Millèsime: A festa do espumante na Bairrada

(veja todas as imagens do evento AQUI) Durante dois dias, muitas centenas de pessoas rumaram de todo o país até à Curia, para viver de perto o Millèsime, festa que celebra o espumante e toda a sua essência. A festa decorreu, pelo segundo ano consecutivo, no Curia Palace Hotel, um pedaço de charme da arquitectura […]
(veja todas as imagens do evento AQUI)
Durante dois dias, muitas centenas de pessoas rumaram de todo o país até à Curia, para viver de perto o Millèsime, festa que celebra o espumante e toda a sua essência.
A festa decorreu, pelo segundo ano consecutivo, no Curia Palace Hotel, um pedaço de charme da arquitectura imaginado, no início do século 20, por Manuel Joaquim Norte Júnior, e inaugurado e conservado, até agora, pela família Alexandre Almeida como ícone de uma vida de outros tempos, mesmo após a renovações mais recentes.
Era difícil de encontrar um sítio melhor para um evento de encanto como aquele que reuniu 45 produtores de espumantes portugueses e internacionais.
Nos dois dias, quem comprou o bilhete foi trazido em carros dos anos 20 do século passado, motorizados e puxados a cavalo, passando pelos jardins fronteiriços ao Palace Hotel, para entrar no seu foyer de época, marcado pela grandiosa escadaria em caracol, pelo elevador e pela elegante varanda do andar superior. Lá dentro, um músico tocava piano de cauda e algumas personagens, que retratavam as pessoas dos dourados (ou loucos, segundo se diz também) anos 20, passeavam e conversavam com os visitantes sem sair dos seus papéis.
No interior dos grandes salões estavam os produtores, principalmente os da Bairrada, a apresentar os seus espumantes, mas também havia representações das regiões dos Vinhos Verdes, Douro, Távora Varosa, Dão, Beira, Tejo, Lisboa, Alentejo e Cava, em Espanha e decorria a festa, com muita gente interessada em provar os seus vinhos e conhecer melhor quem os fez. Para além da degustação de espumantes, havia também, nas amplas varandas viradas para os jardins da propriedade, uma mostra e venda de produtos gourmet. Em paralelo ao evento, decorreram visitas para jornalistas, escanções, profissionais de turismo e proprietários de garrafeiras, convidados pela organização para visitar os produtores Luís Pato, Quinta dos Abibes, Idálio Estanislau Wines e Caves da Montanha. J.M.D.
Domingos Soares Franco: Reformo-me muito confiante na 7ª geração!

Chegada a hora de passar a pasta da enologia na José Maria da Fonseca, Domingos Soares Franco aceitou partilhar connosco algumas memórias e momentos das 40 vindimas que fez na empresa, de que também é sócio. Não escolheu ser enólogo, ainda que as vinhas e o vinho sempre o tenham cativado. A atracção pelo campo […]
Chegada a hora de passar a pasta da enologia na José Maria da Fonseca, Domingos Soares Franco aceitou partilhar connosco algumas memórias e momentos das 40 vindimas que fez na empresa, de que também é sócio. Não escolheu ser enólogo, ainda que as vinhas e o vinho sempre o tenham cativado. A atracção pelo campo era proporcional à aversão à cidade e onde se sentia bem era entre vinhas, cavalos e ovelhas. Foi assim natural a intenção de se inscrever no Instituto Superior de Agronomia (ISA) após terminar o liceu em 1974. A escola era o local onde a viticultura e a enologia lhe poderiam interessar. E foi assim que tudo começou.
Estivemos com ele na sede em Azeitão e fomos à casa dos segredos, a adega velha onde há pó e teias de aranha em quantidade. E o segredo é tão grande que o próprio esteve 10 minutos a tentar abrir a porta. Isto das fechaduras seculares tem inúmeras vantagens anti-roubo… O receio do “tédio da reforma” não existe já que, como afirmou “tenho imensa coisa para fazer”. Boas notícias.
Foi fácil entrar no ISA?
Não, naqueles tempos conturbados, o facto de eu ser Soares Franco, e da família que detinha a José Maria da Fonseca, foi quanto bastou para me barrarem a entrada. O meu pai levou-me então a França e, quer em Bordéus, Montpellier ou Dijon era possível entrar, mas tinha de recuar dois anos por não falar francês e isso eu não queria. Geisenheim tinha problema idêntico, porque não falo alemão e fiquei à deriva. Em 1975 estávamos com o nosso sócio americano da Internacional Vinhos e ele propôs que eu fosse para os Estados Unidos da América, inicialmente para Connecticut e posteriormente para a Califórnia, em duas universidades. Terminei os estudos em Davis em enologia e viticultura, incluindo uma pós-graduação, e fiz tudo excepto uma cadeira sobre fenóis que me recomendaram que não tinha interesse. Mais tarde arrependi-me de não fazer. Fiz também, a conselho do meu pai, um trabalho sobre moscatéis.
Fez algum estágio em adegas?
Não, porque na altura era proibidíssimo. Era preciso visto de trabalho. Nem dizendo que não queria ser remunerado era razão suficiente. Assim, a aplicação dos conhecimentos que lá adquiri só pude pôr em prática aqui.
Que universo de enologia encontrou aqui, comparado com o que tinha conhecimento por lá?
Aqui estávamos no grau zero. Eu falava em sulfurosos remanescentes, em polifenóis ninguém falava. Pedi que me fornecessem 24 estirpes de leveduras para trabalhar com as nossas castas e ninguém percebia para que era aquilo. A maneira de pensar de lá não era aplicável cá, de todo. Filtros, prensas era tudo diferente. Fui eu que trouxe da Alemanha a primeira prensa pneumática. Trabalhos de vinificações por casta aqui era assunto pouco trabalhado. Era tudo diferente. Andei uns anos a batalhar aqui, porque vinha de uma escola americana e por cá havia sobretudo enólogos com escola francesa, como o José Maria Soares Franco ou o Nuno Cancela de Abreu, por exemplo. O meu pai sempre me disse que não devia esquecer as raízes, mas devia ir na crista da onda. Quando tive oportunidade, fui a uma prova organizada pelo nosso importador dos Estados Unidos, para conhecer os gostos e as tendências, e fui a Seattle. Fiquei por lá uma semana, andei a visitar adegas e fiquei deslumbrado.
