegam a um consenso: uns dizem que é uma das castas antigas na zona que era chamada Pinhal Interior, enquanto existe possibilidade de ser a mesma casta chamada Batoca na região de Vinhos Verdes. Também foi referenciada nos distritos de Aveiro, Leiria, Vila Real e Bragança, com os nomes de Sedouro ou Alvaraça. Mas independentemente da sua origem, não há dúvidas que a casta teve sempre presença naquela zona da Beira Interior. Antes da filoxera entrava nos encepamentos de Sertã, Covilhã e Belmonte. O produtor e enólogo Pedro Carvalho conta que Callum já era autorizada para produção de vinhos na antiga Cova da Beira ainda antes de criação da denominação de origem.

Tudo começou quando a Quinta dos Termos adquiriu em 2015 outra propriedade – Herdade de Lousial, onde plantou nos cerca de 2 hectares 92 clones de Callum, provenientes de zonas distintas do pais, incluindo o Minho. Fizeram-se cerca de 1200 garrafas de um vinho único desta casta em 2020 e a experiência foi repetida em 2021, com mais de 3 mil garrafas.

A casta Fernão Pires não é muito associada à Beira Interior, ocupando cerca de 1% de vinha, mas tem na zona de Pinhel uma expressão bem interessante. Patrícia Santos ficou fascinada pela performance da casta que em Pinhel mostra uma quase salinidade inexplicável. Compara com vinhos de Sancerre, que, feitos de uma casta aromática, naquela região revelam uma personalidade diferente. No final de fermentação o vinho passa para as pipas de 500 litros, onde permanece pelo menos um ano. A produtora gosta de vinhos com madeira para dar outra dimensão ao vinho, desde que não seja exagerada. Deste vinho produz  apenas 1500 litros, mas faz um vinho de que gosta e que reflecte o terroir.

Na zona de transição para a região do Douro, os solos são xistosos e nota-se grande presença das castas durienses. As vinhas da Casas do Côro, na aldeia histórica de Marialva a poucos quilometros de Mêda, são velhas com quase 100 anos, com produções baixíssimas de 1500 kg/ha e ficam numa altitude de 600 metros. Entre as castas tintas predominam Mourisco e Touriga Franca e nas brancas Rabigato e Códega, aos quais se juntam uvas de Rabigato, Verdelho da Madeira e Donzelinho, provenientes da primeira vinha plantada em 2009.

Projectos novos e antigos

Na Beira Interior nota-se um movimento em direcção à qualidade e valorização da região. Já há produtores de renome, marcas associadas aos vinhos de autor, com personalidade vincada, que começam a ficar emblemáticas para a região, como a Casas de Côro, Biaia, Quinta dos Termos (também é uma das mais antigas) e Rui Madeira, entre outros.

E quase todos os anos aparecem projectos novos de grande dedicação e com propósito. Podem não ter ainda dimensão, mas contribuem para o nível qualitativo da região. Um dos mais interessantes é o de Miss Vitis Wines com marca Bal da Madre. Gil Taveira conta que o projecto começou no Douro pelo seu avó e com ele teve continuação. Há poucos anos resolveu apostar na Beira Interior para fazer vinhos de agricultura biológica, já que a região reúne as condições para isso. Em conjunto com produtores de azeite e mel, entre outros produtos, exportam para o Reino Unido, transportando a mercadoria em veleiros (para reduzir a pegada ecológica). O nome Bal da Madre significa “Vale da Mãe” em língua mirandesa e presta homenagem à mulher e à videira, onde tudo começa. A primeira colheita foi de 2017. O perfil dos vinhos é muito limpo, delicado, com uma simplicidade cativante.

A notoriedade constrói-se com resiliência e dedicação e pequenos projectos por vezes seguem conceitos bem sucedidos, são rapidamente captados pelos radares dos enófilos e propagados, valorizando a imagem global da região.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2022)

 

Rosés ambiciosos, a não perder

rosés ambiciosos

Depois de dois anos de pandemia, o verão de 2022 poderá ser o mais redentor e prazeroso dos últimos tempos com um rosé ambicioso no copo.  A qualidade, traduzida em expressão de fruta, equilíbrio, frescura e, em vários casos, carácter regional, está toda lá. Portanto, deixe de lado os preconceitos e agarre um (ou vários) […]

Depois de dois anos de pandemia, o verão de 2022 poderá ser o mais redentor e prazeroso dos últimos tempos com um rosé ambicioso no copo.  A qualidade, traduzida em expressão de fruta, equilíbrio, frescura e, em vários casos, carácter regional, está toda lá. Portanto, deixe de lado os preconceitos e agarre um (ou vários) destes rosés. Verá que vai valer a pena.

