Chryseia 2021: A excelência de um ano fresco no Douro

Chryseia

Numa aliança que se iniciou em 1999, unindo o produtor de Bordéus e enólogo Bruno Prats (antigo proprietário do Château Cos d’Estournel) aos maiores proprietários de vinhas no Douro, a família Symington, nasceu a Prats & Symington. Esta parceria única, de conhecimentos e tradições de duas grandes regiões vitivinícolas mundiais, resultou na criação de um […]

Numa aliança que se iniciou em 1999, unindo o produtor de Bordéus e enólogo Bruno Prats (antigo proprietário do Château Cos d’Estournel) aos maiores proprietários de vinhas no Douro, a família Symington, nasceu a Prats & Symington. Esta parceria única, de conhecimentos e tradições de duas grandes regiões vitivinícolas mundiais, resultou na criação de um grande tinto do Douro, que ecoa além-fronteiras: o Chryseia.
A Prats & Symington é, ao dia de hoje, proprietária de duas quintas no Douro: a Quinta de Roriz (na fotografia) e a Quinta da Perdiz, ambas localizadas no Cima Corgo e a operar em modo de Produção Integrada. As uvas do Chryseia provêm das duas quintas, e também da vinha vizinha de Roriz, Quinta da Vila Velha, propriedade particular de Rupert Symington. A Quinta de Roriz foi adquirida pelas duas famílias em 2009 com foco neste vinho, um passo importante para a obtenção da qualidade e da consistência que hoje nele encontramos. Em solos de xisto, a propriedade tem exposição maioritariamente a Norte e totaliza 95 hectares, cerca de 43 de vinha. Aqui, as duas castas que compõem o lote do Chryseia são dominantes — Touriga Nacional e Touriga Franca — mas também estão presentes Tinta Roriz, Sousão, Tinto Cão e outras tradicionais da região.
A apresentação da colheita de 2021 do Chryseia (com estágio de 15 meses em barricas de carvalho francês de 400L), mas também do entrada de gama Prazo de Roriz (6 meses em barrica) e do tinto Post Scriptum (12 meses em barrica), teve lugar no restaurante do chef Pedro Lemos, no Porto, e foi conduzida por Rupert Symington, Bruno Prats e Miguel Bessa, enólogo residente do projecto. “O que fizemos aqui não foi propriamente ir à procura do sucesso do vinho, foi acreditar que os vinhos apresentados hoje podem ser pedidos todos os dias aqui e colocados no pairing sem limitações, e isso é conseguido pela elegância e grandiosidade dos vinhos”, comentou Pedro Lemos, sobre a harmonização com pratos da sua autoria.

Chryseia

Bruno Prats — que actualmente residente em Genebra e se mantém ligado a duas empresas, Klein Constantia, na África do Sul, e Prats & Symington — destacou a capacidade de envelhecimento destes vinhos do Douro, referindo que até mesmo um Prazo de Roriz 2012, recentemente provado, estava delicioso. “O Post Scriptum é o segundo vinho do Chryseia. Ao fazer o lote final deste, seleccionamos o melhor dos melhores. O que resta, e que é feito com igual cuidado e qualidade, e das mesmas vinhas, origina o Post Scriptum”, referiu o enólogo. “Lembro que, em geral na Europa, 2021 foi um ano muito quente, com ondas de calor horríveis, mesmo no Reino Unido. Mas não no Douro, onde tivemos um ano fresco. Isso foi bom para nós, que procuramos elegância e finesse. Pudemos aproveitar um longo período de noites frescas que mantiveram a acidez e frescura, e boas condições durante a vindima, com pouca chuva. Foi um ano de colheita muito semelhante às minhas memórias de Bordéus. Uma colheita que elevou, sem dúvida, as características do Chryseia, que são a elegância, finesse, ‘drinkability’ e frescura. Queremos continuar a fazer o Chryseia assim, no seu espírito muito próprio. A magia do Douro é que permite fazer vinhos com enorme potencial de guarda, mas muito acessíveis, em perfil, enquanto jovens”, comentou Bruno Prats.
Já Miguel Bessa, enólogo residente da Prats & Symington, confessou que, para si, “o dia de lançamento destes vinhos é como o dia em que levamos pela primeira vez os filhos à escola, pela mão. O ano 2021, no meio de dois anos muito quentes, foi para nós um ano fácil, que veio ao nosso encontro: fresco, com maturações muito lentas, transportando-nos no vinho para os bosques da quinta, num lado mentolado e de frescura. Estou muito satisfeito…”, rematou.

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2023)

Fraga do Calvo: O retomar de um sonho adiado

Fraga do calvo

Em 1951, José Marinho era apenas um jovem quando iniciou a aventura da emigração, longe das suas origens, do outro lado do Atlântico. As razões foram as mesmas de muitos conterrâneos e compatriotas: a busca de uma vida melhor. As longas horas de trabalho muito duro no Brasil não obstaculizaram alguns períodos de ócio que […]

Em 1951, José Marinho era apenas um jovem quando iniciou a aventura da emigração, longe das suas origens, do outro lado do Atlântico. As razões foram as mesmas de muitos conterrâneos e compatriotas: a busca de uma vida melhor. As longas horas de trabalho muito duro no Brasil não obstaculizaram alguns períodos de ócio que permitiram desenvolver ligações sociais. Num desses momentos de descontracção, conheceu Etelvina Alves, a mulher que o encantou e com a qual regressou a Portugal, na década de 60, para casar e constituir família.
Com o dinheiro amealhado resolveu retomar um velho sonho e comprou a Fraguita, uma propriedade no Douro com três hectares, situada em Cabeda, no concelho de Alijó, na qual desenvolveu com grande entusiasmo a produção de vinho, que depois vendia na movimentada taberna do centro da povoação, por onde passava a Estrada Nacional 15, sendo na altura a única ligação entre a cidade do Porto e os territórios situados para lá da Serra do Marão. Contudo, a finitude da vida colocaria um ponto final na sua paixão.
Em 2014, um dos netos quis dar continuidade ao legado do seu avô. “Foi preciso tempo e algumas pessoas para que o meu desejo de colocar as mãos na terra ganhasse a força necessária para eu recomeçar uma história e dar continuidade a um sonho antigo, o sonho adiado de José Marinho”. Refere Gil Taveira, o actual mentor e enólogo do projecto.

Uma nova fase de expansão

Como seria de esperar, os novos empreendimentos vínicos não estão isentos de numerosos desafios e dificuldades. “O meu projecto de vida é pautado por muitos episódios de luta e persistência, que desaguam em singulares momentos de felicidade”, diz Gil Taveira.
Um dos maiores constrangimentos que teve de ultrapassar foi o arrendamento de novos vinhedos, com características semelhantes aos originais, que oferecessem garantias de qualidade. Actualmente, o projecto apresenta um total de cinco hectares de vinha, compostos pelas castas brancas Códega do Larinho, Gouveio e Viosinho. Relativamente às castas tintas, o encepamento passa por Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Roriz.
Ano após ano, tudo foi crescendo, e o que começou com uma pequena vinha no Douro transformou-se num projecto vínico viável, que inclui uma parceria com viticultores na região da Beira Interior, iniciada em 2018, dando início a uma nova marca e a vários vinhos.
O sonho não acaba aqui porque, ao que parece, haverá novos desenvolvimentos. Diz o enólogo, “hoje sei que a emoção e o amor são duas das mais valiosas ferramentas que utilizarei para que este sonho não mais seja adiado. O futuro não está planeado, mas… é inevitável”.

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2023)

GRANDE PROVA ESPUMANTES: As bolhas da nossa alegria

Grande Prova Espumantes

Entre um espumante barato de grande superfície e outro de uma grande marca de Champagne pode haver um intervalo de várias centenas de euros. Tudo terá começado em França mas hoje é um tipo de vinho que se produz em todo o mundo. Todos têm bolhas, mas são muitas as diferenças que os separam. Os […]

Entre um espumante barato de grande superfície e outro de uma grande marca de Champagne pode haver um intervalo de várias centenas de euros. Tudo terá começado em França mas hoje é um tipo de vinho que se produz em todo o mundo. Todos têm bolhas, mas são muitas as diferenças que os separam. Os que são feitos segundo as regras da região francesa apelidam-se de Método Clássico, uma vez que a palavra “champagne” e derivados, como “método champanhês” estão interditos, são de uso exclusivo daquela região francesa. Falamos assim do método de produção que implica a segunda fermentação na garrafa. No entanto existe um outro método – Charmat – muito vulgarizado em Itália mas também presente entre nós em que a primeira e segunda fermentações são feitas em grande depósitos e não na garrafa. No caso dos espumantes da segunda fermentação na garrafa, existe ainda a divisão entre os que usam leveduras livres e os que utilizam leveduras encapsuladas (ver texto em baixo). Finalmente há que referir que existe um outro tipo de vinho com gás natural – o chamado Pet Nat – em que a efervescência deriva do facto do vinho ser engarrafado ainda antes da fermentação alcoólica terminar e, consequentemente, ao terminar na garrafa, acaba por libertar algum gás, conservando também as levaduras mortas que então se apresentam como depósito na garrafa, exigindo cuidados especiais no serviço. Este método – chamado de método antigo ou método rural – corresponde à pré-história do espumante e tem tido actualmente um certo renascimento pelo interesse demonstrado por alguns produtores, sommeliers e consumidores adeptos de produtos alternativos. A prova que aqui publicamos não contempla esses vinhos, tal como não contempla os vinhos feitos pelo método Charmat.
A produção de espumantes, se feita com os requisitos que o progresso científico vem aconselhando, é um trabalho de enorme exigência técnica e laboratorial, com muitas análises e procedimentos que não estão ao alcance de qualquer produtor. Tem pouco equipamento, instalações mal habilitadas, ausência de laboratório? Faça tinto em lagar, faça branco num tonel usado mas…esqueça o espumante!
Decorre da leitura de um texto técnico sobre a produção de espumante que esta é provavelmente a bebida mais manipulável com que nos cruzamos; requer intervenção e decisões em inúmeras fases da produção e por isso se começa também a perceber porque uns custam €5 e outros custam €200. É verdade que os de €5 podem ser muito bem feitos, mas só vende caro quem consegue e o verbo conseguir custa por vezes uma geração (ou várias) a conjugar.

Grande Prova Espumantes

 

Qualquer enólogo que faça espumantes dirá que a prensagem é uma etapa absolutamente crucial no processo produtivo. A razão para isso prende-se com a indispensável separação dos mostos.

