Nicolau de Almeida: Do Douro até Gaia

Nicolau Almeida

Os últimos anos têm sido de grandes mudanças na casa Nicolau de Almeida e no projecto da Quinta do Monte Xisto. A história familiar no negócio do Vinho do Porto impulsionou uma espécie de regresso às origens, traduzida não apenas no lançamento dos seus primeiros fortificados como também na instalação de um armazém em Vila […]

Os últimos anos têm sido de grandes mudanças na casa Nicolau de Almeida e no projecto da Quinta do Monte Xisto. A história familiar no negócio do Vinho do Porto impulsionou uma espécie de regresso às origens, traduzida não apenas no lançamento dos seus primeiros fortificados como também na instalação de um armazém em Vila Nova de Gaia para o estágio dos vinhos. Pelo meio, a linha de tintos da Quinta do Monte Xisto cresceu…

 Texto: Luís Lopes

Fotos: DR

O casamento, em 1976, de João Rosas Nicolau de Almeida e Graça Eça de Queiroz Cabral, significou igualmente a união de duas famílias com uma rica história vitivinícola, ligada ao Douro e ao vinho do Porto. Em 1870, António Nicolau de Almeida Júnior, bisavô de João, tinha já a sua própria empresa de exportação de vinho do Porto, firma que no início dos anos 60 seria absorvida pela Real Companhia Velha. Fernando Nicolau de Almeida, seu pai, tornou-se famoso na Casa Ferreirinha enquanto enólogo e criador do icónico Barca Velha. Pelo lado materno, o seu tio-trisavô Adriano Ramos Pinto foi o fundador, em 1880, da casa com o seu nome e que ainda hoje perdura, englobada no grupo Roederer. A mesma Ramos Pinto onde João Nicolau de Almeida trabalhou várias décadas enquanto enólogo e administrador. As raízes de vinha e vinho de Graça Queiroz Cabral, não são menos impactantes. Seu bisavô paterno, Afonso Pereira Cabral, era proprietário da Quinta do Paço de Monsul e da Quinta do Cachão. Do lado materno, e através do seu tetravô José Maria Rebello Valente, a família foi durante quase 100 anos proprietária da Quinta do Noval. Dos três filhos de João e Graça, dois (Mateus e João), são enólogos; e Mafalda, ligada às artes e à cultura, é um dos motores e responsável pela comunicação da empresa familiar João Nicolau de Almeida & Filhos, criada para desenvolver o projecto da Quinta do Monte Xisto.

Nicolau AlmeidaUMA PROPRIEDADE SINGULAR

Apaixonado pelo Douro onde, inserido na casa Ramos Pinto, realizou notável trabalho de investigação e desenvolvimento vitícola e enológico, deixando legado técnico e científico que lhe valeu o unânime reconhecimento dos seus pares enólogos e produtores e também de apreciadores de todo o mundo, João Nicolau de Almeida começou no início dos anos 90 a sonhar com uma quinta e um vinho a que pudesse chamar seus. O local, um pequeno monte no concelho de Vila Nova de Foz Côa, no Douro Superior, foi identificado em 1993. Mas daí até que as diversas parcelas de terreno (num total de 55 hectares) com diferentes proprietários, chegassem às suas mãos, passou mais de uma década. O que cativou João de imediato foi a “anormalidade” geológica da zona, que proporciona ali características diferenciadoras às quintas de beira rio, sobretudo em termos de exposição solar das vinhas. Na quase totalidade do seu percurso, o rio Douro corre de este para oeste, portanto os terrenos ou estão expostos a sul ou a norte. Acontece que em Foz Côa existe uma falha tectónica, a Falha da Vilariça, que provocou um conjunto de curvas, fazendo com que o rio aqui corra de sul para norte. Como resultado, a propriedade do Monte Xisto, tem todo o tipo de exposição solar. A vinha, cuja plantação se iniciou em 2005, reflecte isso mesmo, com as castas ordenadas segundo a inclinação do terreno, a altitude e as horas de sol que cada parcela recebe.

Os vinhedos estão plantados “ao alto”, em solos de xisto, com parcelas separadas por casta e algumas com as variedades misturadas. São 10 hectares de vinha, que se estendem desde os 220 aos 320 metros de altitude, e incluem as tintas Touriga Nacional, Touriga Francesa, Tinto Cão, Tinta da Barca, Tinta Francisca, Sousão e Tinta Roriz; e as brancas Rabigato, Viosinho, Arinto e Códega.

O modelo de viticultura biológica (com alguns princípios biodinâmicos) está implementado de raiz na Quinta do Monte Xisto. Inicialmente céptico, o pai João acabou por ser convencido pelos filhos Mateus e João e hoje está imensamente satisfeito com os resultados. Tal como a família Nicolau de Almeida faz questão de salientar, este modelo de agricultura “vai muito além das restrições ou inibições de produtos químicos: trata-se, acima de tudo, de preservar e fomentar a biodiversidade trabalhando um mosaico cultural”. Nesse sentido, Monte Xisto junta à vinha uma extensa área de mata (zimbros, carrascos e cornalheiras, sobretudo), um olival de onde se faz azeite, amendoeiras, e um pequeno pomar de laranjeiras.

Certas práticas da biodinâmica são aqui aplicadas, nomeadamente as infusões de diversas plantas que são pulverizadas na vinha com o intuito de prevenir doenças e proteger as videiras contra o calor, ou ainda, ser incorporadas no solo, funcionando como adubo. A vontade de experimentar e investigar esteve sempre presente na família Nicolau de Almeida. O mais recente projecto, inserido num consórcio sob a liderança da Deifil Technology, e onde participam igualmente a Sogrape, o Instituto Politécnico de Bragança e a ADVID (Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense), visa desenvolver uma solução fungicida de origem natural para o combate de míldio, oídio e podridão cinzenta.

Nicolau Almeida
A quinta é trabalhada em modo orgânico com alguns princípios biodinâmicos.

O RETORNO A GAIA

O movimento de Vila Nova de Gaia para o Douro, por parte dos produtores tradicionais de vinho do Porto, estendendo a sua operação e investimentos para as quintas durienses, ocorre desde há muitas décadas. O que é absolutamente invulgar, ou até, de certo modo, inédito, é o movimento no sentido contrário. Ou seja, uma empresa que começa pela produção e comercialização a partir do Douro, estender-se para Gaia para aí centralizar o estágio, afinamento, engarrafamento e expedição dos seus vinhos. Mas foi precisamente isso que a João Nicolau de Almeida e Filhos fez, ao instalar-se na Rua Rei Ramiro, uma das mais clássicas e históricas artérias da “Gaia do Vinho do Porto”.

O propósito não foi apenas de ganhar maior eficácia logística com a proximidade dos circuitos de transporte e comercialização. Seguindo a lógica que sempre norteou as antigas casas de vinho do Porto, também a família Nicolau de Almeida confia no clima ameno da cidade, onde a influência atlântica proporciona aos vinhos perfeitas condições de temperatura e humidade para estágio prolongado, sem necessitar de climatização artificial. Assim, após a fermentação no Douro, os vinhos da Quinta do Monte Xisto vão de imediato o armazém de Gaia, onde estagiam em barricas de diversas capacidades, cubas de cimento e toneis de madeira. Parte dos 2018, todos os 2019 e colheitas seguintes já fizeram este percurso para Vila Nova de Gaia. “Em Gaia sempre se ‘fez’ vinho”, diz a propósito João Nicolau de Almeida, “é preciso recuperar e manter essa identidade, não podemos deixar que se transforme num enorme centro comercial”.

O primeiro Quinta do Monte Xisto nasceu na vindima de 2011 e ao longo de quase uma década manteve-se uma só referência, a perpetuar o nome da família com o símbolo da estrela que identificava a antiga casa Nicolau de Almeida no século XIX. Mas a linha de produtos tem estado a ser preparada para crescer e, da colheita de 2018, surgiu o primeiro Quinta do Monte Xisto Oriente. Agora, a gama ampliou-se significativamente, com o aparecimento de mais um tinto e, como não poderia deixar de ser, dado o histórico familiar, dois vinhos do Porto.

