Confesso-me um detractor de sangrias. Não por princípio canónico, e muito menos por fidelidade canina ao vinho. Antes por experiência de décadas a provar sangrias demasiado doces e consistentemente malfeitas, em via de regra, segundo um estranho ritual de adicionar a um vinho tinto básico todas as demais bebidas disponíveis ao balcão; mais gelo e soda, frutas da temporada, e por vezes canela e outros mistérios. Poder-se-á argumentar que existe, na sangria, uma certa alquimia, mas isso não é verdade, pelo menos nos restaurantes e bares que conheço. Alquimia existe nos bons vermutes e nos cocktails, mesmo aqueles em que se utiliza Champagne. Por isso, os melhores vermutes são feitos por enólogos, e os melhores cocktails por mixologistas. Com efeito, o problema principal da sangria é a falta de uma receita ou fórmula que fixe as melhores matérias-primas e as devidas proporções. Alguns dirão que há um fenómeno de democratização da sangria. Eu, que sou democrata, acho que o fenómeno é de abandalhamento. O pouco profissionalismo em redor da sangria explica-se, em parte pela sazonalidade do seu consumo, parte pela pouca formação de alguns profissionais do sector, aspecto que, importa realçar, tem melhorado muito nos últimos anos, precisamente devido à formação superior. No nosso país, todos fazem sangria, e de forma diferente. A regra é não a haver. Muda de restaurante para restaurante. E no mesmo restaurante, altera de dia para dia, conforme os ingredientes disponíveis e o pessoal responsável pela sua execução.
Certo que a sangria de espumante pode ser uma categoria à parte, desde que bem feita, entenda-se. Com um bom espumante seco de base, que possa contrabalançar a doçura da fruta a ser adicionada, e o vinho tinto jovem, e nada de licores calóricos capazes de baralhar qualquer papila gustativa. Mas a sangria de espumante, que tem uma vivacidade que a mera sangria não tem, também não deve ser sujeita a amadorismos. Mais a mais, com as tendências actuais bem determinadas, como seja, baixo grau alcoólico, baixo grau calórico, privilegiando-se um perfil de acidez vibrante e evitando os açucares adicionais. Por isso fiquei feliz por constatar que apareceu, recentemente, no mercado, a Lunes (ou Lu-nes). Define-se como uma sangria de espumante “ready-to-drink” e “ready-to-serve”, o que, em português, quer significar que pode ser bebida a solo ou servir de base para outras bebidas. Provada, podemos confirmar que serve ambos os propósitos. A solo, privilegia no aroma notas a hortelã da ribeira e um perfil vegetal e especiado, enquanto na boca revela referências a goiaba e hibisco, com uma boa acidez a amparar alguma doçura frutada. Como base para um cocktail, ou até para uma sangria de espumante 2.0, a imaginação ditará as regras, sendo que a base já lá está a ajudar a definir o produto final, como sucede com tantos cocktails. O consumidor de sangrias, ou de até de espumantes, já sabe com o que poderá contar sempre que pedir uma Lunes; não irá ao engano, e isso já me parece muito bom. Se pensarmos no potencial de crescimento, mais a mais com uma marca de semblante totalmente ibérico (Lunes significa segunda-feira em espanhol) e o turismo a atingir recordes no nosso país, ficamos com pena de não termos sido nós a ter a ideia… Gostei tanto que falei com os responsáveis do projecto que confirmaram o que a minha intuição pressagiava: um sucesso de vendas, incluindo na exportação, e o desenvolvimento em curso de novos produtos, o primeiro dos quais uma versão sangria espumante branca.
Ainda sobre a Lunes, a sua apresentação é óptima, com a bebida dentro de uma garrafa típica de espumante de qualidade (lembra-me algumas garrafas daquela que é para mim a melhor região de espumantes de Itália: Franciacorta), sendo toda a imagem inspiradora sobretudo para os dias de Verão. Quem se lembra da imagem das primeiras sangrias no mercado pode ficar com a ideia de que esta é totalmente diferenciadora, para melhor. Quanto ao espumante utilizado, o mesmo foi diluído para uns civilizados e consensuais 7% vol., e a pressão mantida entre os 5 bar, ou seja, média-baixa, outra tendência actual, sobretudo junto da restauração. Confirmo que duas pedras de gelo afectam – para melhor – a performance desta fascinante bebida, aconselhando também o seu serviço num copo a rigor, de preferência mais largo que as habituais flutes, pois os aromas exuberantes desta sangria de espumante merecem serem devidamente expostos. Termino como comecei: confesso-me um detrator de sangrias. Contudo, a experiência recente com a Lunes fez-me aproximar da variante sangria de espumante. Lunes ao sol!
(Artigo publicado na edição de Julho de 2023)