Da vinha à garrafa

Quando falamos de espumantes feitos pelo método clássico da segunda fermentação na garrafa temos tendência apenas a valorizar essa etapa e esquecemo-nos de tudo o que se passa antes de introduzir o vinho na garrafa para então se dar a tal segunda fermentação. Para sermos correctos, a produção de espumantes reveste-se de muito planeamento porque tem de ser pensada quando as uvas ainda estão na cepa e não se iniciou a vindima. Vejamos então os passos que têm de ser dados para se produzir um bom espumante. Tudo começa na vinha com a escolha das castas a utilizar. Vamos passar esta parte, partindo do princípio que o produtor já fez essa selecção. A verdade é que a história da região de Champagne demonstrou que a Chardonnay e a Pinot Noir são das que melhor se adequam a este tipo de elaboração. Temos, no entanto, em Portugal algumas variedades que têm dado muito boa conta de si, desde as castas do Vinho Verde, sobretudo a Alvarinho e Loureiro mas com a Alvarelhão a recolher aplausos (como acontece com Anselmo Mendes), a Gouveio no Douro (espumante Vértice, por exemplo), a Baga e a Cercial na Bairrada e, claro, a Arinto, a ubíqua casta portuguesa de múltiplas utilizações.
Seleccionada a casta passamos à etapa seguinte que é a marcação da vindima. Aqui começam as decisões importantes porque é determinante colher as uvas com baixo potencial de álcool e uma acidez elevada. Na Bairrada, por exemplo, as castas que apresentam uma acidez mais elevada são a Arinto e Cercial e as outras variedades, Maria Gomes, Bical e Baga tendem a apresentar uma acidez um pouco mais baixa. Desta forma, uvas com bom equilíbrio para espumante deverão ser colhidas com um potencial alcoólico que não ultrapasse os 11% e uma acidez compreendida entre os 7 e 9 gr./litro (medida em ácido tartárico); deverão ser seleccionadas variedades com baixo teor de substâncias fenólicas (no caso das brancas) e baixo teor de antocianinas (cor) nas uvas tintas.
Seguidamente vem a etapa que antecede ainda a fermentação do vinho-base. Qualquer enólogo que faça espumantes dirá que esta – a prensagem – é uma etapa absolutamente crucial no processo produtivo. A razão para isso prende-se com a indispensável separação dos mostos. Ainda antes de começar a prensar e apenas devido ao peso, poderá haver mosto a sair da prensa; esse será descartado e junto às prensagens finais. A primeira prensagem importante – a cuvée – deverá ser separada da prensagem seguinte – a taille – ainda dividida em duas partes, uma primeira e segunda taille. Na cuvée vamos sobretudo recolher o sumo dos bagos e, no caso das uvas tintas pobres em cor (como a Pinot Noir), recolher um sumo que quase se apresenta idêntico ao das uvas brancas, um mosto rico em açúcares, ácidos e substâncias aromáticas; na taille vamos obter um mosto mais rico em polifenóis e taninos, sobretudo na 2ª taille. Na região de Champagne estabeleceu-se uma regra como segue: uma prensa com 4000 kg de uvas deverá permitir obter 2050 litros de mosto de lágrima (cuvée), 410 litros da 1ª taille e 205 litros da segunda taille. Por norma, após a prensagem os mostos são clarificados e filtrados antes de fermentação em cuba (ou barrica). Percebe-se assim porque se diz que é importante a vindima ser manual e não mecânica, afim dos cachos chegarem inteiros à prensa. Por razões económicas pode juntar-se parte da taille à cuvée, aumentando assim a quantidade final produzida.

A importância do vinho-base

Para se fazer um espumante tem de se fazer primeiro o vinho-base que fermenta como qualquer mosto, normalmente com leveduras inoculadas, sobretudo nos mostos que foram clarificados que têm mais dificuldade em fermentar com as leveduras indígenas. Por norma a fermentação decorre em inox mas, em caves com boa temperatura (que não ultrapasse os 15ºC) pode decorrer em barrica, uma prática que tinha sido abandonada mas está a regressar, sobretudo em produtores de pequena dimensão. Como noutros vinhos também aqui a fermentação tem de ser bem monitorizada, assegurando a total transformação dos açúcares e evitando paragens de fermentação e desvios. É a este vinho base (que poderá incluir vinhos de vários anos que permitem manter o “estilo da casa”) que, após clarificação e estabilização tartárica, se irão adicionar as leveduras e o açúcar que irão operar a segunda fermentação em garrafa fechada. O licor de tiragem, deverá respeitar, grosso modo, a proporção de 24 gr/açúcar por litro e a quantidade de leveduras poderá variar entre 10 e 20 gr por hectolitro, correspondendo a uma quantidade que varia ente 1,5 e 2 milhões de leveduras activas por mililitro de vinho. Após enchimento as garrafas serão colocadas na posição horizontal em cave fria e aí permanecerão por tempo a definir pelo produtor, podendo ir de 1 até 10 anos de estágio. Como vedante usa-se principalmente a carica, mas alguns produtores, após ensaios convincentes, estão a regressar ao antigo método de rolhar as garrafas usando um grampo para ajudar a manter o gás. Diz Celso Pereira que “no Vértice Chardonnay estamos, na sequência dos ensaios dos espumantes Gramona (Penedès), a usar rolha para a segunda fermentação e estágio” Considera-se que quanto mais tempo estagiarem cave, mais fina é a bolha no final. A etapa seguinte é o do removimento das leveduras mortas (remuage) operação cada vez mais automatizada pelo recurso a giropalettes que “mexem” 500 garrafas em cada movimento, poupando assim mão-de-obra, tempo e espaço.
Um outro método consiste na utilização de leveduras encapsuladas em vez de leveduras livres. O método tem várias vantagens, nomeadamente no limitado uso de mão-de-obra e na rapidez com se consegue um vinho pronto (dispensando a remuage das garrafas) e consequente poupança de espaço na adega. O método tem defensores (como o enólogo Osvaldo Amado) mas requer um controle rigorosíssimo da higiene para se evitar a contaminação de leveduras, quer na adega quer na linha de engarrafamento. Esta exigência afasta o método dos pequenos produtores, que têm muita dificuldade em controlar as leveduras “até do ar da adega”, como nos afirmou. Osvaldo recorda que esteve presente nos primeiros ensaios na Estação Vitivinícola da Bairrada com o seu responsável António Dias Cardoso em 1987 e 88 e que foi nas Caves Primavera que se produziu o primeiro espumante comercial de leveduras encapsuladas, com a marca Chave d’Ouro.
Também Francisco Antunes – responsável por cerca de 1,2 milhões de garrafas de espumante nas Caves Aliança – participou nestes primeiros ensaios que tiveram a chancela da Proenol, a empresa produtora das leveduras encapsuladas. Reconhece que é um pouco mais caro mas se se contar os custos de tempo, remuage e mão-de-obra, pode ser um recurso importante mas, também ele refere, “é um método muito exigente” que não está ao alcance de todos. Na Aliança “chegámos a usar no espumante Danúbio mas agora só usamos leveduras livres”. Também Marta Lourenço (Murganheira) recorda que “para se fazer um grande espumante são precisos 10 a 12 anos e que a autólise (degradação natural das leveduras), no caso das leveduras encapsuladas não acrescenta mais nada a partir dos 4 anos.” E, relembra “quanto menor o tempo de estágio mais agressiva é a bolha”, razão suficiente para ser defensora do método clássico, também aplicado na Raposeira.
Já Celso Pereira sustenta que o tempo de estágio é um dado muito importante mas, salienta, “a qualidade depende de tantos factores que não podemos afirmar peremptoriamente que com 8 anos é melhor que seis ou com 15 melhor que 12”. No caso de Champagne, as grandes marcas apostam, nos seus topos de gama, em estágios de cave muito prologados.
Quanto mais se lê sobre espumantização mais se percebe que fazer um vinho com bolhas é relativamente fácil mas fazer um grande espumante é um trabalho que resulta de uma enorme soma de pequenos pormenores, ensinamentos que foram sendo acumulados ao longo de séculos e aos quais a ciência deu validade. Todas a operações relacionadas com a espumantização estão minuciosamente descritas num trabalho académico de grande fôlego que vivamente se recomenda a quem quiser aprofundar o assunto: Pedro Guedes “Fizziologia”, Quântica Editora, 2021.

De Norte a Sul

O espumante produz-se em todas as regiões do continente e ilhas. Naturalmente que as regiões onde as quantidades são mais significativas são a Bairrada e Távora-Varosa, as mais clássicas zonas produtoras. A tradição bairradina remonta aos finais do séc. XIX e em Távora aos inícios do séc. XX. Actualmente a produção em todo o país pode ser dividida em dois grupos distintos: os espumantes com Denominação de Origem (DO e IG) e os restantes, os chamados espumantes IVV. Na Bairrada, por exemplo, os dados mais recentes revelam que a produção DO tem vindo a aumentar de 2017 até 2022. Assim, se se incluir vinhos Bairrada e Regionais (Beira Atlântico) brancos, rosados e tintos, a região tem originado, em 2022, 2 317 329 garrafas. Neste valor global há a destacar algumas tendências, como a produção de espumante tinto, mas com tendência a diminuir, sobretudo se comparado com 2017 (de 110 720 garrafas para 72 436 em 2022); outra tendência curiosa tem sido o crescimento da nova designação Baga-Bairrada (que a partir de 2019 obriga a 18 meses de estágio), e que cresceu de 330 000 garrafas em 2019 para 415 000 em 2021. Também o espumante rosé tem conhecido um crescimento significativo, passou de cerca de 208 000 garrafas em 2017 para 311 000 em 2022.
A região de Távora-Varosa certificou em 2022 cerca de 2 869 740 garrafas, não tendo certificado nada como IG, ou seja, Vinho Regional, dos quais cerca de 2 100 000 garrafas de vinho branco da variedade Bruto. Aqui as Caves da Murganheira assumem claramente o papel de maior produtor, com 1 100 000 garrafas na Murganheira e 2 500 000 na Raposeira. Marta Lourenço, à frente dos destinos enológicos da empresa, confirmou-nos que a Raposeira não certifica nada (ou seja, todos os espumantes têm selo IVV) porque os vinhos incorporam uvas quer do Douro quer de Távora-Varosa.
No caso do Vinho Verde há a salientar a produção de espumantes varietais — sobretudo de Loureiro, estável nas cerca de 36 000 garrafas entre 2020 e 22 — e Alvarinho com um aumento exponencial de 46 500 garrafas em 2020 para cerca de 88 000 em 2022. Como um todo, a região tem mantido a produção regular (com oscilações decorrentes das variações de colheita) entre 548 888 garrafas em 2020 e 493 052 garrafas em 2022.
Segundo informação recolhida junto do IVV, a produção nacional certificada andará em 2022 pelas 7 868 933 garrafas (valor mais alto desde 2014) e o espumante não certificado cifra-se em 15 769 600 garrafas, igualmente o valor mais alto desde 2014.

 

Grande Prova Espumantes

Foi com a intenção de fazer dele uma bebida de comemoração que se generalizou em Champagne o consumo de vinho com algum açúcar residual.

 

Todos são momentos certos

Muito se escreve sobre a ligação do espumante com a comida. Por um lado, sabemos que se trata de uma bebida que frequentemente é consumida sem qualquer acompanhamento; por outro cada vez mais consumidores associam o espumante a vários momentos da refeição. Foi com a intenção de fazer dele uma bebida de comemoração que se generalizou em Champagne o consumo com algum açúcar residual, numa quantidade que apenas ajuda a que o vinho não seja tão marcado pela elevada acidez quando é consumido. Assim, a variedade Bruto, sem dúvida a mais generalizada, costuma ter de 5 a 8 gramas de açúcar, quantidade que ajuda consumir o vinho sem qualquer acompanhamento. Já à mesa são as variedades Extra Bruto ou Bruto Natural que melhor ligam com a refeição.
É aqui que começam as diferenças de opinião. Sendo uma bebida que tem a plasticidade de se ligar a qualquer prato, da entrada à sobremesa, quase todas as opiniões são possíveis. Seguindo no rasto de um sommelier americano, podemos considerar três hipóteses: o vinho é mais forte que o prato; o sabor do prato sobrepõe-se ao vinho ou, terceira hipótese, o prato faz com que o vinho saiba melhor e o vinho favorece o sabor do prato. Não parece difícil mas muitas vezes só se chega lá por tentativa/erro e nem sempre temos possibilidade de o fazer.
A escolha pode recair num produto local. Assim, conforme o sítio onde estamos poderemos querer associar um prato a um espumante da terra; é uma hipótese sempre interessante sobretudo como proposta para turistas que estão de passagem.
As ligações clássicas começam nos peixes fumados como aperitivo, mas podem estender-se rapidamente aos pratos de marisco e peixe com pouco tempero. Depois, ainda mais rapidamente podemos passar aos pratos de massas, risotos, pratos mais puxados nas especiarias e picantes e na culinária oriental. Também os pratos vegetarianos poderão ser perfeitos companheiros para o espumante. Deixe-se levar pelo instinto e procure ousar em ligações menos óbvias. Mas, claro, é sempre bom ter um plano B para quando a ousadia dá para o torto.
Provámos quase 30 espumantes de várias zonas do país e, pese o facto de algumas empresas terem “faltado à chamada” e outras não terem enviado o seu topo de gama, a verdade é que temos aqui muito por onde escolher e a preços muito razoáveis. Agora, só resta desfrutar.