 Texto: Nuno de Oliveira Garcia

Fotos: Ricardo Palma Veiga

Após anos a afirmar a qualidade crescente dos rosés nacionais, bem como o seu evidente e natural lugar à mesa lusitana e internacional, é tempo de atacar o tema por onde, porventura, é mais difícil: por si, o consumidor! Com efeito, já dissemos quase tudo noutros trabalhos sobre o tema. Falámos, então, dos clássicos lançados nos mercados mundiais a partir dos anos 40 do século passado, como Mateus Rosé (Sogrape), Gatão (Borges), Lancers (José Maria da Fonseca) ou Casal Mendes (Aliança), e das novas referências, com outro perfil qualitativo, como sejam Redoma (Niepoort) com mais de vinte anos no mercado, Colecção DSF (José Maria da Fonseca), MR Premium (Ravasqueira), Vinha Grande (Sogrape), Dona Maria (Júlio Bastos) e mais recentemente Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo (da propriedade duriense com o mesmo nome). Em todos eles destacámos a qualidade e coragem dos produtores em lançarem produtos com ambição, mesmo que num país onde o imaginário do que era um rosé se assemelhava a uma sangria de vinho tinto, com doçura evidente e gás carbónico adicionado. A verdade é, pois, esta: os rosés actuais em nada ficam a dever aos brancos e tintos, e vamos comprovar isso mesmo de seguida, desmistificando cada um dos dogmas que ainda subsistem.

rosés ambiciososDogma 1: o rosé é feito com menos cuidado

É importante dizer com veemência que, na adega, a vinificação de um vinho rosé não perde em complexidade, técnica e rigor, para os restantes tipos de vinho, bem pelo contrário. E na vinha, todos os cuidados também são poucos: na eleição da parcela em termos de exposição solar e altitude, por exemplo, das castas, do momento da vindima e controlo da maturação, sobretudo nos níveis de acidez e do álcool, pois ninguém quer um rosé mole e pesado. Este cuidado especial é tanto mais relevante quando justifica, muitas vezes, uma vindima mais precoce para rosés (o mesmo sucede para espumantes) do que para tintos e alguns brancos, o que, obviamente, torna o processo mais complexo e exigente. Voltando à adega, o rosé requer atenção e cuidado enológico particulares, sendo, inclusivamente, um dos tipos de vinho no qual as opções enológicas determinam de forma mais significativa o produto final, o que não significa, de todo em todo, que o seu processo de vinificação seja menos natural. Com efeito, atenção na adega é permanente: da definição do nível óptimo de extracção e prensa (de preferência apenas lágrima) que se pode perder com a mais pequena desatenção, até à temperatura de fermentação escolhida. O mesmo se diga para opção pela ‘bâtonnage’ (agitação das borras), podendo-se eleger uma menor influência de oxigénio ou, como sucede com alguns produtores, permitir até alguma oxidação que venha a ajudar a proteger o vinho para uma maior longevidade. Entre as várias outras opções, pode-se proceder à utilização de borras de vinho branco (com ou sem bâtonnage, contribuindo tanto com cremosidade como com acidez crocante para o produto final), existindo até casos em que se utiliza parte de mosto de tinto sangrado que se mistura com outra parte constituída por um rosé de bica aberta (levíssimo contato pelicular e fermentação realizada com uvas sem pele), ou então mosto de tinto sangrado que é prensado com as películas de vinho branco e depois fermentado (por exemplo numa barrica, com ou sem tampo). Por fim, é hoje muito comum que nos rosés de topo de gama se proceda à fermentação, em parte ou totalmente, em barrica (Quinta do Monte d’ Oiro, MR Premium, Redoma, Vallado Tinto Cão, Nélita, Olho de Mocho, Quinta da Biaia, entre tantos outros), e mais ainda habitual que, pelo menos, os vinhos passem por estágio em madeira. Como se vê, a diversidade de estilos é grande e em todos eles o resultado pode ser excelente, o que, tudo somado, desmistifica o preconceito da simplificação da elaboração de rosés.

Dogma 2: o rosé vem de castas menos nobres

Outra ideia muito presente é a de que o rosé é feito da mistura de vinho branco e tinto, o que não é o caso, e que são utilizados vinhos de lotes e/ou castas menos nobres ou com menor concentração. Nada podia, pelo menos nos rosés de ambição que provámos, estar mais errado! Em primeiro lugar, em quase todos os vinhos deste painel, a colheita da uva foi feita propositadamente para rosé, sendo apenas utilizadas as melhores uvas que cada produtor entendeu que seriam as indispensáveis para o tipo de rosé de excelência que pretendiam. Por outro lado, não existe qualquer discriminação de castas no que respeita ao seu valor de mercado ou qualidade, sendo disso bom exemplo o facto de parte significativa dos vinhos em prova serem exclusiva, ou parcialmente, produzidos a partir de Touriga Nacional (MR Premium, Vinha Grande, Monte da Raposinha, Síbio, Quinta da Pacheca, Manoella, Caminhos Cruzados, Casa Santa Eulália, entre outros) uma das mais afamadas e caras uvas do nosso país vitícola. O mesmo se passa com a casta Baga nos rosés da Bairrada, Moscatel Roxo na Península de Setúbal e Palmela, Alvarinho e Sousão nos Vinhos Verdes, e Tinto Cão no Douro (uma casta igualmente com procura e preço crescentes). Existem até castas estrangeiras, e algumas pouco habituais, que estão presentes em lotes ambiciosos, sendo o caso mais expressivo a uva borgonhesa Pinot Noir (Phenomena, Vicentino, Adega Mãe, Casa Ermelinda Freitas neste caso com loteado com Merlot), mas também Syrah (Quinta do Monte d’ Oiro, Herdade do Sobroso; Quinta do Paral), Cabernet Sauvignon (Quinta do Sobreiró) e até Sangiovese, a casta-rainha da Toscana (Herdade das Servas e Monte das Bagas). Destes todos, o fenómeno do Pinor Noir é, efectivamente, o mais paradigmático e exemplar pela enorme qualidade dos vinhos rosés apresentados, ainda que a sua utilização para tintos nacionais não tenha ainda conseguido trazer os resultados esperados. Quanto à escolha maioritária por castas como Touriga Nacional, Syrah ou Moscatel Roxo, essa explica-se pelos seus registos aromáticos mais evidentes, algo muito relevante quando a uva (como sucede com os rosés) é vindimada muito cedo, ou seja, ainda com pouca maturação fenólica. A opção pela uva Mourisco (Quinta da Biaia) revela a vontade de mostrar o lado delicado desta casta bem presente na Beira Interior, e o uso da variedade Tinto Cão (Quinta do Vallado) leva em consideração o facto da mesma, quando vindimada abaixo dos 13% álcool provável, proporcionar vinhos abertos de cor (acima dos 14% a cor é precisamente o inverso) e uma capacidade de proporcionar néctares com uma elegância e exotismo únicos. Na verdade, produzem-se excelentes rosés com recurso a várias castas, e praticamente em todo o território nacional, apesar de o terroir resultar menos marcado nos rosés precisamente pelo facto de as uvas serem colhidas muito cedo, muitas vezes sem a referida maturação fenólica estar completa (por isso também, as temperaturas altas e a perda de acidez típicas de parte do Douro e Alentejo não são um problema nos rosés).

