Grande Prova: O expoente do Alvarinho

PROVA ALVARINHO

Alvarinho é uma variedade ibérica. 70% das plantações mundiais da casta encontram-se em Espanha, predominantemente na Galiza, onde responde pelo nome Albariño, e mais de 20% ficam em Portugal. Tem alguma presença nos Estados Unidos (California, Oregon e Washington), Uruguai, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Desde 2019 é uma das variedades autorizadas na […]

Alvarinho é uma variedade ibérica. 70% das plantações mundiais da casta encontram-se em Espanha, predominantemente na Galiza, onde responde pelo nome Albariño, e mais de 20% ficam em Portugal. Tem alguma presença nos Estados Unidos (California, Oregon e Washington), Uruguai, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Desde 2019 é uma das variedades autorizadas na região de Bordeaux graças à sua capacidade de adaptação às diferentes condições climáticas, boa capacidade de retenção de acidez e perfil aromático de qualidade.
Em Portugal, é a 5ª casta branca mais plantada, correspondendo a 2% da área de vinha nacional (IVV). Embora comece a ganhar popularidade noutras regiões, desde o Douro ao Algarve, a sua maior expressão continua a ser na região do Minho, onde é a 3ª casta branca, representando mais de 15% da área plantada da região, a esmagadora maioria em Monção e Melgaço. O fim do uso exclusivo do Alvarinho no rótulo pela sub-região de Monção e Melgaço levou à criação de um selo próprio de certificação dentro da denominação de origem Vinho Verde. É caso único em Portugal.

Prova Alvarinho

Casta e região

As primeiras referências de Alvarinho relacionadas com a zona de Monção e Melgaço surgem em 1790, mas até à fama de hoje ainda havia muito caminho a percorrer. A investigação do engenheiro agrónomo Amândio Galhano nos anos 40 do século XX foi o primeiro passo à descoberta das qualidades da casta.
O primeiro rótulo de vinho Alvarinho foi da Casa de Rodas nos anos 20 do século passado. Esta propriedade histórica no concelho de Monção foi recentemente adquirida pela Symington Family Estates com o intuito de produzir vinhos da quinta.

Nos anos 40, já com expressão comercial, surgiu a marca Cepa Velha e no final dos anos 50 a marca Deu-la-Deu. Em 1976 chegou uma especialidade ao mercado – Alvarinho do Palácio da Brejoeira, também em Monção. Em 1982 Luís Cerdeira inicia a sua actividade em Melgaço com a marca Soalheiro e Anselmo Mendes em 1997, hoje duas referências incontornáveis na sub-região.

A sub-região de Monção e Melgaço representa um vale rodeado por montanhas, quer do lado de Espanha pela serra da Galiza, quer de Portugal pela serra de Gerês e Cabreira. Estas barreiras montanhosas oferecem a protecção dos ventos atlânticos e do Norte. É precisamente o que o Alvarinho gosta – estar perto do mar, mas não demasiado exposto. A amplitude térmica existente durante a maturação, caracterizada por dias quentes e noites frias contribui para a melhor síntese dos aromas e retenção da frescura.

Os solos são maioritariamente de origem granítica, mas variam ao longo do vale desde os solos de aluvião, mais profundos e mais pesados em Monção até os mais arenosos na encosta, havendo também zonas de calhau rolado, zonas com mais argila e uma faixa de xisto entre Monção e Melgaço. Anselmo Mendes considera a diversidade de solos um dos factores mais importantes no carácter do vinho.

Com cachos e bagos pequenos e uma película espessa, o Alvarinho produz pouco, na ordem dos 65 hl/ha. Muita película e pouca polpa resultam em rendimento mais baixo na prensagem em comparação com outras castas. Isto reflecte na regulamentação própria para o Alvarinho: de 100 kg de uvas só pode ser obtido 65 litros de mosto. Isto é menos 10 litros do que para outras castas na região pelo mesmo peso de uvas, o que encarece a produção. Já 1 kg de uva de Alvarinho também é mais caro, a oscilar à volta de 1 euro por quilo (sem contar com Colares e as ilhas, é a uva mais cara do país), enquanto as outras castas brancas regionais custam cerca de 35-45 cêntimos por quilo.

A película grossa do Alvarinho contém muitos precursores aromáticos e polifenóis (o índice de polifenóis totais é mais alto do que em muitas castas tintas), daí a estrutura e algum final amargo no vinho. “É por isto que a casta é boa para curtimenta e ganha mais cor com o estágio” – explica Anselmo Mendes.
Os aromas do Alvarinho podem variar desde marmelo e pêssego, notas de fruta citrina doce, fruta tropical (maracujá e por vezes, líchia). Notas florais de laranjeira e violeta e de frutos secos (avelã, noz) também são comuns, podendo desenvolver nuances de mel com evolução. Mas o seu perfil e composição aromática variam muito em função da zona de plantação e da abordagem enológica.
É comum associar a casta aos aromas tropicais, mas isto tem mais a ver com a tecnologia de produção. “O ADN da casta não é este”, – defende Anselmo Mendes que praticamente “respira Alvarinho” desde 1987, quando começou a trabalhar a casta em casa dos seus pais.

É preciso perceber de onde vêm os aromas. Se fermentar em inox a temperaturas muito baixas, o vinho é mais propenso a ganhar a tal tropicalidade exuberante. Se fermentar com temperaturas mais altas, revelam-se mais os aromas varietais e citrinos e o estágio em madeira confere outra dimensão e complexidade.

Uva multifacetada

Nem todas as castas conseguem brilhar no palco sozinhas. Os vinhos monovarietais por vezes são limitativos, mas claramente, não é o caso do Alvarinho. É como um actor com grande capacidade de representação, capaz de interpretar papeis mais diversos e corresponder a abordagens enológicas por vezes contraditórias.
Alvarinho e barrica é uma parceria relativamente recente. Anselmo Mendes começou a fazer ensaios de fermentação em madeira com as uvas da família nos finais do século passado. O primeiro Alvarinho “comercial” em barrica nasceu na Provam, sob marca Vinhas Antigas de 1995.

Márcio Lopes, que em 2010 começou o seu projecto Pequenos Rebentos, prefere barricas usadas de 225 e 500 litros, com mais de 8 anos e também usa balseiros de castanho porque “tiram o que está a mais, o carácter mais directo da casta”. E experimenta abordagens, como a curtimenta e estágio com flor. Luís Seabra no seu projecto Granito Cru prefere madeiras de maior capacidade, usa toneis de 3.000, 2.000 e 1.000 litros.

Entretanto, o estágio em barricas novas não parece que seja uma boa solução para o Alvarinho. “Uma casta de perfil aromático intenso com madeira nova fica desorganizada” – resume Miguel Queimado, enólogo e produtor da Vale dos Ares. Relativamente à fermentação também há abordagens diferentes, mas normalmente para obter vinhos mais complexos e sérios, a temperatura de fermentação anda pelos 20˚C.

Anselmo Mendes e Márcio Lopes fazem bâtonnage com borras totais, obtendo assim mais complexidade e estrutura a longo prazo. No início o vinho até pode parecer mais reduzido e vegetal, mas passado um ano em barrica, ganha complexidade, fica limpo e fino de aromas.

Luís Seabra fermenta com leveduras indígenas, mas sem bâtonnage. Acha que os seus vinhos já têm muito volume. Depois da fermentação não adiciona sulfuroso propositadamente para permitir a fermentação maloláctica (é assim que se fazia Alvarinhos na Galiza antigamente). Não se preocupa com eventual descida de acidez, em contrapartida o vinho fica mais estável e, se vindimar na altura certa, tem acidez suficiente, diz. Engarrafa sempre passado dois Invernos para estabilizar naturalmente. Desta forma “o vinho nasce já mais velho, mas isto também o protege futuramente”. Miguel Queimado também engarrafa com um ano em barrica e mais dois em garrafa.

É pena que a pressão comercial force alguns produtores, por vezes conta vontade, a lançarem Alvarinho ambiciosos na Primavera seguinte à vindima. Os vinhos chegam ao mercado ainda com algum sulfuroso sensível, a cobrir a expressão de fruta e levam mais alguns meses até equilibrar tudo. Porque numa coisa produtores e consumidores estão de acordo: é com o tempo em garrafa que o Alvarinho de Monção e Melgaço melhor se diferencia da “concorrência” e mostra tudo o que vale.

 

(Artigo publicado na edição de Maio de 2023)

Grande Prova: Tintos do Dão – Touriga e mais além

grande prova dão

A região do Dão é das mais clássicas e respeitadas em Portugal. O próprio nome Dão (que se refere a um rio…) é uma marca que qualquer consumidor imediatamente identifica como região de vinho. Parece que não, mas isso não sucede com todas as regiões portuguesas… Tal reconhecimento resulta, sobretudo, de séculos de produção de […]

A região do Dão é das mais clássicas e respeitadas em Portugal. O próprio nome Dão (que se refere a um rio…) é uma marca que qualquer consumidor imediatamente identifica como região de vinho. Parece que não, mas isso não sucede com todas as regiões portuguesas… Tal reconhecimento resulta, sobretudo, de séculos de produção de vinho afamado. Reza a história, que antes da partida dos portugueses para a conquista de Ceuta, foi servido vinho do Dão nos luxuosos festejos organizados pelo Infante D. Henrique em Viseu… Uma coisa é certa: já no século XIX, a exportação para França e Brasil de vinhos produzidos na área que hoje conhecemos como Dão superava a de outros territórios vitivinícolas portugueses (com excepção do vinho do Porto, claro). Os consumidores reconheciam autenticidade e qualidade no vinho do Dão, e a região cedo se assumiu como das mais reputadas a nível nacional para a produção de vinho. Prova também do sucesso na comercialização, é a existência de registos que relatam que os vinhos ali produzidos eram, muitas das vezes, comercializados a preços mais elevados que a média nacional, sobretudo após alguns desses vinhos terem obtido distinções nas grandes exposições nacionais e internacionais da altura, em Lisboa, Londres, Berlim e Paris. Igualmente demonstrativo da vetustez da fama dos vinhos do Dão, é que a região foi estabelecida, formalmente, no distante ano de 1908 (mais de 110 anos de história, portanto!), sendo que dois anos mais tarde foi aprovado o regulamento para a produção e comercialização dos vinhos aí produzidos. Com esta decisão, o Dão integrou (com Vinhos Verdes, Colares e Bucelas) o primeiro grupo de regiões de vinhos não licorosos a serem demarcadas e regulamentadas no nosso país. Algumas décadas volvidas, e a região do Dão já beneficiava da presença de produtores de renome, sendo que algumas propriedades eram vistas como pioneiras e mesmo modelo a nível nacional, caso da Casa da Ínsua, Conde de Villar Seco, Conde de Santar ou José Caetano dos Reis.

A região do Dão é delimitada a sul por Arganil e a norte por Aguiar da Beira, num total de 388 000 hectares, sendo que 18 000 hectares se encontram plantados com videiras, dos quais 13 500 é vinha aprovada para DO Dão e IGP Terras do Dão. Ao nível do relevo, tem como principal característica o facto de ser circundada por um conjunto de grandes serras — a poente encontra-se a serra do Caramulo, a sul o Buçaco, a norte a serra da Nave e a leste a imponente Estrela —, que a protegem das influências exteriores ao constituírem uma barreira às massas húmidas do litoral ou aos agrestes ventos continentais da não distante Espanha. Com solos generalizadamente graníticos, divide-se por 7 sub-regiões, desde a solarenga Silgueiros até à invernosa Serra da Estrela. O acidentado do terreno — marcado pela passagem de três rios importantes, o Dão, o Mondego e o Alva — e o tecido económico-social potenciam o minifúndio. O cultivo da vinha está bem implementado na região, e é muito disperso, ainda que nem sempre facilmente visível devido às muitas manchas de floresta (com o eucalipto bem presente) e de rocha granítica, com algum afloramento de xisto no sul da região. O clima, muitas vezes (incorretamente) apelidado de mediterrânico é sim temperado nas estações intermédias como Primavera e Outono (com temperatura média por volta dos 16-18ºC), sempre com bons níveis de precipitação (média entre 1200 – 1300 mm). Nas zonas mais altas, os Invernos podem ser rigorosos (com dias consecutivos de neve) e, nas mais baixas, o Verão pode ser caracterizado como seco, com vários dias com temperaturas acima dos 30ºC, mas beneficiando quase sempre de noites relativamente frescas. A vinha está, como acima referido, bem disseminada pela região e, no que toca a altitude, situa-se entre os 200 e os 800 metros, sendo que é entre os 400 e os 500 metros que vegeta em maior quantidade.
Passado, presente e futuro

 

Com um passado tão glorioso e condições naturais tão específicas, não espanta que o presente seja risonho e o futuro promissor. Depois das últimas décadas do anterior milénio terem sido menos fáceis, período em que outras regiões nacionais despontaram e se consolidaram, a segunda década do novo milénio (2010-2020) revelou uma renovação do Dão assente em investimentos recentes, sendo disso bom exemplo as históricas Quinta da Passarella (destaque para a enorme recuperação das vinhas e do património edificado), e Taboadella (com uma das adegas mais bonitas do país). Mas não só, falamos também do projeto MOB (dos enólogos durienses Jorge Moreira, Xito Olazabal e Jorge Serôdio Borges), da Niepoort que adquiriu a Quinta da Lomba, da Quinta da Alameda, da Quinda da Sancha, do projecto Textura Wines, entre outros. Com esses investimentos vieram enólogos de outros pontos do país para a região, que se juntariam a uma nova fornada local. Tanto assim é que, hoje no Dão, nomes como Paulo Nunes, Nuno Mira do Ó, Jorge Alves, Luis Lopes, Luis Seabra, João Cabral de Almeida, Mafalda Perdigão ou Pedro Ribeiro juntam-se a quem há mais tempo oficia por estas terras, casos de Nuno Cancella de Abreu, Manuel Vieira, Carlos Lucas, Sónia Martins, Osvaldo Amado ou Paulo Narciso, entre outros. Com efeito os, investimentos recentes muito beneficiaram da fundação de um Dão moderno, que em muito deve a produtores e cooperativas que se modernizaram precisamente no final dos anos ’90, caso da UDACA, Global Wines, Quinta dos Carvalhais, Casa Agrícola de Santar, Lusovini, União Comercial da Beira, ou Adega Coop. de Penalva do Castelo, entre outras. Não espanta, assim, que, de forma progressiva, os excelentes vinhos do Dão sejam cada vez mais valorizados, dentro e fora do país, na senda do que o eram há décadas. Por falar de estrangeiro, em 2022, os vinhos da região demarcada do Dão tiveram um aumento do volume de vendas de mais de 18%, e de 16% no preço medio, (dados do INE), muito acima da média nacional. Ainda quanto ao ano transacto, falamos de mais de 24,5 milhões de euros de facturação, com as vendas para o estrangeiro, tendo como principais mercados de destino o Canadá, a Alemanha, os Estados Unidos da América, a Bélgica e o Brasil.

A prova: as castas e os vinhos
Um dos aspectos mais interessantes do painel foi constatar que os vinhos em prova, tanto de lote como monocasta, foram produzidos essencialmente com recurso a uvas das mesmas 3 ou 4 castas, todas autóctones e, com excepção da Tinta Roriz (e, cada vez mais, da Touriga Nacional), praticamente exclusivas da região. Por isso, quando fomos estudar os registos da CVR, os números e dados estatísticos não nos surpreenderam. Temos, portanto, as castas Jaen e a Touriga Nacional como as variedades tintas actualmente mais presentes no encepamento da região, seguidas de perto pela Tinta Roriz, sendo que Alfrocheiro, Baga e Rufete/Tinta Pinheira também marcam presença, mas a grande distância das anteriormente referidas. Ora, foi isso mesmo que encontrámos na nossa prova — essencialmente vinhos de lote e alguns monocastas de Touriga Nacional, de Alfrocheiro e até, mas menos, de Jaen. Isto quer dizer, também, que não provámos nenhum vinho que tivesse uva de castas “de fora” (com a potencial excepção de algum Alicante Bouschet presente em vinha velha…), o que, não sendo inédito no país, é de assinalar. Por falar em vinha velha, algumas existem com encepamentos muito antigos, onde encontramos castas como Alvarelhão, Castelão, Trincadeira, Uva Cão, ou Tinta Carvalha. Outro aspeto muito positivo que retiramos da prova foi constatar que, com algumas excepções, todos os vinhos se revelaram muito elegantes e com teores alcoólicos ajustados entre os 12,5% e os 14%. Quase sempre com perfis gastronómicos, acidezes média-altas e óptima frescura, muitos foram os casos de tintos a revelarem uma perfeita evolução em garrafa, seja com 5 anos de idade (jovens, mas já a dar boa prova), seja com 15 (ainda cheios de saúde). Com efeito, a fama da região na produção de vinhos macios e longevos ficou comprovada, com os néctares mais jovens a encontrarem-se austeros e profundos e os mais antigos a revelarem grande complexidade e elegância. A par da silhueta gastronómica, é impossível não destacar algum classismo no recorte dos vinhos provados, na medida em que estivemos, quase sempre, perante tintos de boa concentração com barrica discreta e notas aromáticas clássicas na região, como seja aquelas derivadas de matizes florais maduras, como violetas e rosas, e as provenientes de sensações vegetais secas, como casca de árvore e caruma. Em conclusão, tivemos uma prova assombrosa na qualidade e consistência, na qual provámos alguns dos melhores tintos produzidos em Portugal e na qual também descobrimos grandes escolhas resultantes do binómio preço + qualidade. O facto acima destacado de os vinhos serem quase todos produzidos a partir das mesmas castas revela uma região orgulhosa das suas variedades e que privilegia as uvas mais bem-adaptadas ao território. Destapa-se, assim, uma região singular, com tanto de Velho Mundo como de novos desafios. Uma região única com vinhos maravilhosos!