 

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2023)

Picowines: Ilha do Pico, na crista da onda

picowines

Parece que já tudo foi dito e escrito sobre os vinhos da ilha do Pico, uma denominação de origem que, sobretudo na última meia dúzia de anos, tem tido apontados os holofotes da comunicação social, dos compradores, dos consumidores. Raros, preciosos, singulares, os brancos (e não só) com denominação de origem Pico ou indicação geográfica […]

Parece que já tudo foi dito e escrito sobre os vinhos da ilha do Pico, uma denominação de origem que, sobretudo na última meia dúzia de anos, tem tido apontados os holofotes da comunicação social, dos compradores, dos consumidores. Raros, preciosos, singulares, os brancos (e não só) com denominação de origem Pico ou indicação geográfica Açores, nascidos naqueles tão fotogénicos muros rendilhados feitos de pedra vulcânica empilhada, estão, literalmente, nas mesas mais exigentes. Para muitos apreciadores até pode parecer que sempre assim foi. Mas não é verdade.
Não há muito tempo, nesta ilha rochosa dominada pelos 2351 metros do vulcão, a vinha esteve quase em vias de extinção e os vinhos produzidos eram, sobretudo, bebidos localmente. O ponto de viragem terá sido, inquestionavelmente, a elevação dessa impressionante paisagem de currais de lava a Património da Humanidade. A classificação da Unesco, em 2004, trouxe não apenas notoriedade, mas também despoletou outra coisa que é condição essencial para uma efectiva reabilitação e preservação patrimonial: dinheiro. O qual se traduz em apoios para plantação que, em alguns casos, atingem os 30 mil euros hectare (fundo perdido), além de apoios extra para preservação das vinhas e das curraletas.

picowines

 

Nas minúsculas parcelas de vinha da ilha do Pico, a vindima é quase sempre realizada por toda a família.

 

 

 

 

Para trás ficaram assim décadas e décadas de depauperamento vitícola e financeiro dos picarotos. Se atentarmos aos relatos históricos e à imensidão de currais ainda hoje tomados pelo mato, facilmente acreditamos quando nos dizem que o Pico, outrora, terá tido quase dez mil hectares de vinha. Na segunda metade do século XIX o oídio e a filoxera devastaram essa riqueza e pouco se fez para a recuperar. Boa parte da população abandonou a ilha e ninguém se interessava já por aquelas vinhas e por aqueles vinhos, entretanto transformados em tintos de “produtor directo” (do bacelo “americano”, sem enxertia), para autoconsumo.
Nascida em 1953 e laborando as primeiras uvas na vindima de 1961, a Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico foi o esteio a que os pequenos viticultores se agarraram para continuar a manter a sua paixão ou modo de vida. Se inicialmente era o vinho licoroso, feito a partir das castas brancas nobres (Verdelho, Arinto dos Açores e Terrantez do Pico), o objectivo da cooperativa, rapidamente a realidade a empurrou para a produção do “vinho de cheiro” da videira americana, o qual, a partir dos anos 70, foi essencial para a manutenção da casa e, até, para a própria subsistência dos picarotos. O estatuto de nobreza das castas brancas viria a ser reforçado com a criação da denominação de origem e da Comissão Vitivinícola Regional, nos anos 90 e vibrantemente exponenciado com os apoios europeus e regionais à viticultura. Dos estimados 240 hectares de vinha existentes em 2004, aquando da classificação Unesco, passou-se para os actuais 1200 hectares, dos quais 700 pertencentes aos 270 associados da cooperativa. O investimento vitivinícola da ilha passou a ser feito sobretudo nas três castas brancas, hoje altamente valorizadas (pagas, por vezes, acima dos €4/quilo) e as únicas admitidas para DO Pico. O nascimento de outras empresas produtoras, como Curral Atlantis, Insula, ou Azores Wine Company, (para além da revitalização de clássicos como Fortunato Garcia com o seu inimitável Czar) veio trazer ainda mais notoriedade ao vinho do Pico e aumentar a (muito saudável, diga-se) competição.
A partir de 2017, a cooperativa (que hoje assina Picowines, nome mais fácil de memorizar em várias línguas) desenvolveu uma gestão cada vez mais profissional, protagonizada pelo enólogo consultor Bernardo Cabral (que entrou nessa vindima) e pelo actual presidente, Losménio Goulart. A “crise covid” veio, mais uma vez, evidenciar o papel social da instituição. “Em 2020 quase não se vendia vinho, e muitos viticultores viram-se rejeitados pelas empresas que lhes compravam uva e que não quiseram assumir os compromissos na vindima desse ano”, conta Losménio Goulart “Nós fizemos o inverso. Pedimos apoio ao governo regional, comprámos mais depósitos e aceitámos mais 32 sócios. Claro, quando foram aliciados para voltar a vender as uvas, nas vindimas seguintes, não se esqueceram de quem lhes deu a mão…”, refere com notório orgulho.

Mas mais do que resolver crises pontuais, é preciso contornar o envelhecimento populacional e avivar o interesse das novas gerações de picarotos na vinha e no vinho. “O preço e a garantia com que pagamos as uvas faz com que os viticultores da ilha, geração após geração, vejam na produção de uvas e venda à sua cooperativa, um negócio rentável, uma experiência profissional bem remunerada e financeiramente atractiva”, diz Goulart. Algo que é corroborado por Bernardo Cabral: “Vejo com enorme entusiasmo o futuro próximo dos vinhos do Pico. Os filhos dos antigos viticultores, hoje com 30, 40 ou 50 anos, também têm gosto pela terra, e querem continuar. Os apoios à viticultura ajudam igualmente a manter os projectos vivos e activos.”
Bernardo sabe do que fala. Com forte ligação familiar aos Açores (e casa própria no Pico) o desafio que a cooperativa lhe lançou em 2017 mostrou-se totalmente irrecusável. “Quero ajudar a devolver aos vinhos do Pico a identidade e notoriedade que em tempos tiveram. E tem sido privilégio enorme trabalhar com estes sócios incríveis, que tratam as vinhas como filhos,” adianta.

 

 

 

A partir de 2017, a Cooperativa desenvolveu uma gestão mais profissional, protagonizada pelo enólogo consultor Bernardo Cabral e pelo

actual presidente , Losménio Goulart.

 

ATLÂNTICOS E VULCÂNICOS

Fazer vinha e vinho no Pico é, em si mesmo, já desafio que chegue. O clima e solos da ilha, com as vinhas enraizadas na lava e frequentemente fustigadas pelo mar ou pela chuva, não é coisa fácil. “O maior dos desafios está naquilo que não conseguimos controlar – a Natureza”, diz Bernardo Cabral. “Nos Açores sentimos as alterações climáticas de forma muito significativa com eventos como tempestades fora da sua época, a acontecerem cada vez com mais frequência e força. Tem exigido um trabalho ao nível da viticultura mais meticuloso e em que aqueles que possuem capacidade e rapidez de reacção têm conseguido reduzir os danos. É todo um conjunto de intervenções planta a planta que executadas no momento certo definem o sucesso e qualidade das uvas que são colhidas.”
Esta que é, sem qualquer sombra de dúvida, das mais impressionantes paisagens vitícolas do mundo, deve-se ao trabalho do homem que construiu, e continua a construir, muros para proteger as plantas da agressividade do vento e água do mar e plantou vinhas num solo de pedra vulcânica. É uma viticultura sem qualquer hipótese de mecanização e que requer muita mão de obra. Também, por isso, “dar continuidade e manter o interesse das novas gerações no trabalho da vinha é a melhor garantia de futuro”, como aponta Bernardo Cabral.
O trabalho do enólogo, desde 2017, já produziu nos seus frutos, conferindo novo perfil às marcas clássicas da casa (Terras de Lava, Frei Gigante, Lajido) e estreando uma linha de varietais, Ilha do Pico, que impressiona imenso pela qualidade e personalidade. Sete vindimas (contando com esta de 2023) à frente dos vinhos da Picowines permitiram-lhe já caracterizar as três castas brancas que compõem a DO Pico. Para Bernardo, a Terrantez do Pico, “é a casta mais difícil de gerir na vinha (uma verdadeira ‘prima dona’). Se não lhe dermos a devida atenção tudo pode correr mal. Mas se cuidarmos bem dela, devolve-nos uvas de uma qualidade ímpar. Pelicula pouco resistente, bago grande, ciclo curto que a torna mais apetecível para os pássaros. Se não se faz a gestão correta das folhas, fica mais sujeita a podridão. Produz vinhos de elevada acidez, com muito volume na boca, aguenta alguma barrica. Com excelente longevidade, em garrafa só mostra o verdadeiro potencial com alguns anos.”

Se a Terrantez do Pico é a primeira a amadurecer, Arinto dos Açores é a última, sendo igualmente, a mais resistente a doenças. Tudo isso, associado à qualidade intrínseca na adega, fez dela a casta branca mais plantada na ilha. “Com um bago pequeno e pelicula rija, tem níveis de acidez impressionantes o que a torna uma das melhores para espumantes”, explica Bernardo Cabral. “São os vinhos desta casta que acolhem mais consenso junto dos consumidores. Nas vinhas mais velhas dá vinhos com uma mineralidade marcante e grande longevidade”, adianta.
Mas, em boa verdade, a Verdelho foi a casta dominante durante um longo período, é a “uva mãe” dos licorosos do Pico e continua a ser aquela que “soa” nos ouvidos dos apreciadores. Não espanta, por isso, que esteja a ser novamente plantada em larga escala especialmente na costa norte e nordeste da ilha. É sensível ao míldio, mas relativamente resistente a podridão. Nas palavras do enólogo, “das vinhas antigas na zona da Criação Velha produz vinhos muito vibrantes, minerais, mas também tem uma excelente capacidade de maturar e sobre-maturar para produzir licorosos. Sou da opinião que é a casta que mais notas relacionadas com o mar (algas, iodo) mostra durante a sua evolução em garrafa.”

O PICO, NAS SUAS NUANCES

A Picowines tem um portefólio vasto, apesar de viver de um terroir de baixíssimas produções (muitas vezes inferiores a 1 ton/ha) e grande imprevisibilidade de colheita para colheita. As três últimas vindimas foram escassas e, tudo o indica, a maior quantidade prevista para a colheita de 2023 terá sido comprometida pela autêntica praga de pássaros que devoram todas as uvas que lhes aparecem pela frente…
Terras de Lava foi o primeiro vinho branco tranquilo certificado na região, na colheita de 1994. Até aí, a cooperativa fazia unicamente vinhos licorosos e vinhos de cheiro. O Terras de Lava é um IG Açores, podendo, portanto, assumir-se nas versões branco, rosé ou tinto, com uma grande variedade de castas, regionais, nacionais e estrangeiras aprovadas para a sua produção. Os tintos continuam a ser muito importantes para a economia da ilha (os consumidores locais, sobretudo os turistas, não bebem só branco…) e Bernardo Cabral tem uma opinião formada sobre o seu potencial. “Com um estilo muito elegante, baixo teor alcoólico, e cor ligeira, os tintos do Pico vão ao encontro das tendências de consumo. O melhor exemplo tem sido a escolha que vários restaurantes reconhecidos tem feito dos nossos tintos para “pairing” nos menus de degustação. Não temos como não ver um óptimo futuro para estes vinhos”, comenta.
Frei Gigante é uma marca histórica, nascida bem antes dos vinhos dos Açores estarem na moda. Para muitos consumidores foi, durante largos anos, sinónimo do vinho branco deste arquipélago. Quando Bernardo Cabral chegou à Picowines, procurou conferir-lhe um perfil mais moderno, mas sempre assente nas castas tradicionais (é um DO Pico) e com carácter local bem vincado. Não sendo o vinho mais ambicioso da casa, mantém ainda assim uma enorme longevidade, como tive oportunidade de comprovar com as colheitas de 2013 e, sobretudo, 2009, espantosamente jovem ainda. Bem mais recente (lançado em 2022) é o branco Rola Pipa, igualmente DO Pico, feito a partir das três variedades brancas e que remete para os trilhos que as pipas outrora escavaram na rocha a caminho dos barcos que as aguardavam no mar.