Dogma 3: o rosé evolui mal e é inferior a um branco ou tinto

Outras duas ideias a abater… A primeira diz respeito à evolução em garrafa dos rosés, e nesse capítulo dúvidas não existem que, nos vinhos com qualidade e ambição, essa evolução ocorre sem grandes perturbações. Efectivamente, em prova tivemos alguns vinhos com 4 e 5 anos em garrafa (MR Premium e Nélita, respectivamente), e vários com 3 anos (Quinta do Monte de Ouro, Vicentino, Quinta das Cerejeiras, Adega de Borba) sem que em nenhum deles a evolução fosse outra que não positiva. Aliás, nenhum dos vinhos em prova (mais de 4 dezenas…) se revelou cansado, nem, de resto, apresentou defeito evidente. Acresce, que várias foram as garrafas que, uma vez abertas, permaneceram no frio e sem bomba de vácuo, sendo que a sua prova 24 horas depois se revelou igualmente prazerosa. O facto de estes vinhos serem vinificados em ambientes redutores (com pouco contacto de oxigénio) pode explicar essa circunstância, o mesmo se podendo dizer dos níveis elevados de acidez totais (quase sempre acima das registadas em tintos). A segunda ideia a reverter é que um rosé nunca pode ter o mesmo nível de um branco e tinto da mesma gama, no que respeita a complexidade. Pois bem, não vemos como um Redoma rosé ou um Vinha Grande rosé, e o mesmo poderíamos dizer do Olho de Mocho rosé ou Casa Santar rosé, seja menos interessante do que as correspondentes versões tintas, ou brancas. Mesmo ao nível da complexidade, reconhecendo que num rosé essa característica é mais difícil de alcançar para o produtor e para o consumidor, temos dificuldades em perfilhar a posição de que encontramos, necessariamente, mais sofisticação num tinto, ou num branco, do que num rosé. De resto, o recurso a fermentação e estágio em barrica permite mesmo uma aproximação dos estilos e de perfil qualitativo dos rosés aos seus irmãos brancos e tintos.

Dogma 4: os rosés são baratos e para beber no Verão

A visão do rosé como sendo um produto vínico fresco e acessível tem, obviamente, justificação. Foi esse o modelo dos rosés nacionais durante muitos anos, e a adopção de um perfil fácil a preço cordato explica também o seu enorme sucesso na exportação. Em muitos casos, sobretudo os nascidos na última década e meia, são rosés feitos de sangrias de vinhos tintos, afinados e engarrafados à medida das encomendas com altíssimas produções. Naturalmente, os vinhos que participaram nesta Grande Prova nada têm que ver com rosés massificados, sendo, ao invés, alguns deles verdadeiras preciosidades líquidas dos quais apenas estão disponíveis algumas centenas garrafas, ou pouco mais (Fogueira, Quinta do Monte d’Oiro, Paulo Coutinho Fusion, entre outros). Aliás, quanto a qualidade e preços, note-se que foram 14 (cerca de 1/3 dos vinhos em prova) os vinhos classificados com as notas 18 e 17,5, sendo que a média de preços destes vinhos anda acima de €25! Tal justifica-se, obviamente, pelos custos com os cuidados modernos na viticultura e na vinificação que atrás descrevemos. Mas também se justifica pelo actual posicionamento dos vinhos rosés no mercado, ou seja, pela existência de uma gama de rosés premium que há uma década nem se imaginava ser possível de vir a existir. Esta oferta e diversificação de rosés com ambição só é possível por existirem consumidores que os procuram, seja na restauração, seja nas garrafeiras mais selectas. A circunstância de Portugal ser um destino turístico, sobretudo nos meses mais quentes, em conjunto com uma crescente população estrangeira residente no nosso país, é outro factor relevante, tal como nos confidenciaram alguns proprietários de garrafeiras no Algarve e em Lisboa. Com efeito, muitos estrangeiros residentes em Portugal trouxeram dos seus países de origem o hábito de começarem uma refeição com vinhos que, sendo leves e frescos, têm grande qualidade, ao mesmo tempo que se revelam eficazes na hora de casarem com pratos condimentados (como são tradicionalmente os lusitanos), o que fez aumentar a procura de rosés elegantes e com personalidade. Naturalmente, um PVP mais elevado permite que os produtores invistam mais na hora de elaborarem um rosé, tanto mais quanto não faltam em Portugal enólogos talentosos e cada vez mais cientes das modas e exigências internacionais.