Nicolau AlmeidaMUITAS NOVIDADES

No mercado estão assim, neste momento três tintos, já da colheita de 2019. O primogénito, Quinta do Monte Xisto, é feito, como habitualmente, a partir das variedades Touriga Nacional e Touriga Francesa, com um toque de Sousão para “temperar”. Vinificado em lagar, com pisa a pé e leveduras indígenas, veio depois para Gaia estagiar em pipas de 600 litros e tonéis “foudres” de 2000 litros. Originou cerca de 7000 garrafas. A segunda edição do Quinta do Monte Xisto Oriente segue o conceito da inicial. Tem assim origem em duas pequenas parcelas viradas a leste (oriente, portanto), uma plantada com Tinto Cão e outra com Tinta Francisca. Fermenta em cuba de cimento e estagia depois em pipas de 600 litros, enchendo pouco mais de 1000 garrafas. Pelo perfil das castas e exposição solar da vinha, é sempre um tinto mais centrado na elegância e frescura do que na potência. Na vindima de 2019 estreou-se a nova referência em tintos, o Monte Xisto Órbita. Trata-se de um blend de várias castas, oriundas das parcelas que orbitam (daí o nome) em torno das videiras que dão origem ao vinho bandeira, o Quinta do Monte Xisto. Assim, tendo embora uma base muito importante (70%) de Touriga Nacional, inclui ainda 30% de uvas vindas de uma parcela, plantada em 2003, com várias castas misturadas. Propõe-se ser um vinho menos concentrado e com menos estágio em barrica do que o seu irmão mais velho. Fermenta em cuba de cimento e depois, já em Gaia, faz estágio em cimento e em pipas de 600 litros. A produção ronda as 6.000 garrafas.

Novidades são igualmente os dois Porto, comercializados sob a histórica marca Nicolau de Almeida. A abrir, um Porto branco leve seco. Baseado em Rabigato (70%), com Arinto, Viosinho e Códega, é pisado em cuba de cimento aberta, onde inicia a fermentação com a película ao longo de 3 dias. Depois de fortificado com aguardente, vai fazer o resto do estágio em cimento. O vinho agora colocado no mercado resulta de um lote de quatro colheitas, tem apenas 16,5% de álcool e 24 g/l de açúcar (leve e seco, não esquecer). Encheram-se 4000 garrafas de 500ml. Finalmente, e obviamente, um Vintage, também de 2019. São apenas 1200 garrafas de um vinho elaborado a partir de um blend semelhante ao Quinta do Monte Xisto original, ou seja, Touriga Nacional e Touriga Francesa com algum Sousão, de parcelas com exposição norte e sul. Pisado e fermentado em lagar tradicional e depois estagiado em cimento (algo pouco comum nesta categoria), reflecte inteiramente a matriz do Douro Superior bem como a pureza e frescura frutada dos vinhos da propriedade.

Em muito pouco tempo, portanto, a família Nicolau de Almeida operou uma quase revolução estratégica no seu modelo de negócio: por um lado, alargou consideravelmente o portefólio de referências; por outro, estendeu a produção até Vila Nova de Gaia, aproveitando assim por inteiro a dimensão histórica e geográfica da denominação de origem. Justifica-se assim que termine esta prosa repetindo o que escrevi em 2013, quando da estreia do Quinta do Monte Xisto e a propósito desta saga familiar: “É mais do que um vinho. É o destino.”

(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2022)

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Grande Prova – Brancos do Dão

Grande Prova Dão

No solar do Encruzado Imaculados a nível de qualidade e frescura, cada vez mais os brancos do Dão apresentam matizes diferenciadoras entre si. Fruto da neutralidade que a casta Encruzado apresenta nos primeiros anos em garrafa e da personalidade que ganha com o tempo, surgem estilos e perfis que vão desde a mineralidade pura até […]

No solar do Encruzado

Imaculados a nível de qualidade e frescura, cada vez mais os brancos do Dão apresentam matizes diferenciadoras entre si. Fruto da neutralidade que a casta Encruzado apresenta nos primeiros anos em garrafa e da personalidade que ganha com o tempo, surgem estilos e perfis que vão desde a mineralidade pura até fruta branca e mesmo algum exotismo. Em comum têm o elevado nível geral e preços tendencialmente cordatos.

 

Texto: Nuno de Oliveira Garcia

Notas de prova:  João Paulo Martins e Nuno de Oliveira Garcia

Nos últimos dez anos, os brancos portugueses desmistificaram quaisquer preconceitos sobre a sua enorme qualidade. Naturalmente, os vinhos à disposição dos consumidores hoje são fruto de um trabalho anterior, seja pela replantação de vinhas, ou recuperação de castas esquecidas, seja na afinação de estilos menos óbvios, como por exemplo com menos recurso a madeira nova durante o estágio. Ora, uma das regiões com melhores condições para brancos nacionais de excepção é, sem dúvida, o Dão.

Por um lado, existem razões relativamente óbvias para isso, sendo disso bom exemplo os invernos frios e uma significativa altitude das vinhas (frequentemente acima dos 350m ou mais do nível do mar), bem como solos genericamente compostos por areias graníticas, tudo condições que aportam frescura aos vinhos. Mas, por outro lado, e olhando mais em pormenor, no caso do Dão outra razão existe e chama-se… Encruzado. Com efeito, nos últimos 20 anos, a fama da uva Encruzado confunde-se com a notoriedade crescente do vinho branco do Dão. Não o dizemos pela presença da casta no encepamento que, sendo crescente, está muito longe de ser dominante, mas essencialmente pela qualidade e consistência dos vinhos finais que proporciona. Efectivamente, o Encruzado, em pouco mais de década e meia, passou de singelamente admirado pela crítica especializada para gozar de uma justa fama junto dos consumidores. Arriscamo-nos a dizer que essa associação de casta a um território aumentou o valor da região do Dão junto dos apreciadores de vinhos brancos. Prova disso é que nunca ouvimos um consumidor a dizer que não gosta de Encruzado; e convenhamos que é difícil não gostar…

A referida associação entre o Encruzado e a região do Dão não é, todavia, isenta de nuances. A primeira delas respeita, como referimos, à sua limitada presença no encepamento. Existe uma significativa mancha de vinha velha branca no Dão, mas curiosamente surge a casta Malvasia Fina como muitas vezes dominante, a par de muitas outras uvas, como seja o Cerceal-Branco, Fernão Pires, Bical, Verdelho, Barcelo, Terrantez e outras com os habituais nomes curiosos de Uva-Cão, Cachorrinho, ou Douradinha…. Com efeito, o Encruzado é minoritário nessas vinhas velhas, tendo sido trazido para o palco principal na sequência das provas organizadas por Alberto Vilhena nos anos 50 do século passado no seio do Centro de Estudos Vitivinícola do Dão, em Nelas. Para se ter uma noção, actualmente, na região, o Encruzado está longe de ultrapassar 300 hectares de mancha total, ou seja, praticamente 3 vezes menos do que a Malvasia Fina e 2 vezes menos do que a omnipresente Fernão Pires…

Ainda a respeito da casta Encruzado, mas o mesmo sucedendo com as variedades Barcelo e Uva-Cão (ambas com cada vez maior aceitação junto de produtores e enólogos), e por esta poder ser relativamente neutra (de aroma e sabor) nos primeiros meses após o engarrafamento, tem cabido às opções de vinificação e de enologia trabalhar e exaltar algumas matizes. Por isso, no painel de vinhos provados encontrámos desde registos mais minerais (pedra molhada, minerais quebrados e até notas de giz, por vezes sinal de alguns tipos de redução) que se aproximam melhor da pureza da casta, passando por frutados (um ou outro quase tropical até), e finalmente outros mais florais (quase sempre decorrente de estágio em barrica). Em todos os vinhos, contudo, encontrámos excelentes acidezes totais e uma positiva percepção de óptima longevidade. Aliás, mesmo nos vários casos em que a casta Encruzado não aparece a solo, o pendor mineral e fresco foi uma constante nos vinhos provados.

A dupla Encruzado-Malvasia Fina (esta última de carácter mais frutado e floral) continua a aparecer em vários lotes, mas cada vez mais encontramos, sobretudo nos topos de gama, a utilização apenas de Encruzado, quando muito com recurso à companhia de pequena percentagem de Bical. A ligação funciona muito bem, pois enquanto o Encruzado proporciona nervo e agradece a utilização de barrica, a casta Bical aporta maior riqueza aromática e finura em boca. No geral, os brancos do Dão melhoram muito com 5 ou mais anos em garrafa, essencialmente por desenvolverem maior complexidade aromática e comprimento de boca, sem oxidações precoces ou perda de frescura. Talvez por isso, poucos foram os vinhos de 2020 que entraram no painel em prova, sendo que um dos primeiros classificados é, inclusivamente, um blend formado com vinhos de vários anos.

