Grande Prova: Espumantes de Portugal – A festa é quando alguém quiser
Não é preciso cantar os parabéns ou contar as batidas do relógio para abrir uma garrafa de espumante. Não é o espumante que é o atributo da festa, é a festa que se desenvolve em torno de uma garrafa de espumante, a qualquer momento. Se não há uma razão formal para festejar, o espumante só […]
Não é preciso cantar os parabéns ou contar as batidas do relógio para abrir uma garrafa de espumante. Não é o espumante que é o atributo da festa, é a festa que se desenvolve em torno de uma garrafa de espumante, a qualquer momento. Se não há uma razão formal para festejar, o espumante só por si já é uma, pois o pequeno fogo de artifício no copo traz o ânimo e cria o ambiente. Parafraseando Oscar Wilde, só as pessoas pouco criativas não conseguem encontrar um motivo para beber espumante.
Texto: Valéria Zeferino Fotos: Ricardo Palma Veiga
A tendência mundial é o aumento do consumo do espumante. É um tipo de vinho que harmoniza com vida, oferecendo menos álcool e mais alegria, cativando as fracções mais jovens de população.
De acordo com o relatório da OIV de 2020, os cinco maiores produtores de espumantes a nível mundial são Itália com 27% (só o Prosecco corresponde a 66% de toda a produção de espumantes italianos, a juntar Franciacorta e Trento para os consumidores mais refinados), França com 22% (Champagne, claro, mais os cremants de outras regiões como a Alsácia, Borgonha, Loire e Bordeaux), Alemanha com 14% (já agora, é o pais onde mais espumante se bebe, sendo o nacional sekt o mais consumido), Espanha com 11% (onde o Cava assume 89% de produção) e Estados Unidos com 6%, sendo a Napa Valley a liderar nesta matéria.
Fora dos “big five” o maior crescimento em termos de produção de espumantes foi registado em Inglaterra, Portugal, no Brasil e Austrália. O crescimento no nosso país representa 18% ao ano.
Em Portugal, de acordo com os dados do IVV relativamente aos vinhos espumantes e espumosos (estes últimos são vinhos gaseificados cuja efervescência é produzida pela introdução de gás carbónico) a exportação dos espumantes nacionais está a aumentar, em volume e em valor, nos últimos 6 anos (até 2020), embora o preço médio não varie muito, mantendo-se à volta dos 3,35 euros/litro.
Na Bairrada certifica-se quase 40% dos vinhos com bolhas (embora, presumo, que se desta equação retirar os vinhos espumosos, a quota de espumantes da região vai chegar aos 53% comunicados pela CVR Bairrada). Em Távora-Varosa certifica-se 25%, tendo o segundo maior peso na produção de espumantes portugueses. O Tejo aparece com quase 22% e a região dos Vinhos Verdes também tem uma palavra a dizer com a certificação de mais de 9% de vinhos espumantes.
Regiões clássicas e promissoras
Um dos pioneiros do espumante português foi o Engenheiro Agrónomo José Maria Tavares da Silva que começou aplicar o método champanhês (há algum tempo, por imposição da CIVC – Le Comité Interprofessionnel du vin de Champagne, chamado “tradicional”) 1889-1890 como director da Escola Prática de Viticultura e Pomologia da Bairrada. E em 1893 fundou-se a Associação Vinícola da Bairrada com o objectivo produzir e comercializar “vinhos espumantes typo champagnes”, onde o Engº Tavares da Silva era director técnico. Ao mesmo tempo o enólogo da Real Companhia Vinícola do Norte, visconde de Villar d’Allen, também começa a produzir espumante. E poucos anos mais tarde as Caves Raposeira juntam-se à festa.
A seguir à Segunda Guerra Mundial foi fundada a Murganheira em Távora-Varosa, desde então o porta-estandarte desta região, demarcada em 1989.
No mundo do vinho as tradições nem sempre coincidem com a sua fixação formalizada. Na Bairrada, por ironia de destino, os espumantes só obtiveram o estatuto DOC em 1991, mas 130 anos de tradição ninguém lhes tira. Não é por acaso, que em Julho deste ano a Bairrada foi a anfitriã da primeira sessão de espumantes do reputado Concurso Mundial de Bruxelas (que, por tradição, é realizado em sítios diferentes com especialização em determinados tipos de vinhos). E os espumantes portugueses projectaram uma imagem muito boa nesta competição.
Em 1989 foi fundada em Alijó a empresa Caves Transmontanas que apostou no estudo do melhor local para plantação das vinhas e das castas mais apropriadas, com o único objectivo – criar grandes espumantes em Portugal.
A partir dos anos 1990 a região dos Vinhos Verdes entra em jogo. Com clima ameno, solos graníticos e castas com grande estrutura ácida e baixo teor alcoólico – têm todas as condições para se afirmar neste nicho. A Casa da Tapada foi a pioneira, numa altura em que os espumantes locais nem tinham direito à DO, o que só ficou possível a partir de 1999. Em Monção e Melgaço na viragem do século o Alvarinho apresentou-se numa versão efervescente pela Provam, Soalheiro e Quintas de Melgaço.
Com proliferação de “bolhas”, os vinhos espumantes têm vindo a crescer em Portugal em todas as regiões. Algumas empresas começam a produzir espumantes para completar o portefólio, mas como a prática mostra, produzir bolhas é fácil, criar um espumante de qualidade superior exige conhecimento específico e experiência.
As castas do espumante
Parece unânima a predilecção dos produtores portugueses pela Chardonnay e Pinot Noir, quando se fala dos espumante de qualidade excepcional. Mario Sérgio Nuno, da Quinta das Bágeiras, afirma que “Chardonnay dá uma cremosidade única”, por isto mesmo sendo fiel às castas bairradinas, no seu espumante Pai Abel com Bical (maioritariamente) e Cercial acrescentou 15% de Chardonnay.
Luís Pato, repetindo a experiência de plantar Baga em pé franco no solo arenoso que deu vinho excepcional, em 2015 plantou Bical (a casta que gosta muito) num terreno arenoso junto à adega e fez o primeiro espumante de grande personalidade proveniente desta vinha, numa edição ultra-limitada de 333 garrafas.
A Baga tem, naturalmente, um grande peso na Bairrada. Sendo uma casta de maturação tardia e com boa capacidade de preservar acidez, presta-se muito bem para elaboração de espumantes, sobretudo no clima da Bairrada, onde este amadurecimento traz mais uma vantagem – a estratificação de vindima em função do propósito final.
A casta Alvarinho é uma nova estrela na região de Vinhos Verdes, sobretudo em Monção e Melgaço, ainda não em termos de quantidade, mas sem dúvida, em termos de qualidade. A casta consegue juntar duas dimensões, importantes para o espumante: o volume de boca e a óptima estrutura acídica. Obviamente tem carácter varietal vincado, mas numa vindima mais precoce para espumantes, os compostos aromáticos ainda se encontram em muito menor quantidade do que mais tarde na maturação plena. Por isto é possível obter espumantes com grande equilíbrio aromático.
Nas zonas quentes, como Alentejo, o Arinto desempenha um papel importante, graças ao seu perfil aromático bastante neutro e à grande capacidade de reter ácidos.
Pedro Guedes, enólogo da duriense Caves Transmontanas, para além Pinot Noir e Chardonnay destaca o Gouveio pelo excelente equilíbrio entre ácido natural e álcool, não sendo uma casta particularmente aromática.
Mas o sítio é mais importante do que a casta – afirmam todos.
O que é preciso garantir
O que não se pode subestimar para produzir um espumante de grande elegância e carácter, são as uvas e o tempo de estágio com borras. Mas há muitas pequenas nuances que podem fazer diferença no resultado.
Pode parecer banal, mas um grande espumante é antes de tudo feito com uvas e o perfil e qualidade da matéria-prima é primordial. Por um lado, as uvas que dão origem ao espumante têm de ser preferencialmente neutras nos aromas que apresentam no vinho base (a menos que se pretenda um espumante deliberadamente aromático). Por outro lado, é importante que demonstrem alguma personalidade, sendo minimamente expressivos. E o ponto de maturação é essencial. As uvas colhidas de propósito para espumante não são a mesma coisa que as uvas imaturas, que darão aromas vegetais e herbáceos. Ao invés, as uvas sobremaduras produzirão um vinho pesadão, alcoólico e aromaticamente excessivo.
Nas regiões mais frescas torna-se mais fácil conseguir este equilíbrio de maturação. Em Portugal uma moderação do clima consegue-se ou através da forte influência atlântica (Bairrada, Vinho Verde, Lisboa), ou pela altitude (acima dos 500 metros) com clima mais continental, como é o caso do Douro e Távora Varosa, onde hoje são produzidos alguns dos melhores espumantes portugueses.
A enóloga da Murganheira, Marta Lourenço, confessa que está apaixonada pela região da Távora-Varosa. Tem ali condições especiais para elaborar espumantes, onde as castas Chardonnay e Pinot Noir com 11% de álcool provável apresentam 24 g/l de ácido tartárico e pH 2,7 – valores fantásticos para a elaboração de um vinho base de espumante.
A sanidade das uvas parece estar muito distante dos copos elegantes com bolhas, mas é absolutamente indispensável. A presença de botrytis cinerea (fungo que provoca a podridão) pode ser desejável para colheitas tardias, mas pode arruinar um espumante causando um impacto negativo no aroma e nas propriedades efervescentes.
O bairradino Luís Gomes, produtor do Giz, ainda sublinha que “para quem quer produzir um bruto natural, sem adição de açúcar, a uva tem de ser muito boa, senão o espumante vai ser rude”. Tendo nível de sulfuroso baixo e teor alcoólico igualmente baixo no vinho base, para além da sanidade das uvas, a higiene na adega é um ponto fulcral , assim o define Pedro Guedes.
Prensagem, tiragem, leveduras
A prensagem das uvas é um momento importantíssimo, confirmam Marta Lourenço e Pedro Guedes. Os cachos vão inteiros para a prensa, com engaço que ajuda a drenagem, permitindo uma boa extracção a baixas pressões. Quanto mais fraccionado o mosto – melhor, permite uma gestão de lotes mais individualizada. À medida que a prensagem avança, a acidez diminui, o pH sobe e aumenta o teor de potássio e extracção de compostos fenólicos. O mosto fica menos elegante e mais susceptível à oxidação.
Marta Lorenço conta que rejeita o primeiro mosto lágrima, pois este contém sempre as impurezas, “é como se fosse lavar as uvas com o próprio mosto”. Esta fracção nunca entra nas categorias especiais. A fracção que vai logo a seguir é a melhor de todas, “produz vinhos com grande limpeza em boca”.
Para iniciar a segunda fermentação, que leva à produção de bolhas, é necessário introduzir ao vinho base licor de tiragem com leveduras e açúcar para as pôr a trabalhar. Luís Gomes está convencido de que a tiragem deve ser feita no inverno, com temperaturas ainda baixas, pois quanto mais lenta for a fermentação, mais fina fica a bolha. Se fazer a tiragem no verão, a segunda fermentação desenvolve-se muito rápido, produzindo uma bolha mais grossa.
Pedro Baptista, o enólogo da Cartuxa, faz a tiragem no início da primavera e Pedro Guedes em Maio, quando os vinhos estão a uma temperatura à volta de 14˚C pelo que não é preciso aquecê-los para arrancar a fermentação e a temperatura não está muito alta para a segunda fermentação ser demasiado rápida.
Tradicionalmente, para a segunda fermentação, usam-se as leveduras livres que obrigam aos processos típicos de remuage para a sua posterior expulsão do vinho. Este processo pode ser feito manualmente ou recorrendo a giropaletes. Já as leveduras encapsuladas (presas numa estrutura de alginato) são uma “invenção” relativamente recente. O alginato é suficientemente poroso e permeável para deixar uma troca de solutos (açúcar, álcool e outros produtos resultantes da autólise das leveduras), supostamente, eficiente entre o vinho e o interior das cápsulas. Estas leveduras encapsuladas facilitam todos os processos desde a sua introdução na garrafa até à expulsão da mesma. Ainda poupam espaço na adega, permitindo o armazenamento das garrafas em pilhas, sem necessidade de remuage manual ou o uso de giropaletes. Mas são, também, tudo menos consensuais.