Conclusão

Aqui chegados a conclusão é óbvia. Portugal tem hoje dezenas de rosés a um nível muito alto que em nada ficam atrás do que melhor se faz nos restantes países produtores. Cabe ao consumidor eleger o(s) seu(s) estilo(s) preferido, saber se o prefere beber novo ou passados alguns anos, e se vai juntá-lo a uma refeição ou apenas servi-lo como aperitivo sofisticado. Quer isto dizer que o ónus está agora em si – o consumidor. Até porque o actual elevado nível de qualidade e diversidade de rosés nacionais só se poderá manter se os mesmos forem procurados e bebidos, e se forem consumidos com alguma regularidade. Estamos convencidos que haverá sempre lugar para alguns rosés de topo que serão procurados por este ou aquele nicho de consumidores. Mas para manter as dezenas de rosés com a ambição ao nível que os agora provados revelam é preciso mais; é necessário deixar para trás preconceitos sobre os vinhos rosés, embarcar na aventura de provar o que de melhor se faz em Portugal, e partir para a descoberta das múltiplas harmonizações possíveis com esta maravilhosa bebida rosada. Venha daí!

ROSÉS AMBICIOSOS

 

 

Grande Prova Douro tinto – Por menos de €15, melhor é difícil

São acessíveis, mas não para todos os dias. Dão um prazer imediato, mas a maior parte deles irá evoluir muito bem em garrafa nos próximos 5 ou 10 anos. Muitos destes vinhos portam-se melhor à mesa do que numa prova técnica. Alguns são mesmo tintos surpreendentes, de enorme gabarito, autênticas grandes escolhas que não arruínam […]

São acessíveis, mas não para todos os dias. Dão um prazer imediato, mas a maior parte deles irá evoluir muito bem em garrafa nos próximos 5 ou 10 anos. Muitos destes vinhos portam-se melhor à mesa do que numa prova técnica. Alguns são mesmo tintos surpreendentes, de enorme gabarito, autênticas grandes escolhas que não arruínam a carteira.

Texto: Valéria Zeferino

Fotos: Ricardo Palma Veiga

Nesta gama de preços encontra-se toda a variedade da região, do mais chuvoso Baixo Corgo ao árido Douro Superior; de edições limitadas de 5.000 garrafas, como o Letra F do António Maçanita até quase meio-milhão de garrafas do Vinha Grande da Sogrape. Podemos falar de vinhos que já se tornaram clássicos, contando com duas-três décadas da existência, ou ainda mais, como o Vinha Grande, cuja primeira colheita é de 1960; é há vinhos dos projectos mais recentes, lançados nos últimos anos pela Magnum Carlos Lucas, António Maçanita ou Santos&Seixo.

Muitos vinhos trazem no rótulo as menções tradicionais para expressar os níveis de qualidade como o Reserva ou, em alguns casos, o Grande Reserva ou Reserva Especial. Estas menções (tirando a “Garrafeira” pouco utilizada no Douro) não estão conotadas com duração e tipo de estágio. Em termos qualitativos obrigam à obtenção de uma determinada pontuação na Câmara dos Provadores do IVDP, compatível com vinhos de “muito boa qualidade” e “elevada qualidade”. Dão melhor ideia da hierarquia de qualidade dentro do portfólio de cada produtor, do que de uma forma transversal. Nem tudo o que se designa como “Reserva Especial” é quase Barca Velha.

E já agora, nem todos os produtores querem utilizar as designações como Reserva ou Grande Reserva. Alguns optam pelo modelo bordalês, onde o vinho de maior renome, o grand vin, ostenta o nome da propriedade, e o segundo vinho, que custa menos e normalmente é feito para ser consumido mais cedo, tem no seu nome alguma semelhança com a casa produtora. A enóloga e produtora Sandra Tavares explica que no início do projecto com o seu marido Jorge Borges optaram por este modelo, porque queriam evitar a banalização das designações como “reserva” e outras deste género. Há mais exemplos: o Meandro da Quinta do Vale Meão ou o Pombal do Vesúvio da Quinta do Vesúvio.

Pedro Correia, responsável de enologia na Prats&Symington explica que o Post Scriptum é o irmão da Chryseia, a filosofia é a mesma. A distinção Chryseia vs. Post Scriptum começa na classificação da uva com critérios qualitativos e históricos das parcelas. A vinificação é quase igual. Trabalha-se muito com sub-lotes, sendo que 80% das fermentações nascem como Chryseia a acabam Chryseia e o mesmo acontece com Post Scriptum. Tudo é provado 2 vezes por dia durante a fermentação e maceração para avaliar o potencial que ainda não está cá fora e definir se, no final de contas, vai para Chryseia ou para Post Scriptum.

Douro blend hoje – como é?

