The Yeatman: Alta gastronomia, em evolução

“Evolução de Aromas” é o nome da actual carta do restaurante Gastronómico do The Yeatman que, apenas com treze anos de existência e sob a alçada do chef Ricardo Costa, já embainhou duas estrelas Michelin, a primeira em 2012 e a segunda em 2017. “Esta carta é o resumo de toda a minha vida”, é a confissão de Ricardo Costa que, sendo natural de Aveiro, coloca na cozinha muitas das influências da suas origens, da salicórnia ao leitão, passando pela doce “tripa”, vendida tradicionalmente em quiosques nas praias daquela zona.
A introdução à experiência — pensada pelo chef “para ser uma evolução de aromas e sabores que despertam diferentes sensações” — dá-se no bar do hotel vínico, com três aperitivos: Suspiro de Bacalhau, recheado com molho holandês picante, ovas de bacalhau e terminado no topo com germinado de coentros; Lagostim marinado em yuzu no interior de um crocante de alga nori e arroz, com creme e pele crocante de frango de churrasco; e o Cozido Português, uma recriação do mesmo com couve portuguesa crocante, terrina do cozido ao centro e o caldo deste misturado com óleo de chouriço. É durante esta fase, antecedente à entrada no Gastronómico, que o chefe de sala Pedro Marques nos introduz ao menu e toma conta de alguma intolerância alimentar, ou outro tipo de alteração que o cliente deseje. “Isto dá tempo à cozinha de se organizar nesse sentido, para que tudo continue a fluir”, explica-nos Elisabete Fernandes, directora de vinhos do The Yeatman e responsável, entre muitas outras coisas, pelas harmonizações vínicas do restaurante, numa selecção a que chama de “Antologia”, por se tratar de uma “viagem pelas diversas regiões vitivinícolas de Portugal”. Para compor os suplementos vínicos dos menus, Elisabete dispõe de uma garrafeira com 1400 referências, na sua maioria portuguesas, e cerca de 40 mil garrafas.
Segue-se o momento em que o chef convida os comensais a visitar a cozinha, e nela desfrutar de uma ou duas criações gastronómicas, neste caso a Zamburinha, uma concha de foie gras preparada em nitrogénio espuma de iogurte fumada, gel de beterraba e croûtons de especiarias na base, terminada com pérolas de beterraba e germinado de pepino; e os Churros salgados com pó de azeite, acompanhados de uma composição de lírio marinado, nata ácida e caviar. Enquanto isso, observa-se a “valsa lenta” executada pela equipa entre as várias estações da cozinha, cronometrada e imperturbável, já habituada à presença de intrusos.

No towel, no problem

Passando à mesa, o que nos envolve é uma sala com classe, mas despretensiosa, atributos que também descrevem o serviço. Nesta altura do ano, ao fim do dia, a cidade do Porto e o rio Douro são enquadrados por um céu azul-acizentado e pelas cores quentes que os antigos dizem adivinhar bom tempo. É isto que vemos enquanto jantamos, e já faz metade da experiência. Num apontamento original, que o The Yeatman associa a um esforço no sentido da sustentabilidade, não há toalhas nas mesas, mas isso nunca se revela um problema ao longo da refeição. Pelo contrário, é confortável, dá um aspecto moderno à sala e a madeira bonita e polida do tampo conecta-nos às cores e texturas naturais dos pratos. Estes iniciam-se com a Salada de Tomate em diferentes apresentações — sorbet de tomate verde, cubo de tomate Coração de Boi, pickle de tomate cereja, gelatina de tomate assado e neve de tomate, com vinagrete de água de tomate e óleo de manjericão — acompanhado de um gin não-alcoólico com infusão de melancia, lima e hortelã, elemento que levanta a cortina a uma das novidades no campo das harmonizações, o suplemento de bebidas sem álcool, que inclui seis propostas, como kombucha feita com chá verde e notas de pétalas de rosa, uma infusão de ervas, especiarias e citrinos, ou um blend de cereja com água de tomate e mirtilos. Esta opção, juntamente com a versão 100% vegetariana do menu (outra novidade), vem reconhecer (finalmente) que há mais do que um perfil de consumidor de alta cozinha, e que é possível manter a excelência neste tipo de variações. “É uma tendência, e iremos continuar a explorar este conceito no futuro”, afirma o chef Ricardo Costa. Na versão vegetariana, “a intenção é que cada momento cumpra a mesma lógica, filosofia e experiência do menu clássico, mas sem a proteína animal”, explica o chef.