picowines
O lugar de maior destaque no portefólio vai, porém, para a linha de varietais Ilha do Pico, introduzida por Bernardo a partir da vindima de 2017. As melhores uvas de Verdelho, Arinto dos Açores e Terrantez do Pico são a eles destinadas, e os vinhos correspondem na máxima grandeza. Com a marca Ilha do Pico existe igualmente um surpreendente espumante, feito de Arinto dos Açores, que começou a construir-se em 2016 e tem sido feito todos os anos, com estágio prolongado em garrafa, estando agora no mercado o 2017. Bernardo Cabral é um entusiasta da categoria e vê nela um caminho para a região: “Sou de opinião que vamos marcar uma posição muito forte neste segmento com espumantes extremamente sérios num estilo inigualável, pelas características do terroir”, diz. “Sem dúvida que haverá um grande crescimento dos espumantes dos Açores, em especial do Pico, num futuro próximo”, acrescenta.
Um dos mais notáveis vinhos do portefólio é Gruta das Torres, um Arinto dos Açores feito com maceração pelicular de 4 dias e fermentado com leveduras indígenas em antigos balseiros. A sua singularidade não vem daí, porém, mas sim do estágio das pouco mais de 1000 garrafas na emblemática Gruta das Torres, uma extensa galeria vulcânica com 1500 anos de idade, situada a 17 metros de profundidade, e com 90% de humidade relativa. Na escuridão absoluta, estas garrafas evoluem muito lentamente dando ao vinho características distintas, como tive oportunidade de avaliar numa prova comparativa do vinho de 2018, ali colocado em 2019 e retirado e lançado em 2020. O branco da colheita de 2020 foi para a gruta em 2021 e ainda lá se encontra…
E, por fim, os licorosos, tradição de séculos na ilha do Pico. Apesar de produzidos em quantidades minúsculas, a cooperativa manteve sempre o clássico Lajido, de forte personalidade, e Bernardo Cabral criou o Ilha do Pico 10 anos, mistura de três colheitas de Verdelho: 2003, 2008 e 2009. “São licorosos únicos, com um perfil que, acredito, se enquadra melhor nas tendências de consumo, quando comparado com licorosos de outras origens”, acentua o enólogo. “Apesar de o stock existente ser relativamente baixo, o padrão de qualidade é muito alto, tornando-os uma escolha apetecível para quem busca raridade e singularidade.”

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Peça central na zona da criação velha, o moinho vermelho é um verdadeiro ícone da ilha, e, certamente, a edificação mais vezes fotografada.

 

Os vinhos da Picowines já correm o mundo, mas há que fazer mais para alcançar a merecida notoriedade. Do ponto de vista qualitativo, estão já em marcha diversos investimentos que visam modernizar a adega e a linha de engarrafamento. No que respeita à componente comercial de marketing é preciso igualmente ir mais além. “A estratégia passa pela consolidação do mercado e aproximação da marca a todos os seus consumidores. Tudo isto com o objectivo de criar uma imagem da Cooperativa e dos vinhos do Pico sólida, dinâmica, moderna e de excelência”, refere o presidente Losménio Goulart. Um dos aspectos onde a Picowines tem muito para crescer é no turismo, que assume uma importância cada vez mais decisiva na economia da ilha. A ideia de Losménio é reorganizar o espaço do edifício principal, separando a área laboral da área visitável e dotando esta de todas as valências para potenciar um enoturismo de topo, com oferta diversificada.
A ambição do presidente da cooperativa também se estende ao mercado externo, com a ampliação considerável da rede de distribuição, que hoje alcança 15 países. “O ponto de equilíbrio perfeito assenta numa estrutura trípode: enoturismo/mercado regional/mercado português e internacional”, diz o responsável pela Picowines. Enquanto se monta a estrutura humana e material para concretizar esses objectivos, é importante não esquecer que o mais importante já existe: os vinhos. E que belíssimos vinhos se fazem por aqui…

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2023)

Roteiro: Algarve – A discreta revolução

Roteiro algarve

  Uma História com 2500 anos Os vinhos estarão no Algarve há muito, muito tempo. Segundo o livro “A Vinha e o Vinho no Algarve – O renascer de uma velha tradição”, coordenado por João Pedro Bernardes e Luís Filipe Oliveira, do Centro de Estudos do Património da Universidade do Algarve, “foram (…) os Fenícios […]

 

Uma História com 2500 anos

Os vinhos estarão no Algarve há muito, muito tempo. Segundo o livro “A Vinha e o Vinho no Algarve – O renascer de uma velha tradição”, coordenado por João Pedro Bernardes e Luís Filipe Oliveira, do Centro de Estudos do Património da Universidade do Algarve, “foram (…) os Fenícios ou os Gregos que, a partir do século VIII a.C., permitiram os primeiros contactos da região com o vinho, uma bebida cara e de consumo muito restrito”. O vinho chegava de barco em ânforas, cujos restos, descobertos em abundância, continham vestígios de vinho. Não tardou que os autóctones começassem a plantar a videira, mais a jeito de experiência. A chegada dos romanos, alguns séculos depois, veio expandir o cultivo, a par da oliveira. Mas, aparentemente, ainda em pouca quantidade, destinando-se o pouco vinho resultante a ocasiões especiais e/ou elites sociais. Nos séculos seguintes, a produção local não inviabilizou a importação, que passava pela actual Itália para, calcula-se, a espanhola Andaluzia e a Gália, actual França. Por essa altura, o vasilhame de transporte vai passando do barro (as famosas ânforas vinárias), para a madeira, com os barris e tonéis a assegurarem também a função de armazenamento.
Terá sido já na nossa era que se fomentou o cultivo da vinha no Algarve, através de explorações
agrícolas fundadas por colonos romanos ou sob a sua influência. Estes colonos trouxeram ainda as suas técnicas de vinificação. Com a queda do Império Romano, estas explorações entram em colapso, por volta do século V. Dos séculos seguintes pouco ou nada se sabe, mas não custa perceber que alguma vinha se tenha mantido na paisagem algarvia, incluindo na presença islâmica no sul de Portugal, que durou até ao século XIII. Os árabes, curiosamente, já detinham bons conhecimentos sobre a vinha e o vinho, patentes, por exemplo, em tratados agronómicos da altura. E tanto assim era que o rei Afonso III responsabilizou os mouros que por aqui ficaram pelo cultivo das suas vinhas na região.
E os anos foram passando. Existem bons registos do século XV e posteriores que mostram que o cultivo da vinha e o fabrico do vinho tinha, entretanto, crescido significativamente. Juntamente com frutas (especialmente o figo), o vinho começou a ser exportado, por mar, para a região de Lisboa e também para o Norte da Europa (muitas vezes de Lisboa). Isto pressupunha áreas de vinha já consideráveis. Diz “A Vinha e o Vinho no Algarve” que a vinha “ocupava uma mancha que se estendia por toda a faixa litoral, subindo inclusive o barrocal, para se deter apenas nas imediações da serra algarvia”. E estava sobretudo junto às povoações.
Os séculos posteriores não trouxeram grandes novidades a este panorama. Mesmo os procedimentos de viticultura e enologia, pouco se alteraram ao longo dos anos. Práticas poucas vezes sãs davam, muitas vezes, origem a vinhos defeituosos ou alterados com ingredientes. A introdução de conhecimentos mais modernos nem sempre era bem-vinda: muitos produtores achavam que o vinho feito “à moda antiga” era o preferido dos consumidores. Noutras paragens, não era assim. De tal maneira que surge em Lisboa uma proibição de entrada de “vinhos inferiores e avinagrados do Algarve”.
A obra de João Pedro Bernardes e Luís Filipe Oliveira refere-o explicitamente, apontando razões para isso: por um lado, o acervo das castas tradicionais, “que privilegiavam a quantidade e não a qualidade”. E por outro, a influência das condições climáticas do Algarve, com calor na Primavera e Verão e temperaturas moderadas no resto do ano; estas condições proporcionavam vinhos alcoólicos, com poucos taninos e acidez, comprometendo a sua evolução. Mas, se pensarmos bem, o panorama não seria tão diferente noutras regiões do país.

 

Roteiro Algarve

 

 

Sara Silva, Presidente da Comissão Vitivinícola do Algarve, entrou na casa em 2010, mas só gere os seus destinos desde 2019, à frente de uma equipa de cinco pessoas.

 

 

O vinho algarvio no século XX

E chegamos rapidamente ao século XX, já depois de resolvida a hecatombe da Filoxera e os estragos causados pela chegada das doenças fúngicas chamadas de Oídio e Míldio. Refira-se que a Filoxera não atacou tão severamente os vinhedos algarvios como nas outras regiões, por duas grandes razões: os solos de areia e a consociação da vinha com outras culturas, como a figueira, oliveira, alfarrobeira e amendoeira. Ou seja, as vinhas eram na sua maioria pequenas e afastadas, o que dificultava a propagação da praga. De tal maneira que, já nos anos 80, cerca de 17% da área de vinha algarvia ainda estava em pé franco, sem recorrer ao enxerto com bacelo americano, imune à Filoxera. Em Lagoa, essa percentagem era 37%!
Nas primeiras décadas do século, o comércio local de vinho era pouco desenvolvido e o vinho era comercializado a granel, em garrafões ou barris e o seu destino era sobretudo as tabernas. Em 1945, começam a surgir as primeiras adegas cooperativas, com Lagoa e Lagos a assumir a dianteira. Em 1951 já existiam 15 cooperativas no Algarve. Numa região de pequenas vinhas e pequenas explorações agrícolas, as adegas algarvias chegaram a vinificar a grande maioria da produção da região. E foram também responsáveis por um aumento de qualidade do vinho e da sua uniformização. Mas o destino de quase todas estava traçado: com a chegada da laranja, e depois do turismo e do betão, muitas vinhas desapareceram, recebendo os agricultores os respectivos (e generosos) subsídios para as arrancar, ou a venda dos direitos de plantação para outras regiões.
As cooperativas, já de si pequenas, não conseguiram resistir. A única sobrevivente foi a de Lagoa (que, entretanto, se fundiu com Lagos). Chegou a vinificar 80% do vinho algarvio, já nos anos 90, mas foi definhando. Hoje continua a laborar, mas recebe uma pequena parte das uvas que em tempos lá entraram, junto à famosa Nacional 125. Chegou a fazer 4 milhões de litros, hoje produz apenas 200 mil litros próprios. Mas aqui faz-se mais: conhecida agora como “Única”, esta cooperativa acaba por tomar um papel importante na região, prestando serviços de adega a vários produtores.
No entanto, não foram apenas as cooperativas a sofrer. Muitos produtores de uva e vinho desapareceram ou viram as suas produções diminuir. No início da década de 2000, o Algarve tinha perdido 90% (!) da sua área de vinha.

Rumo à discreta revolução

A região vitivinícola do Algarve foi, entretanto, demarcada em 1980, tendo como sub-regiões Lagos, Portimão, Lagoa e Tavira. A Comissão Vitivinícola Algarvia (CVA), contudo, só inicia a sua actividade em 1994. A partir de 1998, a CVA conseguiu dinamizar um pouco o Algarve vitícola, incentivando a renovação das vinhas algarvias. Em 2005 já tinham sido reestruturadas cerca de 400 hectares de vinhas. No entanto, eram ainda poucos os produtores. A chegada do cantor inglês Cliff Richard, que plantou vinhas na sua propriedade de Albufeira em 1998, ajudou à notoriedade do vinho da região.
O panorama só se alterou significativamente na última década. Segundo Sara Silva, “em 2010, a região tinha apenas 16 produtores de vinho, hoje são 50”. A presidente da CVA entrou na casa em 2010, mas só gere os seus destinos desde 2019, à frente de uma equipa de cinco pessoas. A explosão deveu-se à entrada de novos produtores locais e outros vindos de fora. Mas já veremos o porquê desta pequena revolução.
Dois produtores são de referir em particular: estamos a falar da Casa Santos Lima, um dos maiores exportadores de vinho de Portugal (com vinhas sobretudo na região de Lisboa), e da Aveleda, o maior potentado nos Vinhos Verdes, mas com vinhas no Douro e Bairrada. Ambas com investimentos pesados. A Casa Santos Lima, por exemplo, chegou em 2013 à zona de Tavira, e é já, de longe, o maior certificador da região. Já agora, os três players seguintes são a Aveleda, a Quinta do Barranco Longo e a Quinta dos Vales. Mais ainda: corre na região o rumor de que outras grandes empresas têm “o olho posto” neste território com um terroir muito próprio.