As castas tintas mais plantadas no Douro são Touriga Franca com 10.121 ha, Tinta Roriz com 5.960 ha, Touriga Nacional com 4.228 ha e Tinta Barroca com 3.019 ha.

As primeiras três, basicamente, integram o famoso trio duriense responsável pela maior parte dos vinhos da região. Em alguns casos no lote entra Sousão, Alicante Bouschet, Tinta Barroca, Tinto Cão, Tinta Amarela ou alguma outra casta, mas na qualidade de “sal e pimenta”.

De um modo geral, os produtores e enólogos concordam que Touriga Nacional e Touriga Franca são as peças-chave.

Pedro Correia explica que “a Touriga Nacional é uma casta versátil e se pode confiar nela independentemente das condições. A Franca é mais sensível a condições menos favoráveis (tendo em conta já de si baixas produções)”.

Para o enólogo da Quinta do Crasto, Manuel Lobo, Touriga Franca é a espinha dorsal de um lote, dá dimenção e volume, enquanto Touriga Nacional confere frescura, elegância e também alguma estrutura. No entanto, “exige algum cuidado com exposição solar para evitar que as folhas de base sequem e que fique com aromas sobremaduros”. “A Touriga Franca é a casta que se melhor adapta no Douro Superior, suporta exposição solar directa com mais conforto. Em contrapartida pode apresentar falta de acidez e pH alto e às vezes peca por falta de elegância”.

A Tinta Roriz nunca é consensual. Pedro Correia acha que não tem potencial equiparável a Touriga Franca e Touriga Nacional. Tem um teor de tanino muito alto e quando produz em demasia, não amadurece suficiente. No Quinta de Ataíde não tem protagonismo e no Post Scriptum entra apenas com 7%, sendo de um clone favorável de uma vinha mais velha.

Para Manuel Lobo a Tinta Roriz é “tanino e persistência”. “Precisa de solos mais fracos e algum stress hídrico. Assim, os bagos são de diâmetro menor e mais separados.”

Já o enólogo Paulo Coutinho defende Tinta Roriz no sítio certo. Para o Quinta do Portal Reserva utiliza a Touriga Nacional e a Tinta Roriz quase em partes iguais, deixando para a Touriga Franca um papel secundário com 15% no lote. Explica isto pelo facto de Tinta Roriz no vale do rio Pinhão ser mais expressiva, desenvolvendo melhor a parte aromática.

A Tinta Barroca é uma casta precoce, ganha açúcar elevado e perde acidez, ainda por cima, tem pouca cor. Importante para Vinho do Porto, tem pouco interesse enológico para DOC Douro na opinião de Pedro Correia.

O Tinto Cão é o oposto da Tinta Barroca – casta muito tardia de ciclo longo; tem tanino bem presente, produz vinhos com frescura e algum potencial de envelhecimento.

O Alicante Bouschet representa interesse, mas “é preciso controlar o rendimento, porque tem a tendência para subir muito a produção o que impacta com a maturação” – lembra Pedro Correia.

Manuel Lobo defende que o Sousão tem um papel importante, conferindo frescura e acidez natural ao vinho e assegurando a sua longevidade, mas é muito dominante e tem de ser utilizada no lote em quantidades mínimas.

Alguns vinhos neste patamar de preços, são de vinhas velhas, como é o caso do Lua Cheia, da Saven, ou o Quinta dos Aciprestes, da Real Companhia Velha, onde predomina Tinta Barroca para além da Tinta Roriz, Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinto Cão e Tinta Amarela; e Manoella da Wine&Soul, com vinhas plantadas em patamares ainda pelo pai de Jorge com as castas Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz and Tinta Francisca.

Os monovarietais não são muito comuns neste segmento de preço, porque as quantidades disponíveis são reduzidas e o preço normalmente ultrapassa os 15 euros. Nesta prova esteve presente apenas um monocasta de Touriga Nacional, da Quinta de Ventozelo.

O facto de se usar um reduzido número de castas nos lotes não significa que a riqueza ampelográfica da região se perdeu. Na Quinta do Ataíde, conhecida pelo início da recuperação da Touriga Nacional, desde 2014 existe uma colecção de 53 variedades autóctones com algumas estrangeiras para efeitos de comparação. Todos os anos são feitas vinificações em extreme para avaliar o potencial dos vinhos e a adaptabilidade das diferentes castas às condições específicas do Douro, conta Pedro Correia.

Douro tinto melhorMultiplicidade de abordagens

 A filosofia de cada produtor por detrás dos seus vinhos nesta gama pode ser diferente, mas de certa forma, todos concordam que reflectem o Douro fielmente, quer através do lugar onde nascem, quer através do estilo da propriedade. Normalmente recorre-se ao estágio em barrica, mas com muito menor expressão de madeira nova do que para os topos de gama.

Paulo Coutinho considera o Quinta do Portal Reserva como um vinho mais tradicional do Douro. O Colheita é o mais fácil e o Grande Reserva é mais trabalhado, um Douro moderno, mais polido. Na sua opinião é o Reserva que deverá manter a tradição, sendo um vinho mais austero e gastronómico. Assim, o estilo começa na vinha: para o Grande Reserva as uvas são provenientes das vinhas mais velhas e com mais exposição; para o Colheita, mais altitude; e o Reserva é um vinho de cotas intermédias, da meia-encosta, onde as uvas amadurecem bem, mas ficam sempre com algum nervo. “Só à mesa conseguimos apreciá-lo na plenitude”, defende Paulo Coutinho.