Mas se o Encruzado não é uma das castas há mais tempo reconhecida, o mesmo não se pode dizer da região do Dão. Demarcada em 1908 tem o nome do rio que percorre parte da região, cruza alguns dos seus melhores terroirs (como seja Penalva do Castelo e Santa Comba Dão) e desagua no Mondego. Com solos generalizadamente graníticos, divide-se por 7 sub-regiões, desde a solarenga Silgueiros até à invernosa Serra da Estrela. Entre os dois rios encontramos Nelas e Mangualde com as respetivas manchas vínicas, a este Seia e Gouveia e na fronteira sul a região de Arganil. Trata-se de uma região na qual a vinha tem forte implementação no dia-a-dia (incluindo para produção e consumo próprio das populações), mas a mesma está, todavia, dispersa por floresta (tantas vezes de eucaliptos), por pequenas e grandes aldeias, e até por alguma indústria.

Prova branco DãoPor vezes conhecida como a ‘Borgonha de Portugal’, pela fineza de brancos e tintos, é curioso notar uma aproximação entre as castas Chardonnay e o Encruzado na medida em que ambas enriquecem com a fermentação e estágio em barrica… A região tem como inequívoco predicado a paternidade de duas das melhores variedades nacionais: o Encruzado nos brancos e a Touriga Nacional nos tintos. Aliás, a par de expressões muito residuais de Sémillon, Sauvignon Blanc, Pinot-Blanc e Pinot Noir, a região é plantada quase exclusivamente de castas nacionais, muitas delas locais. Na última década e meia tem beneficiado do surgimento de novos produtores, simultaneamente ambiciosos e conservadores das melhores práticas. Exemplos do que vimos escrevendo são os investimentos recentes na histórica Quinta da Passarella (destaque para a enorme recuperação das vinhas e do património edificado), mas também da Niepoort, e mais recentemente MOB e Taboadella (com a adega mais bonita da região, e não só…). Com esses investimentos vieram enólogos de outros pontos do país para a região, que se juntariam a uma nova fornada local. Tanto assim é que, hoje em dia no Dão, nomes como Paulo Nunes, Nuno Mira do Ó, Jorge Alves, Jorge Moreira, Jorge Serôdio Borges e Xito Olazabal, Luis Lopes, ou Mafalda Perdigão juntam-se a quem há mais tempo oficia por estas terras, caso de Nuno Cancella de Abreu, Carlos Lucas, João Paulo Gouveia, Osvaldo Amado, Paulo Narciso, Carlos Silva ou Anselmo Mendes, entre outros. Pois bem, pedimos a alguns destes profissionais que elencassem o que os surpreende positivamente nos brancos da região, e as respostas foram maioritariamente no sentido de enaltecer a gordura natural dos vinhos na prova de boca (sobretudo do Encruzado) que dispensa, por vezes, a operação de battonage. Outro feedback que obtivemos foi a capacidade de resistência à oxidação, mesmo em mostos e vinhos com menos utilização de sulfuroso. Alguns dos melhores vinhos em prova tiveram efetivamente longos estágios em barrica, sem ou com pouquíssimo sulfuroso, em borras finas, mas muitas vezes sem necessidade de battonage. Aliás, a este respeito, julgo não existir melhor forma de fechar este texto do que elogiar a capacidade única do Dão em proporcionar brancos naturalmente com perfis de vinhos de guarda, salinos e minerais, quase sempre centrados em aromas secundários e, se mantidos alguns anos em cave, deliciosas componentes terciárias. Há lá melhor coisa?

(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2022)

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Porto Tawny: Arte e conhecimento

Porto Tawny arte

Os vinhos que hoje aqui abordo são dos que mais tradição têm na região do Douro e na sua extensão, Vila Nova de Gaia. Eram estes Porto Tawny que sempre se reservavam para servir a visitas ilustres, para momentos de celebração. Hoje existem em todas as gamas, perfis e segmentos de preço, desde os mais […]

Os vinhos que hoje aqui abordo são dos que mais tradição têm na região do Douro e na sua extensão, Vila Nova de Gaia. Eram estes Porto Tawny que sempre se reservavam para servir a visitas ilustres, para momentos de celebração. Hoje existem em todas as gamas, perfis e segmentos de preço, desde os mais simples e acessíveis até aos néctares mais selectos, raros e caros. E todos passam por um minucioso processo de selecção, lotação e envelhecimento, até entrarem na garrafa.

Texto: João Paulo Martins

Fotos: DR

Sempre que se fala em Tawny e Ruby – as duas grandes famílias do vinho do Porto – vem à minha memória a frase que ouvi a Rolf, pai de Dirk Niepoort, e que conheci ainda aos comandos da empresa. Dizia ele que o Porto Vintage era o Rei e o Tawny (cuja tradução é aloirado) era o presidente da República. Não lhe sendo conhecidas inclinações monárquicas, esta frase de Rolf expressava as enormes diferenças que existem entre as duas famílias: o Vintage é uma dádiva da Natureza, uma vez que não está nas mãos do Homem comandar o clima, as chuvas, as maturações, o calor. Por isso, quando tudo corre bem temos um vintage, um presente que se aceita (ou não) mas que nos chega “caído do céu”. O tawny, ao contrário, é uma construção humana, é uma escolha, não é nada que se receba já feito, tem de ser criado. Com muitos vinhos em stock, é o enólogo (antigamente o provador) que selecciona, que decide o tempo de estágio, que elabora o lote com este ou aquele perfil.

No tawny juntam-se três artes complementares: a arte do lote, a arte da tanoaria e a arte do envelhecimento. Se recuarmos na história do Vinho do Porto encontramos um mapa muito bem definido da circulação do vinho que começava no Douro e acabava em Gaia. Os vinhos eram produzidos no Douro mas envelhecidos e estagiados em Vila Nova de Gaia onde, pela proximidade do mar, as condições de temperatura e humidade eram mais favoráveis à sua correcta evolução. Era aqui (em Gaia) que estavam os “exportadores”, era aqui que trabalhavam os “narizes” do Vinho do Porto. Lá longe, no Douro profundo, estavam os lavradores, os que faziam o vinho nos lagares e que depois vinham a Gaia no início do ano a seguir à vindima mostrar os seus vinhos e procurar comprador.

Porto Tawny arte
O Porto é um vinho com uma história e cultura sem igual.

Este quadro (quase) nada tem a ver com a actualidade. Hoje há empresas de Gaia com armazéns no Douro onde envelhecem vinhos em perfeitas condições e as relações de produtor/comprador conhecem novas fórmulas. Mas, como escrevi há uns anos, em reportagem sobre os “provadores” enquanto profissão com tendência a desaparecer, havia em Gaia técnicos competentíssimos na arte da prova que nunca tinham ido ao Douro ou feito uma vindima. Eram dois mundos separados.

Hoje vamos falar dos tawnies. Eles existem desde a gama de entrada mais acessível em termos de preço – são os tawny sem outra designação – prolongam-se pelo tawny Reserva, os vinhos com indicação de idade – 10, 20, 30, 40 e 50 anos (esta uma categoria recém-criada), os Colheita e uma outra para os vinhos muito, muito velhos. O consumidor pode dizer que são muitas categorias e que é difícil orientar-se mas, sejamos justos, tem havido uma simplificação das indicações incluídas nos rótulos. Pense-se, só como exemplo, que durante décadas os vinhos com indicação de idade não a ostentavam no rótulo e só quem soubesse percebia exactamente o que estava a beber. Exemplo: um Duque de Bragança era um tawny da Ferreira, ponto. Depois é que ficámos a saber que era um 20 anos!

O ESTILO DA CASA

Com centenas ou mesmo, frequentemente, milhares de barricas à disposição, com toneis cheios, balseiros por todo o lado, cubas de inox e cimento, a tarefa do enólogo não se revela nada fácil. É preciso conhecer o stock, mantê-lo com saúde, fazer periodicamente correcções de aguardente e ter um quadro muito minucioso onde se registam as idades dos vinhos que estão disponíveis. É com este manancial de vinhos que se constrói então o lote final que se pretende. É preciso treino, muito treino de prova, é preciso dar tempo aos vinhos para que amadureçam é preciso depois ter noção de qual é o “estilo da casa”. Não é fácil definir exactamente o que é o perfil de cada marca, mas fique-se apenas com a ideia de que, com o mesmo stock, e para um vinho de determinada idade, o provador pode optar por um estilo mais leve ou mais pesado, mais vermelho ou mais “avelhado”, mais centrado na fruta viva ou nos frutos secos, com mais acidez ou mais açúcar.