(Artigo publicado na edição de Abril de 2023)

Tintos de 2013: 10 anos depois

tintos 2013

Começo o texto com uma declaração (pessoal) de interesse: adoro os vinhos de 2013, brancos e tintos, de todo o país. Em ano de Inverno frio, e Primavera muito chuvosa ― já lá iremos ver melhor o ano climatérico ―, produziram-se alguns dos nossos vinhos favoritos, sobretudo nas regiões mais quentes. Posso dizê-lo, com a […]

Começo o texto com uma declaração (pessoal) de interesse: adoro os vinhos de 2013, brancos e tintos, de todo o país. Em ano de Inverno frio, e Primavera muito chuvosa ― já lá iremos ver melhor o ano climatérico ―, produziram-se alguns dos nossos vinhos favoritos, sobretudo nas regiões mais quentes. Posso dizê-lo, com a segurança de quem tem sido afortunado em estar presente em várias verticais de topos de gama, que a colheita de 2013 nunca desilude, apresentando-se tão jovem quanto fresca. Foi assim, por exemplo, com as verticais recentes dos tintos ícones Pêra Manca, Legado, Abandonado e Procura (estes dois últimos em prova no neste painel), nos quais a colheita de 2013 foi, precisamente, uma das minhas favoritas, senão mesmo a mais-querida. Mesmo considerando as várias excelentes colheitas que tivemos ao longo da segunda década do novo milénio, a de 2013 — sobretudo num vector de frescura e longevidade — está no meu top 3. Certo que 2011 poderá ficar na história pela concentração, 2012 e 2017 pelo aprumo e exuberância, e 2015 pela generosidade de aromas. Mas 2013…, um pouco à semelhança de 2016 (este, todavia, um ano bem mais quente no geral), apresenta uma estrutura tânica única por ser vigorosa e fresca, mas sem qualquer agressividade. E, em rigor, foi um pouco assim em todo o país, ou seja, foi também uma colheita homogénea, de boa qualidade (se bem que, ao tempo, não considerada excelente pelos produtores) por todo o território. Basta atender aos vinhos provados neste painel para compreender que, em todas as regiões, o registo de longevidade é por demais evidente. Não temos dúvidas que essa característica resulta de uma viticultura e enologia cada vez mais profissionais e cuidadas, mas ― e com base em centenas de provas de vinhos de diferentes colheitas ― também não temos que parte importante resulta das próprias tipicidades do ano em causa.

Chuva na Primavera e maturação tardia

E como foi, então, o 2013 climatérico, sempre com a produção de uva e de vinho em mente? Comecemos pelo básico e mais generalizado: terminada a vindima de 2012, chegou a chuva, e logo de forma intensa, que se manteve por muito tempo. De tal forma assim foi que, em apenas 3 meses, choveu mais de metade do total da chuva caída durante todo o ano. Depois, surgiu um Inverno bastante frio (mais frio que a média noutros anos), e em meados de Março a chuva forte voltou um pouco por todo o país, tendo sido registadas cheias do norte ao sul durante parte da Primavera. A chuva foi tanta que chegou mesmo a condicionar a realização dos trabalhos na vinha, que tiveram de ser adiados. Em muitos locais do país, o mês de Março de 2013 foi mesmo o segundo mais chuvoso dos últimos 50 anos… A análise comparativa revela que, durante o Inverno e mesmo na Primavera de 2013, os valores médios da temperatura foram inferiores aos dos anos anteriores. Apesar dos estragos da imensa chuva (no Douro, por exemplo, vários patamares foram afectados e houve registos de deslizamentos de terra), a água foi quase sempre vista como uma bênção, após 2 anos (2011 e 2012) com menos 40% da média anual de precipitação. Mais a mais considerando que parte das videiras em território nacional não é irrigada, dependendo, por isso, da chuva e das reservas no solo. Talvez por isso, e apesar da instabilidade provocada no ciclo das videiras, o abrolhamento decorreu na época normal e o vingamento não foi afectado. Até junho, o clima continuou frio e chuvoso, não espantando, por isso, que os relatórios de vindima por todo o país coincidam no atraso significativo do ciclo vegetativo, entre uma a duas semanas, com o pintor a surgir algo tardio. Com a entrada do Verão tudo mudou, radicalmente, com um período quente e seco (um dos verões mais quentes desde 1931). Entre Junho e Agosto, os registos de chuva nas regiões mais secas foi de cerca de 4,5mm, o que, na prática, significa que, em 12 semanas, não houve praticamente água alguma. Em várias regiões, contudo, as altas temperaturas de dia (houve mesmo uma onda de calor no início de Julho) foram compensadas com noites surpreendentemente frescas, contribuindo para um clima mais continental do que propriamente mediterrânico. A maturação manteve-se tardia, sendo que o Verão quente não causou prejuízos significativos dado o equilíbrio vegetativo e hídrico alcançado com as chuvas de Inverno, o que significou um ano com boas produções. Alguns enólogos confirmaram-nos que as baixas temperaturas primaveris e o súbito calor no Verão causaram alguma variação na maturação das diferentes parcelas, enquanto outros destacaram o tamanho dos bagos que, em 2013, foi genericamente pequeno, tendo isso um impacto na concentração dos vinhos. O ano agrícola, mais uma vez no que a vinhos diz respeito, não terminaria sem um Setembro e um Outubro com bastante precipitação o que, porém, não se revelou nefasto na medida em que, por um lado, a chuva só chegou quando a melhor uva já estava na adega e, por outro lado, alguma dessa chuva até ajudou na dificuldade de maturação de algumas castas e parcelas.

tintos 2013

 

Elegância e equilíbrio

Uma década volvida da colheita, falámos com produtores e enólogos de todo o país e a reacção generalizada não foi muito diversa. Francisco Ferreira (Vallado) e Jorge Moreira (Poeira), ambos centrados na região do Douro, destacam o perfil fresco dos vinhos que os tornam muito agradáveis de beber (muito bons tintos e excelentes brancos), não deixando de referir que faltou, num ou outro vinho, um pouco mais maturação que contribuísse com profundidade. Jorge Moreira, ainda sobre este aspecto, realça que os vinhos têm evoluído muito bem, e que só por falta dessa maior maturação é que não têm ainda mais personalidade. Mário Sergio Nuno (Quinta das Bágeiras) destaca também o ano frio na Bairrada, onde não se sentiu qualquer tipo de escaldão no Verão, o que contribuiu com vinhos mais finos e menos estruturados (comparados com 2011 e 2012 ou até 2015), com taninos em todo o caso sérios e austeros que garantem longevidade. Ao sul, no Alentejo, Pedro Baptista (Fundação Eugénio de Almeida) só tem boas palavras para a colheita, elogiando-a ao ponto de a equiparar à mítica de 2011, salientando que as temperaturas foram “doces durante o ano” garantindo, genericamente, maturações lentas e equilibradas. Para o enólogo e administrador, 2013 é responsável por alguns dos vinhos alentejanos mais elegantes e equilibrados dos últimos anos. Também Susana Esteban lembra com candura a colheita de 2013, mais a mais por ter sido a primeira no seu projecto pessoal, destacando a fantástica longevidade dos brancos e a elegância e frescura dos tintos.
Quanto à prova verdadeiramente dita, a primeira nota positiva vai, como já referimos atrás, para a prestação dos vinhos ao nível da sua juventude. 2/3 dos tintos provados aguentarão, estamos certos, outros 10 anos ao mesmo nível (ou até melhorarão), e muitos desses seguramente muito mais anos. A cor retinta e o tom brilhante no copo, os aromas jovens e por vezes até reservados, e uma prova de boca com estrutura ácida e tânica, foram características transversais a uma parte maior dos vinhos provados. Falando ainda de transversalidade, realçamos o facto de todas as regiões em prova apresentarem vinhos de altíssima qualidade. Pela análise climática acima descrita, pode-se dizer que foi um ano que favoreceu as regiões mais quentes, com Douro e Alentejo à cabeça (com vários vinhos entre os mais pontuados), mas entre os que deram melhor prova constam também vinhos da Bairrada (com destaque para Outrora e Kompassus) e do Dão (belíssimos os Quinta da Pellada e Quinta da Vegia). No estilo e mecânica de prova, é impossível não realçar os alentejanos Mouchão, Procura e Esporão Private Selection como alguns dos mais gastronómicos, da mesma forma que os durienses Pintas, Poeira e Carvalhas se elevaram pela juventude e perfil compacto, prontos para mais duas décadas de vida em garrada. Destaque ainda para os bairradinos Outrora e Kompassus Private Selection (magníficos exemplares da casta Baga) e para o perfil leve e perfumado do Quinta da Pelada Casa e do Robustus. Não falta, portanto, por onde escolher!

(As notas de prova foram realizadas pelo painel de provadores da Grandes Escolhas)

19 B
Mouchão
Alentejo tinto 2013
Vinhos da Cavaca Dourada
Aroma fantástico, todo com fruto encarnado, morango, ameixa meio madura, especiaria branca, azeitona e levíssima nota de couro. Rugoso e concentrado em boca, sem peso, todavia e retendo óptima acidez. Final com ligeiras notas licoradas, sentindo-se ainda tanino. Super gastronómico! (14%)

19 B
Outrora
Bairrada Clássico Baga tinto 2013
V Puro
Vinhas velhas entre 80 a 120 anos. 24 meses em barrica, metade novas. Aroma apaixonante, com o melhor da casta, fruto encarnado limpo e definido, bagas esmagadas, tijolo, ervas frescas. Muito bem na boca, novamente limpo e focado, ameixa e cereja madura, final longo, com travo a café e minerais quebrados. Belíssimo! (13%)

19 C
Pintas
Douro tinto 2013
Wine & Soul
Muito jovem, desde logo na cor e no aroma que começa fechado. Abre com nota a tinta-da-china, denotando profundidade, logo surge bergamota e fruto azul, barrica no ponto. Mantém o nível em boca, cremoso e saboroso, acidez impecável, nota a ginga fresca, mirtilo, noz-moscada e chocolate negro. Imperdível! (14,5%)

19 C
Poeira
Douro tinto 2013
Jorge Nobre Moreira
Aroma clássico da marca, com muito fruto azul, urze, mato, minerais quebrados e barrica discreta. Prova de boca macia e plena de sabor, acidez fantástica, mantem-se jovem, mas com uma finura desafiante, revelando magnifica construção e desenho de taninos. (14%)

18,5 B
Carvalhas
Douro
Real Companhia Velha
18 meses em barrica, metade nova. Aroma impressionante, multi-dimensionado, com fruto silvestre, esteva, notas a barrica, leve floral, balsâmico, e ainda alcaçuz. Prova de boca em linha, com tanino poderoso, mas sem perder cremosidade, impressiona com notas a mirtilo e cacau fresco e algum chão de bosque. (14%)

18,5 B
Esporão Private Selection
Alentejo Garrafeira tinto 2013
Esporão
Alicante Bouschet, Aragonez e Syrah de diferentes vinhas. Parte estagia com barrica nova e parte usada, de diferentes dimensões. Óptima cor, ainda com juventude. Aroma com muito fruto negro, ainda profundo, ameixa, couro e chocolate. Fresco, mas aveludado em boca, muito sabor, complexo e intrigante, um tinto muito sedutor. (14,5%)

18,5 C
Kompassus Private Collection
Bairrada Baga tinto 2013
Kompassus Vinhos
18 meses barrica. Aroma com bagas encarnadas, ervas frescas, barrica a comandar com sensações a madeira avinhada, tudo denotando força e intensidade, mas sem perder equilíbrio. Prova de boca jovem, tanino bem presente, mantem o registo de potência, com sabor que se mastiga, e final potenciado pelas notas especiadas a barrica e cacau. (14,5%)

18,5 B
Procura
Reg. Alentejano tinto 2013
Susana Esteban
Alicante Bouschet, mais vinha velha. 16 meses barrica. Fantástico bouquet, com fruto encarnado delicado (framboesa), ervas frescas, tudo muito limpo e puro, denotando juventude e aprumo. Prova de boca em linha, com tanino vivo, óptima frescura, alguma leveza no perfil e nota balsâmica. Um tinto de filigrana, solto e a melhorar ainda nos próximos anos. (14,5%)

18,5 B
Quinta da Pellada Casa
Dão tinto 2013
Quinta da Pellada
Aroma habitual no produtor, com notas bonitas e perfumadas a fruto encarnado fresco, bergamota, laranja, anis, floral também. Prova de boca muito elegante, ainda jovem e retendo bela frescura, fino, directo e expressivo, e com perfil muito prazeroso. (13%)

18,5 B
Quinta da Touriga Chã
Douro tinto 2013
Jorge Rosas Vinhos
Aroma com o perfil da marca, muito fruto (negro e azul), em camadas, barrica luxuosa também a comandar, e um toque de caramelo salgado ao fundo. Prova de boca de grande nível, amplo, lácteo e saboroso, na qual sobressaem as referências a ameixa madura, café e chocolate. Final longo e pujante! (14,5%)

18,5 B
Quinta da Vegia
Dão Superior tinto 2013
Casa de Cello
Aroma jovem, com notas de fruto azul, caruma de pinheiro, vegetal seco, muito vivo e de recorte clássico, barrica ao fundo com classe. Prova de boca mais redonda do que o nariz faria prever, saboroso, fruto azul e leve nota a frutos secos. Termina fresco e longo, sempre com cremosidade. (13,5%)

18,5 B
Quinta do Castro Vinha Maria Teresa
Douro tinto 2013
Quinta do Crasto
20 meses em barrica nova. Muito jovem ainda, na cor e aroma. Todo num perfil austero e fechado, com nota a fruto azul, especiaria exótica, urze, alcaçuz e chá. Boca que começa ampla e macia, no meio revela apimentados, sempre num perfil amplo, sem perder frescura. Muito sedutor e com longa vida pela frente. (14,5%)

18,5 B
Quinta do Vallado
Douro Reserva tinto 2013
Quinta do Vallado
Muito jovem na cor e aroma, revela referências a erva fresca, fruto encarnado e negro, notas da barrica, tudo muito bem integrado. Prova de boca elegante e fina, minerais quebrados, fruto bonito, novamente ervas frescas, tudo a dar grande prova. (14%)

18,5 B
Quinta do Vale Meão
Douro tinto 2013
Quinta do Vale Meão
Aroma sedutor com nota a cacau fresco, fruto azul profundo, boa complexidade, mineral e chocolate negro, barrica muito delicada nesta fase. Saboroso e amplo em boca, acidez média, tanino ainda muito vivo, concentrado e cheio de matéria, termina vigoroso e afirmativo. (14%)

18,5 B
Robustus
Douro tinto 2013
Niepoort Vinhos
Aberto na cor. Aroma muito focado e definido, framboesa, funcho, todo de perfil silvestre e delicado, até mesmo no trabalho de barrica. Prova de boca em linha, leve e fresca, saboroso e muito limpo, amplo sem qualquer peso, acidez presente e sensação fresca. Muito personalizado e de grande prazer. (13%)

18,5 C
Xisto
Douro tinto 2013
Roquette & Cazes
A base é Touriga Nacional e Franca, e Tinta Roriz. 20 meses em barrica. Aroma surpreendentemente jovem. Nota a cacau fresco, ameixa, fruto muito bonito, alcatrão e leve alcaçuz, tudo muito atractivo. Redondo e macio em boca, tanino saboroso, mas ainda austero, acidez média e final ainda em construção. Afinado, muito jovem ainda, e de grande impacto. (14%)

18 B
Abandonado
Douro tinto 2013
Domingos Alves de Sousa
18 meses em barrica de carvalho francês e português. Aroma complexo e intrigante, fruto encarnado e negro, chão de bosque, ervas frescas, mas também algum doce de leite ao fundo. Na boca sente-se mais a barrica, com tanino muito presente, balsâmico, acidez média, muito sabor, puro e definido. Ainda pujante! (14,5%)

18 B
Dona Maria
Alentejo Grande Reserva tinto 2013
Júlio Bastos
50% Alicante Bouschet, sendo o restante Petit Verdot, Syrah e Touriga Nacional. Um ano em barrica. Muito afinado no nariz, com leve pendor vegetal, café também, depois surge fruto de qualidade, mas sem perder um lado terroso e de raiz. Prova de boca em linha, complexo e saboroso, jovem e intenso mas, curiosamente, com tanino fino e elegante. (14,5%)

18 B
Duas Quintas
Douro Reserva tinto 2013
Adriano Ramos Pinto
Maioria de Touriga Nacional. 16 meses em barrica. Aroma sedutor e intenso, com referências maduras a ameixa, urze, café cubano, doce de leite, bolo de mel. Lácteo em boca, tem boa acidez, com o meio de boca cheio e notas a chocolate amargo. Taninos macios e cooperantes, tudo com sabor e definição, e final com belo comprimento. (14,5%)

18 A
Luis Pato Vinha Barrosa
Bairrada tinto 2013
Luis Pato
Cor mais aberta do que o esperado. Aroma com notas à casta Baga com evolução, fruto encarnado, folhas secas, fruto seco, barro molhado, café, cevada e eucalipto. Prova de boca em linha, tanino fino e elegante, nota a cereal e ginja, molho de ostra. Tudo pronto a beber e agradar, num perfil complexo e clássico. (13%)

18 B
Syrah 24
Reg. Lisboa tinto 2013
José Bento dos Santos
18 meses em barrica, metade nova. Bonita cor aberta. Grande atracção no aroma, ameixa madura, especiaria da barrica e nota a carne, vegetal seco (arbusto), e café. Muito bem em boca, sempre cremoso sem perder definição de tanino, acidez média, mas com boa frescura. Novamente fruto encarnado e alguma grafite. (14,5%)

18 B
Quinta dos Murças
Douro Reserva tinto 2013
Murças
Vinha velha com várias castas, e 12 meses em barricas usadas. Aroma e cor muito jovens, todo a cheirar a Douro, fruto negro e azul, urze e esteva, com boa definição e pureza e percepção de frescura. A prova de boca confirma o perfil fresco, acidez bem presente, novamente fruto azul e sensação a mato. (14,5%)

17,5 B
Chocapalha Vinha Mãe
Reg. Lisboa tinto 2013
Casa Agr. das Mimosas
Tinta Roriz, Touriga Nacional e Syrah. Aroma jovem e potente, como é habitual nesta marca, com especiaria doce, nota a papel, sementes, fruto encarnado, e chocolate ao fundo. Intenso em boca, camadas de tanino, muito boa frescura geral, termina fino, apesar da juventude. (14,5%)

17,5 B
Grande Rocim
Alentejo Reserva tinto 2013
Rocim
Alicante Bouschet, com estágio longo em barrica. Aroma jovem e com perceção de potência, perfil balsâmico, toque canforado e a tijoleira molhada, leve vegetal e barrica ao fundo. Prova mentolada em boca, referência a chocolate preto, directo e eficaz, confirma a vertente da potência. Final amplo e granulado, com acidez vincada. (15%)

17,5 A
Incógnito
Reg. Alentejano tinto 2013
Cortes de Cima
Syrah. Aroma com boa evolução e muito composto. Nota de fruto negro, já com leves licorados, nota a azeitona, pimenta preta, boa complexidade geral. Prova de boca macia, e pronto a beber, saboroso e suculento, longo e retendo boa acidez, temos um tinto exemplarmente desenhado que proporciona muito prazer. (14%)