Jorge Moreira, cuja experiência enológica, para além do projecto próprio de Poeira, se estende para três casas – Real Companhia Velha, Quinta de La Rosa e Quinta das Bandeiras – explica que os vinhos Quinta dos Aciprestes, La Rosa e Passagem, respectivamente, são todos “vinhos de quinta”. Ou seja, o objectivo é mostrar inequivocamente o carácter de cada propriedade. Como também são vinhos de maior volume de cada uma das quintas, partilham um factor comum muito importante: têm de ser equilibrados e ter potencial de envelhecimento de pelo menos 5 a 10 anos.

A idade e condições diferentes das vinhas ditam a abordagem na adega. Por exemplo, na Quinta dos Aciprestes as vinhas velhas (com predominância da Tinta Barroca que não tem muito volume e cor mas é aromática e suave) originam vinhos com estrutura menos potente. Neste caso, o mais adequado é o estágio em balseiros de 20.000 litros para reduzir o contacto com oxigênio. Na Quinta de La Rosa, as uvas provêm de vinhas com Touriga Nacional, Touriga Franca e Tinta Roriz de diferentes altitudes, geralmente de cotas médias, e com exposição a sul. São cheios de pujança, aguentam bem pisa em lagares antes de fermentação e as barricas de 225 litros, parcialmente novas.

O produtor António Maçanita queria mostrar um Douro diferente. O nome do vinho é de certa forma autoexplicativo – Letra F, o que tem a ver com a classificação das parcelas do Douro em função da sua aptidão para produzir Vinho do Porto. Esta é a última letra que dá direito ao benefício, pois as restantes letras G, H e I já não.

São parcelas de vinha situadas em Carlão perto de Alijó, numa zona de transição de xisto para granito entre os 500 e 720 metros de altitudes. Tratam-se vinhas bastante velhas, entre 50 e 100 anos, com castas tintas e brancas misturadas (estas são fenólicas, de película grossa que também dão estrutura ao vinho).

Pode não ser muito típico, mas o “Douro também é isto” – defende António Maçanita. Ao fazer o vinho, recorre a extrações longas, mas suaves. Forma uma “sanduíche” com cachos inteiros no meio dos cachos estalados, o que permite conduzir fermentações em dois tempos. Os cachos estalados em cima ao fermentar protegem os do meio, que libertam o açúcar mais tarde, prolongando a fermentação. A logística da adega é mais difícil assim, porque os recipientes ficam ocupados mais tempo, exige mais controlo durante a vinificação, mas ganha-se na estrutura e tanino do vinho final.

Viticultura cirúrgica e fine-tuning

 O Douro, sem dúvida, é uma região com muita tradição. Resistiu à proliferação de castas estrangeiras, a vindima, salvo raras excepções, é manual (única possível em socalcos e patamares) e ainda se utilizam lagares e pisa a pé, mesmo para os vinhos DOC.

Isto não significa que a região cristalizou no tempo. Há cada vez mais conhecimento empregue na “viticultura cirúrgica”, como lhe chama Manuel Lobo. E é particularmente importante numa região tão promissora, mas desafiante como o Douro Superior. É muito seca, com precipitação escassa e para obter uvas equilibradas é fundamental trabalhar a exposição correcta em função da casta. A Quinta do Crasto tem a vinha plantada na Quinta da Cabreira desde 2004. As videiras já atingiram uma maturidade interessante, mas não se tratando de uma vinha velha, precisam de muita atenção. A rega tem de estar afinada com variações de solo e videiras e é preciso garantir o equilíbrio entre quantidade de uva e área foliar.

A mesma visão tem Pedro Correia quando se refere ao Vale de Vilariça, onde estão plantadas as vinhas da Quinta de Ataíde em viticultura biológica. É um terroir quente, onde o controlo do estado hídrico da planta é gerido de perto para garantir que o stress hídrico não impeça a fotossíntese. Uma rega qualitativa é indispensável. Começam a ser utilizadas certas espécies de leveduras capazes de proteger a planta contra o stress hidrico e abiótico. É uma alternativa sustentável a uso de substâncias químicas.

Como naquela zona a mecanização é possível, a vindima é feita à máquina e os resultados não são inferiores a uma vindima manual. Entre a colheita e o processamento das uvas, recorrem à bio proteção através de utilização de uma cultura de leveduras que domina o meio sem afectar e protege do arranque de fermentação antes do tempo.

Para as uvas tintas, não adicionam sulfuroso antes da fermentação e o objectivo é no futuro evoluir, diminuindo o sulfuroso sem prejudicar a qualidade.

Antes e durante a fermentação recorrem ao uso de diferentes leveduras com vários propósitos de fine-tuning. As leveduras não fermentativas funcionam durante a maceração pré-fermentativa, permitindo extração mais lenta. É como cold-soaking, mas sem uso de energia para arrefecer o mosto, explica Pedro Correia. As leveduras não-saccharomyces permitem criação de compostos aromáticos mais interessantes no início de fermentação.