Sempre houve um estilo próprio de cada uma das grandes casas do sector do Vinho do Porto e, não deixa de ser curioso que nas fusões onde alguns grupos – Sogevinus, Sogrape, Symington, Taylor’s –congregam várias antigas empresas, há a preocupação de manter o “estilo” que cada casa tinha, que era do agrado dos importadores e que tinha consumidores fiéis. É assim que um 10 anos Kopke é diferente de um Cálem (ambos Sogevinus) ou um 30 anos Offley não é semelhante ao Sandeman (ambos Sogrape).

Para esta prova escolhemos vinhos de quase todas as categorias Tawny, de Reserva até ao 40 anos e Colheita. Neste último grupo, centrei-me em vinhos Colheita já deste século. Sabe-se que várias empresas ainda têm, por exemplo, o Colheita 1937 em casco mas entendo ser mais razoável optar por vinhos mais acessíveis e facilmente disponíveis nas lojas especializadas.

Para a elaboração de tawnies das diferentes categorias, as empresas adquirem frequentemente vinhos no mercado: nas adegas cooperativas para os vinhos de entrada de gama e em produtores particulares que têm stocks de vinhos velhos para os vinhos com mais idade.

A ARTE DO LOTE

Os tawnies correntes não são tão fáceis de fazer como se poderia imaginar. Em primeiro lugar, a cor tawny, sempre um pouco mais aloirada, é difícil de conseguir quando as castas maioritariamente plantadas na região originam vinhos de cor intensa. Vinhos demasiado vermelhos não passarão na Câmara de Provadores. Por isso, como nos lembrou Ana Rosas (Ramos Pinto) é preciso escolher logo na vindima vinhos mais ligeiros, menos macerados, que depois, em casco, oxidam mais rapidamente. São também vinhos que levam muitas correcções para poderem ter o perfil desejado. Naturalmente que na categoria Reserva é mais fácil afinar a cor, pois estamos a falar de vinhos com uma média de 7 anos o que já ajuda também a que as cores se revelem com maior evolução. Vinhos mais ligeiros são mais fáceis de conseguir no Baixo Corgo do que no Douro Superior (que gera vinhos muito carregados de cor), por exemplo, e obriga a conhecer muito bem a região para saber onde ir buscar os vinhos para cada categoria.

Nas grandes casas, estas gamas de tawnies são feitas ao longo do ano conforme os pedidos do mercado. Há um modelo-base que serve para ser replicado sempre que for preciso. Os vinhos para se enquadrarem na categoria obrigam a muitas passagens a limpo e arejamento para se acelerar a oxidação. Para afinar a cor, Carlos Alves (Sogevinus) diz-nos que só com pouca extracção na vindima e com uvas brancas e tintas misturadas é que se conseguem vinhos mais abertos de cor que envelhecem mais rapidamente.

Os tawnies 10 anos são elaborados todos os anos e, frequentemente várias vezes por ano. Dessa forma, consegue-se que estejam sempre no mercado vinhos com mais frescura, o que não aconteceria se as quantidades colocadas fossem enormes e que demorariam depois muito tempo a serem renovadas. Aqui falamos sempre de um lote de vinhos que irá, em média, dos 8 aos 12 anos. As quantidades produzidas variam muito de casa para casa, em função da maior ou menor presença e visibilidade no mercado. A Ramos Pinto produz 60 000 garrafas/ano nesta categoria. No Vallado são cerca de 20 000 litros, comercializados em garrafa de ½ litro, onde entram vinhos entre os 7 e os 13 anos. Fazem um único lote por ano. Os vinhos são parcialmente guardados em madeira mas também em inox para assim se conseguir, no lote final, um bom balanço entre estrutura e frescura. Estes vinhos têm teores variados de doçura mas não se afastam muito dos 100/120 gramas açúcar por litro. Na categoria 10 anos há também muito abastecimento fora de portas, sobretudo em cooperativas.

OS TAWNY VELHOS

Já nos tawnies mais velhos as casas são muito ciosas dos seus stocks. Também adquirem fora, mas, por exemplo, o 20 anos da Ramos Pinto não pode aumentar de volume porque como é um vinho da Quinta do Bom Retiro, a propriedade não dá para mais. Na Sogevinus é também muito clara a distinção dos stocks que se destinam às várias marcas. A Kopke, por exemplo, inclui sempre vinhos mais estruturados que depois se combinam com lotes mais elegantes para fazer o vinho no modelo final, o tal que se quer fiel à marca e ao estilo da casa.

No caso dos vinhos mais velhos, quer o Vallado quer a Ramos Pinto vão muitas vezes ao mercado comprar a lavradores vinhos muito velhos. Mas, como nos diz Francisco Ferreira, do Vallado, “é cada vez mais difícil encontrar vinhos de muita qualidade, guardados e mantidos em boas condições”. Por vezes as quantidades adquiridas são mínimas o que leva a que, na Sogevinus, sejam usados micro barris de 20 ou 30 litros para guardar estas essências. De seguida estes vinhos adquiridos na lavoura têm de ser “educados” e trabalhados para poderem entrar em lotes finais. Quanto mais velhos os tawnies, mais trabalho de “alquimia” se pede/exige ao enólogo. Há vinhos que podem entrar com 1% no lote final e fazem toda a diferença. Ana Rosas conta-nos: para fazer um lote de tawny 30 anos começa-se a trabalhar nele 3 anos antes; parte-se de uma base do vinho anteriormente no mercado, põe-se num balseiro com outros vinhos de 24 a 27 anos de idade e alguns bem mais velhos. No segundo ano passa para cascos (cerca de 10 cascos) e começa-se então a adicionar pequenas quantidades de vinhos muito velhos. No terceiro ano leva então os toques finais a conta-gotas. Numa barrica de 660 litros pode levar, por exemplo, 2,4 litros de um vinho com mais de 100 anos. “Nem se imagina a diferença que fazem essas pequenas quantidades no lote final”, diz-nos.

Os tawny 30 e 40 anos são engarrafados em quantidades muito pequenas. Mesmo empresas grandes, como a Sandeman, só engarrafam uma pipa por ano do seu 40 anos. São vinhos naturalmente caros mas que, pela enorme classe que apresentam e pelos anos de stockagem que exisgem, têm um preço muito ajustado. No caso dos brancos velhos, a palavra tawny não é aplicável por uma mera razão jurídico/burocrática: não está previsto na lei que se apelidem tawnies os brancos velhos, apenas os tintos têm direito ao designativo. Logo que se mude a lei, tudo poderá ser diferente…

Na prova que fizemos foi surpreendente a qualidade em todas as categorias (mais surpreendente nas mais baixas, naturalmente) e os consumidores ficam com um leque de escolhas muito interessante. Não ficam com obra de Deus, têm de se contentar com obra dos Homens. E que obra!

O CARÁCTER DOS COLHEITA

O Porto Colheita, diferentemente do Tawny, é um vinho elaborado a partir de uma só vindima e que passa, no mínimo, 7 anos em casco. Tem por isso um carácter muito próprio, que reflecte integralmente as características do ano em que nasceu. Recentemente, a legislação alterou-se e favoreceu muitos produtores que tinham vinhos em casa mas que não podiam declarar Colheita. Expliquemo-nos: até 2020, os lotes destinados a Colheita, e que só podiam ser comercializados após 7 anos de casco, tinham uma conta corrente própria para Colheita, onde a empresa ia dando baixa à medida que ia engarrafando. Por norma e tradição, cada empresa coloca uma certa quantidade no mercado com engarrafamentos anuais. É por esta razão que é sempre conveniente tomar em atenção a data indicada na garrafa. Se dizemos que há ainda 1937 no casco, podemos imaginar que existirão no mercado 30 ou 40 engarrafamentos diferentes do 37, feitos em anos diferentes e portanto, com diferentes idades de casco e diferentes características. Não restam dúvidas: o que foi engarrafado mais recentemente é incomparavelmente melhor do que o outro que, sendo da mesma Colheita, foi colocado na garrafa há 20 anos.

Porto Tawny art
Sem a arte manual do tanoeiro (aqui na Quinta do Noval) não haveria cascos e balseiros. E sem eles não haveria Porto.

A modificação que entretanto se operou na lei, permite que, desde que os produtores/empresas tenham vinhos de um determinado ano em conta corrente, possam engarrafar um Colheita. Deixa assim de haver uma conta específica para esta categoria o que, acredita Carlos Alves, vai fazer com que comece a surgir mais Porto Colheita no mercado.