17,5 B
Palácio da Bacalhoa
Reg. Península Setúbal tinto 2013
Bacalhoa Vinhos de Portugal
Maioria de Cabernet Sauvignon, mais Merlot e Petit Verdot. 19 meses em barrica nova. Aroma de perfil bordalês em ano quente, ataque balsâmico, moca e café, ameixa madura, terra húmida, turfa, barrica ao fundo. Muito tanino em boca, denotando boa juventude, acidez bem presente a equilibrar um vinho generoso na entrega e gastronómico. (14,5%)

17,5 A
Quinta da Leda
Douro tinto 2013
Sogrape Vinhos
18 meses em barrica, metade nova. Notas a fruta encarnada marcam o nariz, ervas frescas também, boa evolução geral, com alguma percepção de frescura, apesar da barrica evidente. Prova de boca que começa por revelar tanino vivo, confirmando-se o perfil fresco, nota a chocolate preto, e referência a bosque e arbusto típico da marca. Termina macio e longo. (13,5%)

17,5 C
Quinta das Bágeiras
Bairrada Garrafeira tinto 2013
Mário Sérgio Alves Nuno
Aroma a denotar juventude, mas também um perfil levemente rústico, com notas a fruto encarnado, leve couro, e tijoleira. Prova de boca com frescura, acidez impecável, tanino firme e quase rugoso, muito sabor a bagas esmagadas. Caracteriza-se pela vibração e frescura, directo e muito gastronómico. (13,5%)

17,5 B
Quinta de S. José
Douro Reserva tinto 2013
João Brito e Cunha
Aroma aprumado e com boa exuberância, bastante tosta da barrica, fruto encarnado, esteva, chocolate e doce de leite, tudo em camadas. Amplo e lácteo em boca, saboroso, com tanino fresco e de filigrana, apresenta muita saúde, e revela-se atractivo, consistente e versátil. (14%)

17,5 A
Tapada do Chaves
Alentejo Reserva tinto 2013
Tapada do Chaves
Aragonez, Trincadeira, Alicante Bouschet. 12 meses em barrica de carvalho português e francês. Nota clássica com referências licoradas evidentes, morango maduro, café, vegetal seco, e fumados. Pronto a beber em boca, com taninos cooperantes e saborosos, perfil morno e balsâmico, sem perder o lado clássico e a apetência gastronómica. (15%)

17 A
Marias da Malhadinha
Reg. Alentejano tinto 2013
Herdade da Malhadinha Nova
Alicante Bouschet e Tinta Miúda maioritariamente. 28 meses em barrica nova. Começa austero no nariz, abrindo para fruto muito maduro, em camadas, nota a café com leite, moka, caramelo, tomate seco, e figo. Prova de boca com muito fruto, tanino apertado, acidez vincada, final granulado e levemente seco. (15%)

17 B
MOB
Dão tinto 2013
Moreira, Olazabal e Borges
Touriga Nacional, Alfrocheiro, Jaen e Baga. Aroma com boa evolução, fruto encarnado evidente, caruma, bosque e floral fresco ao fundo. Mais fino em boca do que o nariz fazia prever, taninos macios e saborosos, meio corpo, muito fluído, termina ágil e leve, todo em elegância. Perfeito para a mesa. (12,5%)

17 A
Scala Coeli
Reg. Alentejano Reserva Alicante Bouschet tinto 2013
Fundação Eugénio de Almeida
15 meses em barrica nova. Aroma potente e latente, com nota a ameixa madura, tomate seco, ervas secas (orégãos), figo, e azeite balsâmico. Redondo em boca, saboroso, sente-se a barrica luxuosa, apesar do tanino algo seco e acutilante. Final de boca novamente em sabor, com referências a café, azeitona e baunilha. (14%)

16,5 B
Casa de Santar Vinha dos Amores
Dão Touriga Nacional tinto 2013
Casa Agr. de Santar
Aroma por ora ainda marcado pela barrica, floral maduro (violeta) e tinta-da-china ao fundo. Prova de boca em linha, com nota a floral fresco e chocolate amargo, tanino acutilante, termina com citrino maduro e referência especiaria exótica. Pode crescer em garrafa, sendo melhor à mesa nesta fase. (14%)

16,5 A
Ribeiro Santo Excellence
Dão Grande Escolha tinto 2013
Magnum Carlos Lucas Vinhos
Aroma intenso, com notas a fruto azul, couro, e alguma especiaria doce da barrica, floral ao fundo e fruto seco. Prova de boca lácteo e com sabor, conjunto macio, com acidez presente, perfil mais cítrico do que o nariz faria prever, termina amplo, mas com leve secura. (14%)

(Artigo publicado na edição de Março de 2023)

Grande Prova: No doce mundo dos Colheita Tardia

Prova Colheita Tardia

Os Colheita Tardia são vinhos doces não fortificados, o que os difere dos Porto, Madeira e outros licorosos, onde para preservar o açúcar natural acumulado nas uvas, a fermentação é interrompida por adição de aguardente. No caso dos Colheita Tardia o próprio nome explica, em parte, a forma como o vinho é obtido. As uvas […]

Os Colheita Tardia são vinhos doces não fortificados, o que os difere dos Porto, Madeira e outros licorosos, onde para preservar o açúcar natural acumulado nas uvas, a fermentação é interrompida por adição de aguardente. No caso dos Colheita Tardia o próprio nome explica, em parte, a forma como o vinho é obtido. As uvas são colhidas mais tarde, entrando em processo de desidratação, concentrando o açúcar e modificando os aromas.

Na história da humanidade, os vinhos doces eram muito apreciados em vários períodos a começar pela Roma Antiga – Vinum Dulce, Vinum Diachytum e Passum – feitos de uvas com maior ou menor grau de passificação.

Existem várias técnicas que permitem promover a desidratação dos bagos. A mais simples –  passerillage – é deixar as uvas secarem na vinha. Cessa a ligação vascular entre a videira e o bago e a água começa a evaporar. Este processo pode ser acelerado, torcendo os caules dos cachos.

Outra forma é colher as uvas mais cedo e deixar secar ao sol, como fazem na Toscana para produzir Vin Santo ou em Jura para o Vin de Paille. Assim preservam-se melhor os ácidos do bago, mas alguns aromas degradam com a temperatura. O Eiswein na Alemanha e Áustria ou Icewine no Canadá é o extremo de colheita tardia – as uvas ficam na vinha até congelarem com temperaturas negativas. A vindima ocorre em Janeiro, resultando em mostos altamente concentrados em açúcares. E finalmente, a forma mais difícil e sofisticada de fazer o vinho doce é usando as uvas afectadas pelo fungo Botrytis cinerea, chamada “podridão nobre” que só é possível em condições muito específicas. O Botrytis também pode ser induzido quer antes, quer depois de vindima e estudos confirmam que em ambas as situações, o fungo cumpre a sua função de transformação profunda da composição dos bagos.

O início dos vinhos botritizados é associado à região de Tokaj na Hungria, onde os primeiros registos datam de 1560. Os vinhos ganharam notoriedade em XVII e XVIII e hoje o Tokaji Aszú é um dos mais famosos vinhos doces no mundo.

A Alemanha também contribuíu para o desenvolvimento de vinhos botritizados, ocorrendo a primeira experiência em 1775 por mero acaso. O dono da propriedade Schloss Johannisberg, em Rheingau, esqueceu-se de dar ordem para vindima e as uvas acabaram por ficar afectadas pela podridão nobre. A região de Sauternes, em Bordeaux, é outro exemplo clássico, onde, segundo reza a história, o primeiro vinho botritizado também foi feito por acaso em 1815.

Prova Colheita tardia

Podridão sim, mas nobre!

Vinhos produzidos com a ajuda involuntária do fungo Botrytis cinerea é o fenómeno mais espantoso que existe no mundo vitivinícola. É um fungo patogénico, normalmente temido pelos viticultores dada a sua natureza extremamente danosa quando ataca as uvas. Provoca podridão cinzenta. Mas em condições certas, na altura certa, revela o seu alter ego – podridão nobre, actuando de forma benevolente e preparando a matéria-prima para os vinhos únicos.

Se o fungo é o mesmo, quando e como o lado bom de Dr. Jekyll domina o carácter sombrio de Mr. Hyde?

Há vários factores em jogo: meso- e microclima apropriado durante o tempo necessário; castas com determinadas características (em termos de maturação, anatomia do bago e cacho, produção de fitoalexinas em reação ao stress biológico etc.); e maturação total de uva na altura da invasão de Botrytis.

Numa situação ideal, as noites húmidas e nevoeiros matinais permitem o desenvolvimento do fungo, enquanto os dias solarentos e secos travam a sua evolução e ajudam a evaporação da água e desidratação dos bagos. E assim, repetidamente durante 2-4 semanas. No tempo demasiado chuvoso com pouco sol, as uvas não secam e outros microorganismos juntam-se à festa. Se, pelo contrário, o tempo permanecer muito seco, o desenvolvimento do fungo-maravilha é comprometido e o seu impacto benéfico fica sem efeito.

É facil concluir que só em alguns terroirs as condições ideais se verificam com a frequência comercialmente viável. O exemplo clássico é Sauternes e comunas adjacentes (Barsac, Cérons, Louipac, etc.) localizadas na proximidade do rio Garonne e o seu afluente Ciron de águas frias, alimentados por nascentes, onde o contraste da temperatura das águas é responsável pelo mesoclima. E mesmo nestes locais, com as alterações climáticas, hoje  tudo se torna mais imprevisível.

 

O papel do Botrytis

O Botrytis sinerea penetra o bago através de mircrofissuras na pele e começa a batalha enzimática entre a planta e o fungo. A película fica macerada e mais fina, funciona como uma esponja, facilitando a evaporação da água; o bago diminui em tamanho até 5 vezes, o que explica a concentraçã dos açúcares. Isto provoca o aumento da pressão osmótica no meio e o fungo acaba por morrer. A vindima tem de acontecer no momento certo e, como a evolução do fungo nos cachos é muito díspar, obriga a várias passagens na vinha.

Curiosamente quando B. cinerea coloniza as uvas, o fungo tende a ser dominante e a quantidade de outros fungos diminui drasticamente. Aliás, quanto mais pura for a colonização de botrytis, melhor será a qualidade do vinho. Entretanto, as bactérias acéticas são bem presentes nas uvas afectadas pelo botrytis e não perdem a oportunidade de participar no processo, sendo muitas vezes responsáveis pela alta produção de ácido acético.

A presença do fungo altera significativamente a composição do bago com forte impacto na vinificação e, sobretudo, nas características organolépticas do vinho. A textura extremamente cremosa e macia dos vinhos botritizados deve-se ao glicerol abundante, podendo a sua concentração ser superior a 20 g/l.  Alguns precursores aromáticos não existem nas uvas sãs, sendo criados pela acção da podridão nobre e outros ficam dramaticamente ampliados. A desidratação favorece a acumulação de compostos terpénicos (responsáveis pelos aromas florais, frutados e tabaco) enquanto a presença de B. cinerea facilita o seu desprendimento  dos precursores através das enzimas presentes no mosto.

Tióis voláteis estão também bem presentes nos vinhos botritizados e conferem aromas típicos de casca de limão, toranja e maracujá. Variadíssimos tipos de lactonas benefeciam os vinhos de podridão nobre com aromas de damasco e pêssego, caramelo, notas mentoladas, aromas de coco em certos casos, sobretudo se o vinho tiver estágio em madeira, reforçando o tal famoso aroma de laranja cristalizada. O sotolon, responsável pelos aromas de caril, feno-grego e nozes, frequente nos vinhos do Porto e Madeira devido ao seu envelhecimento oxidativo, também foi identificado em Sauternes.

Outros compostos aromáticos muito importantes em vinhos botritizados são os benzaldeído e furfural com aromas amendoados, e fenilacetaldeído (não encontrado em uvas ou mostos sãos), com aroma de mel e cera de abelha. Os álcoois superiores como o feniletanol juntamente com o seu éster feniletil acetato também são compostos associados aos vinhos botritizados, conferindo o aroma de rosas. O cheiro a cogumelo pode ser identificável em alguns vinhos. Geralmente, os vinhos de uvas desidratadas caracterizaram-se por um maior teor de compostos com aromas a fruta fresca, enquanto a podridão nobre induz a maior complexidade aromática.

Castas e vinificação

Entre as castas mais utilizadas para colheitas tardias com podridão nobre estão Sémillon e Sauvignon Blanc em Sauternes e Barsac, Riesling no perfil Beerenauslese e Trockenbeerenauslese na Alemanha e Áustria, Furmint nos famosos Tokaji Aszú da Húngria, Riesling, Gewurztraminer, Pinot Gris e Muscat em Vendange Tardive da Alsácia. Curiosamente, não são todos de película fina: algumas castas, como a Furmint ou a Gewurztraminer têm a película grossa, mas demonstram a susceptibilidade à podridão nobre.

Em Portugal utiliza-se muito a casta Sémillon, sobretudo no Douro sob a sinonimia Boal (não confundir com o Boal da ilha da Madeira que é a Malvasia Fina no continente). Arinto e Fernão Pires também são opções. No Dão, Encruzado em parceria com Malvasia Fina e, na Casa de Santar, com Furmint. Viognier entra no lote da Quinta da Folgorosa e Falcoaria (Manuel Lobo reconhece uma grande textura que esta casta confere ao vinho). Casa de Vilacetinho, nos Vinhos Verdes, aposta no Avesso e faz um colheita tardia com carácter muito particular. Na Herdade da Malhadinha Nova optaram por utilizar uma outra casta francesa, Petit Manseng.

A vindima das uvas com Botrytis é muito exigente. A selecção na adega é extremamente rigorosa – é preciso separar os cachos (ou uma parte deles) bem afectados pela podridão nobre, mas livres de outro tipo de podridões (branca ou preta) – conta Jorge Moreira, responsável de enologia na Real Companhia Velha. O enólogo Pedro Baptista da Fundação Eugenio de Almeida também frisa que tiram para fora os cachos em passa.

Devido à grande viscosidade, o mosto lágrima não pode ser obtido das uvas botritizadas. A prensagem tem de ser forte para conseguir extrair sumo e a separação de mostos é importante. Quando se trata das uvas saudáveis, o mosto lágrima e de primeira prensagem são os mais ricos em açúcar, mas nas uvas com podridão nobre é ao contrário: a maior concentração de açúcar só se consegue nas últimas fracções da prensa. “Prensamos como se fosse para o vinho tinto – explica Jorge Moreira – o mosto sai castanho a lembrar lama e depois da clarificação fica dourado.” A melhor prensa para isto é a antiga prensa vertical hidráulica. O enólogo Manuel Lobo conta que quando resolveram avançar com Colheita Tardia, tiveram de arranjar uma.

A fermentação é outra luta. O alto teor de açúcar é o primeiro obstáculo que dificulta o processo pela sua alta pressão osmótica prejudicial às celulas das leveduras. Como se não bastasse, o B. cinerea produz substâncias com propriedades antifúngicas, limitando o crescimento da população das leveduras e esgota os nutrientes, como o azoto, por exemplo, que são necessários para a sua actividade. Por estas razões, a fermentação é muito lenta, dura cerca de 3-4 semanas, podendo variar entre os lotes, e tem de ser monitorizada por perto para evitar a paragem ou que o vinho fique desequilibrado (muito álcool e pouco açúcar ou, ao contrário, muito açúcar e álcool baixo). A fermentação é parada no momento desejado com frio e adição de sulfuroso para cessar a actividade das leveduras.

A mais alta acidez volátil dos vinhos botritizados pode ter várias origens. As primeiras responsáveis são bactérias acéticas presentes nas uvas, que podem ter “ajuda” acidental das bactérias lácticas no mosto e, finalmente, as próprias leveduras a trabalhar na fermentação em condições pouco favoráveis também podem produzir mais acidez volátil. Por esta razão, o limite de acidez volátil para colheitas tardias é mais alto do que para outros vinhos. No caso de um branco ou um rosé novo e fresco, isto seria um desastre, mas nos Colheitas Tardias acidez volátil um pouco mais alta fica contextualizada na matriz aromática e até acrescenta complexidade.

Prova Colheita tardia Prova Colheita tardia

Colheita Tardia em Portugal

Em Portugal a tradição de vinhos doces prende-se mais com os vinhos fortificados e nesta matéria não há outro país igual no mundo. Por termos uma grande oferta destes, os Colheita Tardia não fazem parte da tradição nacional. É uma corrente mais recente.

Mas existe um Colheita Tardia histórico – o Grandjó da Real Companhia Velha. Parece incrível que no Douro, no início do século passado alguém se tenha lembrado de produzir um vinho branco doce a partir da casta Sémillon e ainda contratar um professor de Bordéus, J.Laborde para ensinar a fazê-lo. Foi o que aconteceu na Real Companhia Velha em 2010. E em 1912 foi registada a mais antiga marca da empresa (e do Douro) a Grandjó – da junção dos nomes Granja e Alijó.

O sucesso comercial, infelizmente, levou à diminuição da qualidade do vinho até ao seu desaparecimento na década dos anos 60. A produção só foi retomada a partir de 2002 sob supervisão do reputado enólogo da California, Jerry Luper. A seguir vieram colheitas de 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008.

Em Portugal não é fácil encontrar um local onde se verifiquem as condições certas para o desenvolvimento da podridão nobre. No caso do Grandjó, a vinha com Sémillon fica a 600 metros de altitude no planalto do Alijó, com humidade matinal e dias solarentos. Mas com o aquecimento global, o clima torna-se cada vez mais quente e seco, não deixando que a podridão nobre se instale – lamenta Jorge Moreira. Se na primeira década do século foi possível produzir o Grandjó quase todos os anos, na segunda década só existe Grandjó de 2013 e fizeram também em 2020 apenas 700 litros (o que não chegará a 2000 garrafas de 350 ml). Tentam fazer todos os anos, deixam uvas na vinha e sem resultado.

Precisamente por ser difícil, são poucos os produtores que insistem em fazer Colheita Tardia com uvas afectadas pela podridão nobre. Pedro Baptista confirma que na Fundação Eugénio de Almeida também tentam fazer todos os anos, mas só se consegue em alguns.

Na Quinta do Casal Branco, na região do Tejo, a proximidade do rio em certos anos cria condições para o desenvolvimento do Botrtytis. Manuel Lobo que presta consultadoria enológica na propriedade do seu tio, contou que o ano chuvoso de 2014 deu origem ao primeiro Falcoaria doce. Houve umas parcelas que ficaram para trás e quando se descobriu os cachos afectados, instalou-se o pánico – as uvas apodreceram!  Felizmente, não era a podridão cinzenta, era a sua versão nobre. Manuel Lobo convenceu o seu tio e a equipa a avançar com um Colheita Tardia. Foi um ensaio à escala real. O Falcoaria de 2014 saiu muitíssimo bom e em 2016 ficou ainda mais afinado e elegante.

A dificuldade e carácter imprivisível associados aos vinhos botritizados levam a que a maior parte das empresas produz Colheita Tardia com uvas sãs, apanhadas mais tarde.