Estatísticas e mercados

 Mesmo com o crescimento em popularidade e prestígio dos vinhos tranquilos do Douro, o grosso da produção na região continua a ser o Vinho do Porto. Segundo o IVDP, em 2020 produziu-se 47.884.768 litros de vinhos DOC Douro e 70.540.505 litros de vinhos do Porto.

Em termos de comercialização, nos últimos 10 anos, os vinhos DOC Douro foram ganhando o terreno aos Vinhos do Porto que diminuiram em vendas de 85.292.747 litros em 2010 para 68.353.804 litros em 2020, enquanto os vinhos DOC Douro cresceram de 21.415.054 para 38.899.224 litros. Mesmo assim, produz-se mais vinho do que se consegue vender.

Os preços médios por litro subiram de 3,95 para 4,15 euros nos vinhos DOC e de 1,23 para 3,1 euros nos IGP, provavelmente, devido a produção de vinhos de alta qualidade de castas não abrangidas pela DOC. Mas sabemos que estes preços não reflectem a realidade do Douro, onde o custo de produção se mantém alto.

Os maiores mercados para vinhos DOC Douro, tirando o mercado nacional com mais de 60%, são o Canadá com mais de 3 milhões de litros, Reino Unido com 1,9 milhões de litros, Brasil com quase 1,5 milhões de litros, Alemanha com 1,2 e Suíça com 1,1 milhões de litros. Em valor a distribuição é um pouco diferente, sendo o mesmo Top 5: Canadá, Reino Unido, Suíça, Brasil e Alemanha.

A presença de vinhos DOC Douro no mercado do Canadá quase triplicou nos últimos 10 anos (a comparar 2010 e 2020) e o preço médio também cresceu de 3,88 para 4,05 euros. No Reino Unido cresceu 7 vezes, mas o preço registou um descréscimo de 4,6 para 3,17 euros. Na Alemanha quase duplicou a venda e o preço subiu ligeiramente de 4,47 a 4,65 euros. No Brasil o crescimento é de cerca de 60%, sem grande alteração no preço. Na Suíça cresceu mais do dobro e em preço também um pouco de 5,13 a 5,29.

Uma dinâmica positiva também foi registada nos mercados como os Estados Unidos (que cresceu bastante e sobretudo a nível do preço, de maneira que as vendas em valor quase duplicaram), a Bélgica, França, Polónia, a Rússia (a presença dos DOC Douro aumentou de 7 mil para 263 mil litros mas com uma substancial diminuição do preço médio de 7,28 para 3,12 euros). A título de curiosidade, os preços médios mais altos para os vinhos do Douro foram registados em 2020: no Uruguai 17,91 euros e na Georgia 15,59 euros. É pena que a presença de vinhos durienses nestes países seja residual.

(Artigo publicado na edição de Abril 2022)

Alfrocheiro, a casta mistério

Alfrocheiro casta mistério

Não se conhece o pai, mas filhos não lhe faltam A casta que alegra os vinhos do Dão e dá brilho aos do Alentejo é hoje uma referência dos vinhos portugueses. E com muito futuro pela frente.  Texto: João Paulo Martins Fotos: DR Ao lermos hoje os contra-rótulos das garrafas de tintos da região do […]

Não se conhece o pai, mas filhos não lhe faltam A casta que alegra os vinhos do Dão e dá brilho aos do Alentejo é hoje uma referência dos vinhos portugueses. E com muito futuro pela frente.

 Texto: João Paulo Martins

Fotos: DR

Ao lermos hoje os contra-rótulos das garrafas de tintos da região do Dão deparamo-nos com a quase omnipresença de quatro castas tintas: a Jaen, a Touriga Nacional, a Tinta Roriz e a Alfrocheiro. Deste quarteto, há três que são muito tradicionais na região e depois há a Tinta Roriz, introduzida, sobretudo, a partir dos anos 90 do século passado. Sobre a Roriz não é agora o momento de falar dela, mas registe-se que gera tantos ódios como aplausos. Este quarteto acabou por vir a destronar algumas castas que tinham tradição na região mas que os novos ventos levaram da boca do palco para o segundo balcão. É o caso da Tinta Pinheira, também conhecida por Rufete na Beira Interior e que foi em tempos casta muito importante no Dão. Bento Carvalho, no seu Guia dos Vinhos Portugueses, 1982, Ed. Presença, nem sequer elenca a Alfrocheiro nas castas da região. Ali, as chamadas “castas tradicionais regionais” incluíam Tourigo, Tinta Pinheira, Tinta Carvalha, Baga de Louro, Alvarelhão e Bastardo. E, apenas por curiosidade, nos brancos (e no mesmo livro) a Encruzado nem é referida, mas sim Dona Branca, Arinto, Barcelo, Fernão Pires e Cerceal. Mudam-se os tempos…

Na Enciclopédia dos Vinhos Portugueses (Ed. Chaves Ferreira) e no volume dedicado ao Dão, o autor, Virgílio Loureiro, já tem outra atitude em relação à casta Alfrocheiro, reconhecendo que não é casta muito antiga na região e que terá sido introduzida nas replantações pós-filoxera. Pelo destaque que lhe dá percebemos que se tornou uma variedade muito acarinhada e de grande importância nas novas plantações que o Dão conheceu a partir dos anos 90 quando despertaram um conjunto de produtores-engarrafadores que puseram a Alfrocheiro no mapa regional. Falamos da Quinta dos Roques, Carvalhais, Pellada, Casa de Santar, entre outros que surgiram então na região. Não foram, assim, precisos muito anos para que esta variedade passasse a integrar o quarteto-maravilha dos encepamentos do Dão. Tudo isso sem prejuízo de continuarem a ser muito plantadas a Jaen, a Baga e também, ainda que em muito menor proporção, a Tinto Cão e mesmo a Alvarelhão, casta que conhece actualmente algum impulso, em virtude de vivermos numa época em que os vinhos mais abertos de cor voltaram a ter mais aceitação junto dos consumidores.