A mais recente proposta de modificação (ainda não aprovada no Instituto do Vinho do Douro e do Porto à data da escrita deste trabalho) assenta na criação de duas novas categorias de Tawny: “50 anos” e “Very, Very Old” para tawnies com mais de 80 anos. Muito provavelmente, isso significará que os tawny 40 anos deixarão de exibir no rótulo “Over 40 years” ou “+ de 40 anos” como até aqui.

Independentemente, da categoria onde se insere, o Porto Tawny é um vinho que espelha, talvez como nenhum outro, o trabalho dos profissionais do sector, no Douro ou em Gaia, e o seu profundo conhecimento e talento. Uma arte, portanto.

Guardar e servir

Todos estes vinhos, independentemente da idade, correspondem a lotes com maior ou menor oxidação. Por essa razão estes vinhos não precisam de ser conservados deitados em nossas casas. O conselho básico é, assim, a conservação das garrafas ao alto. Nunca se deve esperar uma evidente evolução destes vinhos na garrafa. A evolução pode acontecer (nomeadamente o aparecimento daquele misterioso e difícil de definir “cheiro a garrafa”) mas o mais habitual é os vinhos perderem frescura e ficarem cansados com muitos anos de garrafa.

Todos estes vinhos são filtrados antes do engarrafamento, o que facilita o manuseamento da garrafa e não obriga a decantação prévia. No entanto há aqui dois casos a considerar: o gosto pessoal de ver um bom tawny num bonito decanter é razão mais que suficiente para se decantar o vinho; depois, caso a garrafa de tawny tenha já muitos anos (aquelas das heranças ou compradas em leilão) acabará sempre por gerar depósito no fundo da garrafa e por isso é conveniente, com muito cuidado, decantar previamente o vinho.

A indicação da data do engarrafamento que vem na garrafa é uma ajuda; deverá sempre comprar os engarrafamentos mais recentes. Mas atenção: ela só é obrigatória nos Colheita; nos outros tawnies pode, ou não, vir indicada.

A temperatura de serviço aconselhada é “ligeiramente refrescado” uma vez que a doçura e o álcool do vinho tende a torná-lo um pouco mais pesado. O melhor será colocar a garrafa no frio uma hora antes de servir. Se for para ir bebendo ao longo do serão, então um balde de água com algumas pedras de gelo será o suficiente para manter o Porto no seu ponto certo.

(Artigo publicado na edição de Janeiro 2022)

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Casa da Passarella: Novidades da Serra

novidades serra

Na Casa da Passarella já nos habituámos a assistir a uma busca constante de formas de conservação do património, seja pela busca de vinhas velhas, seja pela recuperação de castas antigas. Aqui relatamos mais um episódio. Texto: João Paulo Martins Fotos:  O Abrigo da Passarella Paulo Nunes é o porta-voz da quinta e da empresa, […]

Na Casa da Passarella já nos habituámos a assistir a uma busca constante de formas de conservação do património, seja pela busca de vinhas velhas, seja pela recuperação de castas antigas. Aqui relatamos mais um episódio.

Texto: João Paulo Martins
Fotos:  O Abrigo da Passarella

Paulo Nunes é o porta-voz da quinta e da empresa, é por ele que vamos sabendo das novidades e dos rumos que se estão a traçar nesta propriedade emblemática e muito antiga da região do Dão. Ali, além das castas que melhor caracterizam o Dão temos também outras de que ouvimos agora falar e que, ou estavam quase enterradas, ou há muito que deixaram de estar em palco, nas luzes da ribalta.

A prova desta vez iniciou-se com um branco que se tornou um caso de sucesso na empresa. Referimo-nos ao O Fugitivo Encruzado, um vinho que desde a primeira edição, em 2010, ainda nunca falhou qualquer ano e, nas palavra de Paulo Nunes, “parece um relógio suíço», uma vez que ainda que tenha comportamentos diferentes nas várias sub-regiões, a casta Encruzado, tem sempre um comportamento regular e consistente em todas as zonas do Dão. A casta precisa de acompanhamento, na gestão da canópia e na carga de cada cepa mas consegue produzir regularmente. Assim, não se estranha que tenham começado em 2010 com 2000 garrafas e agora estejam a produzir 20 000. É um vinho de grande sucesso junto do público, esgotando-se em 6 meses. Este é “um vinho de uvas, não de parcelas”, querendo Paulo dizer que vão à procuras das uvas que precisam, não vão escolher para fazer um “vinho de uma vinha”. Aqui entram uvas de diversas vinhas com idades dos 12 aos 50 anos. A fermentação decorre em barricas de 500 litros, das quais 25% novas. O vinho estagia depois em barricas ou cuba até Maio do ano seguinte. O Encruzado tem também crescido à custa de outras variedades: Paulo Nunes tem feito reenxertias e substituído a casta Bical porque esta se tem mostrado especialmente sensível às alterações climáticas.

O vinho feito com Uva Cão (a uva que guarda a vinha!) corresponde apenas a 1300 garrafas mas a intenção é estender a vinha até aos 6 ha. A uva é especialmente indicada para os novos tempos que se aproximam porque a elevadíssima acidez que apresenta será muito útil em lotes com outras variedades. O mosto é vinificado em cuba de cimento e tem depois estágio sobre borras totais em barricas usadas; esta prática, associada à curtimenta, ajudam, diz o enólogo, a aligeirar a sensação da acidez, o que a prova confirmou.

O vinho de Tinta Pinheira traz consigo uma carga de novidade; por um lado a casta é muito antiga na região mas foi durante muito tempo desprezada por gerar vinhos com pouca cor. Paulo confessa que “é uma casta que expressa muito bem o carácter do Dão” e, também por isso, plantaram mais um hectare no último ano. Foi feito em lagar com engaço parcial e gerou 3300 garrafas.

Novidades Serra
Paulo Nunes, enólogo da Casa da Passarella.

O branco Vinha do Províncio (3000 garrafas) resulta de um lote de várias castas e a fermentação inicia-se com curtimenta em barrica usada e termina depois em balseiros de 2500 litros. Foi feito em 2012 e as castas são sempre as mesmas. A vinha, com 50 anos, obriga a duas vindimas separadas porque as brancas estão misturadas na vinha com as uvas tintas.

O tinto Vinha Centenária Pai d’Aviz (2600 garrafas) inclui muitas castas tintas, algumas antigas mas raras como a Alvarelhão, Tinta Carvalha, Tinta Pinheira e Tinta Amarela. Tem origem em pequenas parcelas de vários proprietários, algumas entretanto compradas. Feito em lagar com engaço total, termina depois a fermentação em grandes balseiros. A partir desta colheita passará a chamar-se Pai d’Aviz.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2022)

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Entre Profetas e Villões

profetas villões

Talvez não fosse fácil imaginar que, em território português, ainda existisse terroir vitivinícola para explorar como se quase da primeira vez se tratasse. Mas aconteceu. Na ilha do Porto Santo (imagine-se), onde juntamente com Nuno Faria, produziu 3 brancos surpreendentes e de grande qualidade. Quem? António Maçanita, “who else”? Texto: Nuno de Oliveira Garcia Notas […]

Talvez não fosse fácil imaginar que, em território português, ainda existisse terroir vitivinícola para explorar como se quase da primeira vez se tratasse. Mas aconteceu. Na ilha do Porto Santo (imagine-se), onde juntamente com Nuno Faria, produziu 3 brancos surpreendentes e de grande qualidade. Quem? António Maçanita, “who else”?

Texto: Nuno de Oliveira Garcia
Notas de prova: João Paulo Martins e Nuno de Oliveira Garcia
Fotos: Fita Preta Vinhos

 A hora e o local estavam marcados, ainda que sem muita antecedência pois António Maçanita parece gozar de uma inquietação e entusiasmo permanentes que conduzem ao improviso feliz. Chegados ao restaurante, esperava-nos o próprio e Nuno Faria, parceiro no recém-criado projecto Profetas e Villões, propositadamente constituído e desenhado para albergar a produção de vinho na mais antiga ilha dos arquipélagos portugueses. O nome é uma referência expressa às alcunhas entre as gentes do arquipélago da Madeira: Profetas é como os madeirenses chamam aos porto santenses e Villões (lê-se Vilhões) o que os habitantes de Porto Santo chamam aos madeirenses. António e Nuno começam por nos lembrar que são amigos há mais de década e meia, que iniciaram a sua colaboração na criação de cartas de vinhos com chef Fausto Airoldi (no saudoso restaurante Pragma), entendimento que se seguiu nos restaurantes 100 Maneiras de Ljubomir Stanisic onde Nuno é sócio já há vários anos.