Uma estratégia diferente foi seguida na J. Portugal Ramos. Ali optaram por replicar as condições de produção de icewine – as uvas colhidas ficam na câmara frigorifica com temperaturas negativas (cerca de -8ºC). Pela lei da física, só congelam as uvas com menor concentração de açúcar. Posteriormente são prensadas rapidamente, dando origem a um mosto com uma riqueza enorme em açúcares. Segue-se a fermentação e estágio em barrica de carvalho francês e húngaro. Para manter o perfil que pretendem, o vinho final é um lote de várias colheitas de 2017 a 2020.

Os Colheita Tardia não podem (e não devem) ser baratos devido aos altos custos de produção e rendimentos extremamente baixos. O bago desidratado produz pouco sumo. Em Sauternes, por exemplo, o rendimento não ultrapassa 25 hl/ha e no caso de Château d’Yquem é apenas 9 hl/ha. Jorge Moreira refere que para a produção do Grandjó são necessários 7 kg de uva para obter um litro de vinho. Já para não falar nas uvas estragadas nas tentativas que não foram bem-sucedidas.

Embora a legislação europeia estabeleça como o limíte mínimo para um vinho ser considerado doce 45 g/l de açúcar, o teor de açúcar dos Colheita Tardia em Portugal varia entre 80 e 160 g/l aproximadamente. É claro que com esta doçura, a vertente acídica assume uma responsabilidade acrescida de assegurar o equilíbrio. Os estilos variam dos mais concentrados, com açúcar e acidez proeminentes até as versões mais leves com menos corpo, doçura e estrutura.

Prova Colheita tardia

Sugestões de harmonização

Uma das harmonizações clássicas para Colheitas Tardias é foie gras, mas as generalizações por vezes falham. Nem todos os Colheita Tardia são um par perfeito para esta iguaria. Para combinar um produto tão intenso de sabor e com alto teor de gordura é preciso assegurar uma intensidade e concentração no sabor do vinho com acidez alta. Isto automaticamente exclui os colheita tardia mais leves (mesmo que tenham uma boa acidez, ficam em “categorias de peso” diferentes em termos de sabor e concentração) e os mais doces que tendo muita concentração, não conseguem oferecer o equilíbrio necessário a nível de acidez e a junção de untuosidade com untuosidade pode ser excessiva.

O sommelier dos restaurantes JNcQUOI, Ivo Peralta, vê Colheita Tardia como vinho de sobremesa quando os vinhos fortificados são demasiado fortes em virtude do álcool mais elevado. Sobremesas com cremes e natas, por exemplo, ou com fruta (que tem sempre um componente ácido que pede uma acidez mais presente no vinho).

Do mundo dos queijos, o Roquefort é outra combinação clássica. O queijo de cabra curado também pode ser uma opção. Ivo Peralta sugere experimentar um Colheita Tardia com queijo de cabra e compota de alperce. Pessoalmente, aprecio o queijo de São Jorge curado com bons Colheita Tardia, onde o salgado e o picante do queijo é harmonizado pela cremosidade e doçura do vinho. E os melhores Colheita Tardia convidam à meditação, dispensando o acompanhamento. Sendo doces, não se tornam enjoativos. É uma doçura intelectual. São viciantes pela sua envolvência que apraz o palato, deixando uma frescura no fim, estimulando a repetir esta experiência sensorial.

(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2023)

Grande Prova: Lisboa, a magnífica

Provados quase 40 vinhos brancos, assentes em diferentes combinações de castas e elaborados segundo conceitos de vinificação muito diversos, não nos restam quaisquer dúvidas: Lisboa é “the next big thing”. Uma região singular, de perfil atlântico, capaz de produzir brancos personalizados e vibrantes, dentro do que de melhor se faz em Portugal. Texto: Nuno de […]

Provados quase 40 vinhos brancos, assentes em diferentes combinações de castas e elaborados segundo conceitos de vinificação muito diversos, não nos restam quaisquer dúvidas: Lisboa é “the next big thing”. Uma região singular, de perfil atlântico, capaz de produzir brancos personalizados e vibrantes, dentro do que de melhor se faz em Portugal.

Texto: Nuno de Oliveira Garcia      Fotos: Ricardo Palma Veiga

Ensina-nos a geografia que Portugal Continental é um território disperso verticalmente ao longo do Oceano Atlântico, com o norte e o sul a distarem mais entre si do que o este e o oeste. No que respeita a regiões vitivinícolas, porém, a longitude, e a respetiva distância ao mar, fazem a diferença quanto a perfis de vinho. No nosso país temos, como regiões essencialmente costeiras — ou seja, aquelas cujos vinhedos distam um máximo de 40 quilómetros do oceano, e com um clima maioritariamente influenciado por essa proximidade — a região dos Vinhos Verdes, a Bairrada e Lisboa. E, destas três, é a região de Lisboa aquela que é a mais marcada por essa proximidade marítima. Com efeito, enquanto a região dos Vinhos Verdes é distinta pela sua localização no extremo norte do país (e pela circunstância de produzir vinhos a partir de um conjunto limitado de castas, algumas pouco ou nada difundidas fora do seu território), e a Bairrada é destacada pelos seus característicos solos argilo-calcários, o que mais demarca a região de Lisboa é mesmo a proximidade de toda a região ao mar.

E o que essa proximidade traz a uma região extensa, de Carcavelos quase até Pombal? Em primeiro lugar, essa cercania ao oceano aporta um clima temperado, com temperaturas mediterrânicas no Inverno e amenas no Verão, e uma pluviosidade muito acima da média nacional. Francisco Bento dos Santos, à frente da Quinta do Monte d’Oiro, menciona-nos que é raro existirem temperaturas muito quentes no verão (“raramente acima dos 31ºC” diz-nos) sendo que as noites frias, com bastante humidade e vento permanente, estão sempre presentes. Assim, obtém-se maturações muito lentas e completas, boa conservação da acidez, o que, por regra, quer significar uma preservação dos aromas das castas, e bom potencial de guarda.

A proximidade ao mar proporciona também, ou melhor, explica, a existência de alguns dos melhores solos para vinhos brancos, seja os calcários com argila, muitos do período jurássico (que se encontram em Bucelas, mas também de origem atlântica no perfil ‘Kimmeridgiano’, entre Arruda dos Vinhos e Torre Vedras), seja a areia livre de filoxera (em Colares e Carcavelos). A orografia da região também beneficia a produção de vinho de qualidade, com a existência de encostas não acentuadas que permitem, simultaneamente, solos bem drenados e uma atividade vitícola sem grandes dificuldades de logística. Por tudo isto, e com castas bem-adaptadas, as produções de uva e vinho na região são genericamente altas, o que ajuda a rentabilidade dos vários projetos. Como nos confidenciou Diogo Lopes, enólogo em várias regiões (e na região de Lisboa há quase uma década e meia), “em Lisboa é possível uma viticultura com produções muito interessantes, raras até noutras regiões, sobretudo com este binómio de qualidade/produtividade, o que é decisivo para que toda a fileira, desde logo os viticultores que são devidamente recompensados e, assim, podem colocar mais investimento na produção”.

EXPORTAÇÃO DETERMINANTE

Mas serão estes factores naturais que explicam, por si só, o recente sucesso da região? Para aventarmos uma resposta, precisamos de compreender melhor o que é região de Lisboa. Em números, fornecidos pela CVR, temos cerca de 2000 viticultores e mais de 300 operadores económicos (entre produtores e engarrafadores) espalhados por 10 mil hectares de vinha certificada para IGP e DOC. Mas talvez o dado mais relevante seja o facto de, só nos últimos 5 anos, as vendas terem duplicado, alcançando-se a cifra anual de 65 milhões de garrafas. Igualmente de destaque temos a circunstância de essa produção ser exportada num total de 80%, número muitíssimo significativo mesmo comparado com o de outras regiões tradicionalmente exportadoras. É, ainda nesse sentido, paradigmático que, se retiramos da equação a exportação de vinho do Porto, uma em cada três garrafas que saem de Portugal para o estrangeiro terem origem na região de Lisboa…

O que explica tudo isto? Um dos factores na base do sucesso é a reestruturação das vinhas operada nos últimos 15 anos. Com efeito, enquanto a marca Lisboa se impunha, houve um trabalho laborioso de reestruturação de vinha, introduzindo novas castas, substituindo vinhas, e plantando-se mais uva branca. Com tudo isto, o manuseamento da vinha também melhorou muito, surgiu uma cada vez melhor abordagem de cada casta, e os profissionais são hoje mais conhecedores da sua região do que nunca. Não espanta, assim, que a produtividade da região se tenha mantido em bons níveis conjugadamente com um aumento da qualidade dos seus vinhos. Actualmente, nos brancos, as uvas Fernão Pires e Arinto dominam o encepamento, acompanhadas por Moscatel Graúdo e Chardonnay, a casta estrangeira mais representativa (talvez por o solo e o clima poderem lembrar, em alguns terroirs, a Borgonha). Ainda no mesmo tema é crescente a revitalização de castas autóctones, como seja a Malvasia de Colares, mas também a Vital e a Jampal, sendo de elogiar a fantástica adaptação da variedade Viosinho (muito habitual nos lotes do Douro) que contribui com excelentes vinhos em estreme ou em blend. Nas internacionais, a par da referida Chardonnay que está há muito na região, encontramos ainda Sauvignon Blanc, Viognier e Marsanne, todas com óptimos resultados.

Outra razão de sucesso relaciona-se com a valorização da marca Lisboa, sobretudo junto da exportação. Com a denominação Lisboa, e com a crescente fama que a capital portuguesa tem agraciado no turismo mundial, podemos afirmar que o prestígio da região é maior fora do país do que dentro. A isso ajuda uma relação preço-qualidade muito competitiva e um perfil moderno e fresco, onde a acidez está sempre muito presente, sobretudo nos vinhos brancos.

Grande Prova LisboaPERFIL DE FRESCURA

Certo é que esse perfil sempre existiu, fosse nos brancos clássicos de Colares e Bucelas ou, mais a norte, com os brancos de Óbidos (por exemplo nas clássicas Casa das Gaeiras ou Quinta das Cerejeiras). Produtores como Quinta de Pancas (brancos e tintos), Fonte das Moças (sobretudo tintos) e Quinta do Rol (em especial nos espumantes) foram esteios de qualidade ao longo dos anos para a região que viu ainda a sua fama consolidada por projectos ambiciosos como Quinta do Monte d’Oiro, Quinta da Chocapalha ou Quinta do Gradil, produtores que contribuíram com o lançamento de vinhos de grande qualidade, muitos deles com preços então pouco habituais para a região. Em Colares e Bucelas, apesar de alguma estagnação na segunda metade do século passado, o perfil refrescante e estaladiço dos seus vinhos brancos sempre se manteve, graças a produtores como Chitas (família Bernardina Paulo da Silva), Adega de Colares, Caves Velhas, Quinta do Avelar e Companhia das Quintas. Outro aspecto relevante é a chegada de uma nova vaga de produtores em toda a região, existindo hoje uma multiplicidade de marcas nunca vista. Actualmente, Lisboa é uma região que mostra uma vitalidade única, com produtores jovens, independentes e destemidos, que apresentam ao mundo os seus vinhos frescos e vibrantes, em muitos casos biológicos e de baixa intervenção. E surpreenda-se o leitor ao saber que esses mesmos produtores vendem os seus vinhos nas melhores garrafeiras de Madrid, e nos melhores restaurantes de Barcelona e até de Nova Iorque. Podemos resumir este fenómeno utilizando as palavras do enólogo Bernando Cabral (que assina em Bucelas o vinho Murgas) segundo o qual, Lisboa é, hoje, uma das regiões portuguesas “com mais mundo”. Ao mesmo tempo, a região abraçou players de dimensão significativa, caso, entre outros da DFJ, Casa Santos Lima, Parras ou Adega Mãe, empresas que dão músculo financeiro à região e consolidam tendências. No mesmo sentido, Francisco Bento dos Santos sustenta que “actualmente a região tem já projectos de todos os tipos, mas todos eles com imagem moderna e atractiva, credibilidade técnica e qualidade nos vinhos produzidos. O mercado já vê Lisboa com outros olhos…”. E isso comprova-se quando falamos de certificação pois, tratando-se esta de uma prova de vinhos com ambição, de preço médio/alto, estiveram presentes muitos vinhos orgulhosamente com indicação da respectiva DOC (Arruda, Bucelas, Colares, Óbidos…), mas mais de 90% do vinho certificado é mesmo IGP Lisboa, a “marca” institucional de maior impacto.

 

DO MELHOR DE PORTUGAL

Apesar da região ainda produzir mais tinto, não temos dúvidas que parte significativa do seu território é (mais) propícia para brancos e, em alguns terroirs, até mesmo para espumantes. A já referida temperatura média anual amena, os mencionados solos de areia e calcários, e utilização de castas com boa acidez (os estudos prévios sobre as melhores castas estão a dar resultados a cada dia que passa) apontam claramente para a produção de brancos excitantes, tensos e cítricos. Em alguns casos tal assunção não é sequer uma novidade, como sucede em Bucelas —demarcada em 1911 e onde DOC só pode ser branco — e em Colares — demarcada em 1908, onde a Malvasia (de Colares), mais a mais sem recurso a porta-excerto americano — é rei no seu estilo salino, vibrante e muitas vezes longevo. Na mesma medida, não deixa também de ser curioso encontrar na literatura antiga referências várias a grandes brancos de Torres Vedras…. Por isso já não é novidade afirmar que alguns operadores estejam a substituir videiras de uva tinta por branca, sobretudo nas DOC mais atlânticas onde menos incide a influência quente do estuário do Tejo e da lezíria ribatejana (nas zonas protegidas a oeste e norte pela Serra de Montejunto o clima é necessariamente mais seco). Com efeito, na região de Lisboa, um pouco em redor da conhecida autoestrada A8, o território é marcado por uma paisagem verdejante e ondulante, na qual raramente existem fenómenos de seca ou calor extremo, condições vantajosas para os vinhos brancos. Como nos referiu Aníbal Coutinho, produtor na região há mais de uma década, existe em Lisboa “uma riqueza de microclimas em relevos muitos variados, nos quais a maturação das uvas pode mudar bastante em poucos quilómetros”. Diogo Lopes é assertivo e conclui: “acredito verdadeiramente que Lisboa será uma das grandes regiões de brancos de Portugal”, e Daniel Afonso, o homem à frente do projeto-nicho Baías e Enseadas, é ainda mais categórico ao afirmar que “Lisboa pode vir a ser melhor região de brancos em Portugal em poucos anos”.

Pois bem, tudo o que se escreveu acima sobre a região, sobretudo respeitante à propensão para brancos frescos e tensos, foi confirmado no copo de prova, com a análise a 37 vinhos.  De diferentes colheitas e com diferentes idades (os mais antigos: um de 2012, outro de 2013 e dois de 2016), todos se revelaram em forma com a acidez (em muitos casos acima dos 7 gr. por litro) a servir de espinha dorsal nos lotes. A expressão cítrica, e por vezes com referências minerais, foi também uma constante, numa prova global fantástica com uma dezena de vinhos a mostrarem-se ao melhor nível nacional. Venha daí!

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2023)

 

Grande Prova: Douro tinto – A classe de uma região sem igual

Grande Prova Douro

É impressionante, como o Douro consegue ser uma das regiões mais completas no mundo. A fama dos Porto não impediu que a região crescesse enormemente na dimensão dos vinhos não fortificados. Os DOC Douro, e em particular os seus tintos, são hoje uma referência nacional e mundial. E como como a nossa prova o demonstra, […]

É impressionante, como o Douro consegue ser uma das regiões mais completas no mundo. A fama dos Porto não impediu que a região crescesse enormemente na dimensão dos vinhos não fortificados. Os DOC Douro, e em particular os seus tintos, são hoje uma referência nacional e mundial. E como como a nossa prova o demonstra, mais uma vez, a diversidade de estilos é acompanhada por um nível de qualidade ímpar.

Texto: Valéria Zeferino   Fotos: Ricardo Palma Veiga

Desde a demarcação de 1756, praticamente tudo girava à volta do vinho do Porto (chamado na altura “vinho de embarque”, mesmo não sendo aguardentado ainda) que deu a fama à região e era uma grande fonte de rendimento para a economia nacional. Ainda nos anos 30 do século passado, o vinho do Porto representava 75% das receitas do sector do vinho português.

Os vinhos não fortificados eram produção residual e tinham designações pouco apelativas, quase de desprezo, como “vinhos de pasto” ou “vinhos de consumo”, não ostentando nem denominação de origem, nem  regulamentação própria. Isto só aconteceu em 1982, quando “a designação “Douro” ficou reconhecida como denominação vinícola de origem, reservada aos “vinhos de consumo típicos regionais, brancos e tintos, tradicionalmente produzidos na mesma região demarcada que os vinhos do Porto”.

Antes disto existiam algumas marcas de vinhos de mesa. A Real Companhia Velha, por exemplo, tinha Grantom, Granléve e Evel (esta última marca, foi lançada em 1913 e existe ainda hoje) e Real Companhia Vinícola do Norte fazia Marquis de Soveral. Nos rótulos destes vinhos apareciam “tinto especial” ou “vinho maduro tinto” (para distinguir do Verde tinto, claro) e até “garrafeira”, mas nada de referenciar a região. Mesmo os primeiros Barca Velha também eram simplesmente “vinho tinto de mesa”.

A entrada de Portugal para a União Europeia em 1986 e o acesso a fundos comunitários deu o impulso importante aos produtores. A partir dos anos 90 e na viragem do milénio começa a moderna história dos DOC Douro, o que coincide com uma geração de novos enólogos, com formação universitária, talento e ambição e que hoje são bem conhecidos, mas na altura estavam a começar a sua aventura profissional. Jorge Moreira, Manuel Lobo, Francisco Olazabal, Tiago Alves de Sousa, Jorge Borges e Sandra Tavares da Silva, só para nomear alguns, que se vieram juntar aos pioneiros João Nicolau de Almeida ou José Maria Soares Franco, entre outros. Ao mesmo tempo, e na senda de nomes como Quinta da Pacheca ou Quinta do Côtto, aparecem os novos “vinhos de quinta”, como Quinta do Crasto, Quinta do Vale Meão, Quinta da Gaivosa, Quinta Vale D. Maria, Quinta do Vallado, Quinta da Leda, Pintas ou Poeira, muito deles tendo como mentor e impulsionador o visionário Dirk Niepoort.