Do Dão ao Alentejo

Esta variedade encontra-se disseminada em várias regiões portuguesas, mas é sobretudo no Dão e no Alentejo que se encontram as maiores concentrações. No Douro é praticamente ignorada e alguns enólogos desconhecem-na totalmente. Recordo-me de uma conversa que tive com Charles Symington a propósito da casta. Ele só a conheceu quando a empresa Symington adquiriu a propriedade em Portalegre e recordo-me o entusiasmo que mostrou pelas qualidades que a Alfrocheiro apresentava naquela zona alentejana; para ele uma total surpresa. Também Paulo Laureano a usa na Vidigueira e lhe reconhece os méritos: “é exigente no solo (melhor no xisto negro) e requer equilíbrio na produção porque pode ter tendência a ser muito produtiva originando vinhos descorados; requer vindima rápida porque tem uma janela de 3 ou 4 dias para ser apanhada no ponto óptimo; gera vinhos elegantes, com foco em fruta azul de qualidade, de excelente acidez e que pode funcionar muito bem em lote”, destacando Laureano a ligação com a Trincadeira, Aragonez e Alicante Bouschet. Também Luis Cabral de Almeida, enólogo na Herdade do Peso (Sogrape) lhe nota as virtudes: “já tivemos um varietal de Alfrocheiro mas agora não temos (mas vamos voltar a plantar); é muito exigente na viticultura porque pode apodrecer com facilidade mas gera vinhos com uma fruta muito elegante que até pode lembrar a Pinot Noir”. Curiosamente esta característica tornou-se muito evidente no vinho da Quinta da Pellada que provámos.

Alfrocheiro casta mistério
No Alentejo, António Maçanita é um fã de Alfrocheiro.

Já no Dão, há muito anos que ela é trabalhada por Manuel Vieira, em tempos na Quinta dos Carvalhais e actualmente na empresa Caminhos Cruzados. Sobre a casta disse-nos, que “na vinha exige muitos cuidados: é atreita à podridão pelo formato fechado do cacho que incha com a chuva e rebenta. É preciso muito controle na produção porque tende a produzir mais do que é possível para se fazer um bom vinho. Por isso, é preciso bom trabalho na condução da cepa e na monda precoce que deixe os cachos bem arejados evitando o encavalitamento”. E na adega, gosta muito da acidez da Alfrocheiro, “é muito viva e dá alegria ao lote. É uma casta que precisa de algum tempo, os aromas não se mostram logo, é ao fim de um ano que eles se tornam mais evidentes”, refere.

A casta tem sido objecto de estudo no âmbito da PORVID que mantém um campo de clones em Pegões. António Graça, investigador da vinha e uma das caras daquela associação, confessou-nos que “é uma casta com pouca diversidade, o que indicia uma origem recente em termos evolucionários (mesmo assim podemos estar a falar de vários séculos) e ADN de tipo ibérico (clorotipo A). Sabemos que um dos progenitores é o Savagnin Blanc, o outro é ainda desconhecido (podem já não existir exemplares). Mas também sabemos que é um Don Juan das vinhas, tendo profusa descendência de ambos os lados da fronteira: em Portugal, Camarate Tinto, Carrega Tinto, Casculho, Castelão, Casteloa, Castelã, Concieira, Cornifesto, Douradinha, Jampal, Malvarisco, Malvasia Fina, Malvasia Preta, Moreto, Parreira Matias e Trincadeira das Pratas. E em Espanha (onde é conhecido pelo sinónimo Bruñal): Allaren, Mencia e Mouratón”. A PORVID tem conservados 237 genótipos (conjunto da informação genética de uma planta ou clone) da casta. Segundo dados que a PORVID conseguiu apurar, em 2019 existiam cerca de 1 200 hectares plantados com esta casta.

Na prova que fizemos foi notório que o Dão é a zona onde mais varietais de Alfrocheiro existem; em tempos também houve em Lisboa e, no Tejo, a Quinta da Lagoalva produz igualmente vinhos de referência desta casta.

Na nossa prova, foi evidente que há alguns traços comuns, em todas as regiões: os vinhos são elegantes e estão, também por isso, em linha com a actual moda de tintos menos concentrados, mais finos e muito mais gastronómicos. Têm, como se pode ver, um preço médio que se pode considerar muito convidativo. E são belíssimos representantes dos tintos onde o diálogo fruta/barrica/extracção/taninos parece estar mais bem conseguido.

Não posso deixar de referir a pequena estória que era a imagem de marca de um escritor de vinhos que, infelizmente, nos deixou há alguns anos – Matos Cristóvão. Dizia ele que numa situação de aproximação tentadora a uma mulher “com Alfrocheiro é tiro e queda!” Quem somos nós para duvidar…

(Artigo publicado na edição de Abril de 2022)