Os acontecimentos por detrás da génese do projecto que se apresentou são curiosos e António comunica-os com a habilidade de quem não o faz pela primeira vez. Assim começa: o seu amigo madeirense Nuno Faria habituou-se, desde pequeno, a passar férias no Porto Santo e, por isso, não hesitou em “refugiar-se” na ilha durante a pior fase do confinamento. Esse período levou-o a conhecer melhor a cultura de vinho de Porto Santo, e é o próprio Nuno a confirmar como ficou maravilhado com as vinhas velhas de estóica vivência praticamente sem água. Um dia, ao ligar a António a relatar o seu dia-a-dia na ilha (que incluía provas regulares de alguns vinhos locais…), o enólogo disparou: “vamos fazer aí um vinho!” Talvez António tenha proclamado a afirmação sem se recordar que a cultura de vinho em Porto Santo é deveras particular, sem proximidades com o arquipélago dos Açores (onde António é sócio da Azores Wine Company) e quase nada em comum com o Continente. Mas agora é o próprio a explicar-nos que se trata de um clima sem chuva, com bastante vento, e castas incomuns – Caracol e Listrão (Palomino, conhecida pela produção de Xerez). As vinhas estão assentes em solos calcários básicos (arenitos calcários decorrentes de acumulação de areia e moluscos) protegidas por pequenos muros de canas. Ao olhar para as imagens que nos são projectadas numa tela de computador só conseguimos identificar referências às Canárias (até por proximidade geográfica), a alguns dos solos de areia pobre de Santorini, mas sobretudo às vinhas velhas de Colares, também elas rasteiras e ladeadas por canas. Mas mais que tudo, a verdade é que pouco ou nada se sabe da viticultura no Porto Santo. As linhas de água que permitem as vinhas sobreviver, os antecedentes das castas, o arquétipo de vinho aí produzido durante séculos, tudo isso é desconhecido.  Mas o que poderia ser um inconveniente foi antes o desafio para a dupla produtora. Nuno e António provaram todos os vinhos locais, mais os produzidos por produtores madeirenses ao estilo Madeira com uvas do Porto Santo, e procuraram estudar as poucas referências históricas. A experiência do enólogo na “recuperação” de castas antigas fez o resto. Porém, do ímpeto de António até produzir ali um vinho muita coisa aconteceu. Foi necessário convencer produtores locais a avançar nesta aventura (as uvas provêm de vinhas de 80 anos de um produtor: o Sr. Cardina), depois combinar a data da vindima (sem qualquer referência histórica e mais cedo do que os restantes produtores locais, que são todos artesanais). Por fim, transportar as uvas por barco até à ilha da Madeira para aí iniciar a fermentação numa adega, sempre sem hesitar, mesmo quando as primeiras análises indicavam Ph entre 8,5-10…

Na apresentação, António e Nuno trouxeram uma garrafa do produtor local artesanal de que mais gostam para afinar o nosso palato e introduzirem-nos no universo dos vinhos do Porto Santo, e deram-nos ainda a provar um tinto cuja cuba se perdeu num acidente. No fim do almoço, voltam a fazê-lo, mas agora em despedida, com um velho e interessante Listrão Branco do produtor madeirense Artur de Barros e Sousa e um magnífico Listrão de 1977 da Blandy’s que está em comercialização. Mas foram, e são, aqueles três vinhos brancos apresentados – Caracol dos Profetas, Listrão dos Profetas, e Listrão dos Profetas Vinho da Corda – que mais nos ficaram na cabeça nos dias a seguir à prova. Pela originalidade e singularidade, mas sobretudo pela excelência da qualidade logo em ano de estreia num terroir quase desconhecido. Demos a volta à nossa memória para ver quando tinha sido a última vez que isso nos tinha acontecido. Ainda hoje não temos a resposta.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2022)

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Dona Matilde-O privilégio das vinhas históricas

Dona Matilde Vinhas

Nesta bonita propriedade na margem do rio Douro têm sido vários os ensaios que procuram espelhar melhor as virtudes das vinhas. Sobretudo as que têm mais passado e muito que contar, as vinhas históricas. Texto: João Paulo Martins Foto: Quinta Dona Matilde Começam agora a chegar à verdadeira velhice as vinhas que resultam das plantações […]

Nesta bonita propriedade na margem do rio Douro têm sido vários os ensaios que procuram espelhar melhor as virtudes das vinhas. Sobretudo as que têm mais passado e muito que contar, as vinhas históricas.

Texto: João Paulo Martins

Foto: Quinta Dona Matilde

Começam agora a chegar à verdadeira velhice as vinhas que resultam das plantações pós-filoxéricas que se fizeram no Douro. Para combater a praga usaram-se porta-enxertos resistentes e a lógica do plantio seguiu os ensinamentos que vinham de há séculos: misturar as castas na vinha porque num ano em que não davam umas davam outras e, por outro lado, a vindima não distinguia variedades e todas eram colhidas em simultâneo; provavelmente umas mais maduras que dariam mais álcool e outras mais verdes que confeririam mais acidez. Era este o conceito que hoje chamamos de field blend, em que o lote já vinha feito da vinha, não era necessário fazer ensaios na mesa de provas.

São estas vinhas, comummente chamadas de “vinhas velhas” que José Carlos Oliveira, o técnico de viticultura da quinta prefere, e bem, apelidar de “vinhas históricas”. Elas ainda existem no Douro, apesar das maldades e perfeita destruição de património que se operou nos anos 80 quando se replantaram vinhas com o patrocínio do Banco Mundial, se arrancaram vinhas velhas (e com elas perdeu-se muito do património genético) e se afunilou a selecção das castas a plantar. Estava na mente de todos a produção de uvas para Vinho do Porto mas o que ninguém imaginava era que, passados 40 anos, o DOC Douro fosse mais importante que o Vinho do Porto. Hoje andamos a tapar as feridas, a tentar recuperar estas vinhas muito velhas e a procurar conservar clones e genes. A verdade é que o apreço pelas vinhas históricas é hoje bem maior do que então era e a região só tem a ganhar com isso. O conceito de vinha histórica prende-se também com o facto de não haver duas iguais, quer pela localização de cada uma (exposição, altitude) quer pela malha de castas que torna cada vinha única e irrepetível. Na vindima de 2017 a empresa tinha apresentado o tinto Vinha dos Calços Largos e, agora, surge da vindima de 2019, o Vinha do Pinto.

Dona Matilde VinhasO tinto da Vinha do Pinto procura expressar essa complexidade da vinha histórica com uma ousadia ainda pouco tentada no Douro: fazer um tinto topo de gama sem que tenha tido qualquer contacto com barrica, nova ou usada. Este vinho apenas estagiou em inox e o que perdeu (eventualmente) em complexidade e mistério ganhou (seguramente) em elegância, precisão e aptidão gastronómica. A vinha tem 30 castas e à entrada da adega foram retiradas as uvas brancas que a vinha também tinha e que estavam lá para ajudarem no ajuste da cor, sobretudo para a produção de Porto tawny. A produção deste primeiro “tinto sem madeira” limitou-se a 2800 garrafas numeradas. João Pissarra, enólogo, optou por uma intervenção minimalista em termos de adega e daí deriva também a ausência da madeira.

O branco, menos ousado, é também um field blend de uma vinha com 25 anos e com estágio de 6 meses em barrica. Na vinha encontramos Arinto, Viosinho, Gouveio e Rabigato, quatro das mais emblemáticas variedades da região.

A quinta de 93 ha, com larga frente de rio entre a Régua e o Pinhão, tem 28 ha de vinha e uma alargada área de mato e floresta; está na posse da família Barros desde 1927 e integrava o património da empresa de Porto Barros Almeida. Aquando da venda da empresa à Sogevinus (2006) a família Barros recuperou a posse desta quinta, agora dirigida por Manuel Ângelo Barros e seu filho Filipe. A quinta também produz Vinho do Porto.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2021)

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Casa Santos Lima-Um fenómeno da exportação

Casa Santos Lima

Estamos a 45km a Norte de Lisboa, na Quinta da Boavista, lugar da Merceana, em Alenquer, no coração e na origem deste que é um negócio multi-regional e multi-marca, fenómeno além-fronteiras, mas que tem muito mais para contar.  Texto: Mariana Lopes Fotos: Ricardo Palma Veiga A Casa Santos Lima, empresa familiar, nasceu em Alenquer, na […]

Estamos a 45km a Norte de Lisboa, na Quinta da Boavista, lugar da Merceana, em Alenquer, no coração e na origem deste que é um negócio multi-regional e multi-marca, fenómeno além-fronteiras, mas que tem muito mais para contar.