Como era a enologia aqui nos inícios de 80? Já havia inox?
Não, era tudo em cimento e, um pouco mais tarde, com revestimento a resina epoxy. Começámos, na época, a controlar as temperaturas de fermentação. Por lá (estado de Washington) descobri também a importância da elegância nos vinhos, sem abusos de álcool ou madeira, sem açúcares residuais e comecei a ir por aí, que era um sentido diferente da Califórnia. Por cá trocávamos ideias entre os enólogos, mas como havia muito o conceito do segredo, a partilha não era fácil, sobretudo com os então chamados técnicos.
E em que ponto deixa agora a enologia, por comparação com os anos 80, agora que já existe uma nova equipa? Também não há pontos de contacto?
Há pontos de contacto, sim. Nomeadamente nos moscatéis, onde o método há muito estipulado. No entanto, há muito tempo que andava com a ideia de fazer um moscatel diferente para comemorar os 200 anos da empresa, daqui a 10 anos. Falei com o Paulo Horta (enólogo, entretanto também reformado) e combinámos fazer algo fora do baralho. Uma fermentação em que o mosto, ao arrancar, já fosse com cinco graus de álcool, com o objectivo de matar as leveduras que não interessam. Não com aguardente, mas sim com moscatel velho. Foi isso que fizemos e o resultado era o que esperava. Foi aí que chamei a nova equipa para a sala de provas, para eles perceberem o conceito. Creio que estão a assimilar bem, mas estão também atentos à vertente do consumidor. O gosto está sempre a mudar e isso torna difícil as decisões, porque pode alterar-se de repente e o vinho não se faz para amanhã. É preciso preparem-se, e eles estão a assimilar isso muito bem.
Vou ajudando durante a prova, mas os métodos de hoje são diferentes. Eu revejo-me mais nas técnicas actuais, mas não podemos perder as raízes. Veja o que se passa com alguns brancos, que estão mais próximo do que se fazia antigamente. Os consumidores estão fartos dos aromas de fruta, da banana e do ananás. Querem coisas mais originais.
A propósito de vinhos originais, recordo-me que a José Maria da Fonseca teve uma colecção de vinhos com iniciais enigmáticas, que alegravam o portefólio exactamente por esse lado meio obscuro. DA, AP, EV, VB, TE, CO, entre muitas outras. Porque é que acabaram com eles?
Tenho pena, mas fui eu que acabei com isso. Estava a tornar-se muito confuso para o consumidor. Os últimos a morrer foram o CO (clara de ovo) e o RA (Região Algeruz), mas vamos recuperá-los proximamente, ambos com Castelão. Vamos fazê-los à antiga, mas são vinhos que, por serem difíceis em novos, demoram tempo e, por isso, não vão surgir tão cedo. É um pouco o que acontece com o Periquita Clássico, que também foi reeditado na colheita de 2014 e até com um toque de brett (é à antiga, não é?), só com madeira usada.
Deixou algum vinho por fazer, ou que tenha pena de não ter feito?
Andei durante anos atrás da ideia, da procura de selecionar o meu melhor vinho. Mas acho que, com estes vinhos que vou lançar (da colheita de 2017, o tinto, de 2021, o branco, e de 1998, o Moscatel), consegui isso. O que queria e quero, sobretudo, é elegância e, com isto, fecho a porta.
O último vinho que vai fazer, o vinho da despedida, o tal legado de 40 anos…
Ao longo de 40 anos fui variando muito o estilo de vinhos e acabei por apostar mais na elegância. O vinho que fiz agora tem uma finesse e uma subtileza fora do normal. O meu pai sempre me disse: quando te reformares, sai pela porta grande e com chave de ouro. Eu sinto que aquele vinho é a minha chave de ouro. São 7000 garrafas de tinto, 3000 de branco e 3000 de moscatel, individuais ou caixas de três. Há um ano que ando à volta do rótulo, sem olhar a despesas, do papel à embalagem. Vou fechar a carreira com uma apresentação deste vinho.
No caso do moscatel, acha que está encontrado e esgotado o modelo ou ainda há algo mais para descobrir?
Ainda se podem fazer pequenas alterações na forma de fazer, que ninguém está a fazer, como a adição de moscatel velho para o arranque, como falámos. Mas faltam-nos competidores para nos espicaçarem e alguns concorrentes estão a ir por caminho errado, por exemplo no moscatel roxo.
Só há 50 ha de vinhas e o preço deveria ser puxado para cima. Mas quando há empresas da região a puxá-lo para baixo, não vamos a lado nenhum. Continuamos a ter falta e ainda compramos muito a lavradores (há três anos foi cerca de 90% do roxo), o que acontece também no moscatel normal. E estamos a falar de uma casta com uma produtividade que pode chegar às 15 ton/ha. Mas também é verdade que, com essas quantidades, o produto final sofre, porque lhe falta complexidade.
Lembra-se de algum vinho que fez na casa e que lhe encheu todas as medidas? Porque só calhou bem uma vez, por exemplo, ou outra razão…
Um moscatel que fiz metade com Cognac e metade Armagnac e parei a fermentação com essa aguardente. Só vai sair agora. Quanto a ano de colheita acho que não volta a haver um 2011. Na nossa casa, e desse ano, o J ou o José de Sousa. A excelência era perceptível logo em Março e fiquei muito entusiasmado. Foram poucas as vezes que tive essa sensação e não me enganei em muitas delas (o Paulo Hortas diz que só falhei quatro ou cinco vezes) e até me lembro de ter telefonado ao David Guimaraens, da Fladgate, a dizer-lhe que queria reservar duas caixas do vintage 2011, e que ele me respondeu que ainda nem tinha começado a vindima. “Não faz mal, reserva-me duas caixas, que o ano é extraordinário!”, respondi-lhe eu. Como 2011 não me lembro de nenhum ano. Mais recentemente gostei muito do 2015 e do 2018.