O sucesso dos vinhos DOC e a crescente procura do consumidor pelos vinhos não fortificados motivaram várias casas produtoras de Porto a iniciarem-se nos vinhos de mesa. É o caso da Niepoort, Ramos Pinto, Quinta do Noval, Poças, Quinta do Vesúvio, entre outros. Mais tarde alguns pequenos produtores que forneciam uvas para o vinho do Porto aderem ao movimento e começam a criar marcas próprias.

Se no início, os vinhos do Douro entraram no palco internacional à boleia dos vinhos do Porto, ao longo das últimas décadas ganharam um lugar cimeiro alicerçado no mérito próprio. Não é de estranhar que, segundo os dados do IVDP, em 2021 a produção de vinhos com denominação de origem Douro tenha ultrapassado a produção do vinho do Porto, com 76.424.479 litros vs. 72.746.586 litros, respectivamente.

Os topos de gama com designações Grande Reserva e equivalentes representam 1,6% dos vinhos comercializados em volume e 5,7% em valor, com um preço médio de 16 euros por litro. Se bem que esta informação é relativa, porque nem todos os topo de gama do Douro ostentam estas designações de qualidade. A começar pelo próprio Barca Velha, mas também Chryseia, Quinta do Vale Meão, Poeira, Quinta do Vesúvio, Quinta da Manoella ou Pintas, entre muitos outros.

O Douro e a mudança

A mudança é inevitável e constante. Mudam as filosofias, práticas de viticultura, abordagens enológicas, hábitos de consumidores e os estilos de vinhos. E no meio disto tudo ainda acontecem as mudanças climáticas e as alterações demográficas na região que condicionam o resto.

Tiago Alves de Sousa, enólogo da nova geração da família Alves de Sousa, explica que nos anos 60 houve uma grande vaga de emigração que reduziu drasticamente a mão-de obra. O Douro precisava de soluções que passaram por mecanização, e acabámos por “adaptar a encosta à máquina”.

Nos anos 80 foi iniciado o chamados PDRITM, um programa de desenvolvimento assente em novas plantações e reestruturações da vinha existente, financiado com fundos comunitários. Mais tarde, passando o entusiasmo, ficou evidente o seu impacto ambiental negativo como a modificação de encostas, a alteração da sua cobertura vegetal e a erosão hídrica, que é um dos efeitos mais graves das plantações do PDRITM.

Há 25 anos as condições e os problemas eram outros: difícil maturação, falta de arejamento na vinha, muitas doenças – conta Jorge Moreira. “Importaram-se uma série de práticas e massificaram-nas rapidamente. A tradicional forma de condução das videiras, Guyot de tronco baixo, foi substituída pelo cordão bilateral ou unilateral. Na altura fazia sentido ter uma grande parede foliar para amadurecer cachos bem expostos. Agora não temos água para tanta folha. E temos de proteger os cachos da radiação solar e calores extremos”, continua o produtor e enólogo de Poeira, La Rosa e Real Companhia Velha. O cordão, devido a orografia e vinhas inclinadas, não permite escolher a exposição, e algumas vinhas apanham sol na mesma face do meio-dia até as 7 da tarde.

Já para Tiago Alves de Sousa, “o cordão é basicamente um painel fotovoltaico: pode ser bom para regiões com baixo nível de insolação, mas nós temos sol a mais. Com uma só camada de folhas o cacho fica mais exposto e vulnerável ao escaldão. No modelo Guyot, a vegetação envolve mais o cacho com 2-3 camadas de folhas e protege melhor.”

Para além disto, a poda em cordão implica muitos cortes na videira que são uma porta de entrada para as doenças do lenho. Exigência de produção e extensão de cordão acaba por esgotar a planta. Muitas vinhas plantadas há 20 anos nunca chegam a ser centenárias.

Alterou-se assim a forma de plantar vinha. Pelos viveiristas foram propagados os enxertos prontos para facilitar a plantação e diminuir a necessidade de mão de obra e o tempo que uma vinha leva a entrar em produção. Mas, dizem vários técnicos, parece que esta prática não ajuda ao desenvolvimento de raízes.  Jorge Moreira descreve que o enxerto americano se regava cerca de 2 anos antes da enxertia, desenvolvia raízes, e esperavam-se mais 3 ou 4 anos para a formação da planta. Agora com rega em 3 anos pomos a planta a produzir. É mais rápido, mas as raízes acabam por não ser bem desenvolvidas e os exertos prontos têm maior tendência para doenças de lenho. Nas vinhas velhas não se encontram tantas.

Os porta-enxertos também são diferentes do tradicional. Segundo Tiago Alves de Sousa os porta-enxertos tradicionais (Rupestris du Lot, chamado “Montícola”) que quebra o xisto, mas induzia vigor vegetativo e a produção não acompanhava, foram substituídos por outros, que são todo-o-terreno e com maior potencial produtivo. As produções por videira duplicaram ou triplicaram, o que altera, naturalmente, as caracteristicas qualitativas das uvas no final da maturação. Para contrariar este efeito e amadurecer cachos mais abundantes, é necessária uma parede vegetativa mais ampla. E chegámos a um círculo vicioso.

Grande Prova DouroOs desafios actuais

Os grandes desafios do Douro, actualmente: situações mais extremas, temperaturas mais altas, invernos mais secos que não repõem os níveis de água no solo e as precipitações mais agrupadas (cai uma grande quantidade de chuva em pouco tempo). A queda de granizo tornou-se numa constante anual. O ano de 2020 – foi continuamente seco, o 2022 também, exemplifica Manuel Lobo, enólogo da Quinta do Crasto. As vinhas velhas aguentaram-se melhor e pela primeira vez viram-se muitas videiras do PDRITM secas, não se sabendo se vão rebentar para o ano.

“A frequência e a duração de ondas de calor aumentou”, acrescenta Tiago Alves de Sousa, – “este ano não foi uma onda, foi uma maré de calor com o impacto forte nas maturações.”

Quando, no final dos anos 90 início dos 2000 se começou a falar da questão da rega, a maioria dos produtores era contra. Discutiam-se várias questões, sociais, económicas, etc., menos a questão técnica. Depois dos anos muito secos como 2015 e 2017, percebemos que temos mesmo de regar, mas outra questão se coloca agora – com que água?

Num mundo ideal, a rega é uma ferramenta poderosíssima, mas a água é um bem cada vez mais escasso. Por outro lado, a rega não é um penso rápido. Há formas de diminuir perdas de água por transpiração, por exemplo, a sombra no próprio solo diminui a evaporação. A plantação com densidade mais elevada também estimula o enraizamento, obrigando a raiz ir ao fundo por falta de espaço ao lado e ter acesso à água durante mais tempo.

Manuel Lobo explica que no Douro Superior, a vinha da Cabreira tem rega instalada que garante homogenidade produtiva e estabilidade qualitativa. Mas a viticultura de precisão é essencial. Usam sondas para obter informação e perceber qual é a capacidade de campo, quanto tempo a água se vai manter no solo e qual é a quantidade disponível para a planta e o consumo da própria planta.

“Não há uma solução universal que sirva para tudo”, – aponta Jorge Moreira. “Se seguirmos uma política mais intensiva na produção, temos que assumir que vamos ter de replantar a cada 20 anos”, refere.

Na casa Alves de Sousa, desde 2014 plantam vinha tradicional com bacelo e porta-enxerto antigo, de alta densidade em Guyot duplo, com co-plantação de castas (cerca de 15) a apontar para 8 mil videiras/ha. Uma espécie de “novas vinhas velhas”. “O factor mão-de-obra não pode ditar-nos como plantar” – defende Tiago. Plantam assim a vinha a pensar nos próximos 100 anos. A zonagem correcta é importante, considera Tiago Alves de Sousa. Há castas que estão plantadas nos sítios errados e em vez de fazer um pouco de tudo em todo o lado, tem de se prestar mais atenção às condições de cada zona específica. Ele também acredita que com desenvolvimento científico e experimental, vão surgir novas oportunidades, como por exemplo, o uso de drones agrícolas.

Vinhas e castas

 A vinha na região do Douro ocupa mais de 43.000 ha, com a maior parte na sub-região de Cima Corgo com mais de 20.000 ha, cerca de 13.000 ha no Baixo Corgo e cerca de 10.000 ha no Douro Superior – dizem-nos os dados mais recentes do IVDP.

As castas tintas mais plantadas no Douro são Touriga Franca que ocupa 23% de plantação, Tinta Roriz com 16,4%, Touriga Nacional com 10,6% e Tinta Barroca com 7,4%.  É um facto que as castas do Douro sempre foram pensadas na óptica do vinho do Porto. Quanto ao estudo de castas, no ultimo relatorio da Estacao Vitivinicola (então já designada por CEVD), elaborado em 1979 pelo Engº Gastão Taborda (o grande responsável pela recuperação da casta Touriga Nacional graças a inúmeros estudos experimentais que realizou sobre as castas do Douro) escreveu: “O número exageradíssimo de castas de uvas para vinho existentes na Região – mais de 130 – constitui um dos problemas mais graves e difíceis de resolver, mas que é preciso encarar a sério, dada a influência que a casta tem na qualidade do Vinho do Porto.”

A pouco e pouco, o universo das 70 castas tintas e 50 brancas foi grandemente reduzido, ao ponto de quase se resumir às 5 castas seleccionadas, que se encontram em maioria no encepamento e formam o blend típico dos DOC Douro (Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinta Barroca e Tinto Cão). E a verdade que as mesmas castas também produzem óptimos vinhos do Douro, complementando-se em qualidades.

A Touriga Franca, basicamente é a coluna dorsal de um lote, dá dimensão e volume. Tem uma película mais espessa, a folha é mais rugosa, o que permite aguentar melhor o stress hídrico e térmico, “só é pena não ter acidez da Touriga Nacional”, diz Manuel Lobo. Tiago Alves de Sousa acrescenta que a Touriga Franca é mais sensível ao stress térmico do que ao stress hídrico. Com o calor, pode chegar até 10-10,5% de álcool provável e de repente pára.  Algumas nem com a chuva recuperam.

Já a Touriga Nacional confere frescura, elegância e também alguma estrutura. É muito flexível na adega. No entanto, exige algum cuidado com exposição solar para evitar que as folhas de base sequem e que fique com aromas sobremaduros. A Tinta Roriz nunca foi consensual. Tem um teor de tanino muito alto e quando produz em demasia, não amadurece bem e é muito dependente do terroir. Por isto raramente tem um papel a solo, mas há excepções, como é o caso da Quinta Nova e da Quinta do Portal, sendo ambos os vinhos excelentes exemplos da casta.

A Tinta Barroca é uma uva precoce, ganha açúcar elevado e perde acidez, ainda por cima, tem pouca cor. É importante para o vinho do Porto de estilo tawny, mas a sua participação nos topos de gama do Douro é muito reduzida. O Tinto Cão é o oposto da Tinta Barroca – casta muito tardia de ciclo longo e preserva bem a acidez; tem tanino notável, produz vinhos com frescura e algum potencial de envelhecimento. No entanto, nem todos os produtores apostam nesta casta. Manuel Lobo, por exemplo, acha que em termos enológicos não é muito interessante, adapta-se melhor para rosés.

As vinhas velhas com castas misturadas ainda se encontram em vários encepamentos no Douro e espelham o notável património varietal da região. E o DOC Douro foi a primeira denominação de origem em Portugal a regulamentar a designação “Vinhas Velhas” (com mais de 40 anos). A Quinta do Crasto foi a primeira no Douro a introduzir a menção Vinhas Velhas no rótulo (até chegou a ser marca registada…) e a produzir e comunicar, desde 1998, os vinhos das centenárias e famosíssimas Vinha da Ponte e Vinha Maria Teresa.

Hoje o Crasto faz tudo para preservar estas vinhas. Manuel Lobo conta que identificaram 54 genótipos na parcela Maria Teresa (com 111 anos). Dispõem da sua base genética e do campo de multiplicação, onde ficam os bacelos. Isto para garantir que quando é necessário substituir uma planta, o mesmo genótipo é plantado na mesma coordenada GPS.

Os vinhos das vinhas velhas são muitas vezes vistos pelo produtor e pelo consumidor como vinhos de qualidade superior pela sua autenticidade e pela história que contam. E nesta prova houve muitos belíssimos exemplos. Entretanto, é preciso lembrar que estes vinhos precisam de uma abordagem correcta nas adegas. Como muitas vezes têm castas com pouca estrutura, não aguentam muito tempo em barrica, sobretudo nova e com muita tosta. Perdem a sua autenticidade e delicadeza. Também tivemos em prova casos destes.

Grande Prova DouroO estilo dos vinhos

O estilo de vinhos no Douro também está sujeito a mudanças. Já passou por uma fase de robustez, concentração e grande extracção. Basicamente, era uma versão seca dos vinhos do Porto. O uso de madeira, até há bem pouco tempo, também era excessivo. Aprendeu-se aplicar o estágio em barrica com parcimónia, e introduziram-se vasilhas de madeira de maior capacidade, para marcar menos o vinho. O momento certo de vindima em função da casta e da parcela tornou-se um ponto essencial. Os vinhos tendem hoje a ser mais frescos, mais leves, com menos extracção e concentração.

Jorge Moreira conta a sua experiência na Quinta de La Rosa e na Real Companhia Velha: “antes a extracção era total e profunda, agora cada vez mais usam bagos inteiros, cachos inteiros, prensam mais cedo, não deixam extrair tanto em macerações longas. Mesmo no seu Poeira, que começou há 20 anos e já na altura era um dos vinhos mais leves, frescos e ácidos do Douro, ele releva a diminuição da extração e acentuar frescura. As alterações no estilo e perfis dos vinhos, no entanto, devem sempre ter em conta as características da região, das suas uvas, do seu clima, do seu solo, no fundo a sua identidade, aquilo que faz os Douro cheirarem e saberem a Douro. “Não podemos exagerar e procurar fazer de um Douro um Borgonha”, alerta Manuel Lobo. E com inteira razão.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2022)

 

Grande Prova: Espumantes de Portugal – A festa é quando alguém quiser

Grande Prova Espumantes

Não é preciso cantar os parabéns ou contar as batidas do relógio para abrir uma garrafa de espumante. Não é o espumante que é o atributo da festa, é a festa que se desenvolve em torno de uma garrafa de espumante, a qualquer momento. Se não há uma razão formal para festejar, o espumante só […]

Não é preciso cantar os parabéns ou contar as batidas do relógio para abrir uma garrafa de espumante. Não é o espumante que é o atributo da festa, é a festa que se desenvolve em torno de uma garrafa de espumante, a qualquer momento. Se não há uma razão formal para festejar, o espumante só por si já é uma, pois o pequeno fogo de artifício no copo traz o ânimo e cria o ambiente. Parafraseando Oscar Wilde, só as pessoas pouco criativas não conseguem encontrar um motivo para beber espumante.

Texto: Valéria Zeferino     Fotos: Ricardo Palma Veiga

A tendência mundial é o aumento do consumo do espumante. É um tipo de vinho que harmoniza com vida, oferecendo menos álcool e mais alegria, cativando as fracções mais jovens de população.

De acordo com o relatório da OIV de 2020, os cinco maiores produtores de espumantes a nível mundial são Itália com 27% (só o Prosecco corresponde a 66% de toda a produção de espumantes italianos, a juntar Franciacorta e Trento para os consumidores mais refinados), França com 22% (Champagne, claro, mais os cremants de outras regiões como a Alsácia, Borgonha, Loire e Bordeaux), Alemanha com 14% (já agora, é o pais onde mais espumante se bebe, sendo o nacional sekt o mais consumido), Espanha com 11% (onde o Cava assume 89% de produção) e Estados Unidos com 6%, sendo a Napa Valley a liderar nesta matéria.

Fora dos “big five” o maior crescimento em termos de produção de espumantes foi registado em Inglaterra, Portugal, no Brasil e Austrália. O crescimento no nosso país representa 18% ao ano.

Em Portugal, de acordo com os dados do IVV relativamente aos vinhos espumantes e espumosos (estes últimos são vinhos gaseificados cuja efervescência é produzida pela introdução de gás carbónico) a exportação dos espumantes nacionais está a aumentar, em volume e em valor, nos últimos 6 anos (até 2020), embora o preço médio não varie muito, mantendo-se à volta dos 3,35 euros/litro.

Na Bairrada certifica-se quase 40% dos vinhos com bolhas (embora, presumo, que se desta equação retirar os vinhos espumosos, a quota de espumantes da região vai chegar aos 53% comunicados pela CVR Bairrada). Em Távora-Varosa certifica-se 25%, tendo o segundo maior peso na produção de espumantes portugueses. O Tejo aparece com quase 22% e a região dos Vinhos Verdes também tem uma palavra a dizer com a certificação de mais de 9% de vinhos espumantes.

Regiões clássicas e promissoras

 Um dos pioneiros do espumante português foi o Engenheiro Agrónomo José Maria Tavares da Silva que começou aplicar o método champanhês (há algum  tempo, por imposição da CIVC – Le Comité Interprofessionnel du vin de Champagne, chamado “tradicional”) 1889-1890 como director da Escola Prática de Viticultura e Pomologia da Bairrada. E em 1893 fundou-se a Associação Vinícola da Bairrada com o objectivo produzir e comercializar “vinhos espumantes typo champagnes”, onde o Engº Tavares da Silva era director técnico. Ao mesmo tempo o enólogo da Real Companhia Vinícola do Norte, visconde de Villar d’Allen, também começa a produzir espumante. E poucos anos mais tarde as Caves Raposeira juntam-se à festa.

A seguir à Segunda Guerra Mundial foi fundada a Murganheira em Távora-Varosa, desde então o porta-estandarte desta região, demarcada em 1989.

No mundo do vinho as tradições nem sempre coincidem com a sua fixação formalizada. Na Bairrada, por ironia de destino, os espumantes só obtiveram o estatuto DOC em 1991, mas 130 anos de tradição ninguém lhes tira. Não é por acaso, que em Julho deste ano a Bairrada foi a anfitriã da primeira sessão de espumantes do reputado Concurso Mundial de Bruxelas (que, por tradição, é realizado em sítios diferentes com especialização em determinados tipos de vinhos). E os espumantes portugueses projectaram uma imagem muito boa nesta competição.

Em 1989 foi fundada em Alijó a empresa Caves Transmontanas que apostou no estudo do melhor local para plantação das vinhas e das castas mais apropriadas, com o único objectivo – criar grandes espumantes em Portugal.

A partir dos anos 1990 a região dos Vinhos Verdes entra em jogo. Com clima ameno, solos graníticos e castas com grande estrutura ácida e baixo teor alcoólico – têm todas as condições para se afirmar neste nicho. A Casa da Tapada foi a pioneira, numa altura em que os espumantes locais nem tinham direito à DO, o que só ficou possível a partir de 1999. Em Monção e Melgaço na viragem do século o Alvarinho apresentou-se numa versão efervescente pela Provam, Soalheiro e Quintas de Melgaço.