 Texto: Mariana Lopes

Fotos: Ricardo Palma Veiga

A Casa Santos Lima, empresa familiar, nasceu em Alenquer, na primeira metade do século XX, pelas mãos de Joaquim Santos Lima, cujo negócio já era o vinho desde o final do século XIX. Nessa altura produzia e exportava, sobretudo para o Brasil, onde acabou por casar com a filha do seu importador neste país, no Estado da Bahia. Depois, voltou para Portugal e comprou mais vinhas em algumas regiões portuguesas, no Dão, por exemplo, onde tinha nascido, expandindo o seu negócio. A base da empresa, formalizada por volta de 1920 e na altura com outro nome, nunca deixou de ser em Alenquer. Mas foi em 1990 que o bisneto de Joaquim, José Luís Santos Lima Oliveira da Silva — que vinha de um percurso de 20 anos de banca — a revolucionou, instituindo a Casa Santos Lima como tal, restruturando-a, replantando as vinhas e arrancando com o projecto de engarrafamento ainda nessa década, comercializando em 1996 os primeiros vinhos com marcas próprias: Quinta da Espiga, Quinta das Setencostas, Palha-Canas e alguns varietais. Durante 5 anos, ainda conjugou a actividade financeira com a Casa Santos Lima. Como o próprio diz, “sempre que podemos, compramos terreno e plantamos vinha”, o que vai de encontro ao mais recente plano de alargamento, com aquisições, parcerias e produção em regiões como o Douro, Vinhos Verdes, Alentejo e Algarve.

Casa Santos Lima
José Luís Oliveira da Silva revolucionou a Casa Santos Lima nos anos 90.

Tendo herdado o espírito empreendedor e exportador do seu bisavô, José Luís — que nos recebeu na Quinta da Boavista, ao lado do seu “braço direito” Luís Almada, administrador — transformou a Casa Santos Lima num “gigante com coração”, um grupo que hoje tem mais de 200 referências de vinho, uma produção de quase 35 milhões de garrafas por ano (mais de 25 milhões de litros no total das cinco regiões), 90% de exportação e 300 postos de trabalho. É também o maior produtor de DOC Alenquer e de vinho Regional Lisboa, detendo 55% de “quota” na região. Enquanto passeamos pelas vinhas da propriedade e arredores, fazendo uma viagem pelo universo vitícola da casa e conversando sobre a actividade nas outras regiões, percebemos que “gigante” é uma palavra que ali é apenas consequência dos números, pois é com muito “coração” que José Luís Oliveira da Silva e a sua equipa olham para a matéria-prima que cultivam e para o produto que engarrafam. “Este Alicante Bouschet vai para o Opaco”, ou “Aqui está o Castelão que entra no Palha Canas”, indica José Luís, que sabe exactamente onde está cada casta plantada e qual o seu fim. Nas várias parcelas, é possível ver o cuidado e alguns métodos característicos de produtores mais pequenos, como o enrelvamento entre linhas, por exemplo. “O enrelvamento protege da erosão e promove alguma concorrência com a vinha, o que origina maior concentração e cria uma biodiversidade que é muito positiva para a Natureza”, desenvolve José Luís.

Dos Vinhos Verdes ao Algarve

 Nas vinhas de Alenquer, região de Lisboa, a distância ao mar é de 25 quilómetros e a influência deste é grande, pois o clima torna-se temperado, com Invernos amenos e noites de Verão bem frescas. Os 400 hectares de videiras que a Casa Santos Lima tem aqui, em sua propriedade ou em parceria com mais de 90 viticultores, estendem-se por encostas entre os 110 e os 220 metros de altitude, com uma exposição solar privilegiada, dada a suavidade das inclinações. As castas são mais de 50, mas as principais passam pelas tintas Pinot Noir, Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Preto Martinho, Sousão, Camarate, Syrah, Malbec e Tinto Cão; e as brancas Alvarinho, Moscatel, Antão Vaz, Rabigato, Loureiro, Roupeiro, Sauvignon Blanc, Gewürztraminer. Entre vinhos leves, brancos, rosés, tintos e colheitas tardias (Late Harvest), as marcas são dezenas, praticamente todas criadas por José Luís Oliveira da Silva, materializadas graficamente pela equipa interna de design, ocasionalmente com input externo: LAB, Azulejo, Portuga, Vale Perdido, Alteza, Valmaduro, Colossal, Confidencial, Sem Reservas, Red Blend, Duas Uvas, OMG, Portas de Lisboa, Casa Santos Lima, Cabra Cega, Touriz, Lisbonita, Joya ou Quinta das Amoras são algumas delas, a juntar às já referidas anteriormente neste texto.

Casa Santos LimaAdicionalmente, a Casa Santos Lima explora também a famosa “Vinha do Aeroporto”, dois hectares junto ao aeroporto da capital — com Arinto, Touriga Nacional e Tinta Roriz — que dão origem ao vinho Corvos de Lisboa.

Na região dos Vinhos Verdes, em Lousada, o grupo explora a Casa de Vila Verde, sob a égide de uma empresa criada para esse efeito e com o mesmo nome. Esta quinta, com 44 hectares de vinha, tem plantadas sobretudo as variedades Espadeiro, Vinhão, Touriga Nacional, Arinto, Loureiro, Trajadura, Avesso e Alvarinho. Com elas, produzem-se os vinhos Pluma, Tiroliro, Espada, Cardido ou Casa de Vila Verde, entre outras marcas comuns a mais regiões.

Desde 2011 que a Casa Santos Lima é sócia da Quinta de Porrais, no Douro, propriedade em Murça que pertenceu a Dona Antónia Adelaide Ferreira e que hoje ainda está, em parte, na sua família. Esta quinta tem 35 hectares de vinha, com idade média de 65 anos, plantada em solos de xisto e quase todas a 600m de altitude, com as castas brancas (60%) Rabigato, Códega do Larinho, Viosinho e Verdelho; e as tintas Touriga Nacional, Touriga Francesa, Sousão e Tinta Barroca. No entanto, em toda a região, a Casa Santos Lima trabalha cerca de 100 hectares de vinha. Os vinhos durienses do grupo têm os nomes “Quinta de Porrais”, “Porrais” ou “Vinhas de Murça”, sendo o enólogo consultor Francisco Olazabal (Vale Meão), e Jaime Quelhas, o residente.

Já no Alentejo, a Casa Santos Lima escolheu a zona de Beja, onde explora 150 hectares de vinhedos em solos argilo-xistosos. O clima é bem agreste aqui, como sabemos, tanto no Inverno como no Verão, e as castas presentes nestas parcelas são as tintas Touriga Nacional, Tinta Roriz, Petit Verdot, Syrah, Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon; e as brancas Arinto, Viosinho, Verdelho, Antão Vaz, Fernão Pires e Sauvignon Blanc. É daqui que saem os vinhos Valcatrina, Fortíssimo, Caçada Real, Palaios, Monte das Promessas, Rebelde, Primoroso, Coccinela, Quid Pro Quo, entre outros.

Por fim, o grupo detém, em Tavira, região do Algarve, 45,7 hectares de vinha própria e a exploração de outros 6,5, em solos secos, de arenito vermelho e amarelo. As castas Touriga Nacional, Tinta Roriz, Negra Mole, Syrah, Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Arinto, Viosinho, Verdelho e Alvarinho dão origem aos vinhos Al-Ria, Portas da Luz, Barrocal ou Talabira do Algarve. “Todos os anos plantamos vinha nova ou restruturamos parcelas. Só nos últimos dois anos, plantámos, no total das regiões, mais de 70 hectares”, afirma José Luís, que refere ser já responsável por cerca de 30% de todo o vinho produzido no Algarve…

História encontra tecnologia

É muito curiosa a facilidade com que se observa, na Quinta da Boavista, a passagem dos tempos e das gerações. Na parte mais alta, situa-se a casa original, construída nos anos 30 por José Santos Lima, avô de José Luís. Tímida, a casa esconde atrás de plantas trepadeiras a face mais exposta aos visitantes, e respira pelo lado virado para uma paisagem quase infinita, de vinhas multicor e agregados de casas espalhados pela manta de retalhos. Ao seu lado, um curioso jardim de grandes pedras arredondadas dispostas num círculo, a sugerir que foi ali invocada, de alguma forma, a mãe-natureza. Mas isto nem José Luís Oliveira da Silva consegue explicar…

Logo a seguir à casa, está a primeira adega da quinta, com mais de 90 anos, uma de um total de três adegas próprias nesta região, além da adega nova, um pouco mais abaixo da primeira, e das instalações da antiga Adega Cooperativa da Merceana, compradas pela Casa Santos Lima.