No José de Sousa retomámos a vinificação nos potes (talhas). Comprámos tudo o que encontrámos, na altura a 100$ (50 cêntimos) cada talha.
Qual o moscatel que mais o marcou?
(sem hesitar) O 1955. Costumo dizer que é um puzzle de 1000 peças em que todas encaixam e a última quase que encaixa também.
Diga-nos três vinhos portugueses, sem ser da casa, que lhe encheram as medidas. E também generosos e, já agora, estrangeiros.
Quinta da Leda 2011, Vale Meão 2011, Mouchão 1963. Do Porto, recordo o Vintage Taylor’s 2000. Da Madeira sou grande fã dos vinhos do Ricardo Diogo, da Barbeito. Dos vinhos de fora relembro-me do Henschke Hill of Grace, um Shiraz australiano que me ficou na memória (Nota: preço variável, mas sempre próximo dos €700 a garrafa), e de um Chardonnay, também australiano, da Mornington Peninsula (Nota: esta é uma região que conta com 60 adegas).
Mesmo numa empresa familiar, não há por vezes conflitos entre a enologia e o marketing?
Sim. Mas como também sou dono, acabo por fazer mesmo que “eles” não queiram (risos). Mas é verdade que alguns vinhos saíram antes do tempo…
Foi assim que nasceu o Pasmados branco Garrafeira, uma novidade agora no mercado?
Foi, porque o estilo mais evoluído que tinha era difícil de vender. Agora é mais fácil, porque há mais ambiente para um estilo em que a cor quase sugere que está passado, apesar de na boca ser óptimo.
Mas há flutuações no mercado, há marcas que hoje vendem muito e amanhã não, como o Periquita. Hoje vende quanto?
Cerca de três milhões de garrafas, mas já vendeu quatro e tal, sobretudo no mercado nórdico e Brasil. O Periquita Reserva canibalizou o outro. Na Suécia vendemos em garrafa mas, na Noruega, é em bag-in-box e na Finlândia querem em lata. Voltamos aos pacotes de leite…
A marca Lancers ainda tem peso na facturação?
É a nossa terceira marca, a seguir ao Periquita e ao Moscatel Alambre. Agora representa um milhão e meio de garrafas, mas já foram 16 milhões. Não creio que vá morrer. Ainda acho um produto interessante e faz parte da história. Aqui já só fazemos o normal. O espumoso encomendamos fora, na Bairrada. O perfil mudou e acho que está aceitável. Gosto de o beber, mas antigamente tinha vergonha de o mostrar. Actualmente a empresa depende do mercado externo, que representa 55% da facturação. E a tendência vai ser para subir.
O Lancers mudou de perfil e acho que está aceitável. Eu gosto de o beber, mas antigamente tinha vergonha de o mostrar.
A José Maria da Fonseca teve uma grande presença no Dão, com a marca Terras Altas mas, creio, não tinham vinhas por lá…
Não produzíamos. Abastecíamo-nos nas adegas e comprávamos a granel ao Alfredo Cruz, que era o grande regulador do mercado e vendia para todas as empresas (Sogrape, Aliança, Borges). Mas, a partir de 2005, abandonámos a marca. Primeiro o branco e depois o tinto. Chegámos a vender um milhão de litros, mas nunca quisemos investir em vinhas na região.
Mas estiveram também na Casa da Ínsua, embora não fossem proprietários. Como era essa relação?
Fora a José de Sousa, só tivemos uma aventura no Dão, na Casa da Ínsua, que fazíamos e comercializávamos. Era uma relação antiga, que vinha do tempo do meu tio António, nos anos 60, e durou até aos anos 90. Quando se percebeu que era preciso investir em nova adega e não havia grande vontade do proprietário, entendemos que não havia condições para continuar nos mesmos moldes e saímos. Em meados de 80 pensámos investir no Alentejo e o meu irmão já estava tentado a fazê-lo em Portalegre. Mas acabámos por ficar em Reguengos e o meu primo Jorge Avilez ficou em Portalegre. Fazíamos lá os vinhos e comercializávamos. Também aqui, a certa altura resolvemos separar as águas e ficámos apenas em Reguengos.
No José de Sousa não mudaram nada nos encepamentos?
Nada. Mas como a casta Aragonez era especialmente atreita a doenças do lenho (esca), decidi nunca mais plantar Aragonez no Alentejo. O José de Sousa só vem da vinha velha com as castas antigas. As outras marcas já têm outras castas.
Mas tiveram de mudar muita coisa na enologia quando chegaram?
Tudo, tudo. Passei a fazer só nos potes e abandonei os balseiros. Comprámos tudo o que encontrámos, na altura a 100$ (cerca de 50 cêntimos) cada talha. Mantivemos as três castas, mas alterámos a parte da enologia. Os vinhos não tinham data (só na caixa) e tenho provado coisas muito boas. Como o engenheiro Manuel Vieira na altura estava pouco familiarizado com os potes, e fui perguntar ao antigo adegueiro para perceber como se fazia.
E a aventura no Douro (marca Domini) não correu bem?
Era muito longe. Para se lá chegar era um sarilho. Sem adega era complicado. Acabámos a entregar as uvas à Fladgate e a propriedade está à venda.
Não tem pena que não haja na família um sucessor para a enologia? E numa empresa familiar há, na mesma, linhas vermelhas que cada departamento não pode ultrapassar?
Sim, tenho pena de não ter sucessor, mas não há nada a fazer. Temos um acordo familiar em que as funções estão estabelecidas. Há metas e todos os anos os objectivos são revistos.
Está tranquilo com a sucessão aqui na José Maria da Fonseca?
Muito tranquilo e confiante. Na sétima geração dão-se muito bem uns com os outros, o que é uma vantagem.
Vai encontrar com que se entreter?
Tenho tanta mas tanta coisa na quinta, ovelhas, pássaros, voltei a montar a cavalo, a caçar…
Então pode-se dizer que parte sem dor?
Sim, sem dúvida.
Vou terminar a carreira com uma apresentação de três vinhos. Fecho com chave de ouro.