 

Um território junto ao mar

A vinha algarvia cresce num clima de Invernos amenos e Verões quentes e secos. Ou seja, um clima mediterrânico bem vincado, com fraca amplitude térmica e pouco vento. Lembremo-nos que todo o Algarve está protegido dos ventos frios do norte por várias cordilheiras montanhosas, que se estendem de leste a oeste. A sul, a proximidade ao mar, contudo, costuma dar uma boa ajuda a manter os teores de acidez nas uvas, algo tão importante para dar frescura aos vinhos. As temperaturas amenas no Inverno e o número de horas de sol (cerca de 3 mil!) fazem com que, aqui, as vinhas comecem a trabalhar mais cedo que no resto do país. E, claro, as vindimas seguem esta precocidade.
Com pouca chuva durante os meses mais quentes, todos os produtores que visitámos durante esta reportagem tinham rega instalada, quase todos indo buscar a água ao subsolo. No litoral, predominam os solos arenosos e argilo-arenosos, com alguma fertilidade. No barrocal, a faixa mais para o interior, os solos são maioritariamente calcários de vertentes pedregosas, também com pouca fertilidade. Existem alguns aluviões, de alta fertilidade, quase sempre junto a rios e linhas de água. Mais para o interior, na serra algarvia, os solos são cada vez mais pobres e secos, predominando o xisto e outras rochas.

Roteiro Algarve
Mariana Canelas, directora comercial e o enólogo Bernardo Cabral, dão a cara pela Arvad.

 

Uma (muito) pequena região vitivinícola

Actualmente existem no Algarve cerca de 600 hectares de vinha apta a produzir uvas para fazer vinhos certificados (DOC e Regional). Para se ter uma ideia da reduzida dimensão, podemos dizer que vários produtores individuais portugueses possuem mais do que isto. Ainda por comparação, a vizinha região do Alentejo tem perto de 24 mil hectares de vinha para DO/IG, cerca de 40 vezes mais do que todo o Algarve. O anuário do Instituto da Vinha e do Vinho indica que, em 2021, o Algarve era a mais pequena região de Portugal continental em área de vinha.
Outrora depósito de muita vinha, o litoral algarvio tem hoje poucas cepas. Ao longo dos anos, foi cedendo o lugar ao barrocal, onde está agora a maioria da vinha. Um “restinho” vai para a serra algarvia, onde existe um exemplo extremo: o anterior presidente da CVA, Carlos Garcias, está a explorar uma pequena vinha na serra da Fóia, a mais alta do Algarve. A vinha foi plantada em terraços que se aproximam de uma altitude de 700 metros. É impressionante a diferença de temperatura daqui para o litoral. Em Agosto, na viagem de Portimão à Quinta de São Francisco (como se chama a exploração), durante uns meros 35 minutos de carro, vemos o termómetro descer cerca de oito graus.

 

 

A ascensão da casta Negra Mole

Em termos de castas, o Algarve moderno tem de tudo um pouco. Mas uma se destaca de todas as outras: a clássica algarvia Negra Mole, que tinha vindo a ser progressivamente abandonada por vários viticultores à procura de vinhos mais modernos, começa agora a ser a estrela da região. Dos 50 produtores, cerca de 20 têm-na no encepamento e as suas uvas são actualmente muito cobiçadas e valorizadas: ouvimos falar de preços a rondar €1,50, ou mais, este ano, o que torna esta uva uma das mais caras do país. Outros viticultores que visitámos pensam plantá-la e/ou aumentar a área existente. Mas, verdade seja dita, também existem os que não querem Negra Mole, que continua a ser a casta mais plantada do Algarve. Na vinha, a Negra Mole é única. A primeira vez que viu a casta na vinha, o enólogo Bernardo Cabral (que oficia na Arvad, produtor de Estômbar) ficou estupefacto: “isto tem tudo para dar errado: no mesmo cacho existem uvas brancas, rosadas e tintas”. Já foi há muitos anos, mas ainda hoje se ri da experiência. A Negra Mole é uma variedade que dá vinhos com pouca cor, e por isso é fácil fazer rosés (e mesmo brancos). Considerada tinta, tem, contudo, taninos muitos suaves (alguns enólogos usam engaços, grainhas e macerações prolongadas para extrair mais cor e taninos nos tintos) e se for bem tratada na vinha e adega, dá vinhos que, apesar de discretos, possuem uma excelente frescura e leveza. Exactamente o que cliente moderno está a pedir… De resto, os vinhos tintos certificados no Algarve usam uma multitude de castas que podemos encontrar noutras regiões: desde as nacionais Alicante Bouschet, Aragonez, Syrah, Touriga Nacional, Castelão, Trincadeira (Crato Preto), etc.
Nas castas brancas, destacava-se o Crato Branco, mais conhecida como Síria ou Roupeiro noutras regiões. Nos produtores mais virados para a qualidade, está a ser ultrapassada por uvas com melhores teores de acidez, como o Arinto, Verdelho ou Encruzado e as mais conhecidas internacionalmente (Sauvignon Blanc, Chardonnay, etc). Patrick Agostini, da Quinta do Francês, ainda vinificou Crato Branco durante alguns anos, mas diz que oxida muito facilmente e não se vendia bem no enoturismo: “o nosso cliente é estrangeiro e compra o que conhece”, disse-nos ele.

Algarve precisa de mais adegas

A região produz cerca de 1,6 milhões de litros de vinho e introduz no mercado mais de um milhão de garrafas de vinho certificado, quase todo Regional Algarve (mais de 90%). A CVA tem tentado que o DOC Algarve tenha mais aderentes, mas os produtores, pelo que ouvimos, não vêem grande necessidade de mudar. Curiosamente, isto parece derrotar a existência das quatro sub-regiões algarvias. O tema está agora a ser debatido no Conselho Geral da CVA e alguma decisão irá surgir nos próximos tempos.
Como muitos produtores não têm adega, as três existentes que prestam serviços começam a atingir os seus limites. Com o crescimento na área de vinha e no número de produtores (quatro ou cinco por ano), Sara Silva acredita que mais adegas terão de surgir, e, de facto, várias estão apenas à espera dos demorados licenciamentos.

O antigo e o moderno

Quando bem vinificados, os vinhos tintos algarvios sempre tiveram um perfil muito suave, com pouco tanino, pouca cor, pouco aroma e muito álcool. E o algarvio sempre gostou deste tipo de vinho. Os melhores chegaram mesmo a ter prémios em concursos.
Hoje, o panorama é muito diferente. O encepamento mudou muito, as áreas de vinha também, assim como as produções, mais baixas, mas com melhor qualidade e concentração. A mudança ocorreu tanto nos tintos como nos brancos e rosés. Na verdade, o Algarve é hoje terra de brancos e rosés. É isso que a maioria dos enófilos procura nas superfícies comerciais, nos restaurantes, hotéis e wine bars. Não espanta, por isso, que a maioria dos novos projectos leve isto em consideração. Ou seja, o encepamento passou a estar mais virado para estes tipos de vinho. Uma parte das uvas tintas vai, por isso, para os rosés.
Em tempos, os vinhos generosos tiveram alguma fama e houve quem defendesse que o terroir algarvio será propício a estes. Apesar de muito poucos o fazerem actualmente, detectámos vontade de alguns produtores em levar a cabo algumas tentativas.
A modernidade vínica não foi exclusivamente endógena. A entrada de técnicos e produtores de fora também trouxe experiência e novas abordagens. Nomes como Joana Maçanita e Pedro Mendes (responsáveis por vários produtores), Bernardo Cabral (Arvad), António Narciso (Artemis), e Jorge Páscoa (Quinta do Canhoto), são apenas alguns exemplos, mas existem mais.

Vinhos para todos os gostos

A maioria dos produtores está em sintonia com o consumidor local (especialmente o turista enófilo), tentando produzir vinhos cada vez mais frescos e elegantes e menos alcoólicos, especialmente brancos e rosés. O grande segredo é apanhar as uvas mais cedo e de facto, no início de Agosto, já muita gente estava a vindimar nas quintas que visitámos.
Um dos produtores com mais sucesso, Rui Virgínia (Quinta do Barranco Longo), tem vários brancos que não passam dos 11,5 graus de álcool. E, dos que provámos, nem um indício de desequilíbrio ou acidez descasada.
Nos tintos, alguns produtores mais atrevidos, como Patrick Agostini (Quinta do Francês), produzem vinhos poderosos, alcoólicos e com taninos algo aguerridos. Mas, verdade seja dita, o seu terroir, de serra com solo xistosos, assim o proporciona. São vinhos caros, mas o médico francês vende tudo, a maior parte no Algarve.

Um mercado muito apetecível

Empresas muito profissionais como a Casa Santos Lima e Aveleda, com milhões de litros produzidos em várias regiões do país e anos de experiência na comercialização e promoção, não investem à toa. Especialmente quando os investimentos são pesados, como aqui já aconteceu e vai continuar a acontecer. Porquê então o Algarve? Porque, desde logo, o preço do vinho algarvio é o mais elevado do país (sem contar com Madeira e Açores, claro). A julgar pelos números da Nielsen, a mais conhecida empresa de estudos de mercado neste sector, há sete anos consecutivos que o Algarve lidera, destacado no preço médio por litro pago pela distribuição e restauração. Só por comparação, um litro de vinho algarvio valia €13,50 em 2022, contra €6,20 no Alentejo e €9,70 no Douro.
Como é isto possível, numa região com pouca notoriedade vínica? Na verdade, é fácil de perceber. Até agora o mercado local tem absorvido quase todo o vinho, Sara Silva estima entre 70 a 80%. Essa é, aliás, a principal razão por que é difícil encontrar, no resto do país, vinho algarvio nos restaurantes e grandes superfícies: “Para quê enviar para Lisboa e enfrentar uma concorrência aguerrida quando consigo escoar aqui toda a produção e a bom preço?” parecem perguntar os produtores algarvios. Ora, o turista e/ou residente estrangeiro é o maior consumidor. Não sendo tão sensíveis a marcas e regiões vínicas, estes enófilos têm tendência a escolher vinhos locais e, pelos vistos, têm gostado, porque têm continuado a comprar. Por outro lado, não custa perceber que a melhoria substancial na qualidade média tem levado muitos enófilos algarvios a escolher também vinhos locais. A enorme profusão de garrafeiras, lojas gourmet e wine bars é sinal claro desta realidade. Felizmente existe capacidade de compra: o Algarve é a segunda região com maior PIB per capita de Portugal, a seguir à Área Metropolitana de Lisboa (dados de 2021). Este é, sem dúvida, um mercado à parte do resto do país.

O poderoso Enoturismo

A par do generoso mercado local, o enoturismo é a outra faceta do vinho algarvio. De facto, é uma belíssima fonte de receitas para muitos produtores de vinho que visitamos. A maioria dos visitantes é estrangeira e não se importa de pagar para calcorrear as vinhas em visita guiada e depois provar os vinhos da casa, em prova conduzida. Um petisco a acompanhar e são duas ou três horas bem passadas, que, para o turista estrangeiro, vale bem 10, 20 ou 30 euros por cabeça. Ou muito mais, para experiências personalizadas como, por exemplo, um workshop de fazer lotes de vinhos (€285 na Quinta dos Vales). Melhor ainda, alguns turistas levam vinho para casa ou pagam ao produtor para os enviar para qualquer destino além-fronteiras. Patrick Agostini, da Quinta do Francês, confidenciou-nos: “seria difícil sobreviver sem o enoturismo”. É também por isso que diversos produtores, como a Quinta da Malaca (entre Portimão e Vilamoura) estão a ultimar obras para receber turistas. Outros, como a Aveleda (Alvor) e Artemis (Tavira), esperavam com impaciência pelas licenças de construção, que, pelos vistos, estão a levar entre dois e três anos.
Há dois anos, nasceu a rota de vinhos do Algarve, chamada de Algarve Wine Tourism. Contando com cerca de 25 produtores aderentes, já tem site próprio (algarvewinetourism.pt) e uma app (Algarve Wines), contendo toda a informação de que o enoturista precisa. “É um potencial que já cá estava”, diz Sara Silva, que lamenta não ter acesso a maiores fundos para promoção.