Todos os enólogos com quem falei concordam que é uma solução interessante e prática para espumantes comuns e jovens, mas dispensam-na quando se entra no patamar superior. Para além de que há sempre um factor de risco associado de que algumas células de leveduras escapem do interior das esferas de alginato, contrariando as vantagens operacionais das leveduras encapsuladas. Mesmo produtores de espumante mais recentes, como a Cartuxa, torcem o nariz quando se coloca a hipótese de utilizá-las para espumantes com mais idade. Pedro Baptista confessa que os espumantes que provou com leveduras encapsuladas lhe evidenciaram menos complexidade aromática e menor volume de boca. Em resumo, existem neste momento duas (ou, melhor, três) grandes correntes nesta matéria: os que as usam para todos os espumantes; os que as usam apenas para os espumantes mais simples; e os que que não admitem um espumante “método clássico” com outras que não as leveduras livres tradicionais.
Fermentação e estágio
Se a primeira fermentação para o vinho base pode ser relativamente rápida, a segunda tem de ser lenta. É aqui que se começa a produzir a tão apreciada bolha fina com CO2 que não podendo escapar, fica diluído no vinho. Pedro Guedes aponta para cerca de 6 semanas a 13-14˚C, ganhando, em média, 1 bar por semana. As leveduras introduzidas na tiragem com açúcar, não têm vida fácil. Trabalham literalmente sob pressão, no meio com acidez elevada e pH baixo e ainda por cima já com álcool de cerca de 10,5-11,5% e com pequena dose de dióxido de enxofre (que terá de ser bem medida). Por isto é importante criar para elas as condições de equilíbrio, garantindo que a fermentação não amue e, por outro lado, não se desenvolva demasiado rápido. Neste sentido, até a posição das garrafas faz diferença. Há mesmo quem as prefira na posição vertical para limitar a superfície de contacto com o vinho, prolongando assim, o tempo de fermentação.
O espumante não gosta de atalhos e apela à paciência (e estofo financeiro) do produtor, pois o tempo afina. Vários processos acontecem no vinho durante o estágio e o mais importante é autólise – desnaturação das membranas das células levurianas e degradação da sua parede celular libertando para o vinho glucanas, manoproteinas, aminoácidos, péptidos e outras substâncias que têm impacto na complexidade aromática, sensação em boca e qualidade de espuma. Mas a autólise é um processo muito lento e não ocorre nos espumantes que estagiam apenas uns meses. Um espumante feito com mesmo vinho base que envelhece durante nove meses terá um perfil muito diferente de um vinho que é envelhecido vinte meses ou mais.
Os produtores sabem disto e não dispensam o factor tempo quando se trata de um espumante de topo. Para Pedro Baptista, o estágio mínimo não pode ser inferior de 18 meses, mas com 3-4 anos já se conseguem resultados mais interessantes. Nas caves da Murganheira, Vértice e alguns produtores da Bairrada, estagiam espumantes com borras por 6-8 ou mais anos.
Em Portugal o tempo mínimo de estágio para espumantes com denominação de origem e elaboração pelo método clássico é de 9 meses. Por comparação, em Champagne, o tempo mínimo para a segunda fermentação e estágio em garrafa é de 15 meses para non-vintage e três anos para o Champagne datado. Mas em Poertugal também se caminha, progressivamente, para estágios mais prolongados. Por exemplo, para aumentar o potencial qualitativo dos espumantes com logomarca Baga/ Bairrada, a região alterou a lei inicial e determinou que, a partir de colheita de 2019, os produtores deverão respeitar o estágio de 18 meses depois da tiragem.
Para maximizar o contacto entre o vinho e as leveduras, nas barricas faz-se bâtonnage e nas garrafas de espumante faz-se poignetage – agitam-se as garrafas para pôr o sedimento em suspensão, provocando a desorganização celular e estimulando o processo autolítico, que melhora a complexidade aromática e a textura. Para as categorias especiais da Murganheira e do Vértice esse trabalho é feito 2-3 vezes por ano e, como é fácil calcular, exige muita mão-de-obra.
O nível de doçura no espumante é manipulado através de licor de expedição que é adicionado a seguir ao dégorgement. Antigamente o espumante bebia-se doce (até vinho do Porto se adicionava no licor de expedição), a tendência de hoje vem a “secar” as bolhas. Cada vez há mais produtores (Quinta das Bágeiras e o Giz, por exemplo) a fazer exclusivamente espumantes com dosagem zero, ou seja, sem qualquer adição de açúcar, apenas atestando as garrafas com o próprio vinho.
Espumante na mesa e na cave
Dada a sua acidez cintilante e sabor delicado, o espumante ganha a qualquer bebida no papel de aperitivo. Estimula o apetite e a apetência para a refeição. E há muitos espumantes, com suficiente corpo e estrutura para acompanhar toda a refeição. As bolhas não só oferecem um espectáculo dentro de um copo, criam sensação táctil em boca e transportam os aromas à superfície, onde os libertam no momento do seu colapso.
Usadas outrora, as tradicionais taças de champagne são demasiado largas e rasas para permitir às bolhas o “levantar voo” e perdem rapidamente os aromas, enquanto os flutes, sendo compridos, mostram a efervescência (e já agora permitem encher o copo com menos vinho dando a ideia de copo cheio), mas não deixam espaço para os aromas. Por isto muitos escanções e apreciadores de vinho hoje preferem usar o copo normal de vinho branco ou um flute próprio para espumantes em forma de tulipa. Em minha opinião, o espumante é muito mais interessante à mesa do que numa prova técnica, pois um simples facto de engolir (em vez de cuspir) o líquido efervescente contribui para uma plena percepção da sua cremosidade.
Ao contrário da prática habitual, as garrafas de espumante devem ser guardadas em pé, defende Marta Lourenço. Não estando em contacto com o vinho, não se alteram as propriedades mecânicas da rolha. Quando humedecida, ela não consegue expandir dentro do gargalo e o vinho deixa de estar protegido: entra o oxigénio e escapa o gás carbónico.
E como guardar um espumante depois de aberto? Não sei qual poderá ser a razão que leva alguém a não acabar uma garrafa de espumante… mas se tal acontecer, o melhor é fechar com uma daquelas rolhas que agarram o gargalo de garrafa e a fecham hermeticamente. É importante guardá-lo no frigorífico, pois com temperaturas baixas o gás carbónico fica mais diluído no vinho e conserva-se mais tempo. Mas o melhor mesmo é beber a garrafa aberta. E, como disse no início, não é preciso um pretexto. Basta querer.
(Artigo publicado na Edição de Novembro de 2022)
Johnny Graham: 50 vindimas a ouvir o Douro
Cada vindima tem a sua história, cada uma diferente da outra, e se forem 50 então dá um romance. A olhar o rio e sentados na varanda da Quinta da Gricha fomos ouvir o muito que Johnny Graham tem para contar sobre uma vida dedicada ao Porto e ao Douro. Texto: João Paulo Martins […]
Cada vindima tem a sua história, cada uma diferente da outra, e se forem 50 então dá um romance. A olhar o rio e sentados na varanda da Quinta da Gricha fomos ouvir o muito que Johnny Graham tem para contar sobre uma vida dedicada ao Porto e ao Douro.
Texto: João Paulo Martins Fotos: Churchill Graham e Luís Lopes
“As quintas da Água Alta, Fojo e Manoella foram a fonte de uvas para os primeiros vinhos da Churchill Graham’s que foi, recorde-se a única empresa criada de raiz em 50 anos.”
Chegámos à quinta da Gricha ao final da tarde. Para se alcançar esta propriedade, que fica na margem esquerda do rio, acima do Pinhão e antes de se chegar à foz do Tua, percorremos uma estrada que, como se diz em Lisboa, parecia o Rossio às seis da tarde. O que acontece é que esta é a estrada que dá acesso a várias quintas, todas vizinhas umas das outras, e os nomes são todos sonantes: quinta de S. José, quinta de Roriz, quinta do Pessegueiro, quinta das Tecedeiras; mais à frente quinta da Vila Velha que pertenceu a James Symington. Foi então aqui, neste “coração” do Cima Corgo, que se materializou o sonho de Johnny Graham de ter uma quinta própria. Foi a minha segunda visita à propriedade, mas já lá vamos. Deixem-me jantar primeiro que ao saber que seria a cozinheira Fernanda a elaborar a refeição fiquei sem capacidade de raciocinar. É que a fama dela vem de longe e a sopa de lombardo trouxe-me à memória o que de melhor tenho no arquivo mental de sopas campestres; simplesmente divinal, aqui melhorada pela “técnica Churchill” de colocar uma colher de sopa de molho picante para alegrar e espevitar o conjunto. O molho é feito em casa, com o piri-piri colocado numa garrafa a que se junta Porto branco; deixa-se macerar um mês e só depois é usado. As várias garrafas na mesa dizem-nos que é prática habitual. Coisa séria. Noutro momento, as míticas pataniscas, a deixarem-me meio envergonhado, logo eu que até pensava que fazia umas boas pataniscas…
“A quinta da Gricha dispunha de vinhas velhas mas, sobretudo visando a produção dos novos vinhos, foram plantadas parcelas de Touriga Nacional e Touriga Francesa.”
Johnny Graham recebeu-nos na varanda sobre o Douro que é, na minha modesta opinião, a melhor parte da casa. Todo o interior foi remodelado e, da primeira para a segunda visita, foi notório que o bom gosto inglês marcou aqui presença: manteve-se o espírito da casa e da região, melhorou-se o que era de melhorar. Parece simples, mas é muito mais complicado do que se pensa. Ao longo das duas refeições que tivemos na quinta, Johnny fez questão de ir servindo alguns dos vinhos que fazem parte do arquivo da casa: branco de 2012, tinto de 2005, vintage 1985 e 1982, este o primeiro elaborado pela empresa criada em 1981. O ponto vínico mais alto de toda a visita foi o Graham 1966, o último feito pela sua família, provavelmente na quinta dos Malvedos, antes da empresa ser vendida à Symington. O 66 foi um ano clássico e este vintage disse-nos porquê, todo ele em elegância, em perfeita definição de fruta, com um balanço incrível ente polimento e concentração.
Recuemos então no tempo. A família de Johnny estava ligada ao vinho do Porto desde a primeira metade do séc. XIX, tendo vindo da Escócia para negociar em têxteis. Ele nasceu e cresceu nos lagares, no meio das rogas da vindima, a olhar para o rio ainda sem barragens e a ver os barcos rabelo a serem puxados à sirga, rio acima. Um tempo longínquo que a nova “arquitectura” da região mudou em definitivo. Quando chegou à altura de abraçar a profissão, Johnny percorreu um traçado variado, trabalhou na Cockburn’s de 1973 a 80 onde aprendeu com um dos nomes míticos do sector do Porto na segunda metade do séc. XX, John Smithes. À época ninguém falava de DOC Douro, de vinhos não fortificados ou, se se quiser, em “vinhos de pasto” como também eram conhecidos. Era de vinho do Porto que se falava. Mas a venda da Graham em 1970 deixou Johnny com a vontade de fazer a sua própria companhia, tarefa difícil uma vez que, para constituir uma empresa exportadora era preciso constituir um stock de 300 pipas de Porto, qualquer coisa como 150 000 litros. Difícil? Não, apenas praticamente impossível. Actualmente aquela quantidade baixou para metade, o que continua a ser muito complicado, ainda que não impossível. Mas Johnny arregaçou as mangas e contou com a colaboração do grande lavrador duriense Jorge Borges de Sousa que tinha um enorme stock de vinhos e que permitiu que a empresa arrancasse. E com a boa vontade de amigos que entraram para sócios, reuniu-se o capital necessário.