Barros celebra 50 anos de liberdade em colaboração com artista portuguesa

A Barros, casa de vinho do Porto fundada em 1913, celebrou o 50º aniversário do 25 de abril com o lançamento de uma edição especial da colheita de 1974. Em parceria com a artista portuguesa Teresa Rego, a marca criou um packaging especial, para celebrar os 50 anos deste evento histórico para o país. A […]
A Barros, casa de vinho do Porto fundada em 1913, celebrou o 50º aniversário do 25 de abril com o lançamento de uma edição especial da colheita de 1974. Em parceria com a artista portuguesa Teresa Rego, a marca criou um packaging especial, para celebrar os 50 anos deste evento histórico para o país.
A iniciativa, que alia o talento e a arte de Teresa Rego ao vinho do Porto, salienta a liberdade, representada numa ilustração que celebra Abril sem barreiras ou restrições. A ilustração desenvolvida ganha vida na garrafa, no rótulo, contra-rótulo e na caixa individual. Nela estão representados valores como a jovialidade e a vivacidade, através das cores que, juntas, dão fôlego a uma desconstrução descontraída e arrojada da data.
Cada garrafa desta coleção, também ela ilustrada, é uma homenagem ao estilo revolucionário que transformou Portugal e um convite a todos os que desejam apreciar e celebrar a história através de uma colheita icónica. Um tributo da casa Barros ao verdadeiro talento português. De edição limitada e exclusiva.
Estive Lá: O lado selvagem do CCB

O restaurante Sauvage, espaço intimista e acolhedor, é já bem conhecido entre os lisboetas. Ao alargar os horizontes, o projecto expandiu-se para o rooftop do CCB, onde se juntou a vista privilegiada sobre o rio Tejo à experiência gastronómica. O novo restaurante abriu no último trimestre do ano passado, com um espaço amplo, airoso e […]
O restaurante Sauvage, espaço intimista e acolhedor, é já bem conhecido entre os lisboetas. Ao alargar os horizontes, o projecto expandiu-se para o rooftop do CCB, onde se juntou a vista privilegiada sobre o rio Tejo à experiência gastronómica.
O novo restaurante abriu no último trimestre do ano passado, com um espaço amplo, airoso e bem decorado, num estilo sóbrio. Rapidamente ganhou popularidade entre os moradores da zona de Restelo, sendo procurado para almoços em família nos fins de semana e pelo público mais jovem na faixa etária dos 30-40 anos. E há que acrescentar, como é óbvio, a clientela turística devido à sua localização. Por estas duas razões, a oferta gastronómica baseia-se mais nas tradições portuguesas, da responsabilidade do Chef Ricardo Gonçalves (que me lembro bem da Enoteca de Belém).
Experimentámos uns croquetes de pato deliciosos, crocantes por fora e macios por dentro, com compota de marmelo caramelizado e pickles de mostarda (5€); um exótico picadinho de bacalhau com tinta de choco, alface do mar e ovas curadas (12,5€) e um saboroso Brás de leitão com batata palha, tapenade e ovo cozido a baixa temperatura (13€). O prato principal foi bochecha de vaca estufada com cebola confitada e puré de batata aro-matizado com queijo da ilha (18€). Para sobremesa há várias opções. Dentro das provadas posso recomendar mousse de chocolate (70% de cacau) com caramelo salgado e avelãs (5€) como opção menos doce. Para os mais gulosos há uma versão de pudim Abade de Priscos (6€) servido com doce de limão, que corta um pouco a sua doçura. A sobremesa clássica da casa, que tem o nome curioso de Caminho de Salomão (7€), é a mais gulosa, feita de bolacha, natas, doce de ovo, caramelo e suspiro.
Gostei da carta de vinhos, elaborada de forma inteligente. Não é demasiado extensa para não dificultar a escolha, mas é bem composta. Oferece óptimas opções para cada tipo (brancos, tintos, rosés e espumantes) e região (Vinho Verde, Douro, Dão, Bairrada, Lisboa e Alentejo). Não há vinhos banais, e a maior parte dos produtores são clássicos, como a Niepoort, Luís Pato, Quinta das Bágeiras ou Reynolds e alguns projectos mais recentes, bem seleccionados. A escolha é fácil, para quem conhece o panorama vínico português e serve como óptima montra dos vinhos nacionais para os visitantes estrangeiros. Apreciei particularmente a presença do vinho de Carcavelos (Villa Oeiras Superior) como a opção de vinho generoso, que faz todo o sentido. Aliás, acho que todos os restaurantes com alguma ambição na zona de grande Lisboa o deviam ter.
Há também uma excelente oferta de cocktails, criados pela bartender Caroline Freitas. Bebi um Herbal Breeze (gin, flor de sabugueiro e licor de poejo) e gostei muito pelo seu sabor pleno e equilibrado. Para finalizar, menciono os pratos bonitos e estilosos das marcas portuguesas Vista Alegre e Costa Nova. Enfim, a experiência foi extremamente positiva e só me falta passar por lá à noite, numa sexta-feira ou sábado, para beber um copo num ambiente com música e DJs convidados.
Sauvage
Morada: Fundação Centro Cultural de Belém, piso 3, Praça do Império, 1449-003 Lisboa
Telefone: 913 366 585
E-mail: geral@sauvageccb.pt
Horário: Terça a Domingo das 12:00 às 01:00 (vésperas de feriado e feriados encerra também à 01:00); Sextas e sábados das 12:30 às 03:00
Grupo Terras & Terroir entra na Região de Trás-os-Montes

O grupo Terras & Terroir, detido pelos empresários Álvaro Lopes, Maria do Céu Gonçalves e Paulo Pereira, entrou recentemente na região vitivinícola de Trás-os-Montes com a aquisição da marca de vinhos Valle de Paços. A nova referência situa-se em Valpaços, concelho onde o grupo possui o Olive Nature Hotel & Spa, unidade turística inspirada noutro produto […]
O grupo Terras & Terroir, detido pelos empresários Álvaro Lopes, Maria do Céu Gonçalves e Paulo Pereira, entrou recentemente na região vitivinícola de Trás-os-Montes com a aquisição da marca de vinhos Valle de Paços. A nova referência situa-se em Valpaços, concelho onde o grupo possui o Olive Nature Hotel & Spa, unidade turística inspirada noutro produto característico de Trás-os-Montes, o azeite.