Com proliferação de “bolhas”, os vinhos espumantes têm vindo a crescer em Portugal em todas as regiões. Algumas empresas começam a produzir espumantes para completar o portefólio, mas como a prática mostra, produzir bolhas é fácil, criar um espumante de qualidade superior exige conhecimento específico e experiência.

As castas do espumante

 Parece unânima a predilecção dos produtores portugueses pela Chardonnay e Pinot Noir, quando se fala dos espumante de qualidade excepcional. Mario Sérgio Nuno, da Quinta das Bágeiras, afirma que “Chardonnay dá uma cremosidade única”, por isto mesmo sendo fiel às castas bairradinas, no seu espumante Pai Abel com Bical (maioritariamente) e Cercial acrescentou 15% de Chardonnay.

Luís Pato, repetindo a experiência de plantar Baga em pé franco no solo arenoso que deu vinho excepcional, em 2015 plantou Bical (a casta que gosta muito) num terreno arenoso junto à adega e fez o primeiro espumante de grande personalidade proveniente desta vinha, numa edição ultra-limitada de 333 garrafas.

A Baga tem, naturalmente, um grande peso na Bairrada. Sendo uma casta de maturação tardia e com boa capacidade de preservar acidez, presta-se muito bem para elaboração de espumantes, sobretudo no clima da Bairrada, onde este amadurecimento traz mais uma vantagem – a estratificação de vindima em função do propósito final.

A casta Alvarinho é uma nova estrela na região de Vinhos Verdes, sobretudo em Monção e Melgaço, ainda não em termos de quantidade, mas sem dúvida, em termos de qualidade. A casta consegue juntar duas dimensões, importantes para o espumante: o volume de boca e a óptima estrutura acídica. Obviamente tem carácter varietal vincado, mas numa vindima mais precoce para espumantes, os compostos aromáticos ainda se encontram em muito menor quantidade do que mais tarde na maturação plena. Por isto é possível obter espumantes com grande equilíbrio aromático.

Nas zonas quentes, como Alentejo, o Arinto desempenha um papel importante, graças ao seu perfil aromático bastante neutro e à grande capacidade de reter ácidos.

Pedro Guedes, enólogo da duriense Caves Transmontanas, para além Pinot Noir e Chardonnay destaca o Gouveio pelo excelente equilíbrio entre ácido natural e álcool, não sendo uma casta particularmente aromática.

Mas o sítio é mais importante do que a casta – afirmam todos.

Grande Prova EspumantesO que é preciso garantir

 O que não se pode subestimar para produzir um espumante de grande elegância e carácter, são as uvas e o tempo de estágio com borras. Mas há muitas pequenas nuances que podem fazer diferença no resultado.

Pode parecer banal, mas um grande espumante é antes de tudo feito com uvas e o perfil e qualidade da matéria-prima é primordial. Por um lado, as uvas que dão origem ao espumante têm de ser preferencialmente neutras nos aromas que apresentam no vinho base (a menos que se pretenda um espumante deliberadamente aromático). Por outro lado, é importante que demonstrem alguma personalidade, sendo minimamente expressivos. E o ponto de maturação é essencial. As uvas colhidas de propósito para espumante não são a mesma coisa que as uvas imaturas, que darão aromas vegetais e herbáceos. Ao invés, as uvas sobremaduras produzirão um vinho pesadão, alcoólico e aromaticamente excessivo.

Nas regiões mais frescas torna-se mais fácil conseguir este equilíbrio de maturação. Em Portugal uma moderação do clima consegue-se ou através da forte influência atlântica (Bairrada, Vinho Verde, Lisboa), ou pela altitude (acima dos 500 metros) com clima mais continental, como é o caso do Douro e Távora Varosa, onde hoje são produzidos alguns dos melhores espumantes portugueses.

A enóloga da Murganheira, Marta Lourenço, confessa que está apaixonada pela região da Távora-Varosa. Tem ali condições especiais para elaborar espumantes, onde as castas Chardonnay e Pinot Noir com 11% de álcool provável apresentam 24 g/l de ácido tartárico e pH 2,7 – valores fantásticos para a elaboração de um vinho base de espumante.

A sanidade das uvas parece estar muito distante dos copos elegantes com bolhas, mas é absolutamente indispensável. A presença de botrytis cinerea (fungo que provoca a podridão) pode ser desejável para colheitas tardias, mas pode arruinar um espumante causando um impacto negativo no aroma e nas propriedades efervescentes.

O bairradino Luís Gomes, produtor do Giz, ainda sublinha que “para quem quer produzir um bruto natural, sem adição de açúcar, a uva tem de ser muito boa, senão o espumante vai ser rude”. Tendo nível de sulfuroso baixo e teor alcoólico igualmente baixo no vinho base, para além da sanidade das uvas, a higiene na adega é um ponto fulcral , assim o define Pedro Guedes.

Prensagem, tiragem, leveduras

 A prensagem das uvas é um momento importantíssimo, confirmam Marta Lourenço e Pedro Guedes. Os cachos vão inteiros para a prensa, com engaço que ajuda a drenagem, permitindo uma boa extracção a baixas pressões. Quanto mais fraccionado o mosto – melhor, permite uma gestão de lotes mais individualizada. À medida que a prensagem avança, a acidez diminui, o pH sobe e aumenta o teor de potássio e extracção de compostos fenólicos. O mosto fica menos elegante e mais susceptível à oxidação.

Marta Lorenço conta que rejeita o primeiro mosto lágrima, pois este contém sempre as impurezas, “é como se fosse lavar as uvas com o próprio mosto”. Esta fracção nunca entra nas categorias especiais. A fracção que vai logo a seguir é a melhor de todas, “produz vinhos com grande limpeza em boca”.

Para iniciar a segunda fermentação, que leva à produção de bolhas, é necessário introduzir ao vinho base licor de tiragem com leveduras e açúcar para as pôr a trabalhar. Luís Gomes está convencido de que a tiragem deve ser feita no inverno, com temperaturas ainda baixas, pois quanto mais lenta for a fermentação, mais fina fica a bolha. Se fazer a tiragem no verão, a segunda fermentação desenvolve-se muito rápido, produzindo uma bolha mais grossa.

Pedro Baptista, o enólogo da Cartuxa, faz a tiragem no início da primavera e Pedro Guedes em Maio, quando os vinhos estão a uma temperatura à volta de 14˚C pelo que não é preciso aquecê-los para arrancar a fermentação e a temperatura não está muito alta para a segunda fermentação ser demasiado rápida.

Tradicionalmente, para a segunda fermentação, usam-se as leveduras livres que obrigam aos processos típicos de remuage para a sua posterior expulsão do vinho. Este processo pode ser feito manualmente ou recorrendo a giropaletes. Já as leveduras encapsuladas (presas numa estrutura de alginato) são uma “invenção” relativamente recente. O alginato é suficientemente poroso e permeável para deixar uma troca de solutos (açúcar, álcool e outros produtos resultantes da autólise das leveduras), supostamente, eficiente entre o vinho e o interior das cápsulas. Estas leveduras encapsuladas facilitam todos os processos desde a sua introdução na garrafa até à expulsão da mesma. Ainda poupam espaço na adega, permitindo o armazenamento das garrafas em pilhas, sem necessidade de remuage manual ou o uso de giropaletes. Mas são, também, tudo menos consensuais.

Todos os enólogos com quem falei concordam que é uma solução interessante e prática para espumantes comuns e jovens, mas dispensam-na quando se entra no patamar superior. Para além de que há sempre um factor de risco associado de que algumas células de leveduras escapem do interior das esferas de alginato, contrariando as vantagens operacionais das leveduras encapsuladas. Mesmo produtores de espumante mais recentes, como a Cartuxa, torcem o nariz quando se coloca a hipótese de utilizá-las para espumantes com mais idade. Pedro Baptista confessa que os espumantes que provou com leveduras encapsuladas lhe evidenciaram menos complexidade aromática e menor volume de boca. Em resumo, existem neste momento duas (ou, melhor, três) grandes correntes nesta matéria: os que as usam para todos os espumantes; os que as usam apenas para os espumantes mais simples; e os que que não admitem um espumante “método clássico” com outras que não as leveduras livres tradicionais.

Grande Prova EspumantesFermentação e estágio

Se a primeira fermentação para o vinho base pode ser relativamente rápida, a segunda tem de ser lenta. É aqui que se começa a produzir a tão apreciada bolha fina com CO2 que não podendo escapar, fica diluído no vinho. Pedro Guedes aponta para cerca de 6 semanas a 13-14˚C, ganhando, em média, 1 bar por semana. As leveduras introduzidas na tiragem com açúcar, não têm vida fácil. Trabalham literalmente sob pressão, no meio com acidez elevada e pH baixo e ainda por cima já com álcool de cerca de 10,5-11,5% e com pequena dose de dióxido de enxofre (que terá de ser bem medida). Por isto é importante criar para elas as condições de equilíbrio, garantindo que a fermentação não amue e, por outro lado, não se desenvolva demasiado rápido. Neste sentido, até a posição das garrafas faz diferença. Há mesmo quem as prefira na posição vertical para limitar a superfície de contacto com o vinho, prolongando assim, o tempo de fermentação.

O espumante não gosta de atalhos e apela à paciência (e estofo financeiro) do produtor, pois o tempo afina. Vários processos acontecem no vinho durante o estágio e o mais importante é autólise – desnaturação das membranas das células levurianas e degradação da sua parede celular libertando para o vinho glucanas, manoproteinas, aminoácidos, péptidos e outras substâncias que têm impacto na complexidade aromática, sensação em boca e qualidade de espuma. Mas a autólise é um processo muito lento e não ocorre nos espumantes que estagiam apenas uns meses. Um espumante feito com mesmo vinho base que envelhece durante nove meses terá um perfil muito diferente de um vinho que é envelhecido vinte meses ou mais.

Os produtores sabem disto e não dispensam o factor tempo quando se trata de um espumante de topo. Para Pedro Baptista, o estágio mínimo não pode ser inferior de 18 meses, mas com 3-4 anos já se conseguem resultados mais interessantes. Nas caves da Murganheira, Vértice e alguns produtores da Bairrada, estagiam espumantes com borras por 6-8 ou mais anos.

Em Portugal o tempo mínimo de estágio para espumantes com denominação de origem e  elaboração pelo método clássico é de 9 meses. Por comparação, em Champagne, o tempo mínimo para a segunda fermentação e estágio em garrafa é de 15 meses para non-vintage e três anos para o Champagne datado. Mas em Poertugal também se caminha, progressivamente, para estágios mais prolongados. Por exemplo, para aumentar o potencial qualitativo dos espumantes com logomarca Baga/ Bairrada, a região alterou a lei inicial e determinou que, a partir de colheita de 2019, os produtores deverão respeitar o estágio de 18 meses depois da tiragem.

Para maximizar o contacto entre o vinho e as leveduras, nas barricas faz-se bâtonnage e nas garrafas de espumante faz-se poignetage – agitam-se as garrafas para pôr o sedimento em suspensão, provocando a desorganização celular e estimulando o processo autolítico, que melhora a complexidade aromática e a textura. Para as categorias especiais da Murganheira e do Vértice esse trabalho é feito 2-3 vezes por ano e, como é fácil calcular, exige muita mão-de-obra.

O nível de doçura no espumante é manipulado através de licor de expedição que é adicionado a seguir ao dégorgement. Antigamente o espumante bebia-se doce (até vinho do Porto se adicionava no licor de expedição), a tendência de hoje vem a “secar” as bolhas. Cada vez há mais produtores (Quinta das Bágeiras e o Giz, por exemplo) a fazer exclusivamente espumantes com dosagem zero, ou seja, sem qualquer adição de açúcar, apenas atestando as garrafas com o próprio vinho.

 Espumante na mesa e na cave

 Dada a sua acidez cintilante e sabor delicado, o espumante ganha a qualquer bebida no papel de aperitivo. Estimula o apetite e a apetência para a refeição. E há muitos espumantes, com suficiente corpo e estrutura para acompanhar toda a refeição. As bolhas não só oferecem um espectáculo dentro de um copo, criam sensação táctil em boca e transportam os aromas à superfície, onde os libertam no momento do seu colapso.

Usadas outrora, as tradicionais taças de champagne são demasiado largas e rasas para permitir às bolhas o “levantar voo” e perdem rapidamente os aromas, enquanto os flutes, sendo compridos, mostram a efervescência (e já agora permitem encher o copo com menos vinho dando a ideia de copo cheio), mas não deixam espaço para os aromas. Por isto muitos escanções e apreciadores de vinho hoje preferem usar o copo normal de vinho branco ou um flute próprio para espumantes em forma de tulipa. Em minha opinião, o espumante é muito mais interessante à mesa do que numa prova técnica, pois um simples facto de engolir (em vez de cuspir) o líquido efervescente contribui para uma plena percepção da sua cremosidade.

Ao contrário da prática habitual, as garrafas de espumante devem ser guardadas em pé, defende Marta Lourenço. Não estando em contacto com o vinho, não se alteram as propriedades mecânicas da rolha. Quando humedecida, ela não consegue expandir dentro do gargalo e o vinho deixa de estar protegido: entra o oxigénio e escapa o gás carbónico.

E como guardar um espumante depois de aberto? Não sei qual poderá ser a razão que leva alguém a não acabar uma garrafa de espumante… mas se tal acontecer, o melhor é fechar com uma daquelas rolhas que agarram o gargalo de garrafa e a fecham hermeticamente. É importante guardá-lo no frigorífico, pois com temperaturas baixas o gás carbónico fica mais diluído no vinho e conserva-se mais tempo. Mas o melhor mesmo é beber a garrafa aberta. E, como disse no início, não é preciso um pretexto. Basta querer.

(Artigo publicado na Edição de Novembro de 2022)

 

Grande Prova- Alentejo tinto Potência com elegância: afinal é possível…

Alentejo tinto

Ao pensar num topo de gama do Alentejo, imediatamente no nosso imaginário surgem vinhos poderosos, carnudos, macios e densos. A qualidade nem se coloca em causa, está lá por defeito. Entretanto, existem muito mais estilos nos vinhos que representam a crème de la crème da região. E descobrimos vários nesta prova de mais de cinco […]

Ao pensar num topo de gama do Alentejo, imediatamente no nosso imaginário surgem vinhos poderosos, carnudos, macios e densos. A qualidade nem se coloca em causa, está lá por defeito. Entretanto, existem muito mais estilos nos vinhos que representam a crème de la crème da região. E descobrimos vários nesta prova de mais de cinco dezenas de tintos alentejanos.

Texto: Valéria Zeferino Fotos: Ricardo Palma Veiga

 

Sendo o Alentejo extenso e muito heterogéneo em termos de solos e clima, a diversidade dentro da região é enorme. Para além das zonas quentes e mais áridas, tem o litoral, temperado pela influência atlântica e Portalegre, onde altitude em combinação com um clima continental, confere uma frescura própria aos vinhos. Não é por acaso que nos últimos anos assinalou-se um investimento nesta zona. As serras de São Mamede, do Mendro, de Ossa moldam as condições microclimáticas dos territórios adjacentes. A falha da Vidigueira com escarpas orientadas no sentido Este-Oeste permitem que os ventos do Atlântico empurrem o ar frio, promovendo o arrefecimento significativo do ar à noite. Luís Cabral de Almeida, responsável pela enologia na Herdade do Peso, conta que isto acontece quase todos os anos: as temperaturas de dia podem chegar a 38-39˚C e à noite caem até 15-17˚C o que tem um efeito benéfico na composição das uvas.

O calor e a água (ou falta dela)

O clima quente e seco do Alentejo, em certa medida, beneficia os produtores. Luís Cabral de Almeida que já trabalhou noutras regiões onde a Sogrape tem produção, como o Douro, Dão e até na Argentina, considera o Alentejo uma região consistente, com baixa carga de doenças. Não é por acaso que no Alentejo há muita produção biológica. As características da região e a sua fama junto do consumidor motivam alguns produtores de outras regiões a investir no Alentejo. É o caso do projecto da Symington na Quinta da Fonte Souto em Portalegre e da Costa Boal na Quinta dos Cardeais, entre os mais recentes.

Por outro lado, a seca é capaz de comprometer não apenas a quantidade e a qualidade de uma ou outra colheita, mas colocar em causa a sobrevivência das videiras, pois na falta de água esta não tem forma de buscar os nutrientes do solo e distribuí-los de forma correcta na própria planta. Por isto, a rega é indispensável em muitas partes do Alentejo, sobretudo nos solos mais pobres e com baixa retenção de água.

Contudo, a rega não visa proporcionar à videira um acesso desmedido à água. O equilíbrio da área foliar e rega controlada são essenciais, sublinha Luís Cabral de Almeida. Até à fase do pintor (quando os bagos ganham cor) dá-se água à videira (quando a chuva não vem) para obter os nutrientes do solo, e construir a área foliar para garantir actividade fotossintética. A partir do pintor, limita-se a água, para a videira investir na maturação da fruta.

Por exemplo, o enólogo Pedro Hipólito tem um sistema de rega instalado na Herdade da Mingorra, pronto para qualquer eventualidade, mas nas vinhas velhas não tem sido preciso. Tem 7 talhões que nunca foram regados.

Entretanto, no Alentejo ainda existem vinhas de sequeiro, mas estas encontram-se plantadas em áreas muito especiais. Como conta António Maçanita, há zonas na região, onde as águas freáticas ficam mais perto da superfície, permitindo que as raízes das videiras possam chegar até lá. O produtor e enólogo Luís Louro, que em 2004 iniciou o seu projecto do Monte Branco, também tem algumas vinhas em sequeiro. Estas estão implantadas em solos mais profundos e relativamente férteis, num xisto argiloso, que tem melhor capacidade de retenção do que o xisto normal.

Tudo no sítio e momento certos

As castas certas no sítio certo + momento de vindima + filosofia do produtor: é este o segredo do sucesso. Conseguir potência no Alentejo é fácil, juntar a elegância, às vezes, é um desafio. Nos topos de gama a tentação de criar vinhos poderosos é natural e as principais castas também ajudam. A triologia de Alicante Bouschet, Aragonez e Trincadeira que predominam nos lotes de há 30 anos, proporcionam muita estrutura e potência, diz António Maçanita, enólogo e produtor com projectos em várias regiões do país. Cabernet e Syrah também ajudam à festa. As castas “mais fracas” como Castelão ou Alfrocheiro não são das mais presentes nos topos de gama. Mas há excepções.

Repetindo as palavras de Luís Louro, um vinho é um produto de vinha e filosofia. O principal foco é nas castas certas e na época de colheita. A principal preocupação é “colher maduro, mas nunca sobremaduro”.