 

Do Algarve, com muito orgulho

Depois do sol, da praia e do golfe, o Algarve arrisca-se a ter no vinho mais um forte motivo de atracção turística. À parte a notoriedade, o Algarve não perde para qualquer outra região vitivinícola portuguesa. Avista-se facilmente um futuro risonho e um exemplo de enoturismo para o mundo. Os vinhos são muito bons, só falta que o resto do país (e o mundo) os descubra, de preferência saboreando-os com a magnífica gastronomia algarvia.

Os produtores

Para fazer esta reportagem, visitámos oito produtores, escolhidos com a ajuda da CVA. Procurou-se visitar várias realidades, com vinhas junto ao litoral, no barrocal e na serra. Produtores grandes, médios e um pequeno. Mas existem muitos mais e a trabalhar muito bem. Ao mesmo tempo, falámos com vários enólogos e técnicos de viticultura. Aqui fica um apanhado breve de cada um.

Artemis
Do Dão para o Algarve, perto de Tavira. Este é o percurso que António Narciso passou a fazer desde que assumiu a responsabilidade produtiva por esta exploração, propriedade do advogado Vicente Marques. No Dão, a marca é Dom Vicente, aqui é Monte da Ria e Solar da Ria. A vinha está mesmo no litoral e as uvas são, por enquanto, vinificadas numa adega improvisada, na zona industrial de Tavira. A adega própria (e enoturismo) será construída junto às vinhas, nos próximos tempos.
domvicente.shop/pt

Arvad
O nome deriva do que se pensa ter sido o nome do rio Arade em fenício, que significava refúgio. Projecto recente, propriedade de um empresário que comprou terras ao pé de Estômbar. Começou a plantar em 2016 e em 2019 saíram os primeiros vinhos, com a assinatura do enólogo Bernardo Cabral. Possui enoturismo com muita classe e vista esplendorosa sobre o vale do rio Arade. Um hotel de charme está em construção, a estrear em 2025.
arvad.pt

Aveleda
Um dos maiores projectos do Algarve, com 24 hectares de vinha, junto ao Alvor. Resultou da aquisição, em 2019, por parte da Aveleda, da quinta do Morgado da Torre, que já aqui produzia vinho há muitos anos e em boa quantidade. A vinha própria tem mudado e crescido, assim como a produção, actualmente a rondar os 100 mil litros, da marca Villa Alvor. Outra parte da vinha é arrendada. Tudo é colhido à máquina. A casa possui adega e enoturismo com loja, mas ambas vão ser substituídas: o novo e generoso edifício está apenas à espera da aprovação para começar a construção.
villaalvor.pt

Quinta da Malaca
À frente deste projecto está a família Cabrita. A história tem décadas de idade, com o avô Francisco, mas apenas em 2010 se iniciou no engarrafamento com marca própria. Luís Cabrita é a cara da casa e o mais ligado à gestão. As vinhas (cerca de 30 hectares, algumas com 70 anos) estão em Pêra, junto ao litoral e a escassos 2 quilómetros do mar, nos típicos solos arenosos. Os vinhos — Malaca, monocasta, e Vale de Parra, vinhos de lote — são vinificados em adega próxima, com a responsabilidade de Joana Maçanita. A empresa está a terminar as instalações de enoturismo, mas já tem clientes desde há anos.
facebook.com/vinho.malaca

Quinta do Canhoto
Propriedade dos irmãos Josefina e Edgar Fernandes, esta quinta ao pé de Albufeira conta com uma vinha a rondar os dez hectares, totalmente reconvertida em 2009 (existiam cepas com mais de 100 anos). As uvas são vinificadas na adega própria, projectada pela jovem arquitecta Joana Fernandes, da nova geração. Inaugurada em 2019, a adega já ganhou um prémio de design e ainda bem, porque aqui o enoturismo é explorado intensamente, acompanhado pelos vinhos da casa, da marca Esquerdino. A enologia está a cargo de Jorge Páscoa, mais conhecido pela sua actividade na região de Lisboa.
quintadocanhoto.com

Quinta do Francês
Desde cedo que o médico francês Patrick Agostini sonhava em produzir o seu vinho. Em Bordéus tirou o curso de viticultura e enologia, mas foi em plena serra algarvia, a oeste de Silves, que realizou o seu sonho. A partir de 2000, do nada, criou uma vinha (hoje com 12 hectares), depois uma adega e fundou um enoturismo com muito sucesso, gerido pela mulher, Fátima Santos. Um dos projectos mais originais com mais pergaminhos do Algarve.
quintadofrances.com

Quinta dos Capinhas
Mais um projecto familiar, explorado pela família Capinha, em Porches. Neste barrocal algarvio estão plantados, desde 2015, 8 hectares de vinha, que dão origem aos vinhos com a marca da quinta. A casa não possui adega, vinificando na Única, a cooperativa de Lagoa. Alguns brancos na Adega do Pateiro, na Quinta da Penina, com Pedro Mendes. O enoturismo é aqui muito explorado e costuma estar cheio, tal como as três villas que a quinta possui para alojamento de turistas, situadas em plena vinha.
quintadoscapinhas.com

Sul Composto
A empresa pertence a Carlos Garcias, anterior presidente da CVA. É agora um pequeno produtor, usando uvas de uma propriedade familiar em Burgau e comprando outras para vinificar com a marca Al-Mudd. Outra marca é Terraços da Fóia, que resulta de uma vinha arrendada a uma altitude de quase 700 metros, das castas Tinta Roriz e, mais recentemente, Riesling. Implantado em terraços virados a norte, ao estilo do Douro, este terroir é único no Algarve e Carlos não esconde a sua adoração pelo sossego do local, com uma vista deslumbrante.
sulcomposto.pt

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2023)

Vidigal Wines: Quando a sorte bate à Porta 6

vidigal Porta 6

Quem conhece Manuel Bio, CEO do grupo Abegoaria (na fotografia de abertura), já percebeu que é feliz a fazer negócios, quer seja vender ou comprar, de pequena ou grande escala. Com olho para potencial e oportunidades, grande visão estratégica e racionalidade financeira, já salvou empresas da falência e, até hoje, expandiu a Abegoaria às regiões […]

Quem conhece Manuel Bio, CEO do grupo Abegoaria (na fotografia de abertura), já percebeu que é feliz a fazer negócios, quer seja vender ou comprar, de pequena ou grande escala. Com olho para potencial e oportunidades, grande visão estratégica e racionalidade financeira, já salvou empresas da falência e, até hoje, expandiu a Abegoaria às regiões do Alentejo, Douro, Lisboa, Tejo, Dão e Vinhos Verdes, conquistando as casas dos consumidores portugueses com vinhos de enorme sucesso, sobretudo nos supermercados. A ambição, contudo, é também internacional, e, para isso, a Abegoaria concretizou recentemente um dos seus projectos mais arrojados, com a compra da totalidade da Vidigal Wines — sediada em Cortes, Leiria — que antes pertencia a António Mendes Lopes e a capital norueguês. A Vidigal tem origem ainda no início do século XX, numa quinta fundada por um cónego e, no início dos anos 90, alguns proprietários depois, passa para as mãos de António Mendes Lopes que, conjugando as suas vivências no estrangeiro com bastante criatividade e uma (boa) dose de loucura, levou a Vidigal Wines a ser uma das empresas de vinho portuguesas com mais sucesso na exportação, apoiada no fenómeno Porta 6, com milhões de garrafas vendidas lá fora, números que nunca pararam de crescer. A marca nasceu em 2012 e, neste momento, é o tinto português que mais vende fora de Portugal, e o segundo vinho europeu mais vendido no mercado inglês, com quase 5 milhões de garrafas comercializadas no Reino Unido. A seguir, vêm os mercados do Brasil, Israel e Canadá. A produção total anual do Porta 6 tinto supera os 8 milhões de garrafas. António Mendes Lopes não tinha, no entanto, intenções de continuar ligado à empresa após a aquisição, mas acabou por ficar como consultor, “porque o convenceram de que ali fazia falta”. Manuel Bio, e a restante equipa administrativa do grupo, conheceram António em pleno início de pandemia de Covid-19, com as primeiras conversas sobre um possível negócio em 2020. A concretização do acordo deu-se em 2022, mas em 2021 estava tudo quase fechado, e já trabalhavam em algumas coisas em conjunto.

vidigal Porta 6

 

 

Porta 6 é o tinto português que mais vende fora de portugal. E segundo vinho europeu mais vendido no mercado inglês, com quase 5 milhões de garrafas comercializadas no Reino Unido.

 

 

“Para nós era talvez a única empresa que, nesta fase mais recente, ‘jogava’ connosco, porque éramos muito fortes no mercado interno, com uma posição bastante privilegiada na grande distribuição e consumo em casa. Estávamos a começar a olhar para o consumo fora de casa e a desenhar uma divisão de ‘fine wines’, mas ainda não era estratégia para o grupo, queríamos fazê-lo com tempo. Estávamos a tentar a exportação, sendo que começar na exportação com vinhos portugueses é difícil e o sucesso demora a chegar. Surgiu assim esta empresa, que não tinha nada do que nós tínhamos, e tinha tudo o que estávamos à procura. No fundo, a Vidigal veio antecipar 10 anos a nossa estratégia de exportação. É um grande investimento, mas ganhámos 10 anos lá fora, e também alguns vinhos muito interessantes para o consumo fora de casa e para a tal divisão ‘fine wines’, como o Brutalis”, explica Manuel Bio. Luís Bio, director de internacionalização da Abegoaria, acrescenta, “podemo-nos orgulhar, como grupo, de sermos hoje praticamente nº1 em off trade (supermercados); nº1 em Inglaterra, também nos supermercados; top 5 no Brasil; nº1 em Israel… ou seja, conseguimos consolidar nesta aquisição uma “value story” e um vinho como o Porta 6, que faz com que, hoje, sejamos produtores de dois terços do vinho português vendido nos supermercados em Inglaterra”. António Mendes Lopes interrompe: “Não é o vinho Porta 6, é a marca”. E continua, explicando que “o Porta 6 é todo imagem. O vinho é bom, mas isso não chega. O Porta 6 tem de ser como é porque a imagem está na cabeça das pessoas, é muito mais do que a qualidade do vinho.

O ex-proprietário da Vidigal Wines, que sempre defendeu aquilo a que chama um modelo horizontal de trabalho, acredita que é esta a fórmula que serve uma marca. “Cada um faz o seu papel e as pessoas não sabem nem se metem no dos outros. Porque temos de perceber que as pessoas não fazem bem tudo, nem é possível que assim seja. Há um enólogo melhor para transformar as uvas em vinho, outro melhor para finalizar o vinho e os lotes… Eu deito-me a pensar num rótulo e numa marca, no final de uma viagem tenho um texto feito… não me tirem isto, que é o que eu gosto de fazer! Mas não me falem em uvas e vinhas, porque eu não gosto. Só gosto de uvas quando já estão no tegão”, exemplifica António Mendes Lopes, convicto de que “é preciso cercarmo-nos de pessoas teimosas e criativas, pessoas capazes de dizer ‘não’ na nossa cara. Pessoas que conseguem pensar juntas. A inteligência colectiva funciona”, remata. Neste sentido, criou um departamento chamado Brand Defender, onde os accionistas não participam, para defesa das marcas e da qualidade das mesmas. “Quem tiver interesse em poupar, e não em gastar, não pode entrar neste departamento”, sublinha António Mendes Lopes, que advoga não haver ciência exacta para o sucesso, mas acredita em alguns princípios: “Começa-se por fazer as coisas com qualidade e por manter qualidade e o estilo teimosamente, aconteça o que acontecer. Não se pode comprometer a qualidade ou o estilo. E depois espera-se… espera-se que a sorte chegue. Por definição, a sorte não pode ser planeada. É por isso que se chama sorte”. E por falar em estilo, insere-se aqui uma das componentes mais importantes da marca Porta 6, a imagem. O rótulo icónico é a reprodução de uma pintura que estava a ser vendida a turistas nas ruas de Lisboa pelo próprio autor, o artista alemão Hauke Vagt, que residia no bairro de Alfama, perto do castelo de São Jorge. A pintura do famoso eléctrico amarelo chegou às mãos de António Mendes Lopes, que decidiu negociar com o autor e fazer dela o rótulo do Porta 6. “Qualquer pessoa poderia ter comprado aquela pintura e transformá-la num rótulo, mas fomos nós que o fizemos”, afirma, também numa alusão à sorte de que tanto fala.

vidigal Porta 6

Os enólogos António Ventura, Rafael Neuparth (à esquerda) e Arnaldo Simões (último à direita) com Luís Bio, Manuel Bio e António Mendes Lopes.