Foi com a aquisição da Quinta da Pacheca, no Douro, que o grupo iniciou o projecto de investimento no sector de vinhos e turismo em Portugal. Atualmente também detém, na região duriense, as unidades hoteleiras Vila Marim Country Houses, em Mesão Frio, e Folgosa Douro Hotel, em Armamar.
Depois de comprar a Quinta da Pacheca em 2012, pagando cerca de sete milhões de euros à família Serpa Pimentel, e a Quinta de São José do Barrilário em 2017, ambas na região do Douro, o grupo Terras & Terroir adquiriu a Caminhos Cruzados, no Dão, a Quinta do Ortigão, na Bairrada, e a Herdade da Rocha e a Ribafreixo Wines, no Alentejo, em 2022 e 2023, respetivamente e entra agora na região vitivinícola de Trás-os-Montes. Composta por vinhos tintos, brancos e rosés a marca Valle de Passos tem uma forte vertente de exportação para mercados europeus, Estados Unidos da América, Canadá e Brasil.
Dalva também é nome de aguardente

A C. da Silva é uma empresa de Vinho do Porto que hoje integra o grupo Granvinhos. A fundação remonta a 1933, quando Clemente da Silva regressou do Brasil e fundou a empresa, beneficiando dos stocks de uma outra, velha e entretanto extinta empresa de Porto, a Corrêa Ribeiro & Filhos, com carácter familiar e […]
A C. da Silva é uma empresa de Vinho do Porto que hoje integra o grupo Granvinhos. A fundação remonta a 1933, quando Clemente da Silva regressou do Brasil e fundou a empresa, beneficiando dos stocks de uma outra, velha e entretanto extinta empresa de Porto, a Corrêa Ribeiro & Filhos, com carácter familiar e ligada à sua mulher, cuja origem remontava a 1862. Foi possível, assim, criar os stocks para se arrancar com o negócio.
A marca Dalva, que resulta da contracção de “da Silva”, foi então criada e tornou-se o nome emblemático da casa. A empresa C. da Silva, inicialmente apenas ligada ao Vinho do Porto, expandiu os negócios para os cinco continentes, onde ainda hoje marca presença, com grande foco na distribuição. Tal como outras empresas do Douro, chegou também a ter marcas no Dão, ainda que não fosse lá produtora.
Desde a fundação da casa que o negócio de brandy se estendeu a zonas tão longínquas como Nova Zelândia e Austrália. Marcas como Dalva, C. da Silva, Saint Clair ou The Douro Fathers eram famosas, e o Dalva Brandy Extra Special circulava, via importador americano, entre as tropas daquele país durante a segunda guerra mundial.
Tradição também das empresas de Porto eram as aguardentes que envelheciam em cascos de Vinho do Porto. Tinham acesso fácil à aguardente e os cascos não faltavam. O negócio, no entanto, decresceu muito nas últimas décadas.
Hoje bebem-se menos espirituosos, mas estes renasceram recentemente sob a forma de produtos de grande prestígio, com preço condicente com a vetusta idade que muitos têm. Foi assim que várias casas voltaram a interessar-se pelo negócio, colocando, no mercado, espirituosos com 30 e mais anos – como é o caso deste – com uma enorme qualidade e preço equilibrado, sobretudo se comparado com os das suas congéneres de Cognac com a mesma idade.
Fazer uma boa aguardente velha é uma arte. É feita de paciência e tempo, enquanto se espera que o longo estágio em casco faça a sua parte, harmonizando tudo e conferindo complexidade, aquilo que mais se aprecia. Cascos de diferente capacidade, loteamento de aguardentes de idades diversas e lento desdobramento são tarefas que exigem bom nariz e acompanhamento permanente. Deste lote engarrafaram-se 1000 garrafas em 2021 e o stock existente permitirá novos lançamentos nas próximas décadas. Além do mercado interno, a C. da Silva tem, como principais destinos de espirituosos, a Coreia do Sul, França e Bélgica.
(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2024)
Márcio Lopes: Finos aromas do Norte

Os tempos em que tinha dificuldade em encontrar fornecedores de uva já lá vão. Mais longe ainda está a época em que, vivendo no Porto e estudando na universidade, fugia para o campo, mais propriamente para o Vale do Sousa, para ir ter com familiares próximos nesse território não muito distante, de onde hoje produz […]
Os tempos em que tinha dificuldade em encontrar fornecedores de uva já lá vão. Mais longe ainda está a época em que, vivendo no Porto e estudando na universidade, fugia para o campo, mais propriamente para o Vale do Sousa, para ir ter com familiares próximos nesse território não muito distante, de onde hoje produz alguns brancos.
Actualmente, Márcio Lopes controla e recebe uva de mais de cinco dezenas de viticultores, divididos nas duas regiões em que mais labora, a dos Vinhos Verdes e a do Douro (mantém ainda um pequeno projecto na ribeira Sacra, em Espanha). São 50 viticultores e 200 parcelas diferentes de vinha, muita dela velha, uma das suas paixões, entre brancas e tintas.
No total, falamos de 250 mil garrafas, o que já é obra! Para alguns, Márcio está sobretudo ligado aos brancos e, em especial, ao Vinho Verde, o que se explica por aí ter estagiado inicialmente. Mas o encanto pelos tintos também foi começou cedo, inclusivamente pelo vinho do Porto, dado que se lembra de, bem jovem, ter tido muitas vezes contacto com este néctar em dias de festas familiares.
Depois de um começo com vindimas em Melgaço, e de uma experiência na Austrália, Márcio Lopes instalou-se em nome próprio e apresentou várias marcas suas, precisamente dos Vinhos Verdes e do Douro. Já lá vão quase 15 anos e mais de duas dezenas de referências, entre tintos e brancos (e claretes), de pet nat até Porto Vintage.
