Regressar à Manoella é sempre um prazer. Estamos nas margens do rio Pinhão e logo no trajecto entre a estrada e a casa no coração da quinta somos familiarizados com a extensa floresta de mata mediterrânica que se estende por 30 ha e pelas diversas casas em ruínas espalhadas pela propriedade, umas que foram armazéns, outras que foram adegas.
Hoje – em época de explosão do enoturismo – logo nos interrogamos se para elas há projectos a curto prazo mas Sandra, cautelosa, lá vai dizendo que “para já não, temos outras prioridades mas… mais premente é o restauro da casa principal da quinta que se apresenta muito carente de obras”. O caminho é demorado e a estrada de terra obriga a condução cautelosa. Dá para ir percebendo que, por aqui, há quase tudo – vinhas, oliveiras, medronheiros, muitas árvores de fruto, apiário e ervas aromáticas indígenas. Um verdadeiro microcosmos.
É nesta quinta que funciona o centro de operações da Wine & Soul para o vinho do Porto, com a adega cheia de tonéis, balseiros e barricas. Com o tempo, e tendo começado no DOC Douro, a Wine & Soul tem vindo a produzir, adquirir e armazenar vinho do Porto e o portefólio já se estende por muitas categorias como Tawny e Ruby Reserva, Branco 10 anos e 10 anos Extra-Dry, tawny 10 e 20 anos, todos com a chancela Manoella e o Vintage, da marca Pintas. Bem guardado e à espera do momento certo para ser lançado, há também em arquivo um Porto branco muito, muito velho que cirurgicamente é dado à prova e que se inscreve naquela categoria do “néctar dos deuses”, algo que pudemos comprovar no local.
É na Manoella que funciona o centro de operações da Wine & Soul para o vinho do Porto, com a adega cheia de tonéis, balseiros e barricas.
Uma vertical de Guru
As nossas provas desenrolaram-se em dois momentos. Parte foi feita ao jantar, na casa que Jorge e Sandra têm no Pinhão e onde moraram antes de zarparem para Vila Real com os filhos em idade escolar; a segunda parte foi nas instalações da empresa em Vale de Mendiz, localizadas por cima da adega dos lagares onde, desde sempre, se fizeram os vinhos tintos. Ao jantar, e em ambiente descontraído, pudemos revisitar algumas colheitas mais antigas como o Guru 2012 em magnum, um branco notável, mineral e rico com excelente acidez; nos tintos, o sempre surpreendente Pintas Character 2008, o Pintas 2011 em magnum, a revelar-se muito firme na imensa qualidade que apresenta e o Porto Vintage Pintas 2003 também ele a mostrar uma boa evolução.
Já em Vale de Mendiz