Continuando no menu “clássico”, chega a Gamba do Algarve marinada, com creme de pinhões e alho francês na base, gelatina dashi no topo, quinoa crocante e molho de salicórnia, um prato que é terminado na mesa com tremoço preparado em nitrogénio. Depois, a Santola ao Natural, cozida no momento, servida num prato impactante com a forma da dita santola, acompanhada por germinado de cerefólio e molho feito com o coral do crustáceo, e pérolas de pão frito com manteiga, numa referência às marisqueiras portuguesas. A seguir, Pregado cozinhado a baixa temperatura (“55 graus, 7 minutos”, revela o chef) terminado no sautée, com uma crosta de Bulhão Pato (coentros e bivalves), cubos de pancetta ibérica, chalota recheada com coentros e bivalves, e molho de caldo de cebola, óleo de cebolinho e percebes. Continuando no mar, entra em cena a Enguia, cozinhada a vapor e braseada, com a pele crocante, pequena salada de cogumelos Morilles, aneto, alho francês e cerefólio, e linguíni de aipo, tudo sob um molho beurre blanc com óleo de chili. Antes do Tamboril em feijoada — com as peles do peixe, filete glaceado em manteiga branca, fígado e molho do mesmo, e germinado de mostarda — vem o momento do Pão, caseiro e 100% feito de trigo barbela, com manteiga de creme de vaca e iogurte natural e azeite da Quinta de Vargellas. A fermentação que origina a manteiga é de 24h, “sendo posteriormente lavada com água gelada para retirar as impurezas”, adianta Ricardo Costa. Da memória do chef surge o único prato de carne da carta, o Leitão, concretamente barriga com pele crocante no topo, salada de alface Iceberg, creme de milho, milho frito, e pó de azeitona Kalamata (da região grega com o mesmo nome). Para partilhar, batatas insufladas temperadas com pimenta preta e molho de leitão, “feito com os sucos do leitão enquanto está a assar” e com pimenta, louro e chili.
Chegados às sobremesas (surpreendentemente sem o estômago pesado, depois deste desfile gastronómico de treze momentos), damos as boas-vindas à Ostra de Gaia, onde, numa base de creme de ovos moles com amêndoa tostada e “nitro” de ovos moles, entra uma concha preparada em nitrogénio com o mesmo creme, finalizada com pérolas de chocolate e amêndoa. Para os fãs das sobremesas frutadas e menos doces, vem também um creme de amêndoa com nectarina marinada em açafrão e baunilha, gelado de mascarpone e lima kafir, terminado com “nitro” bicolor de nectarina e caldo da mesma.

The Yeatman

O menu “Evolução de Aromas” tem o custo de €250 por pessoa, tanto na versão “clássica” como na vegetariana. O suplementos vínicos são dois, o Prime Selection (€250) e o The Yeatman Selection (€125). Já o suplemento de bebidas não-alcoólicas custa €90 por pessoa.
No final de uma refeição preparada pelo chef Ricardo Costa e pela sua equipa, sentimos que, por trás das distinções e das estrelas, está uma grande devoção à gastronomia e à tradição, às matérias-primas e às formas. Sentimos, também, que há muito estudo e criatividade envolvidos na evolução dos processos e das técnicas, e na selecção de novos ingredientes, por vezes inéditos. E sentimos, ainda, as origens, as influências e a mão do chef, qual artesão que pega num pedaço de barro amorfo e o transforma em algo único, com identidade. Vistas as coisas por este prisma, também uma cozinha pode ser um pequeno terroir.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2023)

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