Vinhos imperdíveis
A vida passa num instante, como é sabido, e a operação de Márcio entrou, assim, em velocidade de cruzeiro, etapa determinante para qualquer projecto que se quer rentável, mantendo autenticidade e carácter e, pelo meio, fazendo novos lançamentos que mantêm a chama do consumidor bem acesa. Tudo isto mostrou Márcio Lopes em visita recente à capital, onde deu a conhecer vinhos do segmento premium e ultra-premium das colheitas 2021 e 2022 (e um de 2020), todos de muito curta tiragem e, por isso, bastante exclusivos.
Por mais que muita água (ou deveria escrever vinho) já tenha passado pela ponte da vida de Márcio, algumas coisas praticamente não mudaram: a sua modéstia, o tom sério com que fala e evita descrever os seus vinhos, mas sobretudo a dificuldade em largar o Norte, o seu pedaço do nosso País. Até por isso, estar com ele numa das poucas vezes em que vem a Lisboa é uma oportunidade a não perder! Foi o caso, tanto mais que provámos uma novidade absoluta, na forma de um belíssimo exercício de enologia a partir, ora bem, da casta Alvarinho e da sub-região Monção e Melgaço, de nome Viagem ao Princípio do Mundo.
Quanto aos novos lançamentos de marcas que já conhecemos, provámos os Pequenos Rebentos Vinhas Velhas (que já leva sete edições desde o respectivo surgimento) e o Permitido (que tem um irmão, o Proibido, com várias declinações em diferentes vinhas) e ainda a edição de 2021 do incrível Pequenos Rebentos Selvagem, um 100% Azal que, mais uma vez, resulta de uma vinha em sistema “de enforcado” (em que a vinha cresce pelas árvores e junto a muros, atingindo vários metros em altura), com quase 90 anos em Amarante. Vinhos imperdíveis…
(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2024)
GRANDE PROVA TINTOS DE SYRAH

Independentemente dos mitos que rodeiam a sua origem, o pedigree da Syrah é francês. Os estudos genéticos apontam para o Norte do Ródano como o berço da casta. É filha de uma variedade tinta Dureza (pai) e de uma branca Mondeuse Blanche (mãe). Na sua melhor expressão, os vinhos de Syrah são densos, ricos, plenos […]
Independentemente dos mitos que rodeiam a sua origem, o pedigree da Syrah é francês. Os estudos genéticos apontam para o Norte do Ródano como o berço da casta. É filha de uma variedade tinta Dureza (pai) e de uma branca Mondeuse Blanche (mãe).
Na sua melhor expressão, os vinhos de Syrah são densos, ricos, plenos na fruta e texturados em boca, com o corte perfeito de acidez, que equilibra a sua força. É uma casta naturalmente complexa. Para além de saber brilhar sozinha, é uma grande parceira nos lotes, onde contribui com estrutura, taninos e complexidade.
Poucas castas podem gabar-se de uma amplitude aromática tão grande. A sua impressão digital inclui especiaria pujante a lembrar pimenta preta, conferida pelo sesquiterpeno rotundona, um intenso composto aromático. A fruta varia de framboesa e cereja para amora e mirtilo. Pode apresentar notas florais, mentol, eucalipto, folha de chá. Nuances como grafite e algum alcatrão trazem uma dimensão extra. Os precursores tiólicos que a casta tem, por vezes traduzem-se nos aromas de carne fumada. O couro surge frequentemente com a evolução em garrafa.
Retrospectiva
A Syrah teve uma vida longa fora das luzes da ribalta. Nos finais do século XVIII e início do século XIX, os vinhos Syrah de Hermitage entravam nos lotes dos châteaux de Bordéus para mitigar a falta de corpo e estrutura. Estes vinhos chamavam-se “Bordeaux Hermitagé” e eram bastante apreciados na altura (até existe um certo revivalismo nos tempos actuais).
A Syrah chegou à Austrália em 1832, levada por James Busby, considerado o pai da viticultura australiana, que trouxe garfos do Vale do Ródano. E o sucesso também não foi imediato. Durante muitas décadas a casta foi usada para produzir vinhos de mesa baratos, fortificados e mais tarde espumantes (Sparkling Shiraz). A Penfolds mudou este paradigma a partir dos meados do século passado, quando criou o Grange, oferecendo, ao mercado, poderosos e encorpados vinhos que trouxeram a fama aos Shiraz australianos. Mas foi preciso chegar aos anos 80 para assistir ao boom da Shiraz, quando Barossa Valley se tornou uma moda, primeiro em Inglaterra e depois na Europa. Ao mesmo tempo, Robert Parker atribuiu 100 pontos a alguns vinhos de Côte-Rotie e Hermitage; e a crítica especializada começou a dar atenção a casta.
Até o final do século XX, a variedade era cultivada principalmente no Vale do Ródano e na Austrália. Hoje, das castas tintas destinadas exclusivamente à produção de vinho, a Syrah é a quarta mais plantada a nível mundial, a seguir a Cabernet Sauvignon, Merlot e Tempranillo, ocupando uma área de 190 000 ha. É também uma grande viajante, uma das três castas mais espalhadas pelos diferentes cantos do mundo a seguir a Chardonnay e Merlot, estando presente em 31 países (OIV 2017).
Os países com maior presença de Syrah são a França com 64 000 ha, Austrália com 40 000 ha (onde é o líder absoluto em termos de plantação, ocupando quase 27%), Espanha com 20 000 ha (na viragem do século nem chegava a 100 ha), Argentina com 13 000 (em 1991 tinha apenas 608 ha) e África do Sul com 11 000 ha (em 1991 tinha 707 ha). Nos Estados Unidos também está bem presente, sobretudo nos estados de Califórnia, Washington e Oregon.