A adega nova foi criada de raiz na Quinta da Boavista, construída a tempo da vindima de 2014. Toda ela está bastante automatizada, feita numa disposição vertical e com parte da mesma enterrada, o que além de potenciar os movimentos por gravidade, mantém mais facilmente as temperaturas ideais. Os quatro enormes depósitos de 250 mil litros são também pilares de sustentação do edifício, que alberga outros de 100 e 30 mil litros, bem como cerca de mil barricas distribuídas por vários locais. Luís Almada explica que a vindima é sempre feita por variedade, para que a vinificação seja também feita, em todos os casos, separadamente.

Por sua vez, as instalações da antiga Adega Cooperativa foram totalmente reequipadas desde a sua aquisição — com dezenas de cubas, quatro prensas, filtros e muito mais — constituindo, de acordo com José Luís Oliveira da Silva, “uma parte muito importante da operação da Casa Santos Lima”.

Ainda na Quinta da Boavista, um dos armazéns acolhe uma linha de engarrafamento e embalamento impressionante, que ocupa todo o espaço disponível, em várias direcções. Quando lá entrámos, o entusiasmo foi imediato, qual criança a chegar a um parque de diversões. Logo ao início, as grandes e altas máquinas de rotulagem chamam a atenção, pois assemelham-se aos robôs das farmácias mas, em vez de medicamentos, vão ao interior buscar o rótulo que é pedido. Mas há várias estações de rotulagem, não só de rótulo e contra-rótulo, mas também de medalhas obtidas em concursos e na imprensa. Como é natural numa empresa desta dimensão, há também uma produção significativa de bag-in-box (cerca de ⅓) e de um formato que, mais recentemente, se tornou popular, o “pouch”, que se assemelha a uma bolsa com pega. Com 9 mil garrafas cheias por hora, a Casa Santos Lima “não engarrafa para stock, é tudo para saída imediata e com destino definido”, informa José Luís, e acrescenta que “com a pandemia de Covid-19, aumentámos muito as vendas para níveis que ainda se mantêm”. Isto deve-se ao facto de a maior parte dos clientes que têm nos principais mercados — EUA, Finlândia, Suécia e Noruega — não terem sido impactados negativamente pela pandemia. Nos três mercados escandinavos de monopólio, a Casa Santos Lima é o maior produtor português e, na Finlândia, o vinho mais vendido, de todo o Mundo, é o Duas Uvas Premium, que provamos no final desta reportagem. Em virtude deste crescimento, na continuação destes armazéns, está neste momento a ser construído mais um, com 11 mil metros quadrados.

O que o futuro reserva

 Mas a expansão não pára nas cinco actuais regiões, e a Casa Santos Lima está em processo de alargamento para os Açores, com vinhas já compradas na ilha do Pico. Além disto, há um projecto para construir uma adega na região dos Vinhos Verdes e outra no Douro, e um plano de Enoturismo para Tavira, no Algarve.

Antes de irmos embora, deixamos uma pergunta mais pessoal a José Luís Oliveira da Silva. “Quais os vinhos da casa, que mais gosta de beber?”, interrogámos. Perante a natural hesitação de alguém que tem orgulho em tudo o que produz, o CEO acabou por retorquir: “Nos brancos, os varietais Casa Santos Lima Sauvignon Blanc e Gewürztraminer, e o Essencial Reserva; nos tintos, o Touriz e o Quid Pro Quo. Nos rosés, varia muito…”.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2022)

Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa: Um grandíssimo tinto de Portugal

Crasto tinto Portugal

Maria Teresa. A elegância e harmonia do nome não passa despercebida, nome que não poderia adequar-se melhor ao vinho que o transporta e à vinha que lhe dá origem. Texto: Mariana Lopes Fotos: Quinta do Crasto Quinta do Crasto já é um dos produtores mais emblemáticos do Douro e de Portugal. Com muitas e diferentes […]

Maria Teresa. A elegância e harmonia do nome não passa despercebida, nome que não poderia adequar-se melhor ao vinho que o transporta e à vinha que lhe dá origem.

Texto: Mariana Lopes
Fotos: Quinta do Crasto

Quinta do Crasto já é um dos produtores mais emblemáticos do Douro e de Portugal. Com muitas e diferentes valências vitivinícolas — dos vários perfis de vinho que produz ao projecto do Douro Superior com a Quinta da Cabreira, passando pela investigação na área da viticultura — são as suas emblemáticas vinhas velhas que invocam para si um estatuto quase de Santo Graal. Isto surge tanto pelas características únicas destas vinhas, como pelos vinhos que nelas têm origem. São três as vinhas muito velhas do Crasto, Vinha dos Cardanhos, Vinha da Ponte e Vinha Maria Teresa, mas é esta última sobre a qual agora recai o “spotlight”, com o lançamento da colheita 2017 do sempre esperado tinto Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa.

A Vinha Maria Teresa é centenária e tem 4,7 hectares, tendo sido plantada em duas partes: uma há cerca de 111 anos e outra quando Constantino de Almeida (bisavô do administrador Tomás Roquette e do director de vendas Pedro Almeida) comprou a Quinta do Crasto, em 1918. O solo destas parcelas é sobretudo de xisto e a exposição é maioritariamente nascente, o que, segundo Manuel Lobo, enólogo-chefe do Crasto, “foi muito favorável e importante em 2017”. Como a generalidade das vinhas velhas do Douro, esta também tem dezenas de castas misturadas, e o Crasto já identificou 54 diferentes, apurando que a mais plantada é a Tinta Amarela. A produção média desta vinha é, como seria de esperar, bastante baixa, menos de 300g por videira, e a sua antiguidade traz algo inevitável: todos os anos morrem videiras. É aqui que a equipa do Crasto veste a capa de super-herói, movida pelo desígnio de salvar e preservar a identidade desta vinha, um património muito precioso que, na verdade, se está lentamente a perder por todo o Douro. Em 2013, iniciou o projecto Pat Gen Vineyards, um processo de mapeamento genético de cada casta ali plantada, para que a vinha pudesse ser “replicada” na mesma proporção, num “berçário” de videiras (ou campo de multiplicação de genótipos) e, no futuro, as videiras mortas repostas com variedades geneticamente idênticas. A ideia era, e é, “perpetuar desta forma o terroir e o ‘field blend’ desta vinha única”. Cada videira tem uma coordenada gps própria, e a equipa do Crasto acede a uma plataforma digital para supervisionar vários aspectos da vinha, como o estado de saúde de cada pé, a localização das variedades e muitos outros parâmetros. Os planos são para que, segundo Tomás Roquette, “ainda este ano se comecem a replantar as videiras mortas”.

O ano vitícola de 2017 originou, nas palavras de Manuel Lobo, “a vindima mais precoce de que temos memória, na Quinta do Crasto”. De acordo com o enólogo, as primeiras uvas tintas foram colhidas a 18 de Agosto e o primeiro corte na Vinha Maria Teresa deu-se no dia 25 de Agosto, algo que “nunca antes tinha acontecido”. Já o segundo corte nesta vinha, deu-se a 2 de Setembro e, dezassete dias depois, o último. Foi um ano “pouco produtivo, mas com excelente concentração”, explicou Manuel Lobo. Cachos mais pequenos e uvas de menor diâmetro, com óptimo rácio entre película e polpa, contribuíram para isso. Para o Crasto, 2017 “ficará certamente registado na História como um ano de vinhos excepcionais”, e é normal que o produtor assim pense, já que o Vinha Maria Teresa tinto 2017 arrebata qualquer um, mesmo na sua actual juventude. Estagiado durante 20 meses em barricas novas de carvalho francês, de 225 litros, este vinho é o resultado de uma “selecção exaustiva de barricas que tiveram melhor performance”, referiu Manuel Lobo.

E é precisamente por esta importância que as vinhas velhas têm para o Crasto, que o produtor concretizou recentemente “um sonho que tínhamos desde 2007”: a Adega Vinhas Velhas. Este é um espaço totalmente renovado, “cada cuba pensada para cada parcela de vinha velha, e com todas as condições necessárias para a optimização da expressão de identidade de cada uma”. Manuel Lobo tem um novo espaço para “brincar”, e dele só poderá sair coisa boa…

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2020)

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