Já António Ventura e Rafael Neuparth são os enólogos responsáveis pelos vinhos da Vidigal Wines, e Arnaldo Simões dedica-se à finalização dos lotes, estando residente na empresa. Como se faz um vinho de 8 milhões de garrafas, como o Porta 6 tinto, mantendo a qualidade e consistência? Perguntamos. “Acabou por ser fácil, porque tudo isto foi crescendo ano após ano, não começámos com 8 milhões, foi mais com duas paletes…”, diz António Ventura, entre risos. O que mudou tudo foi, na verdade, o “momento James Martin”, o chef-celebridade inglês que se lembrou de afirmar, no programa BBC Saturday Kitchen, que o Porta 6 era um dos melhores tintos que tinha provado em dez anos. Nessa altura, a única distribuidora da marca no Reino Unido era a Majestic que, depois do programa ir para o ar, viu o seu site “ir abaixo” com tanta solicitação. “Foi aqui que a sorte nos bateu à porta. Coube-nos recebê-la, acarinhá-la e trabalhar com ela”, lembra António Mendes Lopes. Nessa altura, foi difícil ter vinho para tanta procura, e um incremento revelou-se obrigatório. “Estavam a pedir-nos dez contentores, e tivemos de fazer esse trabalho. No ano seguinte já estávamos preparados. Nesse ano não tínhamos vinificação, o vinho era adquirido a terceiros, mas em 2014 nasce a adega das Encostas do Atlântico [empresa junto a Caldas da Rainha que é 70% da Vidigal Wines e que detém também as vinhas do projecto] e passámos a ter a nossa vinificação, o que nos facilitou muito e nos permitiu criar volume com qualidade. Temos uma equipa de enologia lá, liderada pelo Mauro Azóia, e outra na Vidigal, onde se faz apenas a finalização, mas cruzamos muito a informação e estamos sempre a provar juntos”, desvenda António Ventura. A Vidigal Wines explora, através da Encostas do Atlântico, cerca de 350 hectares de vinha, que se situam maioritariamente nas regiões de Alenquer e das Caldas da Rainha.

Para algo completamente diferente…

Embora o porta-bandeira da empresa (passe-se a expressão) seja o Porta 6, há outro elemento no portefólio com conceito e posicionamento totalmente distintos, o topo de gama Brutalis. Fazendo jus ao nome, é um tinto de potência, desaconselhado aos fracos de coração (ou, por outra perspectiva, talvez funcione como desfibrilhador), com Alicante Bouschet na base do lote e 20% de Cabernet Sauvignon. António Mendes Lopes, que viveu na Dinamarca, chamou Brutalis ao vinho inspirando-se num rinoceronte com o mesmo nome, que se encontrava num jardim zoológico daquele país. “Era meio louco, levava tudo à frente”, descreve. Mesmo os mercados mais fortes para o Brutalis são, na sua maioria, completamente diferentes dos do Porta 6, passando sobretudo por Portugal, Alemanha, Brasil, China e Macau. Uma prova vertical de oito colheitas deste tinto, do mais antigo para o que está actualmente no mercado, revelou algumas surpresas, com algumas edições a chocar pela juventude e vivacidade, e outras até mais elegantes, que resultaram um pouco menos “Brutalis” do que a equipa da Vidigal pretendia. O primeiro, de 2005 (ainda Regional Estremadura), foi o único feito com uvas da Quinta da Cortesia, na Merceana, mas rapidamente se percebeu que não era a vinha ideal para o perfil que se procurava. Apresenta um perfume exótico de fruta negra, especiarias, sândalo e cera de abelha. Na boca é mais leve do que se esperava, bem vegetal e maduro na fruta, chão de bosque e leve balsâmico no final (16,5 valores).

vidigal Porta 6

A partir do 2008 e até ao 2013, entram as uvas da “vinha do cemitério” (precisamente por ser perto de um), também na zona da Merceana. O 2008 foi uma das surpresas positivas, bastante vivo no nariz de fruta silvestre madura, muita pimenta branca, um leve lado resinoso, e outro mais lácteo e fumado. Na boca tem o tanino ainda aguerrido, muito novo, quase infante. Agradavelmente adstringente, largo e longo (17,5). O 2009 entra no mesmo registo do anterior mas mais vegetal, com uma gordura fumada bem presente. Na boca é um pouco mais magro, choveu cedo nesse ano e António Ventura diz ser a causa (17). O 2012 é, curiosamente, talvez o menos Brutalis de todos mas o que mais impressiona ao nível da qualidade absoluta. Nariz muito elegante e fino no perfume, onde balsâmicos encontram chão de bosque, eucalipto, mirtilo e arando. Na boca é vivo no lado especiado e balsâmico, potente e com muito carácter mas extremamente elegante em simultâneo, longo e sedoso no final (18). Já o 2013 é talvez o mais especiado de todos, com muita pimenta preta, cardamomo, levíssimo açafrão e agulha de pinheiro. Na boca está muito novo, imponente, tanino adstringente e final de potência. Para esperar em garrafa (17). O 2015 muda totalmente de cenário, passando a ter origem numa vinha perto do Cadaval, no lado Norte da Serra de Montejunto. Mais balsâmico no nariz do que os outros, com nota vegetal e bagas silvestres. Na boca tem uma juventude pornográfica, muito intenso e vegetal, tanino bruto e por limar. Longe do momento certo (17,5). No 2017, os balsâmicos juntam-se a fruta silvestre e cera de abelha no aroma. Bem adstringente, mas com volume a suportar, tem a particularidade de fazer sentir o álcool no final um pouco quente e medicinal (17). No mercado está o 2018, que se revela bem diferente das anteriores colheitas, a denotar mais as notas típicas do Cabernet Sauvignon. Ganhou equilíbrio e frescura balsâmica, mantendo a intensidade dos taninos. Promete crescer em garrafa (17,5).

vidigal Porta 6

Em apenas três anos, desde a aquisição, a Abegoaria duplicou as vendas globais da Vidigal Wines. “Sempre fomos uma empresa comercialmente muito agressiva, o que ajudou muito a que isso acontecesse. Aproveitámos, claro, o momento óptimo em que a Vidigal estava, sobretudo ao nível do produto e da imagem. Depois, foi abrir os canais, aproveitando clientes que já tínhamos na Abegoaria, nacionais e internacionais, e fazendo o mesmo com os vinhos da Abegoaria nos clientes da Vidigal”, adianta Manuel Bio. Um dos grandes objectivos do grupo é aproveitar as suas valências comerciais no mercado nacional, para levar a marca Porta 6 a ter, em Portugal, o mesmo sucesso que tem no mercado internacional. Para isso, a Abegoaria conta com a sinergia que já tinha com a distribuidora Vinalda, que assumiu a tarefa de trabalhar a marca no canal on trade (a sua especialidade) e continuar a alavancá-la no off trade. A tarefa é difícil, como reconhece Manuel Bio, mas não impossível, e os resultados, atesta, têm sido muito positivos…

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2023)

 

 

Fernão Pires: Uva de antigamente, casta de futuro

Fernão Pires

É uma casta antiga, já conhecida no século XVIII, mencionada em 1788 no Douro, nas Beiras e Estremadura e em 1790 em Castelo Branco e Guarda. No seu trabalho “O Portugal Vinícola” de 1900, Cincinnato da Costa descreve Fernão Pires como “uma boa das castas brancas da região do Tejo” que “produz muito e as […]

É uma casta antiga, já conhecida no século XVIII, mencionada em 1788 no Douro, nas Beiras e Estremadura e em 1790 em Castelo Branco e Guarda. No seu trabalho “O Portugal Vinícola” de 1900, Cincinnato da Costa descreve Fernão Pires como “uma boa das castas brancas da região do Tejo” que “produz muito e as suas uvas dão grande rendimento em mosto”. Também refere que a casta “forma a base de alguns vinhos brancos afamados das proximidades de Lisboa e que “os vinhos extremes de Fernão Pires quando bem fabricados, dão excelentes vinhos de pasto, próprios para peixe, delgados, citrinos, de paladar e aroma delicados”.
A casta terá surgido por cruzamento natural de Malvasia Fina com uma variedade desconhecida. Para além do sinónimo oficial de Maria Gomes utilizado na Bairrada, tem outras sinonímias regionais menos conhecidas que praticamente caíram em desuso, como o Gaeiro (provavelmente por estar muito disseminada na localidade das Gaeiras, no concelho de Óbidos), Molinho na Península de Setúbal ou até Alvarinhão em Melgaço. Aguiar em 1866 descreveu uma sub-variedade desta casta com origem na freguesia do Beco, concelho de Ferreira do Zezere, chamada “Fernão Pires do Beco” com porte erecto (ao contrário do habitual semi-erecto e horizontal) e Cincinnato da Costa analisou cachos de Fernão Pires e Fernão Pires do Beco, bem diferentes entre si. Hoje tudo indica que se tratava de um clone da mesma casta.

Omnipresente mas não compreendido

É a casta branca mais presente em Portugal, ocupa 6% das plantações da vinha no nosso país. Já ocupou mais (9% em 1989 e 8% em 1999) e chegou mesmo a ser a casta mais plantada, branca ou tinta. Ficou popular pela mesma razão que a impedia de tornar-se numa estrela – a sua forte identidade aromática e produções generosas, bom grau e acidez média/baixa. É um grande componente de lote, onde contribui com aromas e volume de boca. Mas nunca foi admirada e tornou-se “démodé” quando o rumo mudou para a qualidade e perfis de vinhos mais frescos. Abriu-se a porta às castas estrangeiras e outras nacionais; não gostar da Fernão Pires tornou-se quase obrigatório por ser “demasiado alcoólica”, “chata”, “enjoativa” e “com falta de frescura”.
O que vale é que as tendências não cristalizam e agora o país lembrou-se, e bem, de dar protagonismo às castas menos compreendidas e mal-amadas por “falta disto” ou “excesso daquilo”, mostrando que no sítio certo, com dedicação certa, cada casta pode ter uma performance gloriosa. Um actor popular também pode merecer um óscar com um papel certo.
Graças a umas casas consistentes, sobretudo na região do Tejo, onde a casta é identitária, e a alguns produtores entusiastas, hoje temos excelentes exemplos de Fernão Pires em várias regiões do país.

Qual é o melhor terroir?

