A Escolha do Mestre: Jaen, uma casta com futuro promissor

O interesse que Álvaro Palácios mostrou pelas vinhas velhas da casta Mencia, em Bierzo, no final do século passado foi o factor que ajudou catalizar o renascimento da variedade. Gradualmente seus vinhos foram recebendo atenção de profissionais e consumidores e deram início ao novo capítulo da história dessa cativante casta que em Portugal é conhecida […]

O interesse que Álvaro Palácios mostrou pelas vinhas velhas da casta Mencia, em Bierzo, no final do século passado foi o factor que ajudou catalizar o renascimento da variedade. Gradualmente seus vinhos foram recebendo atenção de profissionais e consumidores e deram início ao novo capítulo da história dessa cativante casta que em Portugal é conhecida como Jaen.

TEXTO Dirceu Vianna Junior MW
FOTOS Arquivo

A origem da casta continua sendo um mistério, mas é provável que tenha surgido não muito distante das fronteiras de Portugal, possivelmente em Salamanca, província de León, onde sua heterogeneidade morfológica é mais acentuada. Poucas referências confiáveis da casta existem antes do período da filoxera. Em Portugal, a casta era praticamente desconhecida até o final do seculo XIX, mas aparece em textos de Garcia de los Salomons em 1914. A genealogia da casta também continuou sendo outro mistério por muitos anos com textos sugerindo afinidade com Cabernet Franc e Graciano. Entretanto um estudo realizado pelo Instituto de Ciencias de la Vid y del Vino da Espanha e a Universidade de Lisboa, entre outras entidades, revelou recentemente Alfrocheiro como pai, e Patorra como mãe. A literatura sugere que a casta chegou em Portugal através de peregrinos retornando do caminho de Santiago da Compostela. De acordo com o Instituto da Vinha e do Vinho já existiam 1.101 ha plantados em Portugal em 1980. As plantações cresceram nas décadas seguintes e hoje totalizam 2.769,47 ha. Jaen adaptou-se muito bem na região do Dão onde hoje estão as maiores áreas plantadas. Aparece também no Douro, Bairrada, Lisboa, Tejo e continua a espalhar-se pelo país. O facto de apreciar os vinhos da região de Bierzo levou o renomado enólogo Rui Roboredo Madeira a plantar Jaen na Beira Interior em 2011.

Jaen no seu Terroir  

Paulo Nunes, talentoso enólogo responsável pelos vinhos da Casa da Passarella, identifica principalmente a seleção do terroir como factor determinante, visto que Jaen responde positivamente quando plantada em locais que ajudam retardar o ciclo de maturação para que a fruta seja capaz de manter a acidez à medida que atinge a maturação fenólica. Para Paulo, encostas voltadas ao norte com menor exposição solar e solos que contenham argila são o melhor local. Rui Madeira estabeleceu seus vinhedos em solos argilo-xistosos com exposição sul, enquanto a altitude de 700 metros assegura amplitudes térmicas consideráveis entre dias quentes e noites frescas que auxiliam a manter o a frescura. São essas características, aliadas à contenção da produtividade, inferior a cinco toneladas por hectare, os factores que determinam o estilo e a qualidade do seu vinho.  O terroir das Quinta das Maias, situado no pé da Serra da Estrela, aos 600 metros de altitude, consiste de solos porosos de areia granítica com baixa retenção de água. Em dias de verão, a temperatura poder chegar aos 40ºC mas as noites frias ajudam a vinha a descansar e reter acidez. A Jaen é capaz de adaptar-se bem a vários tipos de solo desde que não sejam demasiadamente húmidos.

Casa da Passarella.

Jaen no Campo

Apesar de Jaen ser amiga do viticultor, o processo de selecção do material vegetativo é vital. Paulo Nunes explica que no passado a escolha frequentemente priorizava a produtividade. Luís Lourenço, responsável pela produção na Quinta das Maias no Dão, diz que as vinhas foram plantadas usando seleções poli-clonais. Rui Madeira também optou por plantar uma selecção de múltiplos clones e mostra-se contente com o desempenho dos parâmetros qualitativos. Mas a monda verde é sempre necessária, com algumas excepções.

Para Paulo Nunes as mondas são fundamentais, especialmente em vinhas novas. Em vinhedos mais velhos não observa problemas. Além disso, a desfolha junto ao cacho, antes dos bagos começarem a crescer, também é importante pois ajuda afastar os riscos de doenças.

A planta possui porte erecto e, dependendo do solo, é vigorosa. É recomendável controlar o vigor através de poda curta e ter cuidado com a fertilização. Rui Madeira diz que um dos maiores desafios é a gestão da canópia. Dependendo do local onde está plantada Jaen é susceptível a danos com o vento. Para Luís Lourenço a gestão da parede vegetativa é relativamente fácil, ao contrário da Touriga Nacional que exige imenso trabalho.

Os cachos exibem formato cónico e compacto. O tamanho dos cachos e dos bagos, depende da seleção clonal e fertilidade do solo, mas raramente são grandes. Os bagos arredondados, de cor negro-azul e película fina demandam cuidados para evitar ataques de míldio, oídio e podridão, mas Rui Madeira observa que na Beira Interior tem produtividade regular e é pouco sensível a doenças.

Por ser uma casta cujo abrolhamento é tardio, escapa à geada primaveril diz Luís Lourenço. Jaen por regra amadurece precocemente oferecendo uma espécie de seguro de colheita, o que é importante em região como o Dão onde as chuvas de outono podem trazer certos riscos.

Hora da vindima

Na Quinta das Maias é a primeira a ser vindimada, por vezes, a par da Malvasia Fina. Luís Lourenço diz que em anos normais a colheita é feita na segunda semana de Setembro. Paulo Nunes observa precocidade similar e explica que em vinhas velhas é possível estender um pouco o ciclo passando para a primeira das castas tintas, após as brancas. Na Beira Interior, Rui Madeira revela que a colheita pode ocorrer entre a terceira semana de Setembro até à primeira de Outubro, normalmente cerca de quinze dias antes da Tinta Roriz.

O momento certo de fazer a colheita é uma decisão fundamental visto que a janela de vindima para a casta Jaen é curta. Paulo Nunes explica que colher demasiadamente cedo resulta em vinhos com rusticidade e notas vegetais. Por outro lado, colher demasiadamente tarde, pode resultar em vinhos com perfil desequilibrado, principalmente no que respeita à conservação de ácidos. Luís Lourenço analisa a maturação usando refractómetro, fazendo uso de leitura de parâmetros técnicos e levando em consideração a maturação fenólica através de sua avaliação sensorial da película, polpa e grainha. Rui Madeira aponta a maturação fenólica como um dos principais parâmetros. Luís Lourenço diz que é preciso estar alerta pois Jaen perde acidez rapidamente a partir do momento que começa a produzir mais açúcar. De forma geral, Paulo Nunes conclui que os índices polifenólicos são a matriz que ajudam decidir a data da vindima e os açúcares  e componentes ácidos são os limitadores que auxiliam tomar a decisão do momento correto.

Rendimento adequado

Quando plantada em local apropriado é capaz de produzir bons vinhos para lote mesmo atingindo dez toneladas por hectare, explica Paulo Nunes. Em vinhas velhas, recomenda não exceder sete toneladas na busca de um produto de qualidade superior. Luís Lourenço confessa que na Quinta das Maia, na década de 90, quando iniciou o trabalho com o objetivo de fazer um varietal de alta gama, adotava uma abordagem conservadora, não deixando a Jaen exceder quatro toneladas por hectare. Anos de experiência os ensinou que é possível obter produções entre as seis e oito toneladas sem que haja decréscimo de qualidade.  Excessos de produção resultam em vinhos diluídos, magros,  acídulos e com baixo grau alcoólico.

Beyra, Rui Roboredo Madeira.

Jaen na Adega

Uma das vantagens da casta Jaen na adega é sua versatilidade. Apesar de ter pouca matéria corante e baixa acidez natural é uma casta moldável além de ser relativamente homogénea na qualidade do produto final. Luís Lourenço declara que Jaen é uma das castas mais delicadas com que trabalha e recomenda prudência. Na Quinta das Mais actualmente é feito o desengace total. No passado, não fazia diferença, pois os vinhos estagiavam entre 5 e 7 anos antes de serem comercializados. Hoje seguem ao mercado mais cedo por isso é preciso evitar taninos desarmoniosos, principalmente se o engaço ainda estiver verde. Para Paulo Nunes, o uso do engaço pode ser uma ferramenta interessante e diz utilizar com mais regularidade. Além disso, prefere apostar em maceração pré-fermentativa para privilegiar a fruta e opta por fazer vinificações mais longas. O oposto de Luís Lourenço que adianta que é comum retirar o Jaen das massas antes mesmo da fermentação terminar. Rui Madeira também opta pelo mínimo de maceração para evitar quaisquer traços vegetais.

Um dos principais desafios durante o processo de vinificação é fazer a extracção com delicadeza pelo fato da película ser frágil. É preciso cautela para não destruir as películas durante as remontagens para evitar a extração de taninos sub-maduros. Uma das soluções, segundo Luís Lourenço, é apontar a mangueira de remontagem para as laterais da cuba de fermentação para que o mosto filtre pelo perímetro do manto conseguindo a extração desejada sem comprometer a integridade da casta e o equilíbrio do vinho.

Rui Madeira observa que as fermentações espontâneas são uniformes, sem problemas nutritivos e prefere vinificação em cubas de cimento que na sua opinião causa menos stress nas leveduras.  Paulo Nunes concorda com o uso de cimento e prefere cuba fechada que permite diminuir a acção mecânica e aumentar o tempo de contato com as massas vínicas. A opção preferida para Luís Lourenço é fermentar em inox buscando temperaturas entre 25º e 28º Celsius. Ocasionalmente opta por estagiar o vinho em barricas, se necessário. Nesse caso prefere barricas velhas buscando principalmente a micro-oxigenação e não que o vinho fique marcado pelos aromas e sabores associados aos barris. Paulo Nunes também facilmente dispensa barrica, mas quando necessário concorda com o uso de barricas velhas. O uso exagerado de madeira resulta na perda da definição e tipicidade da casta.

Na opinião de Luís Lourenço, Jaen é a melhor casta para arredondar lotes, seja para amaciar os taninos firmes da Touriga Nacional ou equilibrar a ríspida acidez do Alfrocheiro, mas para fazer um vinho varietal exige atenção. Um pequeno descuido pode comprometer o trabalho de um ano inteiro. Jaen é capaz de fazer vinhos que estão prontos para consumir mal acaba a fermentação, sendo ainda capaz de ganhar complexidade com estágio em garrafa.

O perfil do vinho

Com rendimento produtivo controlado, os vinhos exibem boa cor juntamente com aromas de frutos silvestres maduros como mirtilo, framboesa, cerejas e amoras. São vinhos elegantes e suficientemente macios para o consumo imediato. Os melhores exemplos possuem a capacidade de envelhecer, como é o caso do Quinta das Maias 1996 degustado durante a visita de um grupo de Masters of Wine à propriedade em 2019. Apesar da exuberância da fruta fresca se ter dissipado, o vinho foi capaz de exibir elegância e complexidade, acompanhado de um final de boca agradável e persistente. De forma geral, não são vinhos potentes mas possuem harmonia. São vinhos completos sem excesso de qualquer de seus componentes. Luís Lourenço revela que em anos mais frios o estilo pode aproximar-se de um elegante Pinot Noir. Em anos mais quentes a fruta exuberante pode fazer lembrar um Syrah, mas pode também demonstrar características que fazem recordar Cabernet Franc.

Jaen apresenta uma estrutura suave o que significa que são vinhos que podem ser bebidos ligeiramente refrescados. Seus taninos sedosos fazem da casta um parceiro ideal para harmonizar petiscos, lombo suíno, risotos, massas, pizzas, carnes grelhadas, bacalhau e também pratos apimentados da cozinha internacional de países como India e México.  Sua delicadeza faz do vinho um bom parceiro para pratos da cozinha Japonesa.

Demanda de Mercado

Para Rui Madeira o consumidor que prefere vinhos encorpados, concentrados e estruturados, raramente aprecia Jaen.  O facto de ser uma casta maioritariamente plantada na região do Dão e raramente aparecer como vinho varietal resulta na falta de reconhecimento por parte do consumidor Português. Quinta das Maias produz cerca de 5000 garrafas e recebe atenção de vários clientes internacionais, principalmente japoneses. Paulo Nunes também aponta Japão juntamente com Canadá como mercados de grande potencial. Com o crescimento do interesse nos mercados internacionais, certamente ajudará a receptividade pela casta no mercado doméstico no futuro.

Quinta de Lemos.

O Futuro 

Graças ao trabalho feito principalmente pelos produtores espanhóis o interesse pela casta vem crescendo e os vinhos gradualmente ganham espaço no mercado internacional. Mesmo assim, continua sendo uma casta apreciada principalmente por conhecedores. Por esse motivo é preciso continuar trabalhando na comunicação, destacando as semelhanças com Mencia mas ao mesmo tempo sublinhando as características exclusivas do terroir português. Estabelecer vinhedos em parcelas adequadas, e não em zonas menos privilegiadas como frequentemente é o caso, trabalhar visando rendimentos inferiores em busca da excelência e ter um objetivo claro com relação ao estilo desejado desde o início do processo, são alguns dos factores que certamente ajudarão desenvolver a qualidade e consequentemente a apreciação por esta casta.

Para demostrar seu verdadeiro potencial é necessário um maior número de vinhos varietais e não pensar em Jaen somente como um componente de lotes, muito menos tratar Jaen como outra casta qualquer. É preciso respeitar as particularidades da casta e fazer o trabalho de vinificação mais subtil, buscando salientar sua delicadeza, textura e elegância.

Entre os vários atributos que a casta possui, existem algumas características principais que poderão fazer dela uma das castas do futuro em Portugal. Jaen adapta-se bem ao stress hídrico portanto está bem posicionada para enfrentar as mudanças climáticas do futuro.

A mentalidade imediatista do ser humano, que cada vez mais busca soluções instantâneas, faz da casta uma boa proposta, pois está pronta para o consumo quase que imediatamente, sem exigir anos em garrafa. Esse factor também é uma vantagem para o produtor que pode capitalizar pelo seu trabalho mais cedo. Além disso, o seu perfil atraente, sedoso, é fácil de apreciar e fácil de harmonizar com a gastronomia internacional. Esses são alguns dos principais atributos que contribuirão para que a Jaen seja uma das castas do futuro.

