A Escolha do Mestre – Álcool e tendências de consumo

O sector do vinho está a ser alvo de várias campanhas internacionais que apontam o álcool como malefício e não distinguem entre o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e a apreciação responsável de um vinho. Uma boa parte dos produtores reage, fazendo vinhos com menor teor alcoólico, mas outros apostam precisamente no contrário, para criar diferenciação.

TEXTO Dirceu Vianna Junior MW

FOTOS Arquivo

Por séculos, o álcool tem desempenhado um papel importante nas nossas interações sociais auxiliando pessoas a relaxarem, diminuindo inibições, ajudando a criar relacionamentos e melhorando amizades. É provável que o consumo de bebidas alcoólicas se tenha originado no período Paleolítico. De acordo com a revista National Geographic, a evidência mais segura e antiga de consumo de bebida alcoólica vem de Jiahu na China por volta de 7000 a.C onde agricultores fermentavam uma mistura entre arroz, uvas, bagas de espinheiro e mel em potes de barro. O álcool teve um papel considerável no desenvolvimento da nossa cultura, influenciando diversos aspectos incluindo linguagem, arte e religião.

Nos últimos tempos, porém, o sector do vinho e das bebidas alcoólicas tem estado sob assédio. Essa perseguição vem acontecendo gradualmente e parece ter acelerado recentemente. De acordo com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), os homens devem limitar o consumo de álcool a quatro unidades por dia e as mulheres não devem ultrapassar três, o que equivale a um copo grande de vinho. Recentemente, Sally Davies, Chief Medical Officer da Inglaterra, afirmou que não existe nível seguro para o consumo de álcool e criticou os estudos que defendem os benefícios do vinho. Esses sinais apontam para uma campanha que visa transformar o álcool em algo negativo, ao exemplo do que foi feito com o tabaco nas últimas décadas. Esse grupo ‘anti-álcool’ cria mensagens tentando minimizar os benefícios do consumo moderado de álcool para a saúde como, por exemplo, estudos que mostram redução no risco de morte por doença cardíaca em cerca de 15 a 30%, além de outras vantagens. Décadas de evidências mostrando que pessoas que bebem moderadamente vivem mais do que abstémios estão sendo gradualmente corroídas. Kari Poikolainen, doutor em ciências médicas na Universidade de Helsínquia, examinou décadas de pesquisas sobre os efeitos do consumo de álcool e acredita que beber apenas se torna prejudicial quando o consumo é excessivo. Na sua opinião, as evidências mostram que o consumo moderado é melhor que abster-se. No entanto, beber demasiadamente é mais prejudicial à saúde do que a abstinência. Atualmente existe um plano de acção endossado pelos 53 membros europeus da OMS visando reduzir consumo de álcool e em Portugal o Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos e as Dependências 2013-2020 acompanha essa estratégia. Embora seja indispensável alertar os cidadãos contra o uso nocivo do álcool, é importante fazer distinção entre as mensagens negativas provenientes de neo-proibicionistas que visam mudar as normas sociais e reduzir a aceitação do álcool na sociedade e uma mensagem sensata sobre os perigos do consumo excessivo. Esse grupo adopta uma abordagem radical e trata todas bebidas alcoólicas da mesma forma, apesar de o vinho ser consumido de maneira diferente do que gin, a vodka e tequila. O vinho é frequentemente consumido durante refeições. Raramente é o combustível que incendeia os centros das cidades por jovens saindo de bares e clubes nas primeiras horas do dia causando barulho, confusão e sujidade.

MUDANÇAS NA VINHA E NA ADEGA

Existem evidências que apontam para uma gradual mudança no comportamento das pessoas entre 25 e 44 anos. Brandy Rand, diretor de marketing da IWSR, responsável por fornecer estatísticas sobre o consumo global de bebidas alcoólicas, acredita que esse segmento está procurando reduzir o álcool que consome. De acordo com a Wine Intelligence, um estudo dos mercados do Reino Unido, EUA, Canadá, Suécia, Nova Zelândia e Austrália, indica que um terço dos consumidores de vinhos premium tentaram moderar o consumo de álcool nos últimos meses. Uma das opções está na busca de vinhos com menor graduação alcoólica. Além de menos intoxicantes, atraem menos impostos. Na Noruega, o imposto é calculado dependendo do teor alcoólico. Nos EUA, vinhos com mais de 16% atraem maiores impostos, o que também é o caso na Europa onde vinhos com mais de
15% são punidos. Esses são motivos pelos quais algumas empresas estão lançando vinhos com menor graduação. A Cooperativa de Plaimont, no sudoeste da França, lançou recentemente um Côte de Gascogne com 9% de álcool. “A demanda por vinhos de baixo teor alcoólico é forte”, diz Olivier Bourdet-Pees, director administrativo da empresa. A Wine Intelligence estudou onze importantes mercados de vinho para entender oportunidades para vinho sustentáveis, orgânicos e de baixa graduação e revelou que a maior oportunidade para vinhos com baixo teor alcoólico se encontra na Nova Zelândia e Austrália, em contraste com a Alemanha, Suécia e Japão onde a oportunidade é menor. Em termos de produção, existem várias maneiras de diminuir a graduação alcoólica de um vinho. No vinhedo, a escolha do material vegetativo, incluindo clones, capazes de atingir a maturação com menos açúcar é vital. A estratégia de nutrição da planta e gestão da copa podem exercer grande influência. Optar por um rendimento maior e antecipar a colheita ajudam reduzir os níveis, embora essas opções, quando não bem geridas possam causar efeitos adversos na qualidade do produto final.