António Maçanita partilha a sua experiência, referindo que Castelão, Tinta Carvalha e Alfrocheiro têm muita tolerância para o momento da vindima, enquanto o Moreto não. As castas tânicas como Aragonez, Alicante Bouschet ou Syrah se não forem vindimadas maduras, são verdes e difíceis.

As castas certas por vezes já se encontram numa vinha, sobretudo numa vinha velha bem adaptada ao local e que expressa o seu carácter único. Tivemos alguns exemplos interessantes nesta prova. O Chão dos Eremitas Os Paulistas, da Fita Preta, por exemplo, com as castas (curiosamente, não misturadas, o que facilita a vindima) Tinta Carvalha, Moreto, Castelão, Alfrocheiro e Trincadeira, plantadas há 50 anos.

A Vinha da Ira, da Mingorra, é uma pequena parcela de 2 ha, plantada nos anos 80. É um resultado da selecção massal  de uma vinha mãe da Vidigueira. Chamava-se o Talhão de Alfrocheiro e no início fez muita confusão, porque quando a uva chegava à adega, era óbvio que não se tratava só de Alfrocheiro, até porque tinha muita uva tintureira. Em 2004 fizeram uma biblioteca genética das castas que tinham nesta vinha e estavam lá 12 variedades misturadas, onde 50% era Alicante Bouschet, também Aragonez, Touriga Nacional entre outras. O Alfrocheiro só representa 7% da vinha. Vindima-se tudo junto e o Alicante Bouschet serve de referência para a colheita.

Na Herdade do Peso, da Sogrape, o conceito do vinho Parcelas é diferente do Reserva, ou do Revelado, que têm que ter um determinado perfil. Os vinhos da gama Parcelas podem ter um perfil próprio em função do ano, explica Luís Cabral de Almeida. Por exemplo o Parcelas Block 21 é 100% Alicante Bouschet.

Dos produtores entrevistados, há unanimidade que o futuro passa muito pelas castas de ciclo longo: Touriga Nacional, Petit Verdot, Tinta Miúda, como exemplo.

A filosofia do produtor começa na escolha de terrenos e castas e acaba na abordagem na adega e até no tempo do estágio em garrafa antes de lançar para o mercado. Os produtores como Julian Reynolds ou Luís Louro não abdicam deste estágio o que sempre se reflecte no momento da prova.

Os estilos dos tintos do Alentejo

 Normalmente fala-se de dois principais estilos de vinhos no Alentejo: um clássico (mais balsâmico, com bosque e resinas, com vegetal seco e até uma certa rusticidade) e um moderno, de grande polimento, com fruta mais imediata, mais intensa e mais presente.

Na realidade, o Alentejo é muito mais do que isto. Depois de provar mais de 50 vinhos, eu diria que existem quatro estilos: dois clássicos – um que consegue aliar potência à elegância (vinhos profundos, perfeitos em cada momento de contacto) e outro onde a potência predomina, com vinhos muito extraídos e alcoólicos, mornos e quase doces (secos tecnicamente, mas pela sensação da doçura de fruta sobremadura e muita presença de barrica). Estes últimos são bem-feitos e impactantes, impressionam ao primeiro gole, mas a partir do segundo o entusiasmo diminui.

Nos vinhos de estilo dito “moderno”, também há duas variações. Um é mais sensual e consensual, guloso, com fruta bonita, encorporando normalmente as “castas melhoradoras” no lote, como a Syrah ou Touriga Nacional. Uma espécie de Novo Mundo no Alentejo.

O outro “novo” estilo do Alentejo é uma regressão ao passado, dando protagonismo às castas antigas, com fruta simples e pura, sem o lustro da Touriga ou Syrah. Podem não ser tão consensuais, mas têm muito bom senso na sua essência, são pensados, ensaiados e bem interpretados. São elegantes com estrutura, extremamente precisos e sofisticados.

Com isto não pretendo dizer que tem que se excluir castas ou estilos. Há gostos para tudo. As tendências vêm e vão, e o que é realmente bom acaba por perdurar.

Castas: as nossas, as outras e o Alicante Bouschet

 De acordo com o cadastro da CVR Alentejo, nos últimos dez anos a área de vinha tem crescido, tendo aumentado 4.003 hectares (21%) e em 2021 ocupou 23.277 ha. As castas tintas predominam com 79%. A vinha nas sub-regiões D.O. representa 72% da área total do Alentejo e 74% da produção total de uvas da região.

Nas castas tintas é notória a importância adquirida pelo Alicante Bouschet, que aumenta em área e representatividade na região e, com menor intensidade, também a Syrah e Touriga Nacional. Em diminuição estão as castas Aragonez, Trincadeira e Castelão, que perdem área e expressão na área vitícola.

As castas dividem-se em dois polos principais: portuguesas típicas do Alentejo (Aragonez, Trincadeira) ou vindas de outras regiões como a Touriga Nacional ou Touriga Franca, e estrangeiras como o Cabernet Sauvignon, a Syrah ou o Petit Verdot.

E depois há Alicante Bouschet que é a casta estrangeira mais portuguesa. Entrou no país há mais de 100 anos e ganhou a cidadania e reconhecimento que nunca teve no seu país natal. Luís Cabral de Almeida compara o percurso do Alicante Bouschet em Portugal como o do Malbec na Argentina: ambas as castas são de origem francesa e ambas encontraram a sua expressão máxima nos países de adopção. Hoje, Alicante Bouschet é parte importante da tipicidade dos vinhos do Alentejo e está em franco crescimento na região, sendo a segunda tinta mais plantada.

Para Luís Louro, Alicante Bouschet é uma casta fantástica que conjuga potência e acidez se for colhida a tempo. Tem uma parcela na zona de sequeiro que dá óptimos resultados.

Para Luís Cabral de Almeida, Alicante Bouschet é a garantia de fruta, cor e sabor, mas há que lhe aumentar a complexidade. Considera que não adianta forçar a extracção através de remontagens, por exemplo, pois vai-se extrair o que tem de bruto e agressivo. Prefere aplicar o engaço maduro na fermentação, que confere ao vinho tanino de meio de boca, diferente do tanino da madeira que é mais lateral.

Frederico Rosa Santos sublinha que as uvas de Alicante Bouschet têm de estar bem maduras e muitas vezes só amadurece a parte fenólica com o grau alcoólico alto. Não se dá bem em todo o lado. Mais a sul de Beja é demasiado quente para o Alicante e a ondas de calor em Julho ou Agosto fazem com que não amadureça. Fica bem de Estremoz para cima.

Das castas portuguesas, Aragonez continua a ser a uva mais plantada (com 23% de encepamento), mas não é de todo a mais amada. Muitos produtores reconhecem as suas limitações, começando por ser altamente sensível à produção. Se não for controlada, não consegue amadurecer a parte fenólica e apresenta taninos verdes e duros. Também precisa de amplitudes térmicas significativas.

Pedro Hipólito, enólogo da Herdade da Mingorra, conta que quando temperatura se mantém durante algum tempo acima dos 35˚C, a videira fecha os estomas e deixa de funcionar. Ainda por cima, como se sabe, o Aragonez com o stress hídrico sacrifica folhas o que faz difícil a sua maturação posterior.

Usar o clone certo também é importante. Frederico Rosa Santos conta que quando decidiram plantar Aragonez na propriedade da família, foram buscar o clone de Tinta de Toro num viveirista em Navarra. A vinha, no seu máximo, produz 4 tn/ha.

A Trincadeira, outrora muito popular, mantém-se em 3º lugar com 14,9% de encepamento, mas está a perder posição. Os enólogos são da opinião que com produções elevadas, perde todo o carácter e torna-se muito vegetal, fazendo lembrar um “mau Cabernet do Alentejo”. É capaz de produzir excelentes vinhos mas tem que se descobrir o seu ponto de equilíbrio. A casta também não gosta do stress hídrico, embora o aguente melhor que o Aragonez mas, se for preciso, vai buscar água aos bagos desidratando-os.

Já Luís Louro defende esta casta polémica, afirmando que cada vez gosta mais dela. No lote com Alicante Bouschet tira-lhe a brutalidade. Basta 15% e já se nota a diferença, diz.

A Touriga Nacional é a 5ª casta mais plantada no Alentejo, ocupando 8% de encepamento e com tendência a crescer. Há muitos argumentos a favor, começando por ser de maturação longa o que traz vantagens no Alentejo. Frederico Rosa Santos reconhece que a casta aguenta muito bem a seca, e o bago está sempre túrgido. Aromaticamente agradável, mas às vezes no Alentejo torna-se um pouco enjoativa, com violetas em excesso e canela.

Ainda se fala pouco da Tinta Miúda que representa apenas 0,5% de encepamento da região, mas já há produtores atentos a esta casta. Luís Louro gosta dela porque é poderosa, com concentração e intensidade, é menos rústica do que o Alicante Bouschet, tem classe.

Das castas estrangeiras mais recentes destaca-se claramente a Syrah, cujas plantações têm vindo a crescer e que hoje em dia fica no 4º lugar com 12%.

Frederico Rosa Santos não tem dúvidas que Syrah se dá bem em todo o lado, variando em estilo. Pedro Hipólito repara que até num ano bem difícil como este, teve uma boa evolução. Luís Louro reconhece que é uma casta fácil, melhoradora, mas acha que se impõe muito e tira a identidade aos vinhos. António Maçanita admite que Syrah em monocasta pode expressar o terroir e é capaz de ser interessante, mas no lote marca demasiado. Melhora sim, mas desvirtua o perfil, como a Touriga Nacional.

Embora o Cabernet Sauvignon tenha chegado ao Alentejo mais cedo do que a Syrah e ocupe uma área significativa (4,4% do encepamento, 7ª casta mais plantada) a sua presença está lentamente a diminuir. Faz parte de muitos lotes, mas não identifica a região.

Pedro Hipólito explica isto pelo ciclo do Cabernet Sauvignon ser relativamente curto para o Alentejo. Com um tipo de taninos próprio e o lado herbáceo, a casta necessita de tempo de maturação. E no Altentejo os ciclos estão a encurtar. Antigamente vindimava-se de Setembro até quase início de Outubro e agora começa-se no início de Agosto. O Cabernet pode ter 15% de álcool e continuar vegetal o que de todo não se enquadra no perfil dos vinhos que procuram. Por isto, na Herdade da Mingorra, que fica a 15 km a sul de Beja, numa zona muito quente, acabou-se com o Cabernet Sauvignon.

Frederico Rosa Santos sempre teve reticências relativametne ao Cabernet no Alentejo. É demasiado quente para a casta, acredita. Os bagos relativamente pequenos rapidamente transformam-se em passas. Mas reconhece que em bons anos beneficia alguns lotes.

Uma estrela em ascenção é o Petit Verdot que se dá lindamente no Alentejo e agora ocupa 1,9% da plantação. Para Frederico Rosa Santos foi uma agradável surpresa depois de a ter provado durante um estágio em Bordeaux, onde não tem condições para amadurecer bem a parte fenólica, ficando muito dura e difícil. Por cá, a casta apresenta tanino maduro, sensação de boca e corpo, fica muito mais completa e equilibrada. E pode produzir imenso sem diminuir a qualidade. António Maçanita está de acordo e diz que o Petit Verdot funciona como um relógio suíço, sem problemas sanitários, muito no registo de Alicante Bouschet, ou seja, não marca demasiado, não passa por cima do perfil da região.

Os tintos do Alentejo, como se vê, são em si mesmo um mundo. Feito de corpo, maturação, vigor, mas também elegância, finura, frescura. Os estilos abundam, a qualidade também. É bom que assim seja: nenhum apreciador sai insatisfeito.

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2022)

 

Sugestão: Os brancos de Outono e Inverno

brancos outono inverno

Mais ricos, cremosos, texturados, encorpados, concentrados. Mais ambiciosos também. Em pé de igualdade com os tintos pela capacidade de alinhar com pratos mais gordos e elaborados e de despoletar experiências sensoriais mais intensas, são assim os brancos de Outono/Inverno. Aqui deixamos 13 sugestões de primeira linha, vinhos com profundidade e longevidade, para os meses mais […]

Mais ricos, cremosos, texturados, encorpados, concentrados. Mais ambiciosos também. Em pé de igualdade com os tintos pela capacidade de alinhar com pratos mais gordos e elaborados e de despoletar experiências sensoriais mais intensas, são assim os brancos de Outono/Inverno. Aqui deixamos 13 sugestões de primeira linha, vinhos com profundidade e longevidade, para os meses mais frios que virão.

 Texto: Valéria Zeferino  Notas de Prova: Painel de Prova GE     Fotos: D.R.

 

Em Portugal produzem-se mais tintos do que brancos, a única excepção é a região dos Vinhos Verdes. No mundo, em geral, é assim. E a sazonalidade é forte: nos brancos pensa-se mais no verão, à beira da piscina ou ao almoço leve na praia. No outono e inverno preferem-se os tintos, esquecendo-se que temos excelentes brancos para acompanhar estas estações do ano.

Antigamente, em Portugal dizia-se que “o vinho é tinto; e também há branco”, conta o incontornável produtor bairradino Luís Pato. Hoje ainda é parcialmente assim, mas muito menos. Mario Sérgio Nuno, da Quinta das Bágeiras, lembra-se que quando era menino, as pessoas diziam “bebo branco quando não há tinto” e que às vezes para vender 10 caixas de tinto, o distribuidor era “obrigado” a levar 10 caixas de branco.

As técnicas de produção de brancos também eram “muito agressivas” – partilha Manuel Vieira, responsável de enologia durante muitos anos na Quinta dos Carvalhais e agora na Caminhos Cruzados. Os cachos e as massas vínicas sujeitavam-se à acção mecânica violenta, os equipamentos usados na altura eram fonte de oxidações, as temperaturas não se controlavam… enfim… muitas vezes os vinhos não aguentavam mais de um ano em garrafa (com honrosas excepções de alguns brancos antigos que chegam aos nossos dias em perfeita saúde).

brancos outono inverno
Anselmo Mendes levou a uva Alvarinho e o terroir de Monção e Melgaço até ao topo.

No final dos anos 80 e início dos anos 90 do século passado a tecnologia começou a entrar nas adegas com o controlo de temperatura e cuidados no sentido de proteger o vinho contra as oxidações. Proliferação de cubas de inox e aposta na fruta primária conduziram a vinhos mais limpos aromaticamente, mas bem acabados. O nível geral de qualidade dos brancos subiu e tornou-se um padrão.

Quando Mario Sérgio lançou o seu primeiro Quinta das Bágeiras Garrafeira 2001, um branco mais compenetrado do que extrovertido, fermentado em tonel antigo e preparado para anos de guarda e vocacionado, foi contra a corrente. Já o Guru, da Wine & Soul, nasceu em 2004 com a ideia da Sandra Tavares e Jorge Borges de fazer um grande branco do Douro com potencial de guarda, pois na altura havia poucos.

Hoje, os produtores têm à sua disposição um vasto leque de técnicas para fazer vinhos brancos adequadas a qualquer ocasião. Com mais ou menos intervenção, fermentações expontâneas ou controladas, diferentes abordagens técnico-filosóficas, com qualidade altíssima e por vezes surpreendente, não nos podemos queixar.

Como um branco Outono/Inverno é um oposto de “leve e crocante”, procura-se criar condições para o vinho ter solidez, estrutura, textura e potencial de guarda. A intensidade dos aromas primários não é o principal objectivo, a palavra-chave é complexidade. Normalmente, recorre-se ao estágio em madeira de diferentes tipos e capacidades, tosta e tempo de uso, para dar as nuances que o produtor deseja e que a matéria prima permite. Não existe uma “receita”. A escolha das barricas depende da sensibilidade de cada enólogo e da matriz do vinho em função da casta, terroir e até o ano de produção. E esta sensibilidade e preferências podem mudar ao longo do tempo, alterando o perfil do vinho.

Fermentação e estágio em madeira

 O contacto com madeira molda o vinho de certa forma, promovendo a microoxigenação contínua (estabiliza e amacia o vinho) e modificando os seus aromas com os compostos vindos da tosta da madeira (baunilha, canela, cravinho entre outros) de maneira que a fruta deixa de ser óbvia e o vinho ganha complexidade olfactiva. Quanto maior for a capacidade do vasilhame, menos marca deixa; e quanto menor for o grau da tosta, menos aromas transfere para o vinho. A barrica nova permite mais troca gasosa por ter os poros limpos, mas também deixa a sua marca mais evidente no vinho.

Se a madeira for em excesso, pode arruinar o vinho, sobrepondo-se às suas virtudes e deixando uma sensação de secura e amargor dos taninos elágicos da madeira. Aplicada ajuizadamente, beneficia e confere complexidade.

“Bom trabalho de barrica”, “barrica bem integrada” ou “barrica de luxo” são expressões frequentes nos comentários dos enófilos e notas de prova dos vinhos. “Amadeirado”, “madeira em excesso”, “marcado pela madeira” são os epítetos do lado oposto da escala.

Sandra Tavares, enóloga e produtora da Wine & Soul, conta que na primeira edição do Guru de 2004 foram utilizadas apenas barricas novas. Em 2016 a percentagem da barrica nova baixou quase para metade e o 2019 tem apenas 9% de barrica nova de 500 litros, tosta média-leve. A origem da barrica também ganhou outra importância. Agora começam a usar fudres de maior capacidade.

António Maçanita, o enólogo e produtor da Fita Preta, para o seu Chão dos Eremitas escolhe barricas de, pelo menos, terceiro uso, pois pretende-se a acção mais delicada do estágio em madeira sem ser muito óbvia. E também apenas 40% estagia em barrica, o resto fica em inox.

Se o Quinta das Bágeiras Garrafeira estagia em tonéis antigos de madeira de 2500 litros, ao Pai Abel o produtor queria dar um pouco mais de estrutura e de volume através do estágio em barricas muito usadas da Borgonha, com bâtonnage.

Já o Parcela Única de Anselmo Mendes estagia em madeira nova, mas a barrica é escolhida a dedo em função da proveniência (da floresta de Bertranges perto de Sancerre) e feita à medida, com uma tosta ainda mais leve do que é usada para os Grand Grus da Borgonha.

Ao falar da madeira, pensamos normalmente em carvalho, mas não é a única opção possível. Luís Pato, por exemplo, para o seu Vinha Formal prefere o castanho que na sua opinião não marca os brancos com baunilha. E argumenta que a madeira de castanho é mais porosa do que o carvalho, permitindo maior contacto com oxigénio durante o estágio pelo que o vinho fica mais resistente a oxidação a longo prazo; para além de ser tradicional na região e mais barato.

brancos outono inverno
Nas vinhas velhas do Chão dos Eremitas, António Maçanita descobre verdadeiros tesouros.