A Escolha do Mestre: Syrah, uma casta em ascensão

É, muito provavelmente, a casta estrangeira mais bem sucedida em Portugal, mostrando-se como aquela que reúne amplo consenso entre viticultores, enólogos e consumidores. Muito adaptável a diversos tipos de solo e clima, bastante consistente na qualidade colheita após colheita, a Syrah tem tudo para dar certo. TEXTO Dirceu Vianna Junior MW A Syrah destaca-se com […]

É, muito provavelmente, a casta estrangeira mais bem sucedida em Portugal, mostrando-se como aquela que reúne amplo consenso entre viticultores, enólogos e consumidores. Muito adaptável a diversos tipos de solo e clima, bastante consistente na qualidade colheita após colheita, a Syrah tem tudo para dar certo.

TEXTO Dirceu Vianna Junior MW

A Syrah destaca-se com sucesso em diversas regiões produtoras do mundo. É uma casta fácil de cultivar e possui capacidade de se adaptar a condições distintas. Retém o carácter da varietal e ao mesmo tempo é capaz de expressar as diferenças do terroir. Além de oferecer flexibilidade com relação ao estilo é capaz de atingir alto padrão. Vinhos clássicos como Hermitage fortalecem a associação com vinhos de alta qualidade e servem como fonte de inspiração e referência. O facto de ser uma casta produtiva atende o interesse financeiro do produtor e por originar vinhos frutados, harmoniosos e fáceis de apreciar contribui com o apelo que possui perante ao consumidor. O nome da casta aparece no rótulo como Syrah ou Shiraz, mas também é conhecida como Antourenein noir, Balsamina, Candive, Biône, Entourneréin, Hermitage, Hignin noir, Marsanne Noir, Serine, Sérine, Serinne Sereine, Sérène, Sira, Sirac, Sirah, Syra, Syrac e Schiras.

Hermitage, Tain-l’Hermitage.

Lendas românticas e evidências científicas

Existem várias teorias sobre a origem da casta. Uma versão diz que Syrah é proveniente da antiga cidade persa de Shiraz, actual Irão. Outra indica que a civilização Grega poderia ter trazido a uva para a colónia fundada ao redor de Marselha, enquanto alguns acreditam que ela poderia ter sido trazida para a França do Chipre por guerreiros retornando do Oriente Médio após as cruzadas no século XIII. Há especulações de que a variedade foi trazida de Siracusa pelas legiões do imperador romano Probus após o ano 280. Todas essas teorias foram descartadas após o estudo realizado por Carole Meredith, pesquisadora do Departamento de Viticultura e Enologia da Universidade da Califórnia, que através de estudos de DNA concluiu-se que Syrah é descendente de uma varietal tinta chamada Dureza, originária de Ardèche, e uma branca nativa da região de Savoie chamada Mondeuse Blanche. Não há registos de que essas varietais tenham sido cultivadas juntas em outros locais, o que fortalece a hipótese de que o cruzamento tenha de facto ocorrido na região dos Alpes do Ródano. Além disso, o cientista suíço José Vouillamoz descobriu uma relação genética de segundo grau entre Syrah e Pinot Noir. A descoberta dos pais e a ligação com Pinot Noir fortalecem a crença de que a origem da casta seja mesmo francesa.

Fácil de cuidar na vinha

Syrah adapta-se muito bem às encostas ensolaradas e quentes, mas não suporta calor em demasia. Prefere solos não excessivamente férteis e bem drenados, especialmente granito e solos pedregosos. A vinha é vigorosa, mas o porte erecto facilita a condução da parede vegetativa diz Amílcar Salgado, proprietário da Quinta de Arcossó em Trás-os-Montes. A forma de condução varia dependendo das condições edafo-climáticas, mas é recomendável assegurar que a planta esteja bem arejada para evitar doenças de fungos. Na Quinta do Monte d’Oiro, em Alenquer, região de Lisboa, Francisco Bento dos Santos, director geral, explica que Syrah é pouco vulnerável a doenças. Amílcar Salgado concorda e diz que a planta raramente é afectada pelo míldio ou oídio, pelo que dois tratamentos anuais geralmente são suficientes. Em condições mais frias é aconselhável retirar as folhas do lado nascente e expor os cachos para optimizar a acção do sol da manhã, mas deixar as folhas do lado poente para evitar que a fruta sofra escaldão com os raios mais intensos da tarde. Em climas quentes, especialmente em solos que emitem calor durante a noite, é recomendável afastar a fruta da superfície do solo em busca de condições mais frescas. É necessário ter cuidado especial na seleção de porta-enxertos pois Syrah é sensível à clorose. Em solos ricos em cálcio, são preferíveis R110 e SO4. Além disso a Syrah é sensível ao ataque de ácaros e pode sofrer morte prematura devido uma infecção que ocorre na junção entre a planta e o porta enxerto. O facto de Syrah abrolhar tarde diminui o perigo de perdas com geadas, explica Amílcar Salgado. O amadurecimento ocorre no meio período que na Quinta de Arcossó coincide com a maturação da Touriga Nacional, mas a janela de oportunidade para efectuar a colheita é reduzida e os bagos logo tendem a murchar. Por isso, é importante não colher a fruta demasiadamente tarde para evitar sobrematuração e consequentemente vinhos pesados, alcoólicos e sem frescura alerta Manuel Lobo, enólogo chefe da Quinta do Crasto, no Douro. Na Quinta do Monte d’Oiro, Francisco Bento dos Santos diz que estudos feitos inicialmente revelaram semelhanças com as condições com o vale do Ródano. A quinta localizada na freguesia da Ventosa faz lembrar as condições impostas pelo afamado vento Mistral, um dos motivos pelo qual não hesitaram em plantar Syrah e Viognier. O excesso de produção pode resultar em mostos com pouca expressão. Produtores que visam qualidade frequentemente optam em fazer a monda em verde para diminuir o rendimento. Amílcar Salgado explica que o volume de produção ideal para fazer um vinho varietal de Syrah de excelente qualidade na Quinta de Arcossó gira em torno de 1,5 a 2 kg por planta, cerca de 50 hl/ha. Na Quinta do Monte d’Oiro, Francisco Bento dos Santos trabalha com produções baixas, na casa dos 40 hl/ha, para os vinhos de entrada e para os vinhos de topo procura não exceder 20 hl/ha. Manuel Lobo acredita que Syrah não é uma casta difícil de lidar. O segredo para atingir excelência, na Quinta do Crasto, é praticar viticultura de precisão prestando atenção aos pequenos detalhes, principalmente na hora da colheita.

Quinta de Arcossó, Vidago.

Consistente na adega

O método de vinificação varia de acordo com o estilo desejável, da filosofia do enólogo e condições climáticas. Amílcar Salgado, da Quinta de Arcossó, explica que Syrah oferece muita riqueza fenólica e é de fácil extração. Métodos de vinificação variam entre tradicional e moderno com alguns produtores optando por fazer maceração carbónica parcial buscando vinhos leves e frutados. O uso de engaços está se tornando mais amplamente utilizado pois adiciona estrutura e uma impressão de frescor ao vinho. Temperaturas elevadas, além de acelerar o processo, resultam em maior extracção, mas exageros na hora da vinificação tornam os vinhos duros e agressivos. Por outro lado, temperaturas inferiores e extrações delicadas podem comprometer a cor, plenitude aromática e a estrutura dos vinhos. Na Quinta de Arcossó, Amílcar Salgado prefere vinificar em lagar e a extração é feita à moda antiga, com o pé. Para Francisco Bento dos Santos o segredo, além de controlar o rendimento, é preservar aromas durante a vinificação, vigiar a nutrição das leveduras, controlar a temperatura e prolongar as fermentações. Syrah, é uma casta redutiva e a falta de oxigênio pode comprometer a limpidez e resultar em aromas como borracha queimada ou, em casos extremos, ovo podre. Syrah responde muito bem ao envelhecimento em barricas de carvalho, tanto francês como americano, revelando notas de cravo, baunilha, coco, café e especiarias. Além de responsável por excelentes vinhos varietais a casta é utilizada em lotes. Ajuda a acrescentar cor e corpo a Grenache nos vinhos do sul do Ródano. Pode aparecer também ao lado de Mourvèdre e Cinsault. Na Austrália frequentemente aparece ao lado da Cabernet Sauvignon. A casta responde muito bem quando acompanhada com uma proporção minoritária de Viognier, a qual contribui com notas florais e ajuda melhorar a textura. Além disso a natureza fenólica da Viognier ajuda o Syrah, que é rico em antocianinas, a estabilizar a sua cor. A grande maioria dos vinhos monocastas estão prontos para beber assim que lançados, embora os melhores exemplos envelheçam por décadas desenvolvendo notas de ervas secas, tabaco, fumaça, carne curada, bacon, terra molhada, couro, alcatrão e trufas.

Syrah ou Shiraz?

A casta dá origem a vinhos expressivos e oferece ampla diversidade de perfis, dependendo do clima e do solo onde está cultivada, bem como das decisões tomadas pelo enólogo. Produtores de regiões de clima mais frio, tanto no Velho Mundo quanto no Novo Mundo, tendem a identificar seus vinhos como Syrah. Os vinhos rotulados como tal possuem um perfil semelhante aos estilos clássicos do norte do Ródano. Em geral, esses vinhos possuem cor profunda. No palato tendem a ser esbeltos, exibem acidez viva, níveis moderados de álcool, entre 13 e 14% e estrutura firme. Os aromas elegantes mostram complexidade através de notas de frutas vermelhas e frutas negras, pimenta preta, ervas, fumaça, bacon, notas florais e podem revelar um toque de salinidade.
A casta é capaz de interpretar o terroir revelando características precisas e distintas. Um vinho de Hermitage, por exemplo, é firmemente estruturado, tânico, com caráter mineral, frutas negras e toques animais, de especiarias e torrefação. Côte-Rôtie é um vinho mais esbelto, refinado com notas de pimenta e violetas. Saint Joseph revela um estilo mais leve. Os vinhos de Cornas são mais rústicos enquanto os vinhedos de Crozes-Hermitage, ao redor da denominação de Hermitage, fazem vinhos mais acessíveis e oferecem excelente relação entre custo e benefício.
No sul do Ródano, Syrah é mais frequentemente usada como uma uva de lote para adicionar cor e estrutura aos vinhos de Châteauneuf-du-Pape, Gigondas e Côtes du Rhône. Na França, Syrah também aparece nas denominações de Costières de Nîmes, Corbières, Fitou, Faugères, St-Chinian, Languedoc (Pic St-Loup) e Minervois (La Livinière). Entre os melhores exemplos estão J. Chave, Paul Jaboulet Aîné La Chapelle ou Chapoutier Le Pavillon. No Novo Mundo, esse estilo pode ser encontrado no AVA de Walla Walla nos Estados Unidos, Hawkes Bay na Nova Zelândia e San Antonio, no Chile, para citar apenas alguns.

Côte-Rotie, Côtes du Rhône.

Quando cultivada em clima quente, a terminologia usada nos rótulos é Shiraz, uma prática que se tornou popular na Austrália. Shiraz tende a descrever um vinho frutado, encorpado e expressa um estilo mais exuberante refletindo um clima mais ensolarado. A cor é tipicamente profunda ou opaca. A expressão aromática inclui amoras, mirtilos, cerejas escuras, ameixas, alcaçuz, hortelã, eucalipto, chocolate amargo e uvas passas.
Na boca oferece boa concentração, textura aveludada e taninos redondos. A acidez é equilibrada e os níveis de álcool facilmente excedem 14% podendo ultrapassar 15%. Algumas das melhores referências desse estilo são encontrados no vale de Barossa, na Austrália. Os vinhos são positivamente untuosos, encorpados, densos, alcoólicos e exibem frutas negras, chocolate e menta. O vale possui alguns dos vinhedos comerciais mais antigos do mundo, como o Langmeil Freedom plantado em 1843 e Turkey Flat plantado em 1847, o que ajuda explicar a excepcional concentração. O clima marítimo de McLaren Vale origina vinhos encorpados, com estrutura mais ampla, frutas negras, chocolate, textura sedosa, mas não deixam de ser potentes. Em Clare Valley, os vinhos combinam intensos sabores de frutas negras e alcaçuz com excelente acidez devido às noites frias que ajudam dar estrutura e assegurar que os vinhos envelheçam bem. Os vinhos de Padthaway e Coonawarra são esbeltos e exibem acidez elevada. Também nas partes mais frias do estado de Victoria, como Mount Langi Ghiran, os vinhos produzidos apresentam excelente frescor e frequentemente é possivel detectar toques de pimenta preta e menta. O clima de Hunter Valley, em New South Wales, é quente mas sem excessos. Os vinhos exibem corpo médio, acidez viva, frutas escuras e tons terrosos. Na parte oeste da Austrália os vinhos mostram boa definição, firmeza e acidez crocante, frutas escuras maduras e sumarentas. Além das diferenças no perfil a casta Syrah demonstra versatilidade devido sua capacidade de originar vinhos rosé, espumantes e fortificados de boa qualidade.

Da ascensão à fama

Syrah ganhou notoriedade através dos vinhos de Côte-Rotie e Hermitage, no norte do Ródano. Como prova uma pequena capela no topo de uma colina, nas margens do rio Rhone, com vista para a cidade de Tain-l’Hermitage, vem atraindo o interesse de enófilos por décadas, mas nem sempre foi assim. Antes das regras das denominações de origem entrarem em vigor, na primeira metade do século XIX, os vinhos de Hermitage eram frequentemente usados em lotes com o objetivo de adicionar cor e estrutura aos vinhos de Bordéus. Durante a primeira metade do século XX, devido a falta de interesse, a varietal perdeu espaço na vinha. Foi apenas nos anos 80 que artigos e avaliações de críticos ajudaram reascender o interesse e a superfície plantada ao redor do mundo aumentou para mais de 140.000 hectares (ha) nas três décadas seguintes. Estima-se que as plantações da Syrah actuais estão na casa dos 186.000 ha. França e Austrália dominam as plantações com 68.600 ha e 42.492 ha, respectivamente. Na Europa os principais plantadores de Syrah são Espanha (19.830 ha) e Itália (6.880 ha). No Novo Mundo os principais produtores são Argentina (12.245 ha), África do Sul (10.117 ha), Estados Unidos (9.308 ha) e Chile (7.994 ha).