Amplitude estilística
Os dois nomes principais – Syrah e Shiraz – identificam dois polos estilísticos. O nome Syrah, normalmente associa-se à sua origem em Côte-Rotie e Hermitage, à expressão da casta num clima mais moderado e consequentemente ao estilo mais leve e apimentado, com nuances de fruta vermelha. Sob o nome Shiraz entende-se a performance da casta na sua segunda casa, a Austrália, associada a um clima quente que origina vinhos encorpados e musculados, com fruta preta e notas achocolatadas, por vezes com um toque de eucalipto. Mas quando os produtores australianos das zonas mais frescas, como, por exemplo, Victoria e Canberra, querem comunicar os vinhos ao estilo do Ródano, nos rótulos consta Syrah e não Shiraz. E esta lógica é seguida por produtores em muitos países. Em Portugal adaptou-se o nome Syrah, sem qualquer apelo ao estilo do vinho.
Entre estes dois extremos existe toda a diversidade de estilos que a casta é capaz de exprimir em função das condições de cultivo, das práticas culturais na vinha e das abordagens enológicas.
Syrah em Portugal – chegou, viu e… ficou
É a casta estrangeira com a carreira ascendente mais rápida em Portugal. Ainda no final do século passado a sua presença era insignificante e o conhecimento sobre ela por parte dos produtores e consumidores era próximo do zero. Antes de 1980 existiam apenas 10,82 ha de Syrah no encepamento nacional, e na década seguinte 309 ha. Em 2014 a Syrah já aparece no top 10 de castas mais plantadas em Portugal, ultrapassando muitas variedades nacionais. Hoje a prima donna ocupa uma área de 6 441 ha, o que corresponde a 3% de total das plantações. No top 10 das castas tintas em Portugal só há duas castas estrangeiras, mas se o Alicante Bouschet tem uma história secular no nosso país, a Syrah claramente chegou, viu e ficou.
O Alentejo lidera nas plantações de Syrah com 2 307 ha, que actualmente é a 4ª casta mais plantada na região. Já começa a ser difícil encontrar um produtor no Alentejo que não tenha Syrah. A casta entrou na região “incognitamente” pela mão dos proprietários da Cortes de Cima, com a primeira colheita a decorrer em 1998, e tornou-se num grande clássico.
Lisboa é a segunda região no país com maior presença de Syrah, registando 2 126 ha. A Quinta do Monte d’Oiro apostou na Syrah nos anos 90 e praticamente especializou-se nesta casta. O primeiro monovarietal foi o Reserva Syrah de 1997.
A região do Tejo também teve um papel importante na história da Syrah em Portugal e hoje conta com 707 ha. A Quinta da Lagoalva de Cima foi a primeira a plantá-la nos anos 90 do século passado.
O Douro tem uma relação com Syrah mais qualitativa do que quantitativa. Não há grandes plantações desta variedade, mas os poucos vinhos varietais existentes no mercado são de grande qualidade. A Denominação de Origem não permite a utilização da casta. Por isto os vinhos de Syrah são certificados como regionais, o que, na realidade, não tem impacto na apreciação do consumidor.
Na Península de Setúbal, a Syrah é a segunda casta mais plantada (538 ha) depois do Castelão. A marcha gloriosa da casta francesa faz-se sentir noutras regiões, embora numa escala mais pequena.
Curiosidades sobre Syrah
- As vinhas mais antigas de Syrah na Austrália ainda existem, maioritariamente em Barossa Valley. A Langmeil Winery tem uma parcela de 1,4 ha com videiras de Shiraz plantadas em 1843.
- Petite Sirah não é o sinónimo de Syrah, é uma outra casta francesa que também responde pelo nome Durif, que surgiu atravez do cruzamento natural entre Syrah e Peloursin.
- O Dia Internacional de Syrah é 16 de Fevereiro. Estão a tempo de o festejar com um copo de Syrah na mão!
Porque Syrah?
Porque é, sem dúvida, uma grande casta de muitos méritos comprovados. Em muitos casos também há uma razão ou gosto pessoal.
O enólogo e produtor Rui Reguinga inspirou-se nos vinhos de Côtes du Rhône e, em 2001, plantou Syrah, Grenache, Mourvèdre e Viognier em solos com calhau rolado da Charneca de Almeirim. Estas uvas dão origem a um vinho único, tributo ao seu pai que toda a vida foi vitivinicultor.
Na Quinta do Noval, por influência do seu Director Geral, Christian Seely, foram plantadas várias castas francesas em 2003 – Cabernet Sauvignon, Mourvèdre, Petit Verdot e Syrah –, das quais as duas primeiras não passaram no casting. Syrah, ao contrário, adaptou-se facilmente ao clima quente e seco da região. O sucesso levou-o a repetir a experiência, plantando em 2007 Syrah na Quinta da Romaneira, um projecto pessoal de Christian Seely.
O enólogo da Quinta do Crasto, Manuel Lobo, conta que quando começaram o projecto no Douro Superior em 2002, a grande área da Quinta da Cabreira permitiu algumas plantações experimentais para testar várias castas. Nas provas cegas das microvinificações, Syrah dava sempre uma prova boa e consistente. Avançaram para a produção comercial e a primeira colheita, de 2013, já mostrou ser uma aposta ganha.
Amílcar Salgado, da Quinta de Arcossó, em Trás-os-Montes, plantou Syrah por acaso há 21 anos. Estava a fazer a enxertia no local e, por lapso, encomendou menos garfos de Touriga Franca do que tinha porta-enxertos. No momento não havia mais e aceitou os da Syrah, ficando com 2000 videiras. Nunca se arrependeu.
O proprietário da Quinta dos Termos, na Beira Interior, João Carvalho, na década dos 90 passava muito tempo em França por causa dos negócios dos têxteis, onde teve oportunidade de provar muitos vinhos feitos de Syrah. Gostou tanto que, em 2002, plantou a casta na sua quinta. Da colheita de 2006 saiu o primeiro Syrah em extreme, embora sem aparecer no rótulo, disfarçado como “Reserva do Patrão”.
Jorge Rosa Santos, um dos irmãos enólogos, responsável pela produção da família, conta que começaram a plantar Syrah em 2004. Têm duas parcelas. Uma no solo xistoso da Serra D’Ossa, que produz vinhos mais concentrados, musculados e tânicos, com aromas a lembrar carne. Outra em solos argilo-calcários esbranquiçados, que dá vinhos mais químicos, com notas de alcatrão e menos fruta. O lote das duas deu um belíssimo vinho, complexo, fino, extremamente equilibrado e cheio de carácter da casta no seu melhor.
