Lara Dias, a presidente da Saven, abriu as portas de sua casa, ali bem perto de Aveiro, para a apresentação das novas colheitas Andreza, espelhando, no seio do ambiente familiar, parte do que é o legado de seu pai, Manuel Dias. Empresário dinâmico e criativo, Manuel Dias fundou a Saven no ano de 1988, em Ílhavo, e dedicou-se a exportar para todo o mundo, com enorme sucesso, produtos alimentares portugueses, entre eles o vinho. Como acontece com frequência, o salto da distribuição para a produção ocorreu quase sem se dar por isso. E Manuel Dias encontrou no enólogo Francisco Baptista o parceiro ideal para, em 2009, numa empresa conjunta, a Lua Cheia-Saven, dedicar-se ao vinho enquanto produtor, assentando nas regiões do Douro e dos Vinhos Verdes. Para alcançar o seu sonho transpôs integralmente todos os degraus do processo: compra de uvas a lavradores, construção de adega, aquisição de propriedades, plantação de vinha. Manuel Dias, infelizmente, faleceu demasiado cedo, em 2019, mas deixou importante obra feita. Hoje, a Lua Cheia-Saven possui no Douro, em Vale de Mendiz (por muitos considerado o “filé mignon” da região) a magnífica Quinta do Bronze. São 13 hectares de vinha aos quais se juntam, através de parcerias com diversos viticultores, mais cerca de 100 hectares. A vinificação é feita em adega própria, situada em Alijó, de onde saem marcas como Lua Cheia, Andreza ou Quinta do Bronze. Na região dos Vinhos Verdes, a Lua Cheia-Saven detém 5 hectares de vinha em Melgaço, uma adega em Monção e faz a gestão de mais 20 hectares de vinhedos através de parcerias locais, tendo como marcas principais Maria Bonita, Maria Papoila ou Nostalgia.
Os vinhos agora apresentados por Lara Dias e Francisco Baptista levam ainda mais longe a ambição do fundador, Manuel Dias. Posicionada acima da gama Lua Cheia e abaixo dos “vinhos de vinha” da Quinta do Bronze, a linha Andreza Reserva mostra a região do Douro em todas as suas múltiplas nuances. O Andreza Reserva branco 2021 tem origem em uvas cultivadas nas zonas altas (500 a 600 metros) de Martim e Porrais, localidades do concelho de Murça de onde saem boa parte dos brancos mais ambiciosos do Douro. As castas são as tão tradicionais Viosinho, Gouveio e Rabigato. O mosto das duas últimas variedades fermenta em inox com agitação regular das borras finas. Já o Viosinho vai para barrica usada de carvalho francês, também com bâtonnage após a fermentação. Depois de um ano de estágio, é elaborado o lote final.
Se, para o branco, Francisco Baptista selecionou uvas de uma zona muito concreta, para o Andreza Reserva tinto a opção do enólogo foi outra: traduzir toda a diversidade do Douro, ao nível de climas, solos, altitudes e orientações solares. Assim, a matéria-prima que está na base do Andreza Reserva tinto 2020 tem origem nas três sub-regiões durienses. Segundo Francisco Baptista, o objectivo “é ir buscar a frescura ácida do Baixo Corgo, o equilíbrio e complexidade do Cima Corgo e a fruta madura do Douro Superior”. As diferentes origens possuem outra vantagem: permitem-lhe manter a consistência de qualidade e perfil da marca colheita após colheita. São uvas de vinhas antigas, com várias castas misturadas, mas também de parcelas estremes mais jovens. No lote, encontramos sobretudo Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Roriz e, em menor percentagem, Alicante Bouschet, Tinto Cão e Sousão. A fermentação decorre em inox, seguindo-se um estágio de cerca de 12 meses em barrica usada.
Já o Andreza Altitude parte de um conceito distinto, estreado na vindima de 2017 e agora recuperado na de 2019. Tal como o nome indica, é feito a partir de uvas de zonas altas, sempre a cotas superiores a 450 metros. No caso, são parcelas selecionadas no concelho de Alijó, assentes em dois solos distintos, xisto e granito. Para Francisco Baptista, “só assim é possível conseguir o perfil que pretende para este tinto, assente numa mistura de elegância, frescura e expressão de fruta”. São vinhas de idade avançada e com castas misturadas, a que se juntou uma parcela estreme de Tinto Cão para reforçar o equilíbrio ácido. Fermentação clássica em inox, maceração pós fermentativa de três semanas (o enólogo segue o modelo “bordalês” de macerações prolongadas), seguindo depois o vinho para estágio de mais de um ano em barrica nova e usada.
No topo da linha Andreza está Grande Reserva tinto, tendo sido apresentada a colheita de 2015. Tal como no Reserva, também aqui as uvas têm origem nas três sub-regiões do Douro. Predominam as vinhas de maior idade e de baixa produção e diversas parcelas com muitas castas plantadas em “field blend”. “É uma forma de obter sólida estrutura, acidez muito equilibrada e também taninos gordos e maduros”, refere Francisco Baptista. “Um Grande Reserva do Douro tem de ser longevo, crescer largos anos em garrafa”, acrescenta. Assim, no lote encontramos, entre muitas outras variedades, uma boa parte de Touriga Franca, Touriga Nacional e Sousão. As uvas são vinificadas em cuba inox, com maceração prolongada após a fermentação. Longo é também o processo de estágio: o 2015 esteve quase 24 meses em barrica nova e depois largos anos em garrafa até o enólogo o dar como pronto para entrar no mercado.
No seu conjunto, esta linha Andreza apresenta fortíssimos argumentos: superior qualidade, vincado carácter Douro e preço sensato. Talvez, mesmo, demasiado sensato para um nível tão elevado…
(Legenda da foto *Francisco Baptista e Lara Dias são sócios no projecto Lua Cheia – Saven)
(Artigo publicado na edição de Abril de 2023)