Quinta do Monte d’Oiro, Lisboa.

Syrah em Portugal

Em Portugal, Syrah aparece principalmente no Alentejo, Lisboa, Tejo e Península de Setúbal. Antes do ano de 1980 apenas 10,82 ha existiam no país. Entre 1981 e 1990 foram adicionados 35,49 ha e mais 309 na década seguinte. O grande impulso veio entre 2001 e 2010 quando foram plantados 2.592 ha. Após 2011 foram somados 2.777 ha levando a área total para 5.725 ha, de acordo com António Lopes, Técnico Superior do Instituto da Vinha e do Vinho. Syrah representa 3% das plantações ocupando a décima colocação no ranking das castas mais plantadas no país. Quinta da Lagoalva de Cima foi uma das primeiras propriedades a apostar na casta, possivelmente por influência de um enólogo francês que por lá passou. A decisão foi propícia pois os solos arenosos, bem drenados e pouco férteis ajudam a controlar a produção. Os dias quentes ajudam as uvas atingir maturação fenólica necessária e ao mesmo tempo as noites frescas protegem estrutura ácida garantindo frescura ao vinho. Tal como o Tejo, a região da Vidigueira no Alentejo, com os seus dias quentes e ensolarados e noites refrescadas pela brisa, criam condições favoráveis para a maturação da casta. O produtor Cortes de Cima foi um dos pioneiros em 1991 quando Syrah ainda não era autorizada na região lançando seu varietal com a marca “Incógnito” em 1998. Apesar de ser pouco difundida no norte do país já existem produtores conceituados como Quinta do Crasto e Quinta do Noval fazendo bom trabalho no Douro. O clima quente e seco assegura maturação mais cedo praticamente no mesmo período que algumas castas brancas.

Análise de prova

Os vinhos degustados aqui representam boa expressão da casta e, de uma forma geral, mostram consistência em relação à qualidade e estilo. Comparando com vinhos de clima frio que originam vinhos mais magros, frescos com toques de pimenta e tons salgados e vinhos mais expressivos, opulentos e frutados provenientes de clima quente, o estilo do Syrah português encaixa-se entre os dois com tendência de apontar marginalmente para o estilo compatível com vinhos de clima mais quente. Ao mesmo tempo, é possível perceber diferenças regionais, através da exuberância dos vinhos do Alentejo, a frescura da Bairrada e um estilo frutado e sumarento aliando com boa acidez encontrado no Tejo. O Syrah português é acessível, fácil de entender e os vinhos estão prontos para beber assim que lançados no mercado, embora os melhores exemplos demonstrem capacidade de envelhecimento. Os produtores revelam habilidade e cuidado para não extrair excessivamente e usar o carvalho judiciosamente. Entretanto, apesar da qualidade, de forma geral, atingir alto padrão, e de haver grande consistência, ainda não chega a atingir o patamar dos grandes clássicos franceses ou melhores exemplos australianos. A prova serviu para demonstrar que potencial existe. Além disso, vinhos como Incógnito de Cortes de Cima e Tributo de Rui Reguinga, excluídos da lista de prova não por falta de mérito, mas para ceder espaço a outros produtores, fortalecem a percepção da afinidade da casta com o terroir português. Syrah adapta-se muito bem e dá bons resultados em solos pobres e terroir hostil com vento, altitude e situações adversas e mais frias. É possível que o melhor terroir essa casta em Portugal ainda não tenha sido descoberto. De qualquer forma é evidente que o Syrah português tem potencial para ir mais longe. É preciso mais ambição.

Quinta da Cabreira – Crasto, Douro.

O futuro da Syrah

A Syrah vem demonstrando a capacidade de atender às necessidades dos consumidores portugueses que procuram vinhos frutados, redondos e exuberantes. Na exportação, a casta poderá cumprir o importante papel de convidar consumidores internacionais, que ainda não descobriram os vinhos portugueses, talvez pela falta de familiaridade com as castas indígenas, a se aventurar. Em termos de custo, a maioria destes vinhos oferecem boa relação entre a qualidade e preço. Além da vantagem económica que a casta oferece ao produtor pelo facto de ser produtiva, a Syrah comprovou ao longo dos últimos anos afinidade com o terroir português. Por isso é muito provável que as plantações continuem a crescer. O facto de boa parte dos vinhedos estarem ultrapassando dez anos de idade ajudará a aprimorar a qualidade, que também será impulsionada a medida que os enólogos acumularem mais experiência e confiança em lidar com a casta. Até onde poderá chegar a qualidade desses vinhos no futuro dependerá da ambição dos produtores e da habilidade de saber equilibrar auto-confiança com humildade de continuar aprimorando-se através de troca de conhecimentos e provas comparativas com Syrah de outras partes do mundo. É indispensável abrir-se mais ao mundo, inovar e não ter medo de arriscar na hora da vinificação. Seria um triunfo conseguir surpreender consumidores e profissionais com a qualidade dos Syrah portugueses em uma prova as cegas em companhia de grandes clássicos mundiais dentro da próxima década. Julgando pela actual qualidade dos vinhos, esse é um objetivo perfeitamente atingível.

 

Edição nº 35, Março de 2020

 

A Escolha do Mestre: Touriga Franca, sinónimo de elegância

A Touriga Franca é um dos pilares dos vinhos portugueses. Tem um papel decisivo nos vinhos do Porto, aparece em lotes de alguns dos melhores vinhos de mesa do país e timidamente começa a surgir igualmente em rótulos como monovarietal. TEXTO Dirceu Vianna Junior MW FOTOS Arquivo A Touriga Franca deve sua popularidade pelo facto […]

A Touriga Franca é um dos pilares dos vinhos portugueses. Tem um papel decisivo nos vinhos do Porto, aparece em lotes de alguns dos melhores vinhos de mesa do país e timidamente começa a surgir igualmente em rótulos como monovarietal.

TEXTO Dirceu Vianna Junior MW

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A Touriga Franca deve sua popularidade pelo facto de ser produtiva, versátil e responsável por vinhos equilibrados. Por ser uma casta fácil de lidar, tando no campo quanto na adega, agrada simultaneamente quem planta a uva e quem faz o vinho. Ainda que ligada sobretudo ao Douro aparece em várias regiões do país proporcionando vinhos ricos em cor, sedosos, exibindo exuberância de frutas e delicadas notas florais que asseguram elegância.

Casta que gosta de sol

Portugal dispõe das condições ideais para que a Touriga Franca se desenvolva perfeitamente, um dos motivos pela qual é a segunda mais plantada do país com 12.667 hectares. Trata-se de uma casta onde exposição solar é fortemente aconselhada explica Carlos Agrellos, diretor técnico da Quinta do Noval e Quinta da Romaneira. Pelo facto de necessitar calor para se desenvolver plenamente, adapta-se muito bem na região do Douro onde domina as plantações com 10.121ha, segundo dados do Instituto da Vinha e do Vinho.

Paulo Coutinho, enólogo responsável da Quinta do Portal, concorda sobre a afinidade da Touriga Franca com locais quentes, mas alerta que o excesso de calor pode levar a planta ao stress hídrico, causando interrupção temporária do ciclo de maturação. Outro significativo desafio é o ataque das traças. Touriga Franca é resistente ao oídio e ao míldio, mas detesta humidade. Domingos Soares Franco, vice presidente e enólogo chefe do grupo José Maria da Fonseca, admite que a decisão de plantar vinhedos na serra da região da Península de Setúbal, em encostas voltadas ao norte, décadas atrás, foi uma experiência que não revelou bons resultados, pois em zonas com maior humidade é mais sensível às doenças fúngicas e não atinge o grau de maturação adequado. Hoje seus melhores vinhedos de Touriga Franca estão por isso em solos arenosos, menos férteis e locais mais quentes.
Apesar de ser moderadamente vigorosa, a planta tem porte erecto facilitando o manuseio da canópia. Alexandre Relvas, da Casa Agrícola Alexandre Relvas, explica que a planta necessita de alguns anos para se desenvolver. Antes dos sete anos continua frágil e suscetível a bloqueios de maturação, especialmente em anos quentes e condições áridas com e o caso da sub-região de Redondo, no Alentejo. Já na Vidigueira, devido à presença de solos mais ricos, com melhor disponibilidade de água, a planta sofre menos stress e atinge boa maturação.

O rendimento é geralmente uniforme e consistente, mas pode variar desde 0.5 até 3,5 kg por planta. Tipicamente atinge entre 1,5 to 2,5 kg por planta. Para obter um vinho de qualidade nas condições do Douro o ideal, na opinião de Paulo Coutinho, é buscar rendimentos abaixo de 1 kg por planta, mas varia dependendo do ano, da zona e da idade da vinha. Carlos Agrellos considera normal 35 hl por hectare podendo decair até aos 12 hl/ha em vinhas velhas. Quando a produção é excessiva, as uvas podem não atingir o nível de amadurecimento adequado resultando em vinhos com menos cor, estrutura adstringente e que não possibilitam a elaboração de monovarietais de qualidade, segundo Carlos Agrellos. No Alentejo, Alexandre Relvas acredita que é possível produzir cerca de 7 a 8 toneladas por hectare sem sacrificar qualidade. Nas condições de Setúbal, Domingos Soares Franco prefere restringir o rendimento para cerca de 5 ou 6 toneladas para proteger suas características e riqueza aromática.

Muda consoante o local

Uma particularidade da Touriga Franca, explica Domingos Soares Franco, é que os sabores encontrados na fruta na época da colheita são bastante subtis e não mostram o que vai ser o vinho no futuro. Alexandre Relvas não aconselha ficar à espera de concentração e exuberância no bago. Por esse motivo é preciso conhecer intimamente as parcelas. Além disso, a maturação nas condições do Alentejo não é previsível. Em poucos dias o potencial de álcool pode saltar de 10% para 12,5%. No Alentejo amadurece no meio da vindima juntamente com a Touriga Nacional e Alicante Bouschet, antes de Cabernet Sauvignon e Petit Verdot. Curiosamente no norte do país amadurece mais tarde, o que pode atrair danos provocado por pássaros.

A Touriga Franca manifesta características distintas dependendo das condições edafo-climáticas locais. Uma parcela localizada em altitude de 550 metros, na margem direita do rio Pinhão, origina vinhos com boa acidez e potencial alcoólico na casa de 13%, ideal para compor um lote, declara Paulo Coutinho. Em contraste, outra parcela localizada numa altitude de 300 metros na margem esquerda recebe maior incidência solar e é capaz de atingir nível de maturação superior. Os vinhos são mais estruturados, encorpados e capazes de constituir excelentes monovarietais ou utilizados em lotes de vinhos de alta gama. Com relação ao seu comportamento em solos distintos, Domingos Soares Franco explica que vinhas plantadas em xisto resultam em vinhos elegantes, com boa acidez e certa mineralidade. Em solos arenosos revela estilo mais potente, exuberante, com complexidade, mas sem a mineralidade associada ao Douro.

O bago tem tamanho médio e é envolvido por uma película espessa de cor negra-azulada. Tanto a fruta quanto as folhas são resistentes às altas temperaturas. Os cachos variam em tamanho, entre médio e grande, e são compactos representando um desafio, pois em condições húmidas estão sujeitos a podridão que pode acontecer de dentro para fora. Quando o ataque se torna visível pode ser demasiado tarde. Outro perigo é a chuva quando a fruta já está em estado avançado de maturação. Pode causar crescimento em demasia do bago, possível ruptura e estimular desenvolvimento de podridão.

Fácil de lidar na adega

Na adega é uma casta de fácil extração e, de forma geral, fácil lidar afirma Alexandre Relvas. Um desafio para Paulo Coutinho é a conexão entre o bago e o engaço ser resistente, portanto um obstáculo a desengaçar. Por isso é importante que a fruta seja colhida no seu melhor estado de maturação. Em condições mais frescas quando existe algum engaço verde é prudente não abusar nas macerações longas. Carlos Agrellos explica que a vinificação pode ser feita em lagares com a inclusão de engaço, mas o uso de inox é mais frequente. Caso seja usada como um componente de lote é recomendável fazê-lo o mais cedo possível. Se não for parte de um ‘field blend’ que seja logo no início da fermentação, diz Paulo Coutinho. Touriga Franca responde positivamente ao uso de madeira. Paulo Coutinho prefere barricas novas de tosta média a forte, mas Alexandre Relvas acredita que tonéis grandes de 2500 e 5000L e velhos são melhores para preservar o perfil da fruta e a senso de lugar do Alentejo.

Carlos Agrelos explica que devido à sua qualidade e versatilidade, a Touriga Franca é maioritariamente utilizada em vinhos de lote. Além da contribuição do perfil aromático mais complexo, o facto de ter um álcool provável mais baixo ajuda equilibrar os lotes. Para Paulo Coutinho, a Touriga Franca ajuda harmonizar o conjunto, mesmo quando presente em pequena proporção é capaz de equilibrar o lote e manter as outras variedades no lugar como uma espécie de cola.

Touriga Franca vs Touriga Nacional

A Touriga Franca pode não possuir a mesma exuberância aromática que Touriga Nacional, mas possui textura sedosa e esbanja elegância. É uma casta robusta, capaz de produzir vinhos estruturados e com grande potencial de guarda. Para Carlos Agrellos, Touriga Nacional é mais intensa, explosiva e também capaz de produzir vinhos equilibrados, frescos e exibindo notas frutadas e florais. Ambas se complementam muito bem e são capazes de representar a tipicidade dos vinhos de determinadas regiões. Paulo Coutinho alerta que a Touriga Franca, ao contrário da Nacional, raramente impressiona ao primeiro contacto. É recomendável paciência durante a fase inicial da evolução, tanto com tempo em garrafa quando após servida, deixar revelar-se no copo. Entre as duas, Alexandre Relvas confessa preferência pela Touriga Franca, pois quando atinge maturação ideal é capaz de desenvolver maior concentração, elegância e complexidade. Para Domingos Soares Franco é simplesmente a melhor casta tinta portuguesa.