A Syrah prefere clima quente, mas não gosta de calor em demasia. É uma casta vigorosa, produtiva e bastante resistente a doenças. Floresce tarde, evitando, desta forma, possíveis geadas primaveris. Amadurece relativamente cedo, acelerando a maturação depois do pintor, o que deixa uma janela de oportunidade algo reduzida. Todos os enólogos e produtores contactados concordaram que o momento de vindima para Syrah é absolutamente crucial, se não querem apanhá-la “jammy”.
Syrah é uma casta com comportamento anisohídrico, como a Touriga Nacional, ou seja, em condições de falta de água, aguenta algum tempo sem fechar os estomas, continuando a sua actividade fotossintética. Mas se o stress hídrico se prolongar no tempo, podemos ter “uvas em passa e taninos verdes” – refere Manuel Lobo. Entretanto, “excesso de humidade no solo, como por exemplo, na zona de Campo, é uma tragédia” – afirma Rui Reguinga.
Amílcar Salgado partilha a sua experiência de 20 anos com Syrah: “Casta excelente. O porte erecto facilita a condução e todo o trabalho na vinha. Muito homogénea na produção, não precisa de correcções, mesmo em anos quentes. Gradua bastante sem perder o equilíbrio. A Touriga Franca, por exemplo, perde acidez mais rápido.”
Mas não há bela sem senão. A casta é susceptível a uma doença de etiologia complexa e ainda não totalmente explicada – declínio da Syrah, que foi observado pela primeira vez no sul de França. Basicamente é uma morte prematura da planta. Amílcar Salgado observou este fenómeno nas suas vinhas, onde as videiras com 13-15 anos, vigorosas e aparentemente boas, de repente começam a enfraquecer, as folhas entram em senescência prematuramente, as varas não atempam devidamente. Mas tarde as plantas acabam por morrer e têm de ser substituídas. Rui Reguinga referiu o mesmo problema, devido ao qual já perdeu cerca de 15-20% das cepas.
A impressão digital da Syrah inclui especiaria a lembrar pimenta preta, conferida pelo sesquiterpeno rotundona.
Comportamento na adega
A Syrah não é só amiga do viticultor, é também uma grande aliada do enólogo, adaptando-se a diversas abordagens na adega. Até vinificada em talha se porta lindamente, como tivemos oportunidade de confirmar numa prova da Sovibor, no Alentejo.
Carlos Agrellos, da Quinta do Noval e da Romaneira, prefere não fazer grande maceração a frio e extrair só o necessário. Jorge Rosa Santos gosta de fermentações longas, a 24-25˚C – porque assim tem mais tempo para tomar boas decisões e todas as fracções da prensagem entram no lote – e do tanino mais “grippy”. Rui Reguinga e Graça Gonçalves, enóloga na Quinta do Monte d’Oiro, fazem macerações prolongadas. Na opinião de Amílcar Salgado, a Syrah permite uma boa extração de cor sem muito trabalho e não tem taninos agrestes.
A Syrah responde muito bem ao estágio em madeira, mas “é preciso ter alguma contenção de tosta nas barricas – a casta sozinha tem aromas bem definidos e apimentados” – explica Manuel Lobo. Por isto utiliza apenas 30-35% de barricas novas, sendo maioritárias as barricas de segunda e terceira utilização. Carlos Agrellos tem uma abordagem semelhante na Quinta do Noval e na Quinta da Romaneira, utilizando barricas novas, de segunda e terceira utilização.
As percentagens de barrica nova variam no lote final. Por exemplo, o Syrah do Apontador (Romaneira) aguenta mais 10-15% de barrica nova do que o Syrah da Quinta do Noval. Jorge Rosa Santos cada vez gosta mais de madeiras de maior volume e estagia o vinho 24 meses em toneis de 3.000 L com 30 anos.
Como a Syrah é uma casta com tendência para redução, abordámos este assunto com os enólogos. Carlos Agrellos vai arejando o mosto se for necessário. Graça Gonçalves controla por perto a quantidade de azoto assimilável no mosto, cuja falta pode originar redução durante a fermentação. Se for preciso também fazem arejamento ou introduzem oxigénio na cuba. Rui Reguinga e Amílcar Salgado fermentam em lagar, o que permite mais oxigenação e mais superfície de contacto com as massas. Jorge Rosa Santos não tem medo de reduções, mas sim das oxidações, explicando que “há sempre solução para redução”. Nos brancos é mais definitiva do que nos tintos, onde normalmente é resolvida com o estágio em madeira.
Por vezes, a companhia minoritária da casta branca Viognier, em co-fermentação, dá um brilho extra à Syrah. É uma prática usada em Côte Rotie para estabilizar a cor. Assim, o Quinta Monte d’Oiro Reserva tem 4% de Viognier e o Quinta do Crasto Superior tem 3%. Manuel Lobo vê o contributo deste tempero mais na textura e não tanto na fixação da cor ou no aroma.
O Tributo, de Rui Reguinga, para além da Viognier, tem Grenache e Mourvèdre. A Syrah, com 80-85%, dependendo do ano, domina, mas acaba por adquirir uma complexidade adicional.
Por vezes, a companhia minoritária da casta branca Viognier, em co-fermentação, dá um brilho extra à Syrah.
Que será, Syrah!
Será que a casta forasteira faz sentido em Portugal ao lado de tantas variedades nacionais de grande qualidade? Não assume demasiado protagonismo no palco vitivinícola português? Não desvirtua a identidade dos vinhos nacionais?
É óbvio que não é com Syrah que nos afirmamos no mercado internacional. Mas será que isto é impeditivo de produzirmos alguns vinhos marcantes desta casta?
Parece-me que nos últimos 20-30 anos a Syrah deixou de ser uma simples moda, encontrou o seu lugar em terras lusas, encaixou a sua personalidade nos nossos terroirs e cabe-nos a nós, ter um bom senso no seu emprego. Os resultados, esses, não deixam margem para dúvidas…
(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2024)
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