Trata-se de uma casta bastante flexível em termos de clima, adapta-se bem a diferentes tipos de solo, desde que haja humidade suficiente. Não se importa com calor, mas é muito sensível à falta de água – a folha fica amarela e cai, comprometendo a actividade fotossintética. Precisa de ter compromisso com área foliar significativa.
É na região do Tejo que o Fernão Pires detém maior protagonismo, ocupando mais de 35% das plantações. Mas o Tejo não é todo igual. A responsável de enologia na Falua, Antonina Barbosa, distingue o Fernão Pires da zona das lezírias (na sub-região do Campo), mais jovem e exuberante que funciona sobretudo na composição de lotes, onde contribui com a parte aromática, e o Fernão Pires de vinha mais velha e de produção muito baixa da Charneca, onde a empresa possui a já famosa vinha do Convento, com um magnífico terroir de pedra rolada. Já o Fernão Pires mais impactante da Quinta do Casal Branco fica nos solos arenosos com argila a 1-1,5 metro. É uma vinha muito velha, plantada em vaso e não regada.
Na Beira Atlântica, que inclui a DOC Bairrada, a sua versão feminina, Maria Gomes, é responsável por 21,5% das plantações. Também é muito importante na região de Lisboa, ocupando mais de 10% de encepamento. Na Península de Setúbal, Fernão Pires é a segunda casta mais plantada, com 9,4% de encepamento (até fica à frente do Moscatel de Setúbal com 8,5%).
Menos relevância tem no Minho com apenas 2,5% do total, pois com as consagradas Alvarinho e Loureiro, e o Avesso como estrela em ascensão, Fernão Pires não tem tido muito espaço. No entanto, nas novas plantações regionais, começa a aumentar a sua presença, sendo importante na estratégia vitícola da Aveleda, por exemplo. A presença mais residual é registada no Dão (1,6%), Alentejo (1,4%) e Trás-os-Montes (1,2%).
A casta Fernão Pires não é muito associada à Beira Interior, ocupando cerca de 1% de vinha. Entretanto, a produtora e enóloga Patrícia Santos ficou fascinada pela performance da casta na zona de Pinhel, onde mostra quase uma salinidade inexplicável. Compara com vinhos de Sancerre, que, feitos de uma casta aromática, naquela região revelam uma personalidade diferente.
Na Bairrada, o vinho Avó Fausto da Quinta das Bágeiras é feito 100% de Maria Gomes, mas a uva não vem sempre do mesmo sítio. Há zonas mais argilo-calcárias, outras com maior percentagem de areia, e a qualidade varia com as condições de cada ano e a capacidade de retenção de água em solos diferentes.
O produtor Daniel Afonso tem as suas vinhas na zona de Colares com forte influência atlântica e confessa que gosta da Fernão Pires porque dá sempre um volume de boca muito bom e, passado dois anos depois da vindima, quase se mastiga, sem a frescura ser prejudicada. Tem um toque exótico e consegue ser bastante complexa. Conta que quando começou a trabalhar com a casta muitas vezes ouviu: “Eh, esta casta só faz vinhos maus e chatos”. Olha que não, depende da zona!
A data de vindima também varia bastante. Na Quinta do Casal Branco, neste ano de 2023, já vindimaram Fernão Pires no final de Julho. Na bairradina Quinta das Bágeiras a vindima da Maria Gomes ocorre normalmente a 8-10 de Setembro. O importante é apanhar a casta no momento certo para o vinho que se pretende produzir com ela.

Fernão Pires

O momento de vindima é crucial

É amiga do produtor… até ao momento de vindima. É campeã em todas as fases fenológicas como o abrolhamento (é preciso podar mais tarde para evitar as geadas), a floração, o pintor e a maturação e serve de referência nacional para estados fenológicos de outras castas. Não espera por ninguém e não deixa margem de manobra nas vindimas. Obriga os enólogos a regressar de férias no final de Julho para controlar a maturação. A parte boa é que não tem problemas com as chuvas do equinócio.
Manuel Lobo que conhece bem Fernão Pires por ser o enólogo consultor na Quinta do Casal Branco, propriedade de seu tio José Lobo de Vasconcelos, diz que o próprio bago da casta é muito expressivo e reflecte a qualidade. Se se trincar o bago no momento de perfeita maturação é uma explosão de sabor. “Passado apenas 1-2 dias a acidez cai a pique e os aromas já não são tão atraentes”. Manuel lembra-se que, no início, foi difícil explicar às pessoas que “tem de se vindimar amanhã” independentemente de ser um fim-de-semana ou acontecer uma festa local neste dia.
Antigamente quando se vindimava com calma, o açúcar subia, os ácidos degradavam e os aromas tornavam-se sobremaduros. Os vinhos eram mais alcoólicos, com falta de frescura e por vezes enjoativos. O que os safava era a possibilidade de serem loteados com vinhos de outras castas, como Arinto, por exemplo. A Quinta da Lapa faz um vinho que recupera essa história, chama-se mesmo Fernão Pirão, como se apelidava o vinho feito das uvas apanhadas tarde vinificadas com curtimenta e a temperaturas elevadas.
No entanto, a vindima no momento certo não tem que ver apenas com o nível de açúcar e com o teor de álcool provável, do género “até 12% temos acidez, depois perdemos a frescura”. Não é linear que o Fernão Pires apanhado com 11,5% seja melhor do que apanhado com 13%. No mesmo sítio talvez, mas há muitos factores em jogo, como o solo, o clima, a idade da vinha, o clone, o porta-enxerto, a produção, a variação do ano. A combinação destes factores leva ao equilíbrio próprio para cada caso. Por exemplo, Daniel Afonso, na zona de Colares, normalmente apanha Fernão Pires com 13% e 7 g/l de acidez, e em 2021 apanhou com 14% e 8 g/l de acidez. Manuel Lobo costuma ter cubas com parâmetros analíticos diferentes para depois lotear da melhor forma.

Controlar a produção

É casta bastante vigorosa e produtiva, varia de 8 a 18 tn/ha em média, existindo extremos como 25-30 tn/ha nos solos mais férteis do Campo e produções baixíssimas como na Vinha do Convento, da Falua, onde produz apenas 3-4 tn/ha, chegando a 5 tn/ha em alguns anos.
Mário Sérgio, da Quinta das Bágeiras, atribui grande importância à quantidade de produção. Nas vinhas dele não ultrapassa as 6-7 tn/ha. Também dá para fazer 2-3 vindimas, apanhando primeiro a uva para espumante e aguardente e, passado 15 dias já tem o equilíbrio para o vinho branco.
Na vinha velha, com mais de 70 anos, da Quinta do Casal Branco, a produção de Fernão Pires fica no nível dos 8-9 tn/ha, mas com compasso mais apertado (ou seja, com mais plantas por ha). Daniel Afonso observa que com 3 kg/planta e 15 tn/ha não tem falta de qualidade.

Fernão Pires

Abordagem enológica

A Fernão Pires é bastante plástica, tanto dá para fazer um espumante ou aguardente, como um colheita tardia. O mosto e o vinho apresentam alguma sensibilidade à oxidação, mas os produtores que trabalham com o pH mais baixo não se queixam. É uma casta de assinatura claramente terpénica, com grande número e concentração de compostos aromáticos livres (que apresentam aromas ainda nas uvas) e ligados, que podem ser libertados durante a vinificação. A maceração pelicular, por exemplo, aumenta bastante a complexidade e intensidade aromática do vinho e se a acidez for de bom nível, não apresenta o perigo de perder a frescura.
Para os vinhos mais expressivos, cada vez mais produtores apontam para fermentação com leveduras indígenas (e uvas sãs apanhadas antes das chuvas do equinócio não apresentam tanto risco). Assim faz Mário Sérgio na Quinta das Bágeiras, Manuel Lobo na Quinta do Casal Branco, Antonina Barbosa na Falua e Daniel Afonso no seu projecto Baías e Enseadas.
O estágio em madeira para Fernão Pires não é uma questão consensual, considera-se que dado o perfil aromático intenso, a barrica não lhe fica bem, sobretudo nova. Mas há excelentes exemplos de tudo.
Manuel Lobo deixa arrancar a fermentação em cuba e quando baixa os 30 pontos de densidade vai para a barrica (40% nova), onde fica 18 meses com bâtonnage. Mas uma parte fica só em cuba para compor o lote. Mário Sérgio estagia tudo em barricas bastante usadas de 500 litros e Daniel Afonso prefere as de 225 litros. Antonina Barbosa não usa barrica de todo para Fernão Pires, mas aproveita muito as borras para dar volume de boca e textura. Faz maceração pelicular, depois da prensagem, fica ainda com borras totais a baixa temperatura para criar volume e estrutura. Claro que isto tudo só é possível com pH baixo. A seguir à fermentação, sem trasfega, o vinho fica com as borras da fermentação na cuba durante mais 1 ano. Não vai para a barrica precisamente para mostrar o puro carácter da casta e do terroir.

Fernão Pires com ambição

Ao contrário da ideia generalizada de que os vinhos de Fernão Pires não justificam guarda, lembro-me de uma prova temática organizada pela CVR Tejo, onde provámos alguns vinhos de 2003, 2000, 1994 e 1983 com 12-12,5% de teor alcoólico, uma bela frescura e concentração do sabor. Isto prova mais uma vez que não devemos por todas as culpas na casta, quando não lhe damos a devida atenção.
O que falta à Fernão Pires é talvez aquela patine de casta chique, para toda a gente falar nela. A sua omnipresença não permite contar uma história do género “desencantámos uma variedade rara e salvámo-la do esquecimento”. Mas o que podemos fazer é salvar do esquecimento a sua reputação e agora já temos muitos argumentos ao seu favor. Basta olhar (e provar!) os vinhos que sugerimos nesta peça.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2023)

Herdade de Espirra: O Castelão continua a ser aposta

Herdade da Espirra

Em sessão aberta à imprensa, o projecto Herdade de Espirra apresentou os vinhos Pavão de Espirra tinto 2020 e Herdade de Espirra Reserva tinto 2018. O primeiro é um vinho de entrada de gama, com um perfil assumidamente consensual, onde o aroma vivo a frutos vermelhos e um equilíbrio de corpo e taninos procura adequar-se […]

Em sessão aberta à imprensa, o projecto Herdade de Espirra apresentou os vinhos Pavão de Espirra tinto 2020 e Herdade de Espirra Reserva tinto 2018. O primeiro é um vinho de entrada de gama, com um perfil assumidamente consensual, onde o aroma vivo a frutos vermelhos e um equilíbrio de corpo e taninos procura adequar-se a momentos de consumo descontraídos e informais. O Reserva é bastante mais ambicioso. As uvas, provenientes de vinhas com mais de 40 anos, são colhidas manualmente e pisadas a pé, fermentando em lagares e beneficiando de um estágio de 24 meses em barricas de carvalho francês, a que se seguem mais doze meses em garrafa. A intenção é, como explicou Ana Varandas, mostrar a tipicidade do Castelão sem maquilhagem: fruta preta, encorpado, bons taninos. Esta casta, que atinge nos terrenos de areia de Pegões uma das suas melhores expressões, permite fazer vinhos de forte carácter e grande identidade.
Na ocasião foi também mostrada uma nova embalagem do Pavão de Espirra rosé 2021, num formato Bag in Tube, de três litros, rotulada com papel Navigator e produzida a partir de florestas geridas de forma sustentável e devidamente certificadas.

Estas preocupações ambientais atravessam toda a política da empresa. The Navigator Company é um produtor integrado de floresta, pasta, papel, “tissue”, soluções de packaging e bioenergia. A administração do grupo, presente neste encontro, reforçou este compromisso na sustentabilidade ambiental, nas soluções recicláveis e biodegradáveis e na diversidade de culturas e plantações patente em mais de 130 espécies diferentes de árvores e arbustos, muitas sem viabilidade económica, mas que são mantidas e financiadas para garantir a continuidade das espécies. A meta da neutralidade carbónica é uma aposta a médio prazo. A manutenção das vinhas e a produção de vinho na Herdade de Espirra são um exemplo vivo desta política. Representando um valor absolutamente residual no negócio global da companhia, esta foi herdada da anterior Portucel e integrada em 1985, sendo mantida e valorizada como mais um exemplo nessa aposta na biodiversidade. Por isso, as vinhas convivem pacificamente na herdade de Pegões com um total 1700 hectares, com outras actividades agro-florestais como a produção de pinhão, pastoreio, viveiros florestais e madeira. Apesar de, recentemente, se ter introduzido na propriedade novas castas como Aragonez, Touriga Nacional e Alicante Bouschet, o Castelão continua e continuará a ser o eixo da produção de vinho da Herdade, todo ele obtido a partir de vinhas em Produção Integrada.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2023)