De acordo com Paulo Coutinho, após os primeiros anos pode mostrar-se agreste. Perde a timidez e começa a revelar suas qualidades e complexidade após o quarto ano. Lembra da colheita de 1997 a qual já havia julgado estar em decadência, mas após sete anos surpreendeu e hoje oferece admirável complexidade aromática. Domingos Soares Franco concorda que as características permanecem inicialmente escondidas e recomenda paciência pois são capazes de despertar vivacidade como é o caso das colheitas de 1999 e 2000 cujos vinhos continuam mostrando excelente características.

Em Portugal e no mundo

Apesar de se portar muito bem em regiões de clima quente a Touriga Franca raramente aparece fora de Portugal. Plantações experimentais existem na Tasmânia. Na Califórnia é possível encontrá-la em San Antonio Valley, Sacramento, Lodi e Paso Robles. Natalie Folsom, Gerente Geral da propriedade Cinquain Cellars, explica que a Touriga Franca foi plantada em 2002 e se porta muito bem nas condições quentes de Paso Robles. Além de compor lotes de vinhos fortificados contribui positivamente na estrutura e exuberância aromática de vinhos tranquilos, juntamente com Touriga Nacional e Tinta Cão. Em Portugal aparece nas denominações DOC do Porto, Douro, Távora-Varosa, Bairrada, Óbidos, Alenquer, Arruda, Torres Vedras e Tejo. No DOC Alentejo é permitida desde que não exceda 25% do lote. A legislação permite que seja usada em lotes de vinhos regionais (IG) na maioria das regiões incluindo Trás-os-Montes, Douro, Beiras, Dão, Lisboa, Tejo, Península de Setubal, Alentejo e Algarve.

O passado e futuro

A Touriga Franca tem um passado evasivo visto que sua origem ainda não foi inteiramente estabelecida. Na opinião de Domingos Soares Franco, baseada em conversas com produtores da região do Douro, a casta teve origem na França, o que ajuda explicar o nome. Por outro lado, existem relatos explicando que a casta foi denominada Touriga Francesa meramente em homenagem à Escola de Hibridação Francesa que serviu de inspiração aos trabalhos de investigação feitos em Portugal no final do século XIX com o objetivo de encontrar plantas resistente a filoxera. Além disso existem narrativas que atribuem a criação da Touriga Franca a um curioso e autodidata do Douro chamado Albino de Sousa, eis a explicação de um dos sinônimos, embora não oficial, pela qual a casta é conhecida localmente. Opiniões divergem com relação a origem e não existem evidências conclusivas que suportem qualquer uma dessas teses, mas um facto incontestável é o parentesco. Antonio Graça, diretor de investigação e desenvolvimento da empresa Sogrape, afirma que os progenitores da Touriga Franca são a Touriga Nacional e o Marufo também conhecido pelo sinónimo de Mourisco Roxo. A casta passou no final do século XX a ser reconhecida como Touriga Franca, para evitar ambiguidade, mas alguns produtores, como Domingos Soares Franco, consideram isso um erro visto que o sector não foi devidamente consultado na época. Insiste em usar a terminologia original na espera que os ambos nomes sejam autorizados no futuro.

Não obstante alguns detalhes do passado sejam contenciosos, o futuro parece mais previsível para essa casta que está perfeitamente adaptada às condições climáticas de Portugal, mas dependerá do comportamento climático das próximas décadas. Como a opinião da maioria dos especialistas prevê condições mais quentes e áridas, as plantações continuarão crescendo. Entretanto, caso essas alterações ocorram de forma dramática isso poderá comprometer o ciclo regular de maturação. Por esse motivo é preciso pensar no futuro distante e plantar vinhedos em locais hoje considerados marginais. Paulo Coutinho sugere explorar locais de maior altitude e, no caso do Douro, entrar pelos afluentes do rio principal, normalmente mais frescos que no vale do Rio Douro.

Raridade…uma questão de mercado?

Um aspecto intrigante é o facto de que apesar de ser a segunda casta mais plantada do país, raramente aparece como vinho monovarietal. Na opinião de Alexandre Relvas não existem mais vinhos monovarietais simplesmente por uma questão de mercado devido ao foco que o país em geral tem com a Touriga Nacional. À medida que houver mais interesse por parte de jornalistas e sommeliers e mais confiança por parte dos produtores, os consumidores terão a oportunidade de descobrir os encantos da Touriga Franca que é uma excelente alternativa para os apreciadores de vinhos frutados, exuberantes e sedosos como Malbec, Merlot, Shiraz. Carlos Agrellos utiliza a casta há muitos anos e faz parte de muitos vinhos da Quinta do Noval e da Quinta da Romaneira. O primeiro monovarietal da Quinta da Romaneira Touriga Franca Vinhas Velhas 2016 foi lançado recentemente. O sucesso comercial imediato levou à produção de todas subsequentes colheitas que serão lançadass nos próximos anos.

A Touriga Nacional pode ser considerada a rainha das castas tintas de Portugal, mas a tímida Touriga Franca é capaz de surpreender com sua excepcional elegância. O termo elegância, na terminologia vínica, é frequentemente usado mas raramente explicado. Embora seja um descritor essencial, não existe definição concreta ou explicação científica para ele. Os vinhos elegantes possuem uma certa precisão, equilíbrio e subtileza. Não se trata de sabores específicos, mas como eles interagem e se revelam no copo. É algo difícil de descrever, pessoal e intangível, mas uma coisa é certa: sabemos quando a encontramos. Na medida que surjam mais vinhos monovarietais de Touriga Franca, mais consumidores irão descobrir o que significa elegância no vinho.

Edição n.º32, Dezembro 2019

Escolha do Mestre – Sauvignon Blanc, a casta que o mundo quer adorar

O exotismo da Sauvignon Blanc tem originado um enorme sucesso junto de produtores e consumidores um pouco por todo o mundo. Portugal não é excepção, com resultados muito interessantes, mas há ainda trabalho a fazer no conhecimento da casta no terreno (atenção ao excesso de calor!), de forma a intervir menos na adega e deixar […]

O exotismo da Sauvignon Blanc tem originado um enorme sucesso junto de produtores e consumidores um pouco por todo o mundo. Portugal não é excepção, com resultados muito interessantes, mas há ainda trabalho a fazer no conhecimento da casta no terreno (atenção ao excesso de calor!), de forma a intervir menos na adega e deixar a uva exprimir o local onde está plantada.

Texto: Dirceu Vianna Junior MW

São poucas as pessoas capazes de distinguir entre um Sancerre e um Pouilly-Fumé ou discernir entre as sub-regiões neozelandesas de Awatere e Wairau numa prova à cega. Enquanto a uva Riesling é capaz de expressar o terroir com facilidade, a Sauvignon Blanc é uma casta maleável, onde as decisões tomadas pelo enólogo durante a vinificação são muitas vezes o factor dominante no estilo do vinho. Entre os melhores atributos da casta Sauvignon Blanc estão as suas impressionantes qualidades aromáticas juntamente com seu frescor penetrante. O sucesso global pode ser atribuído, pelo menos parcialmente, à reação dos consumidores entediados com estilos tradicionais de Chardonnay pesados, demasiadamente amadeirados e que actualmente buscam um perfil mais leve. É impossível ignorar na Sauvignon Blanc a incrível capacidade de expressar aromas e sabores exóticos que saltam do copo, dançam no paladar e deixam um final de boca persistente e refrescante. Esta é a razão pela qual a área total de vinhedos plantados no mundo em 2000 representava 65.000 hectares (ha), atingiu 110.000 ha uma década mais tarde e as plantações desta antiga casta continuam crescendo. A primeira menção ocorreu em 1534 sob um de seus sinónimos “Fiers” no Vale do Loire. Como Sauvignon, há uma menção específica no início do século XVIII em relação à pequena vila de Margaux, em Bordéus. A casta é conhecida por vários sinónimos, incluindo Blanc Fumé e Sauvignon Fumé no Loire. Na Áustria e na Alemanha é referida como Muskat-Silvaner e na Califórnia como Fumé Blanc, um termo inventado por David Stare de Dry Creek Vineyard em Sonoma.
Evidências históricas juntamente com análises de DNA sugerem o Vale do Loire como o berço da casta que nasceu devido ao cruzamento entre um pai desconhecido e Savagnin, portanto Sauvignon Blanc é meio irmão da casta Verdelho e genéticamente próximo à Sémillon. Além de ter alcançado fama por conta própria, Sauvignon Blanc, juntamente com Cabernet Franc, são os pais da Cabernet Sauvignon. É provável que esse cruzamento tenha ocorrido na região de Bordéus no século XVIII.
Sauvignon Blanc possui pele esverdeada, bagos pequenos e cachos compactos. É altamente vigorosa, mas relativamente fácil de cultivar. Brota tarde e amadurece cedo. Porta-se bem em climas ensolarados, mas não gosta de calor excessivo. Responde melhor quando plantada em porta-enxertos de baixo vigor e solos não muito férteis. A Sauvignon possui uma variedade de clones com personalidades distintas. Existem mais de 20 clones registados na Universidade de Davis na Califórnia, no entanto estima-se que a maioria das plantações na Califórnia e no mundo assentam no clone Wente FPS 01, originário do Chateaux d’Yquem.

Zambujeira Velha, Cortes de Cima

Os estilos clássicos de França e Nova Zelândia

A região do Vale do Loire, em França continua sendo a grande referência com exemplos puros, elegantes e expressivos oriundos das famosas vilas de Sancerre e Pouilly-Fumé. Entre os produtores de Sancerre destacam-se Alphonse Mellot, Domaine Lucien Crochet e Domaine Vacheron. Bons exemplos de Pouilly Fumé incluem Chateau de Tracy e Domaine Didier Dagueneau. Os vinhos destas denominações tornam-se cada vez mais caros e consumidores astutos buscam alternativas nas denominações vizinhas de Menetou Salon, Reuilly, Quincy e Coteaux du Giennois, bem como Sauvignon de Touraine, onde é possível encontrar vinhos leves e elegantes por uma fracção do preço, como Domaine Joël Delaunay. Sauvignon Blanc é cultivado no clima marítimo de Bordéus onde é possível encontrar vinhos leves, elegantes e bem feitos na sub-região de Entre-Deux-Mers, mas os melhores exemplos estão em Graves e Pessac-Léognan. Esses vinhos podem conter proporções de Semillon e Muscadelle e frequentemente são fermentados e envelhecidos em carvalho produzindo um estilo mais exuberante que além de envelhecer bem, se porta bem com comida. Domaine de Chevalier, Smith-Haut-Lafitte e Haut Brion Blanc são exemplos clássicos. Sauvignon é plantada perto da vila de Chablis sob a denominação de St Bris, onde produz vinhos notoriamente secos, magros com alta acidez e persistentes notas minerais. Um facto surpreendente é que a maioria dos 29.000 ha de Sauvignon Blanc plantados em França se encontram em Languedoc-Roussillon, região mais conhecida pelos seus tintos.
Semelhante ao Alicante Bouschet que teve origem em França e foi adoptado por Portugal, onde produz excelentes vinhos, a casta Sauvignon Blanc encontrou a sua segunda casa na Nova Zelândia, onde foi plantada pela primeira vez na década de 1970. O estilo pungente foi bem recebido pelo consumidor internacional e o país tem sido extremamente bem-sucedido, o que resultou num aumento significativo nas plantações, que hoje atingem 21.400 ha. O solo e as condições climáticas são perfeitos. O clima é ensolarado e seco, mas não excessivamente quente. Os solos pesados produzem vinhos herbáceos a partir de uvas que amadurecem mais tarde. As vinhas plantadas em solos mais pobres e rochosos amadurecem mais cedo, transmitindo notas tropicais exuberantes com nuances minerais. Marlborough, no extremo norte da Ilha Sul, é tida como referência para esse estilo, mas as plantações estão espalhadas por todo país, particularmente Martinborough, Gisborne, Hawkes Bay e Waipara Valley. De forma geral, os Sauvignon da ilha do Norte são mais maduros, com notas de frutas de caroço e melão em comparação aos vinhos do sul que tendem a ser mais leves com notas herbáceas. Entre os bons produtores destacam-se Clos Henri, Craggy Range, Dog Point, Greywacke, Huia, St. Clair, Seresin Estate, Vavasour, Villa Maria e novo projeto de Steve Smith MW chamado Smith & Sheth.

Adega Mãe

Sauvignon Blanc nas Américas…

Nos Estados Unidos, as primeiras plantações de Sauvignon Blanc foram introduzidas na adega Cresta Blanca em Livermore Valley, na Califórnia. Devido à aversão dos consumidores americanos pelo caráter herbáceo e alta acidez, os produtores desenvolveram um estilo chamado Fumé Blanc. Os vinhos são mais maduros, encorpados, enriquecidos por estágio em carvalho e muitas vezes contêm açúcar residual. Segundo a Universidade de Adelaide, existem cerca de 6.600 ha de Sauvignon nos EUA, principalmente em Sonoma, Napa e Vale Central. O Estado de Washington faz bons exemplos, mas é no Vale de Santa Ynez que o efeito do nevoeiro ajuda refrescar o clima e criar Sauvignon Blanc com mais delicadeza, tensão e frescor. Entre os melhores exemplos encontram-se Araujo Eisele, Chalk Hill, Duckhorn e Robert Mondavi To Kalon, um dos melhores exemplos de Sauvignon Blanc do mundo. Logo ao norte, no Canadá, bons exemplos de Sauvignon podem ser encontrados na Península de Niágara e na Colúmbia Britânica, como Clos du Soleil e Burrowing Owl Estate Winery.
O Sauvignon Blanc é uma das castas brancas mais importantes do Chile com 15.200 ha plantados, embora historicamente a varietal tenha sido confundida com Sauvignon Vert (Muscadelle) e com Sauvignonasse (Friulano na Itália). Essas castas ainda representam uma proporção significativa das plantações em Curicó e Maule e estão sendo gradualmente substituídos pelo verdadeiro Sauvignon Blanc. Em termos de estilo, os vinhos tendem a mostrar notas tropicais e sabores herbáceos geralmente com mais corpo do que os exemplos da Nova Zelândia. Os melhores vêm do Vale de Leyda e Vale de San Antonio, a poucos quilómetros do Oceano Pacífico. Entre os melhores produtores do Chile estão Casa Marin, Amayna, Montes, Matetic, Errázuriz, De Martino e Laberinto. Apesar de ser uma varietal menos difundida na Argentina, produtores como Zorzal, Pulenta Estate, Doña Paula e Finca Sophenia merecem reconhecimento. No Brasil, a casta mostra potencial na região de altitude de Santa Catarina com a Vinicola Thera a produzir um exemplo convincente.