Normalmente o contacto com a barrica começa na fermentação, o que permite que a madeira a integre melhor. Entretanto, Manuel Vieira prefere arrancar a fermentação em inox para ter mais controlo sobre a temperatura (16˚C no início) e aos 1050 de densidade transfere o mosto para a barrica, onde acaba a fermentação e depois fica a estagiar.

Já agora, a temperatura de fermentação destes vinhos mais ambiciosos nunca é muito baixa (12-13˚C) para não evocar aromas de bananas e fruta tropical, que podem ser bem vindos nos brancos frescos de Verão, mas não transparecem nem a casta, nem o terroir. Normalmente, a temperatura de fermentação ronda os 18˚C, mais coisa menos coisa.

Outra variável importante é o tempo que o vinho permanece na barrica. Nem sempre o estágio mais prolongado resulta em vinhos excessivamente amadeirados. O Teixuga é um grande exemplo: passa 19 meses na barrica e não fica marcado pela madeira. Manuel Vieira explica que há sempre um momento durante o estágio, um pico, quando o vinho fica dominado pela madeira. Muitos neste momento tiram o vinho da barrica para o “salvar”, mas na realidade, se o vinho permanecer na barrica mais tempo, acaba tudo por integrar, afirma.

Borras e curtimentas

As borras representam a fração sólida no meio (mosto) acumulada durante a fermentação alcoólica. Numa primeira trasfega as borras mais espessas, normalmente, são removidas, deixando em suspensão os compostos mais pequenos, chamados de borras finas. São maioritariamente compostos pelas células das leveduras mortas.

Quando o vinho estagia sobre borras, a parede celular das leveduras é destruída, libertando polissacáridos, manoproteinas e outros compostos para o meio, que não só protegem o vinho contra as oxidações durante o estágio, mas também melhoram as suas características organolépticas (textura, volume, cremosidade e aromas) e faz com que a acção da madeira seja menos intrusiva no vinho.

A agitação das borras com um bastão – bâtonnage – mantêm-nas em suspensão e homogeniza a sua acção, intensificando os efeitos mencionados. Geralmente, as borras são levantadas com maior frequência no início do estágio, abrandando ou até mesmo cessando mais tarde.

O Alvarinho no Parcela Única estágia com borras totais. Desta forma Anselmo Mendes providencia uma maior quantidade de biomassa para garantir a melhor protecção do vinho da acção da madeira nova. “Juntar potência com elegância” – diz o mestre. Em sua opinião, isto não funciona com castas como o Chardonnay ou o Sauvignon Blanc, porque reduzem bastante nestas condições, mas o Alvarinho aguenta-se bem. A frequência da bâtonnage é feita com grande precisão em função do consumo de oxigénio no vinho durante o estágio.

Já António Maçanita não fez bâtonnage no Chão dos Eremitas, mas prefere manter as cubas, onde estagia 60% do vinho, na horizontal para, desta forma aumentar a distribuição das borras.

Para além do estágio em madeira existem outras formas de realçar as características sensoriais do vinho. A curtimenta é uma delas e agora esta técnica está na moda. Mas Paulo Nunes conta que até aos anos 80 do século passado, na Casa da Passarella os brancos habitualmente faziam-se como os tintos – fermentavam-se com películas. E na altura não se chamavam “orange wine”…

No Casa da Passarella O Fugitivo Curtimenta as uvas não são desengaçadas, pois Paulo Nunes vê o benefício na transferência de algum tanino na percepção organoléptica, procurando mais sensação táctil, de “textura e até algum amargo para contrastar com vinhos muito limados”.

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Na Quinta das Bágeiras, o Pai Abel fermenta em barricas muito usadas vindas da Borgonha.

Castas e regiões

 A região de origem, na realidade, não é grande indicadora do estilo do vinho – em todas as regiões de Portugal podemos encontrar vinhos brancos estruturados e sérios. E a casta nem sempre define inequivocamente perfil. Um Chardonnay da California com estágio em barrica nova, amanteigado e untuoso, não tem nada a ver com um Chablis, feito da mesma casta. No nosso caso, Arinto ou Alvarinho vinificados em inox serão mais leves e crocantes do que os seus homólogos que passaram uma boa parte da sua vida em barrica, por exemplo.

Felizmente, temos muito por onde escolher em termos da região e das castas. No Dão, Encruzado presta-se particularmente bem para vinhos com dimensão. Manuel Vieira trabalha com esta casta já há mais de 30 anos. Quando entrou na Quinta dos Carvalhais em 1990, resolveu fazer um branco “à borgonhesa”, com fermentação em barricas de carvalho e estágio sobre borras. Fez uns ensaios de vinificação com cinco castas do Dão em separado, e foi o Encruzado que se mostrou melhor por não se deixar “comer” pela madeira.  Os grandes brancos da Bairrada são, geralmente, feitos do Bical, Maria Gomes e Cercial em várias combinações. No Douro, um típico blend inclui Viosinho, Gouveio, Rabigato, Códega e outras castas em proporções diferentes.

No Alentejo, Antão Vaz e Arinto, por regra, funcionam bem em conjunto. O Alvarinho também já marca a sua presença nesta região. Nós escolhemos aqui uma casta diferente, pouco conhecida, de propósito para mostrar que qualquer variedade pode brilhar se for bem trabalhada. Alicante Branco (aka Boal de Alicante ou Boal Cachudo), foi uma variedade importante no Alentejo antes da filoxera. António Maçanita teve o contacto com esta casta quando começou a explorar uma parcela plantada em 1970 com várias castas (um field blend organizado) sem rega. Como muitas outras variedades do Sul, tem acidez baixa e um perfil aromático neutro o que despertou o interesse do produtor para uma experiência, adaptando o processo de vinificação à casta.

Na região de Lisboa, obviamente, brilha o Arinto e ultimamente, a casta Fernão Pires, oriunda do Tejo, tem surpreendido bastante na região vizinha. Na região dos Vinhos Verdes, o Alvarinho e o Loureiro com estágio em barrica, são os principais protagonistas para a nossa selecção de brancos para acompanhar as almoçaradas e os serões outonais.

Selecionar sempre

A idade das vinhas e as particularidades da parcela podem influenciar as características da matéria-prima e proporcionar vinhos diferenciados. Como a concentração é bem-vinda nestes vinhos, muitas vezes preferem-se as uvas das vinhas velhas, onde a produção é reduzida naturalmente pela idade das videiras. É o caso do Guru, proveniente de uma vinha com 70-80 anos em Porrais, na zona de transição de xisto para o granito e com muito quartzo. Sandra Tavares considera que o xisto dá estrutura e tensão, enquanto o granito e o quartzo – pureza e final de boca mais fino.

Entretanto, para fazer o Pai Abel branco, Mário Sérgio optou pela vinha nova (que agora tem cerca de 30 anos), mas reduzindo drasticamente a produção – fazendo a primeira colheita mais cedo para espumante.

A precisão na escolha da matéria-prima não se limita pela idade das vinhas, o terroir também entra em jogo. Luís Pato escolheu o Bical da Vinha Formal, que comprou em 1998, plantada em solo argilo-calcário na encosta de Óis do Bairro. As uvas desta zona sempre davam vinho de melhor qualidade, destinado à exportação, chamado no século XIX “Vinho de Embarque”.

O Parcela Única de Anselmo Mendes é autoexplicativo, vem de uma parcela de 4,5 ha da Quinta da Torre, que dava sempre vinho vibrante, que não cheirava muito e tinha uma óptima acidez. Nesta zona o solo é de textura mediana composta por argila, limo, pedra e areia mais grossa. São terraços fluviais, ricos em minerais e com capacidade de retenção. E mesmo dentro da melhor parcela, a selecção de cachos é muito rigorosa. É feita na vinha na altura da vindima em função da fisiologia da videira e não no tapete de escolha, quando já é tarde. Colhem-se apenas os cachos da base e das varas bem atempadas. Como é óbvio, para uma vindima tão precisa é necessário ter o núcleo duro do pessoal experiente.

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Na Quinta da Teixuga, da Caminhos Cruzados, os vinhos reflectem um Dão moderno.

No caso do Curtimenta, a casta deixa de ter importância, sobretudo a nível de aromas varietais, porque a técnica de vinificação anula a componente aromática. Mas a selecção de uvas certas para este vinho é importante. Paulo Nunes vai buscar a uva das vinhas onde muitas castas têm acidez elevada – Uva Cão, Cerceal Branco, Terrantez, para dar equilíbrio à estrutura e a dimenção de boca dos vinhos de curtimenta.

Na mesa

 Mencionamos no início que o que chamamos de brancos de Outono/Inverno, corresponde sempre a vinhos extremamente gastronómicos. Como tal, deixamos algumas sugestões de boas parcerias à mesa.

De um modo geral, têm que ser pratos com alguma estrutura, textura e intensidade. Os crustáceos mais densos podem ser uma boa opção – santola ou sapateira, lavagante ou lagosta. Não esquecemos o arroz de polvo ou de marisco. Peixe grelhado ou no forno, bacalhau assado, migas de bacalhau, açorda ou sopas elaboradas, como a sopa de pedra, são harmonizações a experimentar. Outras alternativas podem ser pratos de galinha, perdiz ou peru. Embora tradicionalmente seja acompanhado com espumantes ou colheitas tardias, eu também não excluia foie-gras pela intensidadde de sabor, gordura e textura.

Agora só faltam os queijos! Paulo Nunes, recorda que na Serra da Estrela o queijo com o mesmo nome era muitas vezes acompanhado com vinhos brancos, com alguma idade. E faz todo o sentido.

Os vinhos brancos com estas características não devem ser servidos muito frios. A temperatura de serviço pode ser entre os 10˚C e 12˚C, tendo em conta que o vinho vai sempre aumentar no copo 2-3˚C o que, no caso dos vinhos mais complexos até vai trazer benefícios. Ajuda abrir a complexidade aromática e apreciar a textura.

E para finalizar, chamar-lhes “brancos de Outono/Inverno” é uma força de expressão: bebem-se lindamente noutras estações do ano, basta querer e combinar com a comida certa.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2022)

 

Grande Prova: O fresco perfume do Verde Loureiro

prova loureiro

É certamente uma das mais originais e frescas variedades de uva que temos em Portugal. Na região dos Vinhos Verdes, de onde é oriunda, apresenta-se em diferentes perfis. Encontramos o lado mais “tradicional”, com algum gás carbónico, acidez elevada e leve doçura frutada; e a vertente mais ambiciosa, com vinhos secos, austeros, minerais e longevos. […]

É certamente uma das mais originais e frescas variedades de uva que temos em Portugal. Na região dos Vinhos Verdes, de onde é oriunda, apresenta-se em diferentes perfis. Encontramos o lado mais “tradicional”, com algum gás carbónico, acidez elevada e leve doçura frutada; e a vertente mais ambiciosa, com vinhos secos, austeros, minerais e longevos. Certo é que o Verde Loureiro não passa indiferente e após 36 vinhos provados fica-nos a certeza de que o nível qualitativo nunca foi tão elevado.

Texto: Nuno de Oliveira Garcia

Fotos: Ricardo Palma Veiga

Na região dos Vinhos Verdes temos três castas brancas que reinam em termos de notoriedade: Alvarinho, Loureiro e Avesso. Implementadas em todas as sub-regiões, poucas dúvidas existem que, salvo uma ou outra excepção, cada uma destas variedades tem um terroir de eleição, associado a um rio nortenho. A “casa” do Alvarinho é o vale do Minho (em especial na sub-região de Monção-Melgaço), o Loureiro assume-se no vale do Lima e o Avesso prefere o vale do Douro.

Sucede, que as três variedades não se encontram no mesmo patamar de conhecimento enológico e de reconhecimento do mercado. Se o Alvarinho é já um sucesso com algumas décadas e marcas de grande notoriedade, e o Avesso uma redescoberta relativamente recente, pode-se dizer que o Loureiro está numa fase intermédia. Trata-se de uma etapa em que, mesmo com várias marcas disponíveis, e apesar de um público fiel que aprecia a sua frescura e exuberância, há ainda muito a fazer, mas, simultaneamente, já existem no mercado vários vinhos excelentes, como se verificou na presente prova. Em abono da verdade, depois do Alvarinho, o Loureiro é, certamente, a casta branca de Vinho Verde mais conceituada junto dos consumidores, sendo que, em alguns casos, o preço dos vinhos supera os €10€ ou €15, algo também perceptível neste painel de prova. É certo que a maioria dos Loureiros provados se cinge ao intervalo entre os €4,50 e os €7, mas mesmo essa circunstância tem de ser contextualizada; com efeito, não só a cada ano que passa surgem vinhos mais valorizados como, rigorosamente, o referido patamar de preço está bem acima da média dos demais Vinhos Verdes.

Apesar de a fama da casta vir de longe, é inquestionável o contributo que algumas marcas fomentaram ao Loureiro, sendo disso bom exemplo, no final do século XX, os vinhos da Casa dos Cunhas, Paço d’Anha, Solar das Bouças, Casa de Sezim, Casa da Senra ou Quinta do Convento da Franqueira. Com efeito, e apesar de há 30 ou 40 anos não ser comum a casta aparecer totalmente sozinha, todos os referidos vinhos tinham Loureiro como base. Mais recentemente, esse contributo foi aumentado com vinhos, desta feita, 100% Loureiro, da marca Muros Antigos (Anselmo Mendes) e das várias declinações da casta produzidas pela Quinta do Ameal (hoje, parte do grupo Esporão), porventura a propriedade mais intrinsecamente ligada à casta no imaginário do consumidor. Exemplos recentes de projectos que têm levado longe o Loureiro são, entre outros, os vinhos de Márcio Lopes, de João Cabral de Almeida, de Vasco Croft e, ainda, os novos vinhos dos produtores Aveleda e Soalheiro, todos provados neste trabalho.

Conforme referido acima, a casta está muito associada ao Vale do rio Lima, e também ao Cávado, mas tivemos em prova vinhos das demais sub-regiões. É certo que vários dos vinhos mais pontuados provieram do eixo Ponte de Lima – Viana do Castelo, mas provámos óptimos exemplares de outras sub-regiões como no já mencionado vale do Cávado. Até em Monção e Melgaço se começa a apostar no Loureiro para emparelhar com Alvarinho. Efectivamente, as melhores prestações do Loureiro face à uva Trajadura (outra uva da região, por regra com mais álcool e de menor acidez), tem feito com que aquela esteja a substituir esta na hora de contribuir com frescura e acidez a um típico lote baseado em Alvarinho. Percebe-se esta tendência, na medida em que a acidez do Loureiro acaba por equilibrar um perfil mais guloso e cheio do Alvarinho.

Com efeito, o equilíbrio ácido do Loureiro é muito valorizado pelos enólogos que o descrevem como puro e vibrante, a meio caminho entre a acidez por vezes “dura” do Avesso e a acidez quase doce de alguns Alvarinhos.

DIFERENTES ESTILOS E PERFIS

Falando de terroirs, há quem sustente que a casta funciona particularmente bem em solos franco-argilosos (até com um pouco de xisto), mas o consenso sobre a textura dos solos não é total, antes dependendo a qualidade, como quase sempre sucede, de outros factores como a respectiva porosidade e matéria orgânica. Casta de maturação precoce, que prefere solos profundos e de média fertilidade, ganha percepção de mineralidade em solos de base granítica com altitude acima dos 150 metros e com porosidade, com os melhores vinhos a não ultrapassarem 12,5% de álcool. Com cacho comprido e apertado, ou seja, com pouco arejamento, certo é a sua preferência por anos pouco chuvosos por altura da vindima (por isso as colheitas de 2005, 2009 e 2015 deram alguns dos melhores Loureiros), ainda que aprecie a brisa atlântica e as noites mais frescas de verão. No copo, começa por apresentar uma tonalidade citrina pálida, mas, com o passar dos anos ganha rapidamente mais cor em garrafa, ainda que menos intensa do que o Alvarinho. Com diferentes clones disponíveis, é possível um produtor escolher entre perfis aromáticos mais terpénicos e florais (a lembrar, por vezes, algum Moscatel) ou um carácter mais austero e até salino. O mesmo sucede com a produtividade (tipicamente alta) da casta, com os melhores vinhos a resultarem de produções até às 6,5 toneladas/hectare, mas existindo resultados bem positivos próximo das 10 toneladas. A sua presença no encepamento da região dos Vinhos Verdes é dominante: segundo as informações estatísticas disponibilizadas no site oficial da região, ocupa quase 4200 hectares, contra 2300 de Alvarinho (embora esta esteja a crescer mais rapidamente) e outro tanto de Arinto.

A prova que fizemos de 36 marcas, oriundas de toda a região, permitiu-nos encontrar vinhos com diferentes interpretações da casta. Um desses modelos é a utilização do Loureiro para fazer vinhos que se inserem no imaginário do Vinho Verde que se quer beber no ano a seguir à colheita, geralmente acompanhando peixe grelhado ou marisco. Exuberantes na vertente aromática, com gás carbónico, e acidez elevada compensada com alguma doçura frutada, a casta entrega bons exemplares vínicos neste registo. Aqui, agrada-nos o álcool de baixo teor, os preços muito cordatos, apesar de, genericamente, os vinhos serem lançados no mercado precocemente, uma vez que beneficiariam muito com mais alguns meses em garrafa. Nas antípodas, encontramos a tradução da casta assente em fermentação e/ou estágio em barrica, e sem qualquer gás. Por vezes com mais de um ano em estágio de garrafa, são vinhos que revelam ambição. Na sua grande maioria, a barrica aporta um ambiente mais barroco e generoso, com a casta a manter a sua presença, privilegiando uma harmonia entre as notas varietais e utilização da madeira. São vinhos perfeitos para assados, de peixe ou carne, e podem ser bebidos no verão, mas também em meia-estação. Por fim, tivemos vinhos que, sem utilização de barrica, se mantiveram no perfil da região, mas procurando modernizá-lo. Aproveitando o carácter único e muito original da casta (é uma uva que “viaja” pouco a nível nacional ou internacional), são vinhos que expressam a região com muita identidade, vinhos austeros e com notas vegetais deliciosas, vinhos que crescem claramente com alguns anos em garrafa. Descartando-se da exuberância aromática excessiva, do gás carbónico desarranjado e da afinidade entre acidez elevada e doçura frutada, essa terceira vertente mostrou alguns dos melhores vinhos em prova. O certo é que, em todas estas variações, encontrámos denominadores comuns, alguns dos quais já identificados neste texto: originalidade, acidez vibrante, álcool, preços ajustados à qualidade e ambição e, não menos importante, nos melhores exemplares, grande potencial de longevidade. Belíssimas razões para o consumidor eleger os Verdes Loureiro como um dos seus parceiros. À mesa, e não só.

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)