De Borges de Sousa até à Gricha
As quintas da Água Alta, Fojo e Manoella foram a fonte de uvas para os primeiros vinhos da Churchill Graham’s que foi na época, recorde-se, a única empresa criada de raiz em 50 anos. Não podendo usar a designação Graham para baptizar a empresa, por razões óbvias, o nome do célebre estadista britânico foi ser escolhido por via do apelido da mulher de Johnny. Nasceu então o primeiro vintage Churchill em 1982.
A história da empresa foi assim baseada nestas fontes de matéria prima durante década e meia. Com a morte de Borges de Sousa e sem acesso a propriedades fornecedoras de uvas uma vez que as três quintas foram divididas pelos herdeiros, colocou-se a questão de adquirir uma quinta e é assim que a Gricha chegou ao património Churchill em 1999. Com 50 ha de área e 40 de vinha estavam reunidas as condições para arrancar com vinhos de quinta e iniciar também a produção de DOC Douro, além de poder também fazer um Vintage de quinta. A propriedade dispunha de vinhas velhas mas, sobretudo visando a produção dos novos vinhos, foram plantadas parcelas de Touriga Nacional e Touriga Francesa, as novas coqueluches dos vinhos tintos da região. Mantiveram-se os lagares, datados de 1852 e é lá que, teimosamente, Johnny e Ricardo Nunes, o enólogo da casa, continuam a fazer os vinhos do Porto, sempre com pisa a pé. Ricardo confessa-nos que “enquanto for possível obter mão de obra vamos manter este sistema, costumamos ter um grupo que vem todos os anos fazer a pisa. Já no caso dos vinhos DOC optamos por fazê-los em S. João da Pesqueira.”
Desfiando histórias e memórias, a conversa com Johnny é fácil. Com ele partilhamos a paixão pelo vinho do Porto e pelo Douro. Só se torna difícil quando ele nos tenta convencer das maravilhas da sua outra paixão, o cricket, o tal desporto que ninguém aqui entende e que, ao fim de dois dias de jogo, ainda pode estar empatado. Ficamos contentes de saber que foi capitão da selecção portuguesa mas fica-nos a dúvida sobre onde foi buscar jogadores para constituir uma equipa, em terras onde os adeptos gostam mais de futebol do que da família (Johnny, isto é uma graçola…). Gostos…
O motivo do nosso encontro foi a comemoração das 50 vindimas de Johnny Graham, agora com a filha Zoe totalmente envolvida no projecto. Com o surgimento dos vintages Quinta da Gricha, com o primeiro a aparecer em 1999, o portefólio alargou-se. São vinhos totalmente diferentes, o Churchill mais clássico, bastante fechado em novo, e o Gricha mais elegante, talvez mais fino e com grande harmonia, mais preparado para ser consumido quando jovem.
Os vinhos têm agora nova apresentação e o momento foi também aproveitado para lançar um fantástico tawny 40 anos, uma estreia da casa em vinhos desta idade.
Cinquenta vindimas são muitas vindimas, são muitas noites mal dormidas e, actualmente, muito consulta a tudo quanto é site de informação meteorológica. Muito dificilmente iremos ouvir Johnny Graham falar de uma vindima igual a outra. Provavelmente o fascínio da profissão é exactamente nunca se saber o que vai acontecer até que as últimas uvas entrem na adega. E Johnny e a sua família têm tudo para continuar a olhar o futuro com esperança e optimismo.
Ramos Pinto: Celebrar o passado na vinha da Urtiga
A vinha tem mais de 100 anos e está incluída na quinta do Bom Retiro. Foi Adriano Ramos Pinto que a adquiriu em 1933. Frágil mas resistente, a vinha exige, de todos, os cuidados máximos para que a intervenção seja mínima. Uma carga de trabalhos que só a ideia, militante diríamos nós, da conservação do […]
A vinha tem mais de 100 anos e está incluída na quinta do Bom Retiro. Foi Adriano Ramos Pinto que a adquiriu em 1933. Frágil mas resistente, a vinha exige, de todos, os cuidados máximos para que a intervenção seja mínima. Uma carga de trabalhos que só a ideia, militante diríamos nós, da conservação do património, aliada à excelência vínica, pode justificar.
Texto: João Paulo Martins Fotos: Ramos Pinto
O Verão corria seco mas quando visitámos a vinha da Urtiga o céu resolveu dar um ar da sua graça e brindou-nos com chuva. Da boa e da necessária, embora, como se imagina, já tardia para o que se podia esperar da vindima. Foi ali, mesmo no meio da vinha da Urtiga – parcela que integra a quinta do Bom Retiro – que iniciámos a conversa com a equipa da Ramos Pinto. Para o efeito a empresa deslocou para o centro da vinha da Urtiga uma mesa e uns copos para que o vinho fosse apreciado em seu sitio. A ideia era boa mas não previa a chuva e lá teve de vir uma emissária com chapéus de chuva para que tudo corresse bem. O que ali se passou foi um verdadeiro encontro civilizacional. As cepas, ali à nossa beira, respiravam ainda saúde apesar de serem maioritariamente centenárias; para as interpretar, conhecer, reconhecer e preservar havia ali um tablet onde tudo estava registado, a começar pela geo-localização de cada pé de vinha e as informações adicionais que se revelam da maior importância para a equipa de cuidadores daquela parcela. Que casta é, que vigor tem, quantos cachos produz, em que estádio fenológico se encontra ou a resistência à secura e à seca. Esta tarefa é igual para cada um dos 12 500 pés de vinha que ocupam os 3,4 ha da Urtiga. Temos então patamares com 200 anos, cepas com 100 e tecnologia do séc. XXI que, num futuro próximo, irá também incluir drones de alguma dimensão que farão transporte (caixas de até 40 kg) entre a vinha e a adega.
Bem perto da vinha encontra-se uma mata de medronheiros, reconhecida hoje como a última mancha original das matas de medronheiros que outrora povoavam grandes áreas do Douro. Ali ninguém toca, ali não está previsto plantar nada; apenas numa zona que, entretanto, tinha ficado a descoberto, foram plantadados mais 0,5 ha em velhos patamares pré-filoxéricos, idênticos aqueles onde estivemos sentados a ouvir as histórias da Urtiga. Para quem não está familiarizado com o conceito, os patamares pré-filoxéricos são muito baixos e apresentam-se agora com uma grande “desorganização”, bem diferentes dos muros dos terraços feitos após a filoxera, com os da Quinta do Noval, bem visíveis para quem passa na estrada.
Carlos Peixoto trata das vinhas e, como nos confessou, “adoro este trabalho, já ando cá há 44 anos e não me vejo a fazer outra coisa; ainda me consigo entusiasmar com cada vindima, cada poda, cada nova plantação. Este trabalho que estamos a fazer na Urtiga é notável, é uma revolução que traz para a vinha todos os novos conhecimentos de informática.” A Urtiga, confessa, não estava abandonada mas estava esquecida; “não era colhida quando devia, não tínhamos noção do que aqui havia; foi a partir de 2015 e 2016 que começámos a olhar para esta parcela com olhos de ver”. Jorge Rosas, actual CEO da Ramos Pinto lembra-nos que “em tempos a empresa já teve um Vinho do Porto com o nome Urtiga e que esta vinha era, como todas as vinhas velhas do Douro, usada para fazer vinho para Porto. As castas eram muitas e contámos 63. No entanto a Tinta Amarela é a mais representada e há 7 variedades que, juntas, representam 90% dos encepamentos. Às restantes, chamamos hoje, o sal e pimenta”. Das variedades, muitas delas com nomes estranhos, é sempre possível descobrir mais algumas que nunca tínhamos ouvido falar, como São Saul, Carrega Branco, Tinta Aguiar e Caramela. Ficámos também a saber que “a Tinta Amarela é por norma a casta mais representada nestas vinhas muito velhas”, diz-nos Peixoto.
Nos tratamentos da vinha estão a ser usados preparados biodinâmicos que são importados de França. Conta Jorge Rosas, “é um modelo que queremos aprofundar, mas sem preocupação de certificação. O caos burocrático que a certificação obriga leva-nos a fazer escolhas: queremos e acreditamos nas práticas mas não nos impomos a certificação e não alinhamos em fundamentalismos. O que é que adianta a vinha ser bio se depois não temos uvas?”, comentou. Uma equipa pequena muito dedicada a esta vinha e muitos cuidados na prevenção das doenças ajudam a que, de uma vinha tão pouco produtiva, saia um tinto que se coloca de imediato no patamar mais alto dos vinhos da empresa. Sobre o tema, Jorge Rosas, secundado por Ana Rato, responsável comercial comentam: “é verdade que colocamos o vinho num patamar muito alto de ambição e preço mas é também porque queremos, exactamente, que ele seja entendido como vinho muito especial que é. Temos mais de 100 mercados para onde vendemos vinho e este será por alocação. Não vai ser nada difícil colocar o vinho, até já houve importadores que nos disseram que podíamos enviar a quantidade que quiséssemos e que o preço não seria problema.”
Na véspera da vindima a equipa faz uma passagem na vinha e retira logo tudo o que não estiver em condições de ser vindimado. No dia seguinte vindima-se, faz-se nova selecção à entrada da adega onde os trabalhos são coordenados pelo enólogo João Luis Baptista. Após desengace, as uvas vão para o lagar para o primeiro corte (lagar com pisa a pé) e depois a manta vai sendo movimentada até ao momento da prensagem. De seguida é conduzido para tonéis de pequenas dimensões e 10% do vinho vai para barricas novas e por lá fica durante 16 meses. É nesta altura que se decide se o vinho tem a qualidade pretendida para ser Urtiga. Caso se entenda que não tem, entrará noutros lotes. O estágio prolonga-se por dois anos depois do engarrafamento. Resultaram, nesta primeira edição, 3100 garrafas, disponibilizadas em caixa individual.
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Ravasqueira: A caminho da grandeza
De 1 milhão de garrafas em 2016, para 8 milhões em 2021. A Ravasqueira tem traçado um percurso, desde a sua génese, não só de crescimento, mas também de criação de valor. Agora, prepara-se para subir mais um degrau: David Baverstock juntou-se à equipa como responsável de enologia, para arrasar nos vinhos de topo. Texto: […]
De 1 milhão de garrafas em 2016, para 8 milhões em 2021. A Ravasqueira tem traçado um percurso, desde a sua génese, não só de crescimento, mas também de criação de valor. Agora, prepara-se para subir mais um degrau: David Baverstock juntou-se à equipa como responsável de enologia, para arrasar nos vinhos de topo.
Texto: Mariana Lopes Fotos: Igor Pinto
A origem é familiar, mas no DNA da Ravasqueira, o N significa negócio e o A, ambição. E é normal que assim seja, quando a assinatura é José de Mello. O grupo, com capital em várias empresas-chave em Portugal — como a CUF, a Brisa ou a Bondalti, entre outras — pegou no mesmo padrão de exigência que sempre exerceu nos outros sectores, e aplicou-o no projecto de vinho que nasceu com a compra de uma propriedade em Arraiolos, em 1943, por D. Manuel de Mello. O objectivo do patriarca, porém, era apenas ter um refúgio no Alentejo (que na altura não tinha vinhas), sobretudo para caçar e descansar, longe de saber que, décadas mais tarde, os seus descendentes teriam outros planos. Hoje, sob a alçada do neto Pedro de Mello e da égide “Ravasqueira Vinhos SA”, a Ravasqueira é um dos principais players na cena vínica nacional, de marcas reconhecidas pelos consumidores e com muito sucesso no canal off trade (pense-se em Guarda Rios, Coutada Velha e Dona Vitória), até à gama a que se referem como “luxury”. Esta última, está neste momento a atravessar uma fase de transformação, com reforço de investimento, o que se materializa na contratação de um dos enólogos mais respeitados no país, o australiano David Baverstock, que se vem juntar a Vasco Rosa Santos, enólogo da casa desde 2012 e actual Administrador de Operações. David chegou a Portugal em 1982, e passou por grandes casas como Symington, Quinta do Crasto e Esporão, onde esteve até há pouco tempo como responsável máximo de enologia.