Niagara, EUA

…e no resto do Mundo

A África do Sul tem uma longa história com Sauvignon Blanc. O estilo combina a exuberância de frutas dos vinhos do novo mundo com a elegância do velho mundo. As plantações estão distribuidas por várias regiões, especialmente Stellenbosch, Walker Bay e Elgin, totalizando cerca de 9.500 ha. Alguns dos melhores produtores são Mulderbosch, Klein Constancia, Neil Ellis, Strandveld, De Grendel, Diemersdal, Steenberg e Graham Beck. Na Austrália, o Sauvignon Blanc tem-se tornado popular devido ao sucesso da Nova Zelândia. Apesar da maioria das regiões serem demasiadamente quentes, existem cerca de 7.000 ha plantados. Um dos melhores é feito por Shaw e Smith em Adelaide Hills. Outros bons exemplos podem ser encontrados na Tasmânia e partes mais frias de Victoria e New South Wales. A parte oeste do país é responsável por um estilo distinto, onde a Semillon frequentemente faz parte do lote ajudando produzir vinhos mais encorpados como Cape Mentelle. A Itália possui cerca de 4.000 ha de Sauvignon Blanc, principalmente espalhados no nordeste do país, Alto Adige e Friuli. A Espanha tem uma área de plantação semelhante à Itália, apesar de que as condições climáticas sejam demasiadamente quentes para essa varietal. Existem plantações principalmente em em Castilla-La Mancha e Rueda. Outras regiões da Europa onde Sauvignon é encontrado inclui Roménia, Moldávia, Suíça, Eslovênia, República Checa, Rússia e Alemanha, especialmente em Württemberg, Franken e Pfalz. A região de Styria na Áustria é responsável por vinhos subtis e cremosos e a Hungria é fonte de Sauvignon Blanc de boa qualidade e preços acessíveis.

Nova Zelândia

A Sauvignon Blanc e o estilo português

Dados do Instituto da Vinha e do Vinho mostram que a parcela mais antiga de Sauvignon Blanc em Portugal foi estabelecida pela Sociedade Agrícola da Quinta da Lagoalva de Cima em 1977. Actualmente existem 1.305 ha espalhados pelo país, predominantemente no Alentejo (383 ha), Tejo (328 ha) e Lisboa (222 ha). O desejo de explorar o potencial da casta dentro das características climáticas portuguesas foi um dos motivos que levaram produtores a plantar Sauvignon Blanc. Francisco Baptista, enólogo e sócio da empresa Saven, explica que a Sauvignon Blanc em Barcelos, região dos Vinhos Verdes, apresenta características similares às da baía de Arcachon, em Bordéus. Devido à sua proximidade ao oceano atlântico e solos mais profundos origina vinhos frescos. Outro motivo do interesse pela casta foi tentar capitalizar na oportunidade comercial. Paula Fernandes, enóloga residente da Quinta da Boa Esperança, explica que no início do projeto, pensando na internacionalização da marca, optaram em plantar a casta pelo facto de ser reconhecida internacionalmente acreditando que poderia ser uma vantagem comercial.
Vasco Rosa Santos, enólogo responsável pelos vinhos do Monte da Ravasqueira refere que o estilo do Sauvignon da casa é fruto da experiência adquirida em adegas Neo-Zelandesas. O objectivo é simplesmente reflectir as características da casta e buscar um perfil fresco com notas herbáceas, caracter cítrico e mineral. Paula Fernandes cita a região de Sancerre no Vale de Loire como inspiração e adianta que em Lisboa os solos argilo-calcáreos e o clima moderado com influência atlântica imprimem aos vinhos estrutura, acentuada acidez e mineralidade. Pedro Lufinha, Director Geral da Quinta da Alorna, diz que não procura estilo específico, mas gosta dos componente exóticos, tropicais e, ao mesmo tempo, aprecia o lado vegetal e mineral da casta. O importante é que o vinho seja harmonioso. Para isso, o controlo da maturação e o momento da colheita da Sauvignon Blanc, mais do que em muitas outras castas, é crucial, explica Pedro. Após a vindima manual as uvas são desengaçadas e vão directamente à prensa sem qualquer maceração pelicular. A fermentação é mantida numa temperatura de cerca de 17 a 18ºC e feita com leveduras selecionadas que possuem melhor capacidade de revelar os tióis. O vinho permanece em inox até a data do enchimento.
Na adega do Monte da Ravasqueira, o enólogo Vasco Rosa Santos prefere inibir as enzimas responsáveis pela oxidação dos compostos aromáticos, usando baixa temperatura desde a hora do esmagamento. A temperatura de fermentação é cerca de 4 ou 5 graus mais baixa em comparação ao Sauvignon Blanc da Quinta da Alorna. Subsequentemente as borras finas são colocadas em suspensão para dar melhor textura e corpo ao vinho.

Sancerre, França

Um sucesso no mercado

No que respeita ao desempenho comercial dos Sauvignon Blanc portugueses, Francisco Baptista mostra-se positivo e explica que no mercado nacional o vinho é vendido maioritariamente em locais turísticos principalmente Algarve e Lisboa, mas 88% da produção é comercializada no mercado externo. O mesmo acontece com o Monte da Ravasqueira Sauvignon Blanc onde 60% da produção é vendida no mercado externo, especialmente Irlanda, Polónia e Rússia. Ao invés, tanto as vendas da Quinta da Boa Esperança como da Quinta da Alorna são dominadas pelo mercado nacional, 80% e 75% respectivamente. Devido ao seu potencial gastronómico e à facilidade do consumidor estrangeiro em identificar a casta, o vinho é comercializado principalmente no canal HORECA. Comparando a qualidade do Sauvignon Blanc português com de outros países, Vasco Rosa Santos considera a qualidade muito boa e realça o perfil diferente do dos famosos vinhos do Loire e Marlborough. Na sua opinião, o Sauvignon Blanc nacional raramente é influenciado por madeira, portanto é mais acessivel. Paula Fernandes está convencida que Portugal tem capacidade de produzir excelentes Sauvignon Blanc. Apesar de ser um país de pequena dimensão, mostra condições distintas e cada uma dessas regiões possui microclimas onde podem ser produzidos Sauvignon Blanc de estilo “Novo Mundo”, com aromas tropicais, untuosos e com acidez menos marcada, até vinhos com perfil mais clássico, como os do Vale de Loire, com mineralidade, acidez vincada e aromas elegantes e cítricos. Sendo assim é capaz de agradar qualquer tipo de consumidor, o que se torna uma vantagem competitiva.

Loire, França

O futuro

Levando em consideração tendências comerciais e ameaças trazidas pelas mudanças climáticas, Pedro Lufinha faz uma análise sensata, declarando que a casta não deixará de existir, mas também não será auspiciosa tendo em conta o vasto património vitícola e a preferência do consumidor português pelas castas autóctones que o país oferece. Paula Fernandes considera o Sauvignon como uma casta de clima fresco e acredita no seu poder de adaptabilidade. Sendo assim a tendência será sua transição para latitudes mais elevadas e locais mais próximos do mar, onde as amplitudes térmicas são menores e o índice de humidade mais elevado, como é o caso da região de Lisboa.
Apesar dos Sauvignon Blanc portugueses ainda não apresentarem uma personalidade definida, ao contrário dos clássicos franceses ou neo-zelandeses, a qualidade dos Sauvignon Blanc nacionais, de forma geral, é solida. Além de satisfazer a demanda do mercado interno é capaz de aventurar-se no comércio internacional. Mas embora sejam elaborados com competência, ainda não estão no patamar de qualidade dos grandes clássicos mundiais. De forma geral, os estilos ainda são muito heterogéneos e manifestam sobretudo a filosofia do enólogo. Até vinhos da mesma região reflectem mais as decisões tomadas na adega do que o terroir que lhes deu origem. Produtores que apostaram na casta precisam continuar valorizando a qualidade acima de tudo, para evitar competir com Sauvignon Blanc de países onde os custos de produção permitem atingir faixas de preço inferiores, como é o caso do Chile. Para assegurar sucesso ao longo prazo, é preciso ir em busca de uma personalidade própria. E para isso é necessária paciência e muito trabalho. Trabalho que vai gerar conhecimento e confiança. Confiança para interferir menos e fazer o máximo para que a casta consiga expressar da melhor forma o terroir português.

Edição Nº26, Junho 2019

A Escolha do Mestre – Álcool e tendências de consumo

O sector do vinho está a ser alvo de várias campanhas internacionais que apontam o álcool como malefício e não distinguem entre o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e a apreciação responsável de um vinho. Uma boa parte dos produtores reage, fazendo vinhos com menor teor alcoólico, mas outros apostam precisamente no contrário, para criar […]

O sector do vinho está a ser alvo de várias campanhas internacionais que apontam o álcool como malefício e não distinguem entre o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e a apreciação responsável de um vinho. Uma boa parte dos produtores reage, fazendo vinhos com menor teor alcoólico, mas outros apostam precisamente no contrário, para criar diferenciação.

TEXTO Dirceu Vianna Junior MW

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Por séculos, o álcool tem desempenhado um papel importante nas nossas interações sociais auxiliando pessoas a relaxarem, diminuindo inibições, ajudando a criar relacionamentos e melhorando amizades. É provável que o consumo de bebidas alcoólicas se tenha originado no período Paleolítico. De acordo com a revista National Geographic, a evidência mais segura e antiga de consumo de bebida alcoólica vem de Jiahu na China por volta de 7000 a.C onde agricultores fermentavam uma mistura entre arroz, uvas, bagas de espinheiro e mel em potes de barro. O álcool teve um papel considerável no desenvolvimento da nossa cultura, influenciando diversos aspectos incluindo linguagem, arte e religião.

Nos últimos tempos, porém, o sector do vinho e das bebidas alcoólicas tem estado sob assédio. Essa perseguição vem acontecendo gradualmente e parece ter acelerado recentemente. De acordo com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), os homens devem limitar o consumo de álcool a quatro unidades por dia e as mulheres não devem ultrapassar três, o que equivale a um copo grande de vinho. Recentemente, Sally Davies, Chief Medical Officer da Inglaterra, afirmou que não existe nível seguro para o consumo de álcool e criticou os estudos que defendem os benefícios do vinho. Esses sinais apontam para uma campanha que visa transformar o álcool em algo negativo, ao exemplo do que foi feito com o tabaco nas últimas décadas. Esse grupo ‘anti-álcool’ cria mensagens tentando minimizar os benefícios do consumo moderado de álcool para a saúde como, por exemplo, estudos que mostram redução no risco de morte por doença cardíaca em cerca de 15 a 30%, além de outras vantagens. Décadas de evidências mostrando que pessoas que bebem moderadamente vivem mais do que abstémios estão sendo gradualmente corroídas. Kari Poikolainen, doutor em ciências médicas na Universidade de Helsínquia, examinou décadas de pesquisas sobre os efeitos do consumo de álcool e acredita que beber apenas se torna prejudicial quando o consumo é excessivo. Na sua opinião, as evidências mostram que o consumo moderado é melhor que abster-se. No entanto, beber demasiadamente é mais prejudicial à saúde do que a abstinência. Atualmente existe um plano de acção endossado pelos 53 membros europeus da OMS visando reduzir consumo de álcool e em Portugal o Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos e as Dependências 2013-2020 acompanha essa estratégia. Embora seja indispensável alertar os cidadãos contra o uso nocivo do álcool, é importante fazer distinção entre as mensagens negativas provenientes de neo-proibicionistas que visam mudar as normas sociais e reduzir a aceitação do álcool na sociedade e uma mensagem sensata sobre os perigos do consumo excessivo. Esse grupo adopta uma abordagem radical e trata todas bebidas alcoólicas da mesma forma, apesar de o vinho ser consumido de maneira diferente do que gin, a vodka e tequila. O vinho é frequentemente consumido durante refeições. Raramente é o combustível que incendeia os centros das cidades por jovens saindo de bares e clubes nas primeiras horas do dia causando barulho, confusão e sujidade.

MUDANÇAS NA VINHA E NA ADEGA

Existem evidências que apontam para uma gradual mudança no comportamento das pessoas entre 25 e 44 anos. Brandy Rand, diretor de marketing da IWSR, responsável por fornecer estatísticas sobre o consumo global de bebidas alcoólicas, acredita que esse segmento está procurando reduzir o álcool que consome. De acordo com a Wine Intelligence, um estudo dos mercados do Reino Unido, EUA, Canadá, Suécia, Nova Zelândia e Austrália, indica que um terço dos consumidores de vinhos premium tentaram moderar o consumo de álcool nos últimos meses. Uma das opções está na busca de vinhos com menor graduação alcoólica. Além de menos intoxicantes, atraem menos impostos. Na Noruega, o imposto é calculado dependendo do teor alcoólico. Nos EUA, vinhos com mais de 16% atraem maiores impostos, o que também é o caso na Europa onde vinhos com mais de
15% são punidos. Esses são motivos pelos quais algumas empresas estão lançando vinhos com menor graduação. A Cooperativa de Plaimont, no sudoeste da França, lançou recentemente um Côte de Gascogne com 9% de álcool. “A demanda por vinhos de baixo teor alcoólico é forte”, diz Olivier Bourdet-Pees, director administrativo da empresa. A Wine Intelligence estudou onze importantes mercados de vinho para entender oportunidades para vinho sustentáveis, orgânicos e de baixa graduação e revelou que a maior oportunidade para vinhos com baixo teor alcoólico se encontra na Nova Zelândia e Austrália, em contraste com a Alemanha, Suécia e Japão onde a oportunidade é menor. Em termos de produção, existem várias maneiras de diminuir a graduação alcoólica de um vinho. No vinhedo, a escolha do material vegetativo, incluindo clones, capazes de atingir a maturação com menos açúcar é vital. A estratégia de nutrição da planta e gestão da copa podem exercer grande influência. Optar por um rendimento maior e antecipar a colheita ajudam reduzir os níveis, embora essas opções, quando não bem geridas possam causar efeitos adversos na qualidade do produto final.

Na adega, condições específicas de fermentação, tratamentos do mosto e o uso de leveduras selecionadas podem causar um impacto significativo. Por exemplo, Ionys, uma levedura descoberta pela empresa canadense Lallemand, é capaz de realizar a total conversão alcoólica atingindo redução de até 0,8% de álcool. Fazer a sangria das cubas também ajuda, pois o vinho lágrima contém mais açúcar, deixando para trás mosto com potencial alcoólico menor. Outras opções incluem fazer lote com componentes menos alcoólicos, cessar a fermentação deixando uma fracção do açúcar residual ou até mesmo diluir com água onde essa técnica é permitida como é o caso na Califórnia. Há também o uso de tecnologia, como Osmose Inversa ou Cones Giratórios que diminuem a graduação alcoólica. Na Herdade do Rocim, Pedro Ribeiro, administrador e enólogo, explica que as estratégias para fazer um vinho com a graduação alcoólica mais baixa é resultado de duas opções naturais, colheita antecipada e o facto da videira ter porte retumbante promovendo o ensombramento dos cachos, o que gera uvas com menos açúcar. Em busca de vinhos que são naturalmente mais baixos em álcool, o Programa de Pesquisa da Nova Zelândia é uma parceria entre produtores e o governo que visa o desenvolvimento de vinhos de alta qualidade que sejam naturalmente baixos em álcool. O investimento de NZD 17 milhões de dólares ao longo de 7 anos tem como objetivo aperfeiçoar o cultivo de uvas com maturação perfeita cujo potencial alcoólico seja 30% inferior. Os produtores neozelandeses, como Mt Difficulty Wines, Pernod Ricard e Villa Maria, estão entre as empresas envolvidas que tem como objetivo fazer da Nova Zelândia o líder dessa categoria até 2025.

E A QUALIDADE, COMO É?

Embora exista uma certa tendência para valorizar vinhos mais frescos, a maioria dos produtores busca a qualidade acima de tudo e a graduação alcoólica é apenas consequência. Não há dúvida que o desenvolvimento do conhecimento de viticultura nas últimas duas décadas tem ajudado viticultores a manter as uvas na vinha por mais tempo em busca de maturação fenólica. No entanto isso gera níveis de açúcar mais altos e consequentemente teores alcoólicos elevados. Esse é um tema que desafia produtores em muitas partes do mundo, principalmente nas regiões mais quentes. Novas técnicas de gerenciamento da canópia também exercem um impacto considerável. Copas abertas concedem maior incidência solar à planta e a prática da remoção das folhas ao redor dos cachos melhora a exposição. Isso, por sua vez, aumenta o açúcar. Além dessas técnicas, certas castas como Viognier e Zinfandel, são reconhecidas pelas suas capacidades de acumular altos níveis de açúcar. António Aguiar, sócio-gerente da Brites Aguiar Lda, explica que a primeira versão do vinho Bafarela 17 surgiu em 2004 quando a colheita de uma das parcelas aconteceu acidentalmente tarde. Apesar da análise apontar teor alcoólico de cerca de 14%, havia grande percentagem de uvas passas no cachos que se foram abrindo durante o processo fermentativo, resultando num vinho com 17%, eis o nome. Outro exemplo de um vinho português com alta graduação alcoólica é Carmim Primitivo tinto, com 16%. Um vinho composto por uvas de vinhedos velhos de Alicante Bouschet, Trincadeira, Aragonez e Castelão. Tiago Garcia, enólogo do Grupo CARMIM, aponta a baixa produção (3 ton/ha) e um ano quente (2017) como factores principais que deram origem ao estilo. O vinho foi elaborado em lagares com pisa a pé, leveduras indígenas e sem estágio em madeira. O teor alcoólico de centenas de vinhos testados pelo Australian Wine Research Institute subiu de uma média de 12,4% em 1984 para 14,2% em 2002 e essa tendência continua. Há cinquenta anos atrás, muitos vinhos de Bordéus tinham graduação alcoólica de 10,5%, hoje, grande parte excede 13,5%. Além de exercer impacto na nossa saúde, vinhos com álcool mais elevado, de forma geral, não harmonizam tão bem com certos pratos mas isso não parece incomodar os consumidores de Bafarela 17 cujas 13.333 garrafas da 1ª edição se esgotaram em apenas duas semanas. António Aguiar sente entusiasmo por parte do consumidor e acredita que esse estilo terá futuro duradouro. Por outro lado, na opinião de Pedro Ribeiro os mercados mais sofisticados valorizam graduação alcoólica mais baixa.

O consumo de álcool vem diminuindo, excepto nos grupos com maiores rendimentos, que representam a maior parte dos consumidores de vinho. O grupo anti-álcool que não faz distinção entre as diferentes formas de álcool e está constantemente criando mensagens negativas e confusas sobre o seu consumo. O sector precisa fazer mais para educar consumidores sobre os aspectos positivos do consumo moderado de vinho para a saúde. Sempre haverá um pequeno mercado para vinhos com alto teor de álcool, especialmente em países onde a cultura do vinho ainda está em fase de desenvolvimento. Em países onde a comercialização e o consumo de vinhos tem um maior histórico, como é o caso da maioria dos países europeus, é provável que os consumidores continuem reduzindo o consumo de álcool no futuro e essa tendência favorecerá estilos de vinhos mais frescos, mais leves, mais fáceis de beber e com menor teor alcoólico.

 

Edição Nº25, Maio 2019

Castelão: Patinho feio ou cisne maravilhoso?

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]O mundo está em constante estado de mudança. Certas coisas acontecem com tal rapidez que é difícil adaptar-nos, outras ocorrem tão lentamente que não são imediatamente perceptíveis. No mundo do vinho não é diferente. Castelão já foi […]

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]O mundo está em constante estado de mudança. Certas coisas acontecem com tal rapidez que é difícil adaptar-nos, outras ocorrem tão lentamente que não são imediatamente perceptíveis. No mundo do vinho não é diferente. Castelão já foi a casta tinta mais plantada de Portugal e é interessante observar sua transformação ao longo dos anos, analisar o que acontece actualmente e ponderar possibilidades futuras.

TEXTO DIRCEU VIANNA JUNIOR MW
FOTOS ARQUIVO

Devido sua capacidade de adaptação, a uva Castelão é encontrada desde as regiões mais frescas e húmidas do norte do país até áreas mais ensolaradas e áridas do sul. A Castelão espalhou as
suas raízes pela maioria das regiões portuguesas incluindo Trás-os-Montes, Douro, Távora-Varosa, Beira interior, Lisboa, Tejo, Alentejo e Algarve.
Encontrou condições ideais na região de Península de Setúbal onde na década de 60’s chegou a cobrir mais de90% da área plantada.
Apesar de ser extensivamente cultivada, a aceitação em termos comerciais nem sempre foi fácil. Pedro Simões, administrador da Casa Agrícola Horácio Simões, recorda quando a empresa decidiu lançar um DOC Palmela no princípio da década de 2000. Naquela época a casta era mal vista, mal compreendida e mal-amada. Lembra de suas primeiras visitas ao mercado quando havia pouco interesse e frequentemente não o permitiam nem abrir a garrafa. O tempo passou e felizmente o comportamento mudou. Hoje a casta começa gradualmente a receber mais atenção dos profissionais do sector e consumidores.
No campo, a casta possui alto poder de adaptabilidade e durabilidade. Na adega, Castelão é versátil, capaz de produzir múltiplos estilos de vinho desde espumantes, brancos, rosés e até fortificados. Os vinhos tintos podem ser leves, elegantes e fáceis de beber quando jovens ou encorpados, concentrados e com estrutura firme para envelhecer por décadas. Na opinião de Luís Simões, enólogo da Casa Agrícola Horácio Simões, a Castelão, quando bem trabalhada, pode ser uma das castas portuguesas de maior longevidade.
Documentos descrevendo terras ao redor da cidade de Lamego em 1531 são as referências mais antigas onde menções sobre Castelão podem ser encontradas. Sua subsequente popularidade deve-se ao empenho de José Maria da Fonseca, natural da freguesia de Vilar Seco do conselho de Nelas no Dão, que ao se fixar em na Península de Setúbal no início do seculo XIX decidiu plantar Castelão na sua vinha da Cova da Periquita. O vinho obteve enorme sucesso comercial e passou a ser associado a esse local de origem, tanto que o nome da vinha, Periquita, acabou por tornar-se um dos sinónimos populares da casta. Castelão é conhecida por mais de uma dezena de nomes distintos dependendo da região onde é cultivada, mas somente Periquita e João de Santarém são sinónimos oficialmente reconhecidos pelo Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) e mesmo assim, apenas em determinadas pressupostos legais.[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”20″][vc_text_separator title=”CONTROLAR A PRODUÇÃO É ESSENCIAL”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Os dados do IVV mostram que a casta ocupa 9,079 hectares sendo atualmente a terceira variedade tinta mais plantada do país, atrás de Tinta Roriz e Touriga Franca. Após anos de recessão, produtores e enólogos estão gradativamente recuperando o interesse e existem exemplos recentes de áreas cujos vinhedos estão sendo replantados.
A Castelão, que é um cruzamento natural entre Cayetana Blanca e Alfrocheiro, abrolha precocemente, tem vigor médio, porte erecto e adapta-se a diversas formas de condução, principalmente cordão bilateral e guyot. Uma desvantagem é a sensibilidade ao desavinho e a bagoinha. Os maiores desafios, de acordo com Bernardo Cabral, enólogo da Herdade Pegos Claros, estarão relacionados com a gestão de rega e o controlo da produção das vinhas novas. Um dos principais motivos de sua popularidade é sua resistência a doenças criptogâmicas, sendo pouco sensível à podridão. Para António Saramago (filho), enólogo da casa António Saramago Vinhos, a vantagem de ter uma pelicula rígida é essencial para resistir os efeitos negativos que as chuvas trazem em épocas críticas do ciclo vegetativo. Já Domingos Soares Franco afirma que é uma das castas mais resistentes ao escaldão. Apesar de ter sofrido com a vaga de calor do verão de 2018, foi a casta que melhor resistiu às temperaturas elevadas que numa estação meteorológica de Azeitão atingiram 46ºC na sombra.[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”No Line” custom_height=”20″][image_with_animation image_url=”37223″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]A grande atracção para muitos é sua produtividade elevada, podendo facilmente atingir rendimentos em torno de 15 toneladas por hectare. A qualidade do produto final e variável e inversamente proporcional ao rendimento, sofrendo uma queda acentuada de qualidade à medida que o volume de produção excede cerca de sete toneladas, na opinião de Bernardo Cabral. Quando o vigor não é controlado, podem resultar em vinhos com pouca cor, magros, acídulos, agressivos e demasiadamente rústicos. A produtividade, e consequente qualidade, depende do material vegetativo. Existem várias opções de clones como 5, 25 e 26 JBP e 27-33 EAN. No entanto, na opinião de Luís Simões, a pressão comercial frequentemente leva produtores a optar por clones excessivamente produtivos, o que não é compatível com vinhos de qualidade. O segredo, segundo, Luis Simões, está na preservação das vinhas velhas com maior diversidade genética e volume de produção menor.
A Castelão adaptou-se em vários cantos do país, desde solos tipo podzol na zona de Pegões, solos de areia pliocénica encontrados na sub-região de Charneca no Tejo ou argilo-calcários da região de Lisboa. Nos solos arenosos de Palmela, as videiras afundam suas raízes à procura de água, e consequentemente ajudam conferir estrutura e concentração ao vinho. Além disso, no auge do verão, em terrenos de areia a planta consegue fugir do calor excessivo que se concentra na superfície. Nos solos argilo-calcários, da zona da Arrábida, as raízes distribuem-se lateralmente
fixando-se mais perto da superfície e geram vinhos mais leves, elegantes, com mais frescor e menor teor alcoólico.
Devido à alta relação entre pele e polpa, os vinhos frequentemente possuem estrutura tânica particularmente firme, razão pela qual muitas vezes é preferível fazer lotes com outras varietais como Tinta Roriz, Moreto e Trincadeira. Luis Simões afirma que a casta se relaciona muito bem com o Alicante Bouschet, Touriga Nacional e Cabernet Sauvignon, no entanto na Casa Agrícola Horácio Simões a preferência é trabalhá-la como monovarietal. Para Domingos Soares Franco, um dos principais desafios durante a vinificação é fixar a cor. Na opinião de António Saramago (filho), é recomendável o lote com castas menos ácidas e com menos estrutura quando o objetivo é elaborar vinhos mais económicos, pois atingem equilíbrio mais cedo. Já Bernardo Cabral alerta que a mistura com outras castas pode facilmente ofuscar a tipicidade e o carácter do Castelão.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_text_separator title=”UMA CASTA, DIFERENTES PERFIS”][vc_column_text]Luis Simões defende que Castelão responde positivamente quando vinificada em lagar (de preferência de pedra), gosta de pisa à pé e macerações longas. António Saramago concorda com as propriedades positivas da vinificação em lagar e favorece o uso de engaços quando maduros para dar mais estrutura e adicionar complexidade.
Prefere controlar fermentações para que não ultrapassem 28ºC, ao contrário de Bernardo Cabral que não teme fermentações com temperaturas mais elevadas.
Acidez natural elevada e estrutura firme torna a casta facilmente compatível com estágio em madeira, preferencialmente barricas de carvalho francesas, afirma Bernardo Cabral. Na Casa Agrícola Horácio Simões a preferência é usar madeira nova na primeira fase do envelhecimento seguida por madeiras usadas subsequentemente.
A exemplo de Baga, Sangiovese e Nebbiolo, a casta responde positivamente quando envelhecida em tonéis de madeira de grande porte. O clima ameno do Algarve, cujas amplitudes térmicas entre o dia e noite não variam radicalmente, transmite aos vinhos boa intensidade aromática. Para Ana Matias Chaves, administradora da Herdade Barranco do Vale, os vinhos mostram-se mais abertos, são mais redondos e estão prontos para beber mais cedo, mas não possuem grande capacidade de envelhecimento. Domingos Soares Franco é categórico no que diz respeito à origem dos melhores vinhos de Castelão, citando os solos arenosos que abrigam vinhedos velhos de baixo rendimento na Península de Setúbal como origem não somente dos melhores vinhos, mas também os mais longevos, sendo possível encontrar garrafas de Castelão com mais de meio século que ainda estão na sua plenitude.
Na opinião de Bernardo Cabral, a casta mostra características similares ao Sangiovese da Toscana e ao Nero d’Ávola da Sicília. Tanto António Saramago (filho) e Ana Matias Chaves fazem comparações com Pinot Noir enquanto Luís Simões descreve a com perfil similar ao Grenache. Não resta dúvida que a casta exibe diferentes perfis e é extremamente versátil. Dependendo do estilo pode ser harmonizado com pratos mais delicados, como risoto de cogumelos, frango grelhado e massas. Pode combinar com pratos de sabores moderadamente fortes como atum grelhado, sardinhas e certos tipos de queijo. Alguns vinhos são capazes de enfrentar pratos com sabores fortes como churrasco, ensopados guarnecidos com ervas aromáticas, feijoada, bem como pratos da culinária mexicana.
Para assegurar que a transformação da casta continue sendo positiva é vital proteger os vinhedos velhos. Além de favorecerem a qualidade, fazem parte do património vitícola nacional. Esse diferencial é importante e não deve ser sacrificado à favor de castas alternativas como Cabernet Sauvignon, Merlot ou Shiraz. Além de fácil gestão vitícola e resistência à doenças, a Castelão consegue reter acidez em condições mais quentes o que certamente será uma vantagem na batalha contra alterações climáticas. Com atenção voltada ao futuro, é necessário explorar a possibilidade
de instalação de rega para evitar repetição do que aconteceu na última vindima pois a tendência é que fenómenos parecidos se repitam. Novas plantações devem ser feitas em solos propícios, especialmente solos arenosos, e com material vegetativo orientado para vinhos de qualidade, não quantidade. Como a tendência actual está voltada para vinhos mais leves, elegantes e menos alcoólicos, a vinificação de vinhos para consumo imediato deveria seguir uma abordagem enológica moderna, indo ao encontro do que o consumidor deseja sem extrair taninos em excesso, mas protegendo a tipicidade da casta. Na verdade, já existe um conjunto de vinhos 100% varietais de excelente qualidade. Para que a casta atinja um patamar ainda mais alto e ganhe maior notoriedade é necessário que os produtores mostrem ainda mais convicção, lançando os seus topo de gama 100% Castelão.
A Castelão é uma variedade de grande potencial capaz de gerar vinhos de qualidade diretamente proporcional à atenção que lhe é dada.
Uma casta que tem tudo para se transformar em algo verdadeiramente especial. Basta ser bem tratada.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_text_separator title=”EM PROVA”][vc_column_text]