Na adega, condições específicas de fermentação, tratamentos do mosto e o uso de leveduras selecionadas podem causar um impacto significativo. Por exemplo, Ionys, uma levedura descoberta pela empresa canadense Lallemand, é capaz de realizar a total conversão alcoólica atingindo redução de até 0,8% de álcool. Fazer a sangria das cubas também ajuda, pois o vinho lágrima contém mais açúcar, deixando para trás mosto com potencial alcoólico menor. Outras opções incluem fazer lote com componentes menos alcoólicos, cessar a fermentação deixando uma fracção do açúcar residual ou até mesmo diluir com água onde essa técnica é permitida como é o caso na Califórnia. Há também o uso de tecnologia, como Osmose Inversa ou Cones Giratórios que diminuem a graduação alcoólica. Na Herdade do Rocim, Pedro Ribeiro, administrador e enólogo, explica que as estratégias para fazer um vinho com a graduação alcoólica mais baixa é resultado de duas opções naturais, colheita antecipada e o facto da videira ter porte retumbante promovendo o ensombramento dos cachos, o que gera uvas com menos açúcar. Em busca de vinhos que são naturalmente mais baixos em álcool, o Programa de Pesquisa da Nova Zelândia é uma parceria entre produtores e o governo que visa o desenvolvimento de vinhos de alta qualidade que sejam naturalmente baixos em álcool. O investimento de NZD 17 milhões de dólares ao longo de 7 anos tem como objetivo aperfeiçoar o cultivo de uvas com maturação perfeita cujo potencial alcoólico seja 30% inferior. Os produtores neozelandeses, como Mt Difficulty Wines, Pernod Ricard e Villa Maria, estão entre as empresas envolvidas que tem como objetivo fazer da Nova Zelândia o líder dessa categoria até 2025.

E A QUALIDADE, COMO É?

Embora exista uma certa tendência para valorizar vinhos mais frescos, a maioria dos produtores busca a qualidade acima de tudo e a graduação alcoólica é apenas consequência. Não há dúvida que o desenvolvimento do conhecimento de viticultura nas últimas duas décadas tem ajudado viticultores a manter as uvas na vinha por mais tempo em busca de maturação fenólica. No entanto isso gera níveis de açúcar mais altos e consequentemente teores alcoólicos elevados. Esse é um tema que desafia produtores em muitas partes do mundo, principalmente nas regiões mais quentes. Novas técnicas de gerenciamento da canópia também exercem um impacto considerável. Copas abertas concedem maior incidência solar à planta e a prática da remoção das folhas ao redor dos cachos melhora a exposição. Isso, por sua vez, aumenta o açúcar. Além dessas técnicas, certas castas como Viognier e Zinfandel, são reconhecidas pelas suas capacidades de acumular altos níveis de açúcar. António Aguiar, sócio-gerente da Brites Aguiar Lda, explica que a primeira versão do vinho Bafarela 17 surgiu em 2004 quando a colheita de uma das parcelas aconteceu acidentalmente tarde. Apesar da análise apontar teor alcoólico de cerca de 14%, havia grande percentagem de uvas passas no cachos que se foram abrindo durante o processo fermentativo, resultando num vinho com 17%, eis o nome. Outro exemplo de um vinho português com alta graduação alcoólica é Carmim Primitivo tinto, com 16%. Um vinho composto por uvas de vinhedos velhos de Alicante Bouschet, Trincadeira, Aragonez e Castelão. Tiago Garcia, enólogo do Grupo CARMIM, aponta a baixa produção (3 ton/ha) e um ano quente (2017) como factores principais que deram origem ao estilo. O vinho foi elaborado em lagares com pisa a pé, leveduras indígenas e sem estágio em madeira. O teor alcoólico de centenas de vinhos testados pelo Australian Wine Research Institute subiu de uma média de 12,4% em 1984 para 14,2% em 2002 e essa tendência continua. Há cinquenta anos atrás, muitos vinhos de Bordéus tinham graduação alcoólica de 10,5%, hoje, grande parte excede 13,5%. Além de exercer impacto na nossa saúde, vinhos com álcool mais elevado, de forma geral, não harmonizam tão bem com certos pratos mas isso não parece incomodar os consumidores de Bafarela 17 cujas 13.333 garrafas da 1ª edição se esgotaram em apenas duas semanas. António Aguiar sente entusiasmo por parte do consumidor e acredita que esse estilo terá futuro duradouro. Por outro lado, na opinião de Pedro Ribeiro os mercados mais sofisticados valorizam graduação alcoólica mais baixa.

O consumo de álcool vem diminuindo, excepto nos grupos com maiores rendimentos, que representam a maior parte dos consumidores de vinho. O grupo anti-álcool que não faz distinção entre as diferentes formas de álcool e está constantemente criando mensagens negativas e confusas sobre o seu consumo. O sector precisa fazer mais para educar consumidores sobre os aspectos positivos do consumo moderado de vinho para a saúde. Sempre haverá um pequeno mercado para vinhos com alto teor de álcool, especialmente em países onde a cultura do vinho ainda está em fase de desenvolvimento. Em países onde a comercialização e o consumo de vinhos tem um maior histórico, como é o caso da maioria dos países europeus, é provável que os consumidores continuem reduzindo o consumo de álcool no futuro e essa tendência favorecerá estilos de vinhos mais frescos, mais leves, mais fáceis de beber e com menor teor alcoólico.

 

Edição Nº25, Maio 2019

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