Após o falecimento de D. Manuel de Mello, em 1966, o monte da Ravasqueira fica ao cuidado do seu filho José Manuel de Mello, que durante muitos anos se dedicou ali à agricultura e ao apuramento da raça do Cavalo Lusitano. Em 1996, quatro Cavalos Lusitanos do monte da Ravasqueira deram-lhe o título de campeão mundial de Atrelagem e, depois disso, em 1998, “como ele não sabia estar quieto, partiu para a plantação das primeiras vinhas, coisa em que já andava a pensar há um par de anos”, conta Pedro de Mello, um dos 12 filhos de José Manuel de Mello que cresceram na propriedade, actualmente presidente da Ravasqueira e vice-presidente do grupo. Na verdade, membros de outros ramos da família já estavam, nessa altura, na área do vinho, o que também teve influência na decisão de plantar vinha. Em 2001, José Manuel de Mello faz “uma primeira brincadeira, e põe os netos a pisar as uvas”, lembra o filho, o que deu origem a um vinho que nunca saiu para o mercado, rotulado como MR. Deu-se aqui o pontapé de saída para o negócio pois, na colheita seguinte, viria a produzir-se o primeiro vinho com objectivo comercial, o tinto Fonte da Serrana.
Com o desaparecimento de José Manuel de Mello, em 2006, os filhos decidiram continuar com o projecto de vinhos e concretizar o sonho do pai: fazer da Ravasqueira crescer, e transformar-se numa referência no sector. “Sentimos responsabilidade nisso, já empregávamos muita gente. Os primeiros anos foram desafiantes, naturalmente, mas depois veio o Pedro [Pereira Gonçalves] que mostrou ser a pessoa ideal para liderar o projecto”, diz Pedro de Mello. Pedro Pereira Gonçalves, engenheiro agrónomo de formação, com especializações na área da gestão e negócio em instituições como Harvard e MIT, chegou à Ravasqueira em 2012 para repensar estratégia de vinhos da empresa, e fazê-la crescer. Pouco tempo depois, chegou Vasco Rosa Santos, para complementar a enologia. “Assim, fomos desenvolvendo a marca e os canais, sempre com o objectivo de criar escala e valor”, desenvolve Pedro de Mello. “Sempre tive dificuldade em ver, em Portugal, projectos de vinho de pequena dimensão que fossem grandes criadores de valor. Sabíamos que tínhamos de ter escala, se queríamos ambicionar ser um dos principais players nacionais do vinho. Foi por aí que caminhámos.”, remata. Quando Pedro Pereira Gonçalves integrou a Ravasqueira, a produção anual era de pouco mais de 100 mil garrafas. Hoje, é de 8 milhões.
Uma estratégia de sucesso
“A Ravasqueira tem uma história de 80 anos na família, 25 desde a primeira ideia de negócio. Tudo aqui, desde o início, foi bem feito e muito estudado, tanto na parte da plantação das vinhas como na estruturação da gama”, lembra Pedro Pereira Gonçalves. A partir da sua chegada em 2012, e até 2015, o que se fez na Ravasqueira foi aproveitar o legado dos patriarcas e aprofundar o estudo da vinha e da marca, procurando a melhor via para a relevância no sector. “Houve um foco muito grande no factor produção, em como poderíamos aproveitar melhor o que tínhamos na vinha, e na restruturação de portefólio. Nasceram assim novas marcas e referências, como o Reserva da Família, com uma dedicação enorme àquilo que era a qualidade e o perfil do produto”, adianta o actual CEO da empresa. “A partir de 2015, percebemos que precisávamos de ganhar escala. Desenhámos uma estratégia concentrada nas marcas, até termos algumas das mais admiradas pelos consumidores. Diversificámos, reestruturámos as equipas comerciais, e fomos construindo, a cada passo que dávamos, um novo segmento no portefólio [como os Clássico, Superior ou Seleção do Ano], com posicionamentos diversos”, refere. A partir daqui, foi sempre a subir. Em 2016 deu-se o kick-start de um crescimento acentuado, de um milhão de garrafas nesse ano para as 8 milhões de hoje, que fazem da Ravasqueira um dos produtores que mais vende no canal “off trade” (super e hipermercados). “Sabemos que cerca de 80% das vendas de vinho se dão neste canal e temos um modelo de negócio muito enquadrado com isso. Queremos ser uma referência em Portugal, apostando na qualidade”, afirma Pedro Pereira Gonçalves.
Heritage, David e a expansão da adega
No entanto, há uma parte importante desta ambição dedicada ao canal HoReCa, que para esta empresa tem tido um crescimento acentuado nos últimos tempos, reflexo de uma aposta cada vez maior nos vinhos de topo. “Desde 2016 que nunca parámos de prestar atenção às gamas de alto relevo para o consumidor. Nem poderia ser de outra forma, porque isso está sustentado no Reserva da Família, no Vinha das Romãs, e na gama Premium, que agora se chama Heritage”, avança o administrador. Este rebranding da gama Ravasqueira Premium, com o novo nome “Heritage”, faz parte da estratégia de revitalização deste segmento da empresa. Mas não é só o nome que muda, também há uma afinação do perfil destes vinhos, e é aqui que entra David Baverstock, como explica Pedro Pereira Gonçalves: “A entrada dele constitui uma nova aposta naquilo que é o reforço das gamas luxury, de nicho. É alguém que nos vai ajudar a traçar este novo caminho. A abordagem dele vem trazer imenso valor acrescentado e isso vai expressar-se nos vinhos”. Vasco Rosa Santos desenvolve que o enólogo “tem muito respeito por todas as castas. Traz, também, uma serenidade muito necessária nos momentos certos, decisórios, que vem dos seus muitos anos de experiência. Queremos, de facto, ser um projecto de referência no Alentejo, e o David dá muita credibilidade, por tudo o que já fez. Hoje, finalmente, achamos que temos a equipa ideal para atacar aquilo que sabemos que podemos vir a ser”. A dupla está empenhada, também, em criar novidades, segundo Pedro. “O David e o Vasco estão com imensa energia e vontade de fazer coisas diferentes. Vamos usar a casta Nero d’Avola, que temos no nosso encepamento desde o início, e também apostar mais na Sangiovese. E para além das gamas da espinha dorsal da Ravasqueira, vamos ter algumas especialidades. O consumidor, cada vez mais, pede isso”. Aumentar a área da adega em 2 mil m2 é, adicionalmente, um objectivo a curto prazo, com reformulação da zona de vinificação, criando uma espécie de adega de “fine wines”, dentro da que já existe.
Para produzir os seus vinhos, a Ravasqueira — que exporta 40% — recorre a 45 hectares de vinha própria, a mais de 200 arrendados e a quase 600 hectares de fornecedores, espalhados por todo o Alentejo. “Desta forma, podemos adaptar as uvas que vamos buscar às necessidades a nível de produto. Este ‘sourcing’ é, portanto, estratégico. Servimos assim melhor os interesses da empresa, a nível qualitativo e de diversidade”, garante o CEO.
No final de 2021, David Baverstock — que tinha ideia de reduzir a sua actividade após a saída do Esporão — foi contactado por Pedro Pereira Gonçalves, para visitar a Ravasqueira. “Eu já o conhecia. Explicou-me o modelo de trabalho da empresa, mas o que mais me puxou foi a ambição dele em levar a Ravasqueira para outros patamares, apostando num conjunto de vinhos de alta gama, e a cultura de qualidade, transversal a toda a gente desta casa”, confessa David. “Para mim, isso foi música. Um desafio onde eu achei que poderia ser verdadeiramente útil”. E quando questionado sobre do que mais tinha gostado no início do trabalho na Ravasqueira, David, que apresenta quase sempre uma postura mais reservada, brinca: “Do Vasco! Temos um ‘bromance’”, e ri-se. “Agora a sério, não fiquei muito impressionado com a vinha, mas os resultados da vindima mostraram-me que estava errado, embora existam coisas que podemos melhorar nesse campo, e vamos fazê-lo. Nesta última vindima, a Touriga Franca e a Syrah foram fantásticas, bem como o Alicante Bouschet, depois da chuva. Temos também um belíssimo Alfrocheiro em barrica. Nos brancos, temos muita coisa boa em co-fermentação, como Sémillon com Arinto e com Viognier, e isto pode sair muito bem. A qualidade dos brancos, em geral, é muito elevada”.
Depois de percebermos a estamina deste projecto vínico de Arraiolos, pensamos que, realmente, é preciso muita racionalidade para transformar algo que começou com um cariz emocional forte, num negócio tão profissional e próspero. “Sempre tivemos a perspectiva de ter racionalidade económica. É preciso escala, estar em quase todas as regiões do país, para sermos dos principais a nível nacional. Isto caracteriza as áreas todas do grupo, seja na saúde, na indústria, na parte química… Hoje, para nós, o vinho é um negócio estratégico, mesmo que haja uma parte emocional, que há sempre. O facto de estar a imagem de meu pai com o cavalo nos rótulos, é mesmo isso”, declara Pedro de Mello. E é disto que se fazem as empresas de sucesso.
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2022)
Pedro Silva Reis: Uma vida na Real
A Real Companhia Velha é a sua casa. Desde cedo que acompanhou o pai e inevitavelmente entrou muito jovem para a empresa. Hoje, ao comemorar 20 anos na gestão e 40 anos na casa, não tem dúvidas: “nunca tive outro emprego e não me imaginaria a fazer outra coisa.” Foi para comemorar a carreira longa […]
A Real Companhia Velha é a sua casa. Desde cedo que acompanhou o pai e inevitavelmente entrou muito jovem para a empresa. Hoje, ao comemorar 20 anos na gestão e 40 anos na casa, não tem dúvidas: “nunca tive outro emprego e não me imaginaria a fazer outra coisa.” Foi para comemorar a carreira longa e profícua de Pedro Silva Reis que fomos ao Douro e aproveitámos para provar os vinhos que lhe são mais caros.
Texto: João Paulo Martins Fotos: Real Companhia Velha
Estávamos em 1982 quando Pedro Silva Reis entrou, com 22 anos, para a Real Companhia Velha (RCV), empresa então dirigida pelo pai. A companhia era grande, já tinha quintas enormes e o foco era, como acontecia com todas as empresas do Douro nessa época, o vinho do Porto. Ainda faltava uma década para que se começasse a dar a explosão dos vinhos Douro. Em boa verdade a RCV já tinha uma grande tradição de fazer “vinhos de consumo”, como então se dizia. Não só tinha marcas próprias como herdou também as marcas da Real Vinícola, outra grande empresa do país durante o século XX e que foi, durante décadas, a grande concorrente da RCV. Com a fusão das duas empresas, a RCV ficou com uma carteira de marcas bastante interessante mas também confusa. Muitas delas desapareceram (Grantom, Granléve, Cabido, Lamego) mas outras conservaram-se até hoje (Porca de Murça, Evel) e algumas foram vendidas, como foi o caso da marca Deu-la-Deu que pertencia à Real Vinícola mas que foi vendida à Adega Cooperativa de Monção. À data da entrada de Pedro, já o irmão estava a trabalhar na empresa desde 1979, sempre na área comercial, onde ainda se mantém.
Primeiro, o vinho do Porto…
Durante muitas décadas o negócio da RCV foi sobretudo o vinho do Porto das gamas de entrada. Pouco ou nada se falava de Vintage, de LBV ou outras categorias especiais. “A empresa estava vocacionada para o volume, o que fazia de nós muito mais um négociant do que um produtor”, diz Pedro. Declarações de Vintage, clássicos ou não clássicos, não era assunto importante, o que mais se vendia eram os tawnies e rubies correntes. Mas isso não impediu que a empresa fosse acumulando um impressionante stock de vinhos velhos que, agora, em ocasiões especiais, traz ao grande público.
Quando Pedro Silva Reis chegou à empresa vigorava a prática de fazer os vinhos do Porto em autovinificadores. Era uma técnica que tinha sido introduzida no Douro na colheita de 1964, visando a fermentação dos vinhos por métodos mecânicos que dispensassem a pisa a pé. A tal pisa, na RCV, foi mesmo abandonada em 1968. Considerava-se então que a pisa a pé seria uma prática do passado que não voltaria a ser usada. Os anos 80 e 90 foram também tempos conturbados, com a ligação da Companhia Velha à Casa do Douro bem como, anos mais tarde, os problemas que derivaram da relação com os investidores espanhóis que tinham adquirido a quinta de Ventozelo. Mas foram também anos de aprendizagem, uma vez que Pedro Silva Reis cedo se interessou pela prova de vinhos do Porto e essa é, de resto, uma das actividades que ainda hoje faz com mais prazer. Poderia pensar-se que o prazer estaria também na condução dos dois Rolls-Royce que herdou, mas Pedro é peremptório: “aquilo é só para olhar, basta pôr o motor a trabalhar e já começa a dar problemas; acresce depois a quantidade enorme de gasolina que consome; são peças de museu que herdámos, mas nada mais do que isso”.
Depois, os brancos e tintos do Douro
Foi só na segunda metade dos anos 90 que os ventos sopraram de outro modo. Em 1996 foi contratado Jerry Luper, enólogo com créditos firmados na Califórnia, e Pedro Silva Reis criou a Fine Wine Division (1997), pensada para fazer coisas diferentes, inovadoras e que pudessem trazer algo de novo ao mercado. A época correspondeu também ao alargamento da equipa com a entrada de Jorge Moreira para a enologia e Álvaro Martinho Lopes para a viticultura. Experimentar castas de fora foi um dos primeiros desafios. Tirando partido da localização em altitude da quinta de Cidrô, em São João da Pesqueira, nasceu em 1996 o primeiro Cidrô Chardonnay a que se seguiram então as outras castas francesas, como Sauvignon Blanc, Pinot Noir, Cabernet Sauvignon, Gewürztraminer e Sémillon, esta entretanto rebaptizada como Boal do Douro. A Fine Wine Division veio a revelar-se um marco na história da empresa porque modificou o tipo de negócio a que a RCV estava habituada: de empresa que fazia volumes em vinho do Porto, a Real passou a ser empresa inovadora nos vinhos DOC Douro e IG Duriense que veio a colocar no mercado. Segundo nos revelou Pedro Silva Reis, estes novos vinhos de Cidrô são já da sua “lavra”, muito tempo antes de se ter tornado administrador, em 2002. Logo da colheita de 1998 saíram dois vinhos emblemáticos, o primeiro tinto Quinta dos Aciprestes 1997 e o tinto Evel Grande Escolha também do mesmo ano. Outra grande novidade foi o Grandjó Late Harvest, um branco a lembrar os vinhos de Sauternes e que tem, literalmente “deixado sem voz” alguns visitantes da Real, como nos contou Jorge Moreira. O nome resulta da junção dos nomes Granja e Alijó. Para Pedro, o grande sonho seria conseguir fazer um Grandjó que se aproxime do de 1925, feito na época por um enólogo francês, no Douro.
A Quinta de Cidrô foi adquirida em 1972 e o palácio que hoje existe foi uma “teimosia” do pai Silva Reis que “levou 30 anos a recuperar, decorar e rechear a casa, de que apenas existiam as paredes exteriores à data da compra. O palácio tinha pertencido ao Marques de Soveral (chegou mesmo a haver na empresa a marca Marquis de Soveral) mas que, entretanto, deu origem à marca Marquis, agora parte integrante do portefólio”, disse-nos.
Criar marcas passa também por ter uvas capazes para os vinhos que se pretendem. A empresa alargou-se em termos de área de vinha? perguntámos. Pedro não hesita em afirmar que “mais do que alargar a área de vinha, o que temos feito é reestruturar grande parte das vinhas e, ao mesmo tempo recuperar as vinhas velhas que achámos que valiam a pena e também recuperar as castas antigas, precisamente dessas vinhas velhas”. Recentemente foram recuperados 138 ha de vinha em todas as quintas (Aciprestres, Carvalhas, Cidrô, Granja e Síbio) e adquiridos mais 23 ha junto às Carvalhas. Com as antigas castas ora recuperadas, quer em brancos quer em tintos, o que se pretende é “fazer vinhos com menos cor, menos álcool e com isso ir ao encontro da tendência actual. Nasceu assim a colecção Séries (em 2002) onde têm surgido vinhos de castas que os consumidores não conheciam e que nos revelam uma pequena parte da enorme riqueza existente no Douro”. O primeiro vinho saiu em 2012.
Novas e antigas preciosidades
Outro marco importante do percurso de Pedro Silva Reis nestes 20 anos foi a retoma da produção de espumantes, há muitos anos interrompida. Com o histórico que a empresa tinha – a Real Vinícola foi a primeira empresa a fazer espumante no Douro e durante décadas era famosa a marca Assis-Brazil, a ideia de retomar a produção ganhou força e nasceu assim, em 2011, o espumante Real Companhia Velha, em duas versões – Chardonnay e Chardonnay com Pinot Noir. “Este foi o único produto cujas vendas cresceram durante a pandemia, mas temos limitações (Pinot e Chardonnay não há que chegue) e não podemos crescer mais por enquanto. Estamos a fazer cerca de 12000 garrafas por ano, talvez consigamos chegar às 20 ou 30000”. Disse.
O evento de celebração incluiu um almoço na casa redonda das Carvalhas onde foram provados os novos vinhos cujas notas de prova incluímos neste trabalho. Ao jantar, em Cidrô foram bebidos vinhos de colecção que, em alguns casos ainda podem ser adquiridos nas instalações de enoturismo da empresa, no Pinhão. O momento foi aproveitado para revisitar o Carvalhas branco 2008, feito de Viosinho e Gouveio e que se mostrou numa forma extraordinária (18), bem como o seu congénere tinto 2010, a brilhar muito alto (19); o Evel Grande Escolha 1997 mostrou uma excelente evolução, rico e delicado (18) e, no caso dos vinhos do Porto, um vintage 1997 com muito boa evolução, ainda cheio e rico (18) e um 1938, com pouca cor e aquele brilho fantástico da decadência, o verdadeiro vinho de cheiro (19). O Porto que comemorou os 250 anos da empresa, tem como base um vinho de 1867 e depois tem acrescentos das melhores edições de cada década (1927, 37, 55 e 77): austero, fechado, todo ele sério, com muita fruta em calda. Magnífico. (19,5)
Projectos para o futuro há vários, mas Pedro Silva Reis quer também deixar espaço ao seu filho Pedro que activamente já está na empresa, bem como ao sobrinho e outro filho seu que acabaram de entrar, para criarem os seus próprios projectos. Conta-nos que “o meu filho Pedro está a trabalhar na criação de um tinto super-premium, um vinho icónico que se coloque entre os melhores; estamos bem encaminhados, já há duas colheitas e vamos esperar mais um pouco para ver se temos a consistência necessária. Dentro de dois ou três anos teremos o vinho no mercado. Vamos também continuar com a colecção Séries, onde damos a conhecer castas como Tinta Bastardinha (Alfrocheiro) e vamos procurar crescer na casta Bastardo.”
Pedro conclui: “este clima de inovação, renovação da família e de projectos em marcha, estou em crer que seriam do agrado do meu pai se ele cá voltasse; casa arrumada, sustentabilidade do negócio, arranjo das quintas em termos de visitas e conforto (as obras na casa redonda das Carvalhas são disso um exemplo) e são 20 anos a fazer pequenas coisas que ajudam a que tudo esteja diferente.”
E como pensa terminar a carreira? “Bem, acho que vou acabar na sala de prova a provar vinhos do Porto velhos que é o que mais gosto de fazer”, rematou.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2022)
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Grande Prova- Alentejo tinto Potência com elegância: afinal é possível…
Ao pensar num topo de gama do Alentejo, imediatamente no nosso imaginário surgem vinhos poderosos, carnudos, macios e densos. A qualidade nem se coloca em causa, está lá por defeito. Entretanto, existem muito mais estilos nos vinhos que representam a crème de la crème da região. E descobrimos vários nesta prova de mais de cinco […]
Ao pensar num topo de gama do Alentejo, imediatamente no nosso imaginário surgem vinhos poderosos, carnudos, macios e densos. A qualidade nem se coloca em causa, está lá por defeito. Entretanto, existem muito mais estilos nos vinhos que representam a crème de la crème da região. E descobrimos vários nesta prova de mais de cinco dezenas de tintos alentejanos.
Texto: Valéria Zeferino Fotos: Ricardo Palma Veiga
Sendo o Alentejo extenso e muito heterogéneo em termos de solos e clima, a diversidade dentro da região é enorme. Para além das zonas quentes e mais áridas, tem o litoral, temperado pela influência atlântica e Portalegre, onde altitude em combinação com um clima continental, confere uma frescura própria aos vinhos. Não é por acaso que nos últimos anos assinalou-se um investimento nesta zona. As serras de São Mamede, do Mendro, de Ossa moldam as condições microclimáticas dos territórios adjacentes. A falha da Vidigueira com escarpas orientadas no sentido Este-Oeste permitem que os ventos do Atlântico empurrem o ar frio, promovendo o arrefecimento significativo do ar à noite. Luís Cabral de Almeida, responsável pela enologia na Herdade do Peso, conta que isto acontece quase todos os anos: as temperaturas de dia podem chegar a 38-39˚C e à noite caem até 15-17˚C o que tem um efeito benéfico na composição das uvas.
O calor e a água (ou falta dela)
O clima quente e seco do Alentejo, em certa medida, beneficia os produtores. Luís Cabral de Almeida que já trabalhou noutras regiões onde a Sogrape tem produção, como o Douro, Dão e até na Argentina, considera o Alentejo uma região consistente, com baixa carga de doenças. Não é por acaso que no Alentejo há muita produção biológica. As características da região e a sua fama junto do consumidor motivam alguns produtores de outras regiões a investir no Alentejo. É o caso do projecto da Symington na Quinta da Fonte Souto em Portalegre e da Costa Boal na Quinta dos Cardeais, entre os mais recentes.
Por outro lado, a seca é capaz de comprometer não apenas a quantidade e a qualidade de uma ou outra colheita, mas colocar em causa a sobrevivência das videiras, pois na falta de água esta não tem forma de buscar os nutrientes do solo e distribuí-los de forma correcta na própria planta. Por isto, a rega é indispensável em muitas partes do Alentejo, sobretudo nos solos mais pobres e com baixa retenção de água.
Contudo, a rega não visa proporcionar à videira um acesso desmedido à água. O equilíbrio da área foliar e rega controlada são essenciais, sublinha Luís Cabral de Almeida. Até à fase do pintor (quando os bagos ganham cor) dá-se água à videira (quando a chuva não vem) para obter os nutrientes do solo, e construir a área foliar para garantir actividade fotossintética. A partir do pintor, limita-se a água, para a videira investir na maturação da fruta.
Por exemplo, o enólogo Pedro Hipólito tem um sistema de rega instalado na Herdade da Mingorra, pronto para qualquer eventualidade, mas nas vinhas velhas não tem sido preciso. Tem 7 talhões que nunca foram regados.
Entretanto, no Alentejo ainda existem vinhas de sequeiro, mas estas encontram-se plantadas em áreas muito especiais. Como conta António Maçanita, há zonas na região, onde as águas freáticas ficam mais perto da superfície, permitindo que as raízes das videiras possam chegar até lá. O produtor e enólogo Luís Louro, que em 2004 iniciou o seu projecto do Monte Branco, também tem algumas vinhas em sequeiro. Estas estão implantadas em solos mais profundos e relativamente férteis, num xisto argiloso, que tem melhor capacidade de retenção do que o xisto normal.
Tudo no sítio e momento certos
As castas certas no sítio certo + momento de vindima + filosofia do produtor: é este o segredo do sucesso. Conseguir potência no Alentejo é fácil, juntar a elegância, às vezes, é um desafio. Nos topos de gama a tentação de criar vinhos poderosos é natural e as principais castas também ajudam. A triologia de Alicante Bouschet, Aragonez e Trincadeira que predominam nos lotes de há 30 anos, proporcionam muita estrutura e potência, diz António Maçanita, enólogo e produtor com projectos em várias regiões do país. Cabernet e Syrah também ajudam à festa. As castas “mais fracas” como Castelão ou Alfrocheiro não são das mais presentes nos topos de gama. Mas há excepções.
Repetindo as palavras de Luís Louro, um vinho é um produto de vinha e filosofia. O principal foco é nas castas certas e na época de colheita. A principal preocupação é “colher maduro, mas nunca sobremaduro”.
António Maçanita partilha a sua experiência, referindo que Castelão, Tinta Carvalha e Alfrocheiro têm muita tolerância para o momento da vindima, enquanto o Moreto não. As castas tânicas como Aragonez, Alicante Bouschet ou Syrah se não forem vindimadas maduras, são verdes e difíceis.
As castas certas por vezes já se encontram numa vinha, sobretudo numa vinha velha bem adaptada ao local e que expressa o seu carácter único. Tivemos alguns exemplos interessantes nesta prova. O Chão dos Eremitas Os Paulistas, da Fita Preta, por exemplo, com as castas (curiosamente, não misturadas, o que facilita a vindima) Tinta Carvalha, Moreto, Castelão, Alfrocheiro e Trincadeira, plantadas há 50 anos.
A Vinha da Ira, da Mingorra, é uma pequena parcela de 2 ha, plantada nos anos 80. É um resultado da selecção massal de uma vinha mãe da Vidigueira. Chamava-se o Talhão de Alfrocheiro e no início fez muita confusão, porque quando a uva chegava à adega, era óbvio que não se tratava só de Alfrocheiro, até porque tinha muita uva tintureira. Em 2004 fizeram uma biblioteca genética das castas que tinham nesta vinha e estavam lá 12 variedades misturadas, onde 50% era Alicante Bouschet, também Aragonez, Touriga Nacional entre outras. O Alfrocheiro só representa 7% da vinha. Vindima-se tudo junto e o Alicante Bouschet serve de referência para a colheita.
Na Herdade do Peso, da Sogrape, o conceito do vinho Parcelas é diferente do Reserva, ou do Revelado, que têm que ter um determinado perfil. Os vinhos da gama Parcelas podem ter um perfil próprio em função do ano, explica Luís Cabral de Almeida. Por exemplo o Parcelas Block 21 é 100% Alicante Bouschet.
Dos produtores entrevistados, há unanimidade que o futuro passa muito pelas castas de ciclo longo: Touriga Nacional, Petit Verdot, Tinta Miúda, como exemplo.
A filosofia do produtor começa na escolha de terrenos e castas e acaba na abordagem na adega e até no tempo do estágio em garrafa antes de lançar para o mercado. Os produtores como Julian Reynolds ou Luís Louro não abdicam deste estágio o que sempre se reflecte no momento da prova.
Os estilos dos tintos do Alentejo
Normalmente fala-se de dois principais estilos de vinhos no Alentejo: um clássico (mais balsâmico, com bosque e resinas, com vegetal seco e até uma certa rusticidade) e um moderno, de grande polimento, com fruta mais imediata, mais intensa e mais presente.
Na realidade, o Alentejo é muito mais do que isto. Depois de provar mais de 50 vinhos, eu diria que existem quatro estilos: dois clássicos – um que consegue aliar potência à elegância (vinhos profundos, perfeitos em cada momento de contacto) e outro onde a potência predomina, com vinhos muito extraídos e alcoólicos, mornos e quase doces (secos tecnicamente, mas pela sensação da doçura de fruta sobremadura e muita presença de barrica). Estes últimos são bem-feitos e impactantes, impressionam ao primeiro gole, mas a partir do segundo o entusiasmo diminui.
Nos vinhos de estilo dito “moderno”, também há duas variações. Um é mais sensual e consensual, guloso, com fruta bonita, encorporando normalmente as “castas melhoradoras” no lote, como a Syrah ou Touriga Nacional. Uma espécie de Novo Mundo no Alentejo.
O outro “novo” estilo do Alentejo é uma regressão ao passado, dando protagonismo às castas antigas, com fruta simples e pura, sem o lustro da Touriga ou Syrah. Podem não ser tão consensuais, mas têm muito bom senso na sua essência, são pensados, ensaiados e bem interpretados. São elegantes com estrutura, extremamente precisos e sofisticados.
Com isto não pretendo dizer que tem que se excluir castas ou estilos. Há gostos para tudo. As tendências vêm e vão, e o que é realmente bom acaba por perdurar.
Castas: as nossas, as outras e o Alicante Bouschet
De acordo com o cadastro da CVR Alentejo, nos últimos dez anos a área de vinha tem crescido, tendo aumentado 4.003 hectares (21%) e em 2021 ocupou 23.277 ha. As castas tintas predominam com 79%. A vinha nas sub-regiões D.O. representa 72% da área total do Alentejo e 74% da produção total de uvas da região.
Nas castas tintas é notória a importância adquirida pelo Alicante Bouschet, que aumenta em área e representatividade na região e, com menor intensidade, também a Syrah e Touriga Nacional. Em diminuição estão as castas Aragonez, Trincadeira e Castelão, que perdem área e expressão na área vitícola.
As castas dividem-se em dois polos principais: portuguesas típicas do Alentejo (Aragonez, Trincadeira) ou vindas de outras regiões como a Touriga Nacional ou Touriga Franca, e estrangeiras como o Cabernet Sauvignon, a Syrah ou o Petit Verdot.
E depois há Alicante Bouschet que é a casta estrangeira mais portuguesa. Entrou no país há mais de 100 anos e ganhou a cidadania e reconhecimento que nunca teve no seu país natal. Luís Cabral de Almeida compara o percurso do Alicante Bouschet em Portugal como o do Malbec na Argentina: ambas as castas são de origem francesa e ambas encontraram a sua expressão máxima nos países de adopção. Hoje, Alicante Bouschet é parte importante da tipicidade dos vinhos do Alentejo e está em franco crescimento na região, sendo a segunda tinta mais plantada.
Para Luís Louro, Alicante Bouschet é uma casta fantástica que conjuga potência e acidez se for colhida a tempo. Tem uma parcela na zona de sequeiro que dá óptimos resultados.
Para Luís Cabral de Almeida, Alicante Bouschet é a garantia de fruta, cor e sabor, mas há que lhe aumentar a complexidade. Considera que não adianta forçar a extracção através de remontagens, por exemplo, pois vai-se extrair o que tem de bruto e agressivo. Prefere aplicar o engaço maduro na fermentação, que confere ao vinho tanino de meio de boca, diferente do tanino da madeira que é mais lateral.
Frederico Rosa Santos sublinha que as uvas de Alicante Bouschet têm de estar bem maduras e muitas vezes só amadurece a parte fenólica com o grau alcoólico alto. Não se dá bem em todo o lado. Mais a sul de Beja é demasiado quente para o Alicante e a ondas de calor em Julho ou Agosto fazem com que não amadureça. Fica bem de Estremoz para cima.
Das castas portuguesas, Aragonez continua a ser a uva mais plantada (com 23% de encepamento), mas não é de todo a mais amada. Muitos produtores reconhecem as suas limitações, começando por ser altamente sensível à produção. Se não for controlada, não consegue amadurecer a parte fenólica e apresenta taninos verdes e duros. Também precisa de amplitudes térmicas significativas.
Pedro Hipólito, enólogo da Herdade da Mingorra, conta que quando temperatura se mantém durante algum tempo acima dos 35˚C, a videira fecha os estomas e deixa de funcionar. Ainda por cima, como se sabe, o Aragonez com o stress hídrico sacrifica folhas o que faz difícil a sua maturação posterior.
Usar o clone certo também é importante. Frederico Rosa Santos conta que quando decidiram plantar Aragonez na propriedade da família, foram buscar o clone de Tinta de Toro num viveirista em Navarra. A vinha, no seu máximo, produz 4 tn/ha.
A Trincadeira, outrora muito popular, mantém-se em 3º lugar com 14,9% de encepamento, mas está a perder posição. Os enólogos são da opinião que com produções elevadas, perde todo o carácter e torna-se muito vegetal, fazendo lembrar um “mau Cabernet do Alentejo”. É capaz de produzir excelentes vinhos mas tem que se descobrir o seu ponto de equilíbrio. A casta também não gosta do stress hídrico, embora o aguente melhor que o Aragonez mas, se for preciso, vai buscar água aos bagos desidratando-os.
Já Luís Louro defende esta casta polémica, afirmando que cada vez gosta mais dela. No lote com Alicante Bouschet tira-lhe a brutalidade. Basta 15% e já se nota a diferença, diz.
A Touriga Nacional é a 5ª casta mais plantada no Alentejo, ocupando 8% de encepamento e com tendência a crescer. Há muitos argumentos a favor, começando por ser de maturação longa o que traz vantagens no Alentejo. Frederico Rosa Santos reconhece que a casta aguenta muito bem a seca, e o bago está sempre túrgido. Aromaticamente agradável, mas às vezes no Alentejo torna-se um pouco enjoativa, com violetas em excesso e canela.
Ainda se fala pouco da Tinta Miúda que representa apenas 0,5% de encepamento da região, mas já há produtores atentos a esta casta. Luís Louro gosta dela porque é poderosa, com concentração e intensidade, é menos rústica do que o Alicante Bouschet, tem classe.
Das castas estrangeiras mais recentes destaca-se claramente a Syrah, cujas plantações têm vindo a crescer e que hoje em dia fica no 4º lugar com 12%.
Frederico Rosa Santos não tem dúvidas que Syrah se dá bem em todo o lado, variando em estilo. Pedro Hipólito repara que até num ano bem difícil como este, teve uma boa evolução. Luís Louro reconhece que é uma casta fácil, melhoradora, mas acha que se impõe muito e tira a identidade aos vinhos. António Maçanita admite que Syrah em monocasta pode expressar o terroir e é capaz de ser interessante, mas no lote marca demasiado. Melhora sim, mas desvirtua o perfil, como a Touriga Nacional.
Embora o Cabernet Sauvignon tenha chegado ao Alentejo mais cedo do que a Syrah e ocupe uma área significativa (4,4% do encepamento, 7ª casta mais plantada) a sua presença está lentamente a diminuir. Faz parte de muitos lotes, mas não identifica a região.
Pedro Hipólito explica isto pelo ciclo do Cabernet Sauvignon ser relativamente curto para o Alentejo. Com um tipo de taninos próprio e o lado herbáceo, a casta necessita de tempo de maturação. E no Altentejo os ciclos estão a encurtar. Antigamente vindimava-se de Setembro até quase início de Outubro e agora começa-se no início de Agosto. O Cabernet pode ter 15% de álcool e continuar vegetal o que de todo não se enquadra no perfil dos vinhos que procuram. Por isto, na Herdade da Mingorra, que fica a 15 km a sul de Beja, numa zona muito quente, acabou-se com o Cabernet Sauvignon.
Frederico Rosa Santos sempre teve reticências relativametne ao Cabernet no Alentejo. É demasiado quente para a casta, acredita. Os bagos relativamente pequenos rapidamente transformam-se em passas. Mas reconhece que em bons anos beneficia alguns lotes.
Uma estrela em ascenção é o Petit Verdot que se dá lindamente no Alentejo e agora ocupa 1,9% da plantação. Para Frederico Rosa Santos foi uma agradável surpresa depois de a ter provado durante um estágio em Bordeaux, onde não tem condições para amadurecer bem a parte fenólica, ficando muito dura e difícil. Por cá, a casta apresenta tanino maduro, sensação de boca e corpo, fica muito mais completa e equilibrada. E pode produzir imenso sem diminuir a qualidade. António Maçanita está de acordo e diz que o Petit Verdot funciona como um relógio suíço, sem problemas sanitários, muito no registo de Alicante Bouschet, ou seja, não marca demasiado, não passa por cima do perfil da região.
Os tintos do Alentejo, como se vê, são em si mesmo um mundo. Feito de corpo, maturação, vigor, mas também elegância, finura, frescura. Os estilos abundam, a qualidade também. É bom que assim seja: nenhum apreciador sai insatisfeito.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2022)
Lynch-Bages e Xisto 20 anos de união
O justamente famoso Rei dos Leitões, na Mealhada, serviu de palco para um “confronto” amigável de dois grandes vinhos – Château Lynch-Bages de Bordeaux e Xisto da Roquette & Cazes do Douro – onde os vencedores foram todos os presentes neste jantar memorável organizado pelo Club Direct Wine. Texto: Valéria Zeferino Foto de abertura: Anabela […]
O justamente famoso Rei dos Leitões, na Mealhada, serviu de palco para um “confronto” amigável de dois grandes vinhos – Château Lynch-Bages de Bordeaux e Xisto da Roquette & Cazes do Douro – onde os vencedores foram todos os presentes neste jantar memorável organizado pelo Club Direct Wine.
Texto: Valéria Zeferino Foto de abertura: Anabela Trindade
Já não é a primeira vez que o Raul Riba D’Ave organiza eventos de grande nível e interesse didáctico destinados aos enófilos, como o “Barca Velha 2011 contra Vega Sicilia 2011” ou “Mini Julgamento de Paris”, onde se comparou numa prova cega 3 vinhos franceses e 3 vinhos da California. O objectivo destes eventos é abrir os horizontes, provando e desfrutando o melhor do que se faz por cá e no mundo.
Esta noite dedicada a duas grandes regiões, Bordeaux e Douro, e onde o único intruso foi o espumante de boas-vindas Sílica Super Reserva, abriu com o vinho branco orgânico Michel Lynch 2021 (90% de Sauvignon Blanc e 10% de Semillon) a acompanhar na perfeição as vieiras com salicórnia e vinagreta de maçã. Com o bacalhau com trufa e cogumelos em manteiga de alho negro alinhou o Roquette & Cazes 2019 com 18 meses em barrica de carvalho francês de 2º e 3º ano.
Mas as duas estrelas da noite, uma bordalesa e outra duriense, eram o Château Lynch Bages e o Xisto, ambos de 2018. Há muito que os une – os seus criadores, a ambição associada, o profissionalismo de quem os faz e, consequentemente, o nível de qualidade mundial. Também são evidentes os factores que diferenciam estes grandes vinhos – a região, as castas, as condições em que são feitos. Pauillac com o seu clima marítimo, solos de argila e areia misturadas com cascalho, onde se procura uma boa drenagem e o Douro Superior com clima mediterrânico continental e solos de xisto, onde a capacidade de retenção ganha importância pela falta de água, não têm mesmo nada em comum.
Raul Riba D’Ave apresentou o Château Lynch Bages que pertence à família Cazes desde o final da 2ª Guerra Mundial. A propriedade faz parte da mundialmente conhecida Classificação de Bordeaux de 1855, elaborada com base nos preços dos vinhos na altura. Os châteaux ficaram arrumados em 5 níveis, de Premières Crus com vinhos mais reputados e caros até Cinquièmes Crus no último nível do ranking. Os Grand Crus Classé correspondem apenas a 2% do vinho produzido em Bordeaux, mas fazem-lhe o nome.
O Château Lynch Bages em 1855 integrou no Cinquièmes Crus. Desde então, a Classificação mantém-se inalterada (com apenas duas modificações). É ponto assente entre profissionais e apreciadores que a hierarquia de antigamente está completamente desajustada do mercado actual e não reflecte a realidade de hoje, na qualidade e no preço. Assim, existem châteaux no 5º nível que praticam (e o mercado aceita) os preços bem acima do seu patamar e, como é o caso do Lynch Bages ou Pontet Canet, acima de muitos Deuxièmes Crus, porque a sua qualidade e reputação supera largamente a classificação oficial.
O 2018 foi um ano bom em Bordeaux, onde o bom significa um ano quente. O lote é tipicamente bordalês da margem esquerda, com 72% Cabernet Sauvignon, 19% Merlot, 6% Cabernet Franc, 3% Petit Verdot. Depois da habitual longa maceração, estagiou em barricas de carvalho francês (75% novas) durante 18 meses.
O Château Lynch Bages 2018 é concentrado e sólido no aroma, com sugestões de mirtilo, chocolate negro e pimenta preta, deixando transparecer algumas bagas vermelhas e ervas aromáticas. Tanino magistral, corpo monolítico, muito íntegro, com textura em camadas e imensa frescura. No sabor revela nuances de eucalipto, belíssima fruta fresca, café verde um toque savory. Persiste no acompanhamento de prato, elevando-o.
Da amizade e parceria entre a família Roquette, já há muito ligada ao Douro através da Quinta do Crasto, e a família Cazes, proprietária do Château Lynch Bages em Pauillac, nasceu o projecto Roquette & Cazes em 2002. Este ano faz 20 anos. O responsável de enologia do lado português é Manuel Lobo, que também é o enólogo da Quinta do Crasto, e do lado francês, Daniel Llose, o enólogo do Lynch Bages. A ambição de produzir um grande vinho no Douro não perseguiu a ideia de fazer uma réplica de Bordeaux, mas sim, explorar o potencial do Douro Superior.
Manuel Lobo apresentou o Xisto 2018, explicando que só é feito em anos verdadeiramente excepcionais. No Douro há colheitas mais difíceis onde não é possível atingir a qualidade para um vinho de topo.
O lote é típico duriense com Touriga Nacional, Touriga Franca e Tinta Roriz – todas vinificadas em separado em cubas troncocónicas para promover a extração mais homogénea em todas as partes da manta quando fazem a délestage. Procuram concentração e complexidade com elegância. O estágio decorreu em barricas de 225 litros do fornecedor do Château Lynch Bages durante 20 meses.
Tudo isto resultou num vinho com aroma profundo de amora madura, eucalipto, esteva, notas terrosas, algum couro e leve cogumelo. Refinado de sabor e corpo possante com polimento magistral, fruta pura e madeira perfeitamente integrada. Com este gabarito todo, não peca por falta de frescura a acompanhar a refeição, termina expressivo e muito longo.
Ambos os vinhos se fizeram grandes aliados ao prato principal de saboroso cordeiro com queijo de cabra e pimentos. Finalizámos com um belíssimo Sauternes de Château Siduiraut 2010, feito também por Daniel Llose, a acompanhar a sobremesa – créme brulée com alperce e merengue.
Dedicada à distribuição de vinhos internacionais e portugueses, com um grande portefolio a contar com referências das regiões mais emblemáticas do Velho e do Novo Mundo, a Direct Wine também atua na área de formação WSET até ao nível 3. Já o Club Direct Wine idealizado por Raul Riba D’Ave reúne os entusiastas do vinho em torno de novas experiências. A diferença de preço entre as duas estrelas da prova reflecte, sobretudo, a notoriedade internacional de cada marca e região: o Château Lynch Bages anda entre €180 e €200€ e o Xisto custa cerca de €80, um valor já bem acima da média dos vinhos de topo em Portugal.
(Artigo publicado na edição de Outubro 2022)
Entrevista: Diogo Lopes, o enólogo de quem se fala
Aos 44 anos de idade, Diogo Lopes é hoje um dos nomes mais falados e unanimemente apreciados da “moderna” enologia portuguesa, emprestando o seu talento a sete distintos projectos vitivinícolas e com mais alguns em carteira. Para comemorar a sua 20ª vindima (na verdade, são 21, contando com a actual), encontrámo-nos à mesa para conversar […]
Aos 44 anos de idade, Diogo Lopes é hoje um dos nomes mais falados e unanimemente apreciados da “moderna” enologia portuguesa, emprestando o seu talento a sete distintos projectos vitivinícolas e com mais alguns em carteira. Para comemorar a sua 20ª vindima (na verdade, são 21, contando com a actual), encontrámo-nos à mesa para conversar e abrir algumas garrafas que espelham o seu trabalho e a sua visão do mundo do vinho.
Texto e Notas de Prova: Luís Lopes Fotos: D.R.
Lisboeta de nascimento (1978), foi o entanto o campo e não a urbe que o motivou para escolher a profissão. Entre 1999 e 2004 estudou Engenharia Agronómica no Instituto Superior de Agronomia com especialização em Viticultura e Enologia. E foi enquanto estudante que visitou o primeiro Encontro com o Vinho, então ainda realizado em Santa Apolónia, com o fito de conhecer “as pessoas do vinho” e em particular os que mais admirava, João Portugal Ramos e Anselmo Mendes. Com este último, acabaria depois por estabelecer uma estreita relação pessoal e profissional que se estende intocada até aos dias de hoje. Quando Diogo Lopes menciona o “Mestre” (assim, com maiúsculas), já toda a gente sabe a quem se refere. A primeira vindima como estagiário ocorreu em 2001, da adega dos Vinhos Borges, na Lixa. Nunca mais falhou uma: 2002 com Anselmo Mendes, em Monção; 2003 em Napa Valley, na Califórnia; 2004 na Quinta de Lourosa (propriedade do seu orientador final de curso, professor Rogério de Castro). No âmbito, precisamente, desse trabalho final de curso, passou o ano de 2004 entre a Bairrada e os Vinhos Verdes integrado no projecto Lusocastas, que visava estudar os diferentes sistemas de condução para as principais castas portuguesas nessas regiões. Rogério de Castro e Amândio Cruz foram os seus coordenadores e cimentou-se aí uma paixão pela terra, pela videira, que se desenvolveu nos anos seguinte e que marca claramente o seu trabalho enquanto enólogo. Na vertente enológica, os conhecimentos foram aprofundados com uma pós-graduação em Enologia na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica no Porto.
O percurso enquanto profissional “à séria” (ou seja, enólogo residente) iniciou-se em 2005, em Cabeção, na Sociedade Agrícola do Vale de Joana, onde Anselmo Mendes era consultor. Ficou em Cabeção até 2010, começando aí um percurso de consultorias em parceria com “o Mestre” que o levaram ao Couteiro-Mor e, mais tarde, à Adega Mãe, ainda hoje, porventura, o projecto que mais visibilidade lhe trouxe e continua a trazer. Vieram outros, entretanto, alguns de onde já se desligou (Morais Rocha, na Vidigueira e Herdade de Vale D’Évora, em Mértola) e outros onde se mantém em plena actividade e com máximo empenho: Vinhos Magma (na Terceira, Açores, com Anselmo Mendes), Cazas Novas (em Baião, na maior vinha de Avesso – 36 ha – onde trabalha em parceria empresarial com a família proprietária, Cunha Coutinho, e dois outros sócios), Herdade Grande, na Vidigueira, Kranemann Wine Estates, no Vale do Távora, Douro e Herdade do Freixo, Redondo.
Já muito com que se entreter, mas Diogo Lopes não vai ficar por aqui. O enólogo admite ter “em construção” três novos projectos: um, em Melides, “8 ha de uma vinha de sequeiro muito especial”; outro em Alvito, “20 ha de vinha numa das mais históricas propriedades do Alentejo”; e um outro na Beira Interior, “com o meu primo, no projecto Vale do Griz, 6 ha apenas com castas regionais”.
Mas quem é, na verdade, Diogo Lopes? Quais as suas referências, o que o motiva, que vinhos ainda quer fazer? Foi o que fiquei a saber após algumas horas de conversa e mais de uma dúzia de vinhos provados (e, em boa parte, bebidos…). Segue a entrevista.
O que o fez encarar a vinha e vinho como carreira profissional?
Nasci em Lisboa mas tive uma infância com uma base rural muito forte. Na verdade, férias para mim era ir ter com os meus avós à Beira e participar nas diversas actividades agrícolas. Eles eram agricultores, faziam um pouco de tudo, mas a vinha e o vinho eram o orgulho máximo do meu avô. Eu penso que a motivação deve ter vindo daí. Estudei no Colégio Militar, ainda fui para a Academia Naval para seguir o curso de oficial de Marinha, mas após um ano, a paixão pela Agronomia era muito maior. E então resolvi ingressar no ISA. Dentro do curso, foi só após ter travado conhecimento com o professor Rogério de Castro que a decisão de apontar baterias para a Viticultura e Enologia foi tomada. Foi ele quem me conduziu à conversa com o Anselmo Mendes para fazer o primeiro estágio de enologia em 2001. E a partir daí tudo se desencadeou.
Os primeiros anos na profissão, muitas vezes, definem o modo de estar de um profissional. Onde mais aprendeu, o que o surpreendeu, que influências teve?
O curso de Agronomia é fundamentalmente teórico. Os meus primeiros anos a “meter a mão na massa” serviram muito e foram fundamentais para ter contacto com os aspectos práticos do trabalho como enólogo. Na verdade, um enólogo faz muito mais coisas do que só a enologia pura… Há os aspectos burocráticos com as CVR, as encomendas de materiais para engarrafar, a própria manutenção dos equipamentos, gestão do pessoal. Nos primeiros anos creio que todas as semanas aconteciam coisas que eu nunca tinha feito. Desafios pequenos, mas onde é preciso encontrar soluções práticas e rápidas.
E agora entro na parte das influências. Tenho tido a sorte de me cruzar com muita gente e “beber” muitos ensinamentos, mas tenho de relevar um nome: Anselmo Mendes. O Anselmo Mendes sempre me ajudou a criar e a ter um método que seja desbloqueador e descomplicador de situações. Isso foi uma enorme ajuda. Mas o Mestre significou muito mais do que uma primeira oportunidade. Significou testemunhar os processos de experimentação que levava, em particular, em torno do Alvarinho. De um momento para o outro dei por mim a fazer estudos de fermentação em carvalho de diferentes florestas, com diferentes tostas, à procura das expressões mais genuínas das castas. E essa ideia da experimentação e da procura do que é mais genuíno ficou para sempre; acho que define muito do que continua a ser o meu trabalho. Agora dou por mim a fazer testes e mais testes e a descobrir o potencial do Avesso, ou do incrível Viosinho de Lisboa; o Vital em madeira e no ovo de cimento; os Pinot atlânticos; o Sousão e os Potes de Barro da Vidigueira, o carácter vulcânico dos Biscoitos.
Seja porque os anos e o clima mudam, seja porque a viticultura evoluiu, seja porque temos um património brutal de castas por potenciar em Portugal, a nossa atividade de enologia é dinâmica e uma descoberta permanente. E a minha descoberta começou com o Mestre! E depois achamos que fazemos um grande vinho, metemo-nos no avião, vamos à Borgonha e a Sancerre, ou vamos à Rioja, à África do Sul, ou mesmo ao novo mundo, Oregon, Napa, Mendoza… e somos surrados por novas influências, novas inspirações, que nos motivam sempre uma experiência… As viagens “vínicas” servem para apreender imenso.
Alentejo, Lisboa, Douro, Vinhos Verdes e Açores são as regiões onde Diogo Lopes espraia o seu talento.
Iniciou a carreira na vindima de 2001, um ano de boas memórias. O que mais o marcou nessa vindima?
Foi uma experiência incrível na Borges. Até ali, as minhas vindimas eram as feitas na Beira, nos lagares do meu avô. Na Borges tudo era enorme. Tudo muito mais mecânico e muito mais prático. Lembro-me que logo no meu primeiro dia, trabalhámos mais de 12 horas e adorei. O cheiro da fermentação do Loureiro é algo que nunca mais irei esquecer…
Ao longo de quase 21 vindimas feitas (contando com esta que vai a meio) quais as que lembra pela positiva e pela negativa e porquê?
2002 pela negativa. Aquilo foi chuva sem parar durante todo o setembro. 2014 também foi muito complicado, estava tudo no ponto mas depois começou a chover e estragou muita coisa. Pela positiva, 2012 e 2017. Anos perfeitos em equilíbrio. Nestes anos só é preciso não estragar, mesmo. Isso sim, é intervenção mínima!
Trabalha hoje em diversos produtores e distintas regiões (Alentejo, Lisboa, Douro, Vinhos Verdes e Açores) cada uma com suas características. Do ponto de vista de enólogo, o que destaca em cada região e quais os principais desafios/dificuldades?
É super-desafiante trabalhar em regiões tão diferentes. Cada uma tem o seu lado especial e temos de nos adaptar para sabermos tirar o melhor. Na região de Lisboa, a influência do Atlântico é talvez a característica mais diferenciadora e temos de saber aproveitá-la de modo a ter vinhos carregados de autenticidade. O maior desafio é a mentalidade dos viticultores locais que, por vezes, ainda estão muito vocacionados para produzirem volume em detrimento da qualidade. Mas essa mentalidade vai mudando aos poucos. Lisboa é, quanto a mim, a região do continente mais genuinamente atlântica e isso espelha-se na originalidade e qualidade dos seus vinhos, em particular nos brancos. Acredito que a região tem tudo para vir a afirmar-se a nível nacional (na exportação já é um sucesso, mas sobretudo com vinhos de entrada de gama) e para contribuir de forma muito consistente para a afirmação dos vinhos brancos portugueses no mundo. Assim consigamos confirmar todo o potencial existente e alavancar essa grande marca que é o próprio nome Lisboa.
No Douro, destaco a magia das vinhas velhas. As vinhas velhas são um legado que nos foi deixado pelos nossos antepassados e temos de o saber interpretar. A maior dificuldade na região, é a escassez de mão de obra. Todos os anos vejo o rancho das pessoas que vindimam connosco e vejo-o a envelhecer, não há renovação e isso é muito, muito preocupante. Trabalhar num Douro de altitude e virado a Norte (como é o caso da Kranemann) também é desafiante, temos sempre de gastar mais tempo a explicar os vinhos. São, na verdade, vinhos de um outro Douro…
O que gosto mais no Alentejo? A resposta pode chocar alguns, mas aí vai: a maturação das uvas. Contrariamente ao que se podia pensar, considero que o Alentejo tem um clima perfeito para o amadurecimento das uvas. Ficamos com vinhos com uma belíssima estrutura tânica e muito fáceis de beber. Uma das grandes ameaças, no entanto, é o aquecimento global, os fenómenos extremos são cada vez mais constantes e impactam directamente na qualidade final das uvas. A falta de água é outro desafio constante.
Na ilha Terceira e na região de Biscoitos, temos a originalidade dos vinhos vulcânicos. São vinhos verdadeiramente diferentes, com notas únicas e que nos transportam para a ilha. São os Açores em estado puro e sem qualquer tipo de máscara. Ali, a maior dificuldade tem sido a luta contra a pressão imobiliária, que nos Biscoitos é constante e tem levado a um grande abandono da vinha. A par de Carcavelos, os Biscoitos são, certamente, a DO mais ameaçada do país.
Finalmente, na região dos Vinho Verde, a revelação está no Avesso. Mais uma casta branca portuguesa de enorme potencial, que se tem mostrado sempre muito interessante nos diferentes processos de vinificação, com e sem madeira. E que expressa uma zona muito específica, Baião, que carece também de ser valorizada. A grande dificuldade está em explicar que este é um Vinho Verde diferente, longe do “gás e açúcar” com que muitos o identificam. Mudar essa percepção nem sempre é fácil.
Com tantos projectos, regiões, vinhos são muitas as variedades de uva que lhe passam pelas mãos. Quais as que mais gosta e porquê?
Nas brancas, o Arinto e o Viosinho. Na verdade, quase que destacava todas as castas brancas, pois é a minha convicção que temos o maior património de castas brancas do mundo, todas carregadas de originalidade. Mas adoro a versatilidade do Arinto, é uma casta que dá para fazer quase tudo e para melhorar quase tudo. Facilita imenso o meu trabalho.
O Viosinho é talvez a variedade branca com que mais trabalho e a uva que mais expressão tem ganho nos meus projectos. Quando vindimada no ponto óptimo, enriquece muito os vinhos, com estrutura e mineralidade.
Nas tintas, a Touriga Franca, do Douro ao Alentejo, entra sempre nos lotes dos melhores tintos que faço. É uma casta desafiante e que pode originar vinhos emblemáticos. Tenho de destacar também o Sousão, a casta que mais me surpreendeu nos últimos anos, com vinhos verdadeiramente originais.
Um enólogo consultor relaciona-se com vários produtores, com diferentes dimensões, objectivos, posicionamentos de mercado e, até, personalidades, pois as empresas são, sempre, as pessoas que as compõem. Como é lidar com tudo isto no dia a dia?
Creio que se construiu uma certa imagem do enólogo enquanto estrela do sector, uma espécie de tipo que vive apenas a parte mais glamourosa do trabalho, que não dá cavaco a ninguém, mas a realidade é outra: a nossa responsabilidade tem de ser transversal. Temos de ter a humildade de nos saber integrar nos desafios da gestão, da viticultura, da produção e das vendas, porque sem sustentabilidade no negócio não existe futuro. A competência do enólogo também se manifesta na capacidade de entender os projectos que abraça e as pessoas com que se relaciona. Superamos desafios todos os dias, partilhamos opiniões diferentes muitas vezes, mas é possível alinharmos as ideias e concretizar objetivos que realizem todas as partes. Eu tenho um certo privilégio que é poder trabalhar em equipas que funcionam muito bem. E aqui tenho de ressalvar um ponto: equipas de dezenas de pessoas (desde os que andam de enxada nas vinhas, ou de mala de viagem cheia de vinhos, perdidos em aeroportos) que estão nos bastidores, mas que são cruciais. E nós, enólogos, somos apenas mais um elemento na máquina.
Enquanto enólogo tem um estilo, um perfil de vinho que é o “seu”? E procura que esse perfil seja evidente nos vinhos que trabalha ou tem em linha de conta o terroir, o objectivo comercial (e até o gosto pessoal) do seu cliente produtor?
Eu tento sempre que os vinhos sejam uma expressão do local de onde vêm. Acho fundamental que o enólogo tente respeitar o terroir; quando trabalhamos com diversos produtores a última coisa que quero é que se diga que os vinhos são todos iguais. Mas também admito que possa haver pontos comuns, pois enquanto técnico privilégio sempre a acidez natural e o equilibro dos vinhos e tento tomar decisões que vão ao encontro disso mesmo. E naturalmente, as decisões são sempre coordenadas com os produtores com que trabalho, pois os vinhos têm de corresponder às expectativas que eles têm.
Que vinho (tipo/categoria/região) ainda não fez e gostaria de fazer?
Gostava muito de fazer um vinho em Colares, em chão de areia. São vinhos sempre inebriantes, salgados, com máxima expressão Atlântica. Espero um dia conseguir fazer um.
Mais tarde ou mais cedo, boa parte dos consultores acabam por tornar-se também produtores, em maior ou menor escala. A produção faz parte do seu plano?
Sempre tive o sonho de fazer um vinho na Beira Interior, na terra dos meus avós. Foi aí que tudo começou para mim e um dia destes haverei de lá chegar. A propriedade já existe e a realização desse sonho está para mais breve do que já esteve…
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2022)
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