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Edição Nº24, Abril 2019

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Blanc de Noir: O mundo das estrelas

O desenvolvimento dos espumantes brancos feitos a partir de uvas tintas é ainda relativamente recente em Portugal, mas parece constituir uma via cada vez mais apetecível para os produtores nacionais. A rica história do Blanc de Noir em Champagne atesta a validade do conceito. TEXTO Dirceu Vianna Junior MW FOTOS Ricardo Palma Veiga Comecemos pelo […]

O desenvolvimento dos espumantes brancos feitos a partir de uvas tintas é ainda relativamente recente em Portugal, mas parece constituir uma via cada vez mais apetecível para os produtores nacionais. A rica história do Blanc de Noir em Champagne atesta a validade do conceito.

TEXTO Dirceu Vianna Junior MW
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Comecemos pelo princípio, com a origem e contexto histórico dos blanc de noirs. A região de Champagne, situada no nordeste da França, é sinónimo de espumantes de qualidade. A associação é tão forte que muitos associam esse local com a criação do estilo; no entanto, documentos encontrados na Abadia de St Hilaire, em Limoux, sul da França, datados no ano de 1531, constituem as evidências mais antigas associadas a este estilo de vinho. O primeiro espumante da região de Champagne tem origem em 1690. Conta-nos a história que um monge benedictino foi ouvido chamando entusiasticamente os seus companheiros para o porão da Abadia de Hautvillers sob o pretexto: ‘‘Irmãos venham, estou vendo estrelas”, referindo as pequenas borbulhas evidentes no vinho.
A verdade é que Champagne não foi um produto inventado. O processo foi consequência de uma evolução que durou vários anos e contou com contribuições de várias pessoas. O monge beneditino, conhecido como Dom Perignon, foi talvez o indivíduo que mais contribuiu para o desenvolvimento desse estilo. Pelo facto de gostar do trabalho associado à terra, o monge era um viticultor prolífico e expandiu o conhecimento sobre a poda das vinhas na região. Sendo um estudioso e um meticuloso profissional, Dom Perignon desenvolveu aspectos que ajudaram a compreensão do terroir de Champagne, selecionando as melhores parcelas e identificando onde determinadas varietais poderiam obter os melhores resultados.
Além disso, tinha muito cuidado para manter as uvas intactas e, por esse motivo, preferia que a colheita fosse executada na parte da manhã, em condições mais frescas, seguida de um processo de selecção onde uvas imperfeitas eram rejeitadas. Dom Perignon preferia que o transporte dos vinhedos à adega fosse feito por mulas e burros, citando que esses animais moviam-se mais suavemente, evitando assim a possibilidade de danificar as uvas.
Parecendo entender o impacto positivo do envelhecimento, Dom Perignon optava por deixar os seus vinhos descansando por mais tempo do que os de qualquer outro produtor na época e o resultado era obviamente superior. Numa carta escrita em Novembro de 1700 por Bertin de Rocheter, comerciante da região, destinada a M. d’Artagnan, oficial do exército, ele descreve a qualidade superior dos vinhos de Hautvillers comparando o preço médio de um produto local com o preço de um vinho feito por Dom Perignon, que era quatro vezes mais caro, atingindo, na moeda da época, 900 libras.
Nem sempre era possível obter boa qualidade, principalmente no que diz respeito aos vinhos tintos, devido à falta de maturação. Até então, devido à falta de tecnologia e know-how, não era possível fazer vinhos brancos através do uso de uvas tintas. Os vinhos produzidos na região eram denominados “Vin Gris”. Esses não eram cinza como o nome sugere, mas rosa pálido e ligeiramente turvo. Entre as contribuições feitas pelo monge beneditino, uma das mais significantes foi ter sido o primeiro a produzir um vinho verdadeiramente branco a partir de uvas tintas. A prensagem era feita o mais rápido possível, tentando minimizar a possibilidade de que o mosto fosse tingido pelos componentes fenólicos responsáveis pela cor dos vinhos rosé e tintos. A sua reputação em relação a esse assunto é incontestável. Documentos encontrados na vila de Aÿ, a poucos quilómetros de Hautvillers, na sub-região do Vale de la Marne, escritos logo após a sua morte, confirmam isso.

Blanc de Noirs vs Blanc de Blancs

Quando um vinho branco é produzido exclusivamente a partir de uvas tintas, o termo Blanc de Noirs, de origem francesa, é usado para descrever esse estilo. A polpa das uvas tintas, com poucas exceções, é de facto incolor e desde que o contacto entre o mosto e a pele seja mínimo, o resultado obtido é essencialmente um vinho branco, mesmo que a cor possa apresentar uma tonalidade rosada ou nuances de cobre devido à presença de pigmentos na pele.
Na boca, esse estilo de vinho tende a ser mais encorpado, denso e pesado e frequentemente exibe características de frutos vermelhos. O termo Blanc de Noirs é frequentemente associado com a região de Champagne, onde, entre alguns dos mais notáveis exemplos, é possível destacar Krug Clos d’Ambonnay, que tem origem num pequeno vinhedo murado de somente um hectare na vila de Ambonnay; e Bollinger ‘Vieilles Vignes Francaises’, feito pela primeira vez no ano de 1969 para comemorar o septuagésimo aniversário da Madame Bollinger. Este cuvée tem sido uma das referências em termos de estilo.
Em Champagne, as uvas em questão são Pinot Noir e Pinot Meunier. Noutras regiões produtoras existem uvas locais que podem substituir ou serem incluídas no lote, como, por exemplo, a varietal País no Chile, Cabernet Franc no Vale do Loire e Baga na Bairrada, entre muitas outras.

É possível encontrar excelentes Blanc de Noirs na maioria das regiões produtoras de vinho do mundo, como por exemplo Espanha (Juve y Camps), Itália (Contadi Castaldi), Inglaterra (Ridgeview), Alemanha (Schloss Vaux), EUA (Schamsberg), Austrália (Henschke), Nova Zelândia (Johanneshof), Chile (Bodegas RE) e Brasil (Cave Geisse).
Blanc de Blancs é o estilo oposto ao Blanc de Noirs, uma vez que é feito exclusivamente a partir de uvas brancas. Celso Pereira, que desde 1989 é responsável pela produção da Caves Transmontanas, que inclui a marca Vértice, descreve um Blanc de Blancs como um estilo mais linear, fresco e mineral. Por esse motivo, tende a ser apreciado por sommeliers e profissionais do vinho, embora possa parecer um pouco austero para consumidores iniciantes. Além de acompanhar aperitivos, esse estilo é adequado para harmonizações com pratos mais delicados, especialmente frutos do mar, devido ao seu frescor, tensão e características de salinidade. As melhores sub-regiões nos distritos de Champagne para Blanc de Blancs são a Côte des Blancs e Côte de Sézanne, onde a casta Chardonnay desenvolve-se distintamente bem, especialmente nos vilarejos de Avize, Chouilly, Cramant, Le Mesnil-sur-Oger, Oger e Oiry. Entre os exemplos mais notáveis destacam-se Krug Clos du Mesnil, Pol Roger Blanc de Blancs e Taittinger Comtes de Champagne.

Blanc de Noirs em Portugal

Em Portugal os registos históricos atestam que o primeiro espumante de método tradicional foi feito pelo engenheiro José Maria Tavares da Silva, na Escola Prática de Viticultura e Pomologia da Bairrada, em 1890, mas o período em que surgiu o primeiro Blanc de Noirs de Portugal é incerto. A Caves Messias parece ter sido um dos pioneiros desse estilo na década de 80, mas é provável que o enólogo da empresa naquela época, Adelino Pato Macedo, já utilizasse a casta Baga para lotes de espumantes vinificados no estilo Blanc de Noirs anteriormente a esse período. De facto, havia na altura muita procura para base de espumantes e em certos momentos não havia volume de castas brancas suficientes para a suprir.
Miguel Pereira, responsável comercial da Caves Messias, descreve o estilo Blanc de Noirs português como um espumante tipicamente robusto, potente, redondo, diferenciando-se sobretudo pela fruta vermelha, apresentando certa austeridade enquanto jovem e revelando textura mais palpável e complexidade com pouco tempo em garrafa. O que o torna perfeito para acompanhar canapés e pratos principais à base de aves ou peixes.
De acordo com Luís Pato, respeitado e carismático produtor da Bairrada que iniciou a sua carreira em 1980, a sua inspiração vem de Champagne. Resolveu fazer um Blanc de Noirs à base de Baga em 1990 e hoje elabora um estilo sem uso de sulfuroso ou qualquer adjuvante para retirar a cor. Na interpretação de Luís Pato, a casta Baga comporta-se de forma semelhante ao Pinot Noir e quando plantada em solos argilo-calcáreos pode desenvolver características similares aos bons espumantes da região de Champagne.
Apesar de o solo desempenhar um papel importante no estilo do vinho, existem uma série de parâmetros essenciais como, por exemplo, altitude e exposição. Celso Pereira descreve as condições naturais da vinha que foi plantada com Pinot Noir no Planalto de Alijó, com exposição nascente e altitude da ordem dos 610 metros, como factores críticos. O ciclo dessa parcela é curto. As vindimas ocorrem no final de Agosto, resultando em fruta com alta acidez e pH baixo, critérios fundamentais para elaboração de um vinho base para espumante de alta qualidade. Luís Pato descreve o seu Blanc de Noirs como um produto de um aproveitamento, visto que as uvas são oriundas de uma primeira vindima que é feita antecipadamente com o objetivo de reduzir a quantidade de cachos e melhorar a qualidade das uvas que serão destinadas ao vinho tinto. A primeira passagem é feita na época adequada para fazer espumantes, pois as uvas dispõem de mais acidez, mais leveza e menos aromas. Aromas delicados e frescor são vitais. Para o estilo Blanc de Noirs, a Cave Messias prefere a casta Baga oriunda de solos arenosos, que conferem intensidade da fruta adequada, aliada à leveza e ao frescor.

Os maiores desafios

Na adega, um dos maiores desafios durante a elaboração de um Blanc de Noirs, de acordo com Luís Pato, é conseguir um vinho base sem precisar de recorrer a processos como uso de carvão ou PVPP (Polivinilpolipirrolidona) para remover vestígios de cor. Celso Pereira aponta, entre os principais obstáculos, a extração e separação das diversas fracções ao longo do ciclo de prensagem, juntamente com o estágio, tanto em inox como em barricas usadas de 225 litros, como desafios permanentes. No entanto, explica que os desafios de um longo estágio, tanto na parte técnica quanto no esforço financeiro necessário, são uma das formas que encontra para diferenciar os seus produtos.
Fazer um vinho espumante diferenciado e de alta qualidade exige paciência e determinação, explica Celso Pereira. Os custos inerentes são elevados e por esse motivo comercializar um espumante que aparece no mercado nacional na faixa dos 50 euros nem sempre é fácil e em âmbito global acaba competindo directamente com um bom vinho da região de Champagne. Luís Pato explora, além da qualidade, o lado natural do produto, visto que não adiciona sulfitos e não corrige a dosagem antes de lançar o produto no mercado. Para Miguel Pereira a vantagem na hora da comercialização, mais do que ser um Blanc de Noirs, é ser um “Baga Bairrada”, pelo facto de ser uma categoria única.

Filosofias distintas resultam em vinhos bastante diferentes. Por um lado, esse aspecto enriquece a diversidade dos vinhos que Portugal tem a oferecer ao consumidor; mas, por outro, essa heterogeneidade de estilos torna a escolha complexa, pelo facto de essa categoria não oferecer um estilo consistente como acontece no caso de vinhos da região de Prosecco, Cava ou Champagne. Ainda existe um trabalho a ser feito em certos aspectos para que o consumidor venha a entender claramente o perfil do espumante português, o que tem a oferecer ao consumidor e a sua capacidade diferenciadora.
Existem exemplos de vinhos jovens, simples e refrescantes, como é o caso do espumante Baga Barrada da Caves Aliança, que certamente preenchem os requisitos de consumidores que buscam um produto bem feito, com boa relação entre custo e benefício. Espumantes como Muros Antigos Alvarelhão e Luís Pato Vinha Pan são exemplos de vinhos individuais, que demonstram criatividade e certamente poderão atrair a atenção de consumidores que buscam algo diferente e interessante para compartilhar com os seus amigos.
Ora, há evidência de que Portugal tem o terroir e a capacidade para produzir espumantes aptos a satisfazer até os paladares mais exigentes. Alguns desses Blanc de Noirs exibem qualidade e classe o suficiente que fariam até o próprio criador desse estilo sorrir e gritar aos quatro ventos: ‘‘Irmãos venham, estou vendo estrelas.”[/vc_column_text]

 

Edição Nº21, Janeiro 2019

 

Esquecidos e doces tesouros

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Portugal produz alguns dos vinhos doces mais reverenciados do mundo. Falo, naturalmente, dos vinhos licorosos, e em particular do Porto, Madeira ou Moscatel de Setúbal. Existe, porém, um estilo de vinho que é ainda mais desafiador para […]

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Portugal produz alguns dos vinhos doces mais reverenciados do mundo. Falo, naturalmente, dos vinhos licorosos, e em particular do Porto, Madeira ou Moscatel de Setúbal. Existe, porém, um estilo de vinho que é ainda mais desafiador para quem produz, mas infelizmente algo menosprezado pela maioria dos consumidores: são os vinhos doces de colheita tardia.

TEXTO: Dirceu Vianna Junior MW
FOTOS: Ricardo Palma Veiga[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]A legislação europeia estabelece que para um vinho ser considerado doce (doux, dolce, dulce, süss) deve ter no mínimo 45 gramas de açúcar por litro. O vinho doce pode ser obtido por meios naturais ou através de técnicas especiais, tanto no campo quanto na adega. Um dos principais métodos consiste simplesmente em realizar a colheita quando as uvas atingirem um nível de açúcar suficientemente elevado para o estilo determinado. Algumas variações desse método incluem concentração dos açúcares na uva por desidratação, botritização ou congelamento. Além disso, é possível obter um vinho doce estilo comercial e mais barato através de adição de mosto de uva a um vinho base.
A maneira mais comum de fazer vinho doce é colher as uvas mais tarde. Na medida que a colheita é prorrogada, o nível de maturação aumenta, elevando a quantidade de açúcar na fruta. Consequentemente, durante o processo de fermentação as leveduras não são capazes de transformar todo o açúcar em álcool, ou são forçadas a parar de converter açúcar em álcool através de uma redução da temperatura seguida por uma adição de sulfuroso, deixando uma proporção significativa de açúcar residual, obtendo assim doçura no produto final.[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”No Line” custom_height=”20″][image_with_animation image_url=”32036″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Este método tem sido utilizado desde os tempos do império romano. Os gregos, no entanto, preferiam colher as uvas mais cedo para preservar o frescor e deixá-las secando ao sol por alguns dias, permitindo que as uvas desidratassem e assim concentrando o açúcar. Os vinhos doces eram mais apreciados em tempos antigos do que são hoje. Desde o século XVII, o negócio de vinhos holandês já estava intensamente envolvido no mercado de vinhos doces, comercializando vinhos da parte ocidental da França, Constancia e Tokaji. Na edição de 1961 da “Larousse Gastronomique” é possível observar um comportamento diferente em relação aos vinhos doces no passado recente. Durante banquetes que se seguiam a reuniões formais, oferecia-se não apenas um Bordeaux tinto, como Lafite, ou um vinho de alta qualidade do Vale do Rhône, como Hermitage, mas os convidados também podiam desfrutar de um Sauternes, que era oferecido ao mesmo tempo dos tintos quando o prato principal era servido.
A colheita tardia permite produzir vinhos intensos, concentrados e doces, como um Vendange Tardive da região da Alsácia, por exemplo. Após um determinado período na videira, e em condições favoráveis, o amadurecimento chega ao final e as uvas começam a murchar. Em certas partes do mundo, como Itália, Creta e Austrália, um efeito semelhante e alcançado torcendo os caules dos cachos para privá-los de seiva e deixando-os secar na videira. Com a perda de água a concentração de açúcar aumenta. Esse processo de passificação que acontece na própria videira é descrito em francês como “Passerilage”. Exemplo de um vinho feito dessa maneira é encontrado em Jurançon, no sudoeste do país, aos pés dos Pirenéus. Em Portugal, a Ervideira adota um método semelhante. De acordo com Duarte Leal da Costa, diretor executivo da empresa familiar, para fazer este vinho o processo de controlo de maturação é mais rigoroso e quando as uvas já estão em forma de passa, normalmente coincidindo com o início das primeiras chuvas, é feita a colheita. [/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Uma nobre podridão
Os vinhos doces feitos a partir de uva passificada na videira são procurados por enófilos e sommeliers e frequentemente atingem excelente nível de qualidade, mesmo que muitas vezes sejam menos complexos e possivelmente menos longevos do que vinhos feitos com uvas 100% afetadas pela Botrytis cinerea. O fungo também é conhecido como “pourriture noble” em França ou “edelfaüle” na Alemanha.
Quando a forma benevolente desse fungo afeta uvas brancas, maduras e não danificadas, especialmente variedades de pele fina como Semillon, Chenin ou Furmint, é responsável por alguns dos melhores vinhos doces do mundo. Para isso acontecer, é necessário reunir condições favoráveis, como o micro-clima de Sauternes, onde o fluxo do pequeno riacho de Ciron, que possui águas mais frias, se junta às águas mais quentes do rio Garonne, formando uma névoa que envolve as vinhas de manhã. Nessas condições, o fungo é capaz de penetrar a fruta, produzindo canais microscópicos na pele. Subsequentemente o sol e calor do meio do dia eliminam a névoa e incentivam a evaporação da água através dos pequenos orifícios que foram feitos na pele. Esse processo leva normalmente entre três e dez dias para se desenvolver, dependendo das condições locais e especificas de cada colheita. No Vale do Loire, é possível encontrar essas condições em redor das vilas de Quarts de Chaume, Layon, Bonnezeaux, Vouvray e Montlouis. Em Bordeaux esse micro-clima pode ocorrer nas comunidades de Loupiac, Cadillac, St Croix du Mont, Cerons, Monbazillac, Saussinac, bem como Barsac e a mais famosa de todas, Sauternes.
No Chateau d ‘Yquem, localizado em Sauternes, durante a colheita de 1990 o processo foi rápido e homogéneo. Em contraste, a colheita de 1974 exigiu paciência e mais de dez visitas aos vinhedos para efectuar a colheita, pois o ataque da botrytis foi lento e heterogéneo.
Essas condições específicas são mais raras em Portugal e muitas vezes não acontecem. Manuel Vieira, antigo enólogo da Sogrape que por muitos anos foi responsável pelo projeto da Quinta dos Carvalhais e hoje trabalha como consultor em vários projetos, diz que tentou várias vezes fazer um colheita tardia. Obteve sucesso em colheitas como 1995, 2007 e 2011, mas nas restantes a presença essencial do fungo falhava.
Já o enólogo Peter Bright acredita que existe potencial para fazer esse estilo de vinho em locais específicos como, por exemplo, na zona de Salvaterra de Magos, distrito de Santarém, próximo do rio Tejo. A humidade proveniente do rio ajuda o fungo desenvolver-se, principalmente em uvas com a pele mais fina, como é o caso da varietal Farana, que pode ser encontrada localmente. Peter Bright lembra o sucesso que obteve durante as safras de 82, 85 e 86. Manuel Lobo, membro da família proprietária da Quinta do Casal Branco, actua como enólogo-consultor ao lado da enóloga residente Joana Silva Lopes, e cita a colheita de 2014, que foi marcada por bastante humidade, alternância entre chuvas e períodos de sol e com temperaturas médias elevadas como condições essenciais para o desenvolvimento da botrytis.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”33203″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Botrytis e outras técnicas
A presença do fungo promove mudanças radicais no perfil do mosto. A fruta pode perder 50% da quantidade de água por evaporação, concentrando açúcares e ácidos presentes. Alguns compostos fenólicos são destruídos e outros componentes serão formados, como glicerol, ácido acético, ácido glucónico e certas enzimas como lacase e pectinase, juntamente com botriticina, uma glicoproteína que inibe o trabalho da levedura. A cor da fruta muda de um tom dourado para um tom rosado, depois roxo e finalmente castanho. O resultado no perfil de aroma será maior complexidade e os vinhos podem tornar-se extremamente longevos, como os intensos Trockenbeerenauslese, da Alemanha. No novo mundo, um dos melhores exemplos desse estilo é o Noble One, do produtor De Bortoli, na Austrália.
A técnica de passificar a fruta após a colheita com o objetivo de concentrar açúcares
é empregada na produção de vinhos doces em várias regiões de Itália. Na Toscana, as uvas são secas ao ar ou secas em pequenas caixas para produzir o famoso Vin Santo. Um processo semelhante é usado para produzir Vin de Paille em Jura. Em Jerez, Espanha, as uvas Pedro Ximenez são secas em túneis de plástico para produzir um vinho extremamente doce que será utilizado para elaborar estilos mais comerciais de Pale Cream sherry.
Os famosos Eiswein da Alemanha, Áustria e do Canadá são produzidos com uvas que foram deixadas na videira à espera que congelem. Quando a temperatura atinge 8 graus negativos as uvas são colhidas e prensadas. Grande proporção do conteúdo na forma de gelo é removida, concentrando os açúcares no mosto.
Existe um número de produtores empregando técnicas similares, usando unidades de refrigeração ao invés de esperar que o processo ocorra naturalmente. O produtor americano Bonny Doon, na Califórnia, elabora um exemplo desses vinhos congelando as uvas artificialmente. Essa alternativa significa custo baixo e menos risco, mas os vinhos parecem não ter a mesma complexidade, comparada com eiswein feito pelo método natural, que tipicamente significa um período mais longo de maturação. Esta técnica de extração, chamada crio-extração, está sendo empregada de forma mais ampla com o objetivo de concentrar mostos e até já foi adotada por vários produtores de Sauternes para aumentar a concentração em colheitas onde a presença da Botrytis cinerea é mais difícil.
Vinhos doces podem ser adicionados a um vinho seco após a fermentação para aumentar o nível de açúcar residual e alcançar nível de doçura adequada. Este método é empregado para produzir Tokaji na Hungria, através do qual uma espécie de pasta denominada Aszú (feita com uvas botritizadas) é adicionada a um vinho base. Outra maneira de obter um vinho doce inclui a adição de mosto não fermentado, como é tipicamente utilizado na produção de vinhos alemães de níveis mais básicos. Os conhecidos Liebfraumilch, que tiveram sucesso décadas atrás, eram feitos dessa maneira, adicionando “süssreserve” (reserva doce) para ajudar a equilibrar a acidez elevada.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Colheita tardia
Apesar de ser possível encontrar vinhos doces elaborados através de vários métodos, exceto eiswein feito de maneira natural, a maneira mais comum de fazer vinhos doces em Portugal é simplesmente colher as uvas mais tarde e conduzir a fermentação parcial dos açúcares. Existem exemplos de vinhos doces em Portugal comparáveis com alguns dos melhores vinhos doces do mundo, demonstrando que o país realmente possui um grande potencial. Por outro lado, existe um número elevado de vinhos doces de qualidade aceitável que poderiam tornar-se ainda melhores se tivessem um pouco mais de acidez para equilibrar o nível de açúcar residual.
Os vinhos que provei para este trabalho, elaborados através de técnicas e métodos variados, demonstram a diversidade de estilos encontrada em Portugal e possuem boa qualidade. Em termos comerciais, Duarte Leal da Costa acredita que, apesar da extrema concorrência, é fácil comercializar vinho doce contando que o padrão de qualidade seja elevado e que o preço seja justo. Além disso, ajuda em termos de diversificação do portefólio, contribuindo para que a empresa seja apetecível por parte de um importador.[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”33204″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Mas na maior parte dos casos fazer um vinho de colheita tardia representa um certo risco. Manuel Lobo confessa que durante a fase inicial havia dúvidas sobre a viabilidade comercial do projeto. A colheita de 2014 foi a primeira vez na história da empresa, que já existe há mais de 200 anos, que decidiram avançar para a tentativa de um colheita tardia. Hoje esse desafio já foi superado. Na sua opinião, o Falcoaria Colheita Tardia 2014 é um vinho diferenciado que está destinado um consumidor mais conhecedor e que valorize a harmonização gastronómica. O vinho tem tido uma aceitação muito boa do mercado e muitas vezes é o consumidor final que entra em contacto com a empresa em busca do produto. Por esse motivo, Manuel Lobo acredita que haverá sempre espaço para colheitas tardias no futuro, contando que a qualidade seja respeitada. Duarte Leal da Costa não tem dúvida de que prevalecerão sempre os tintos e brancos, mas vinhos doces são verdadeiramente diferenciadores e isso é importante para a empresa ganhar mais notoriedade.
Os vinhos doces portugueses aparecem nos mais variados estilos, representam diversas áreas do país e estão num nível de qualidade muito bom. Até um passado recente, vinhos doces eram reverenciados pelos nossos antepassados. Eram vinhos caros servidos aos reis, rainhas, czares e pessoas nobres em banquetes formais ao lado de grandes clássicos tintos. Essas verdadeiras obras de arte, em grande parte, parecem ter caído no esquecimento. No entanto, são vinhos que oferecem excelente relação entre custo e benefício, são fáceis de apreciar e certamente adicionam outra dimensão à nossa experiência gastronómica. Agora, mais do que nunca, seria um bom momento para redescobrir esses doces tesouros[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][heading]Em Prova[/heading][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

Edição Nº 20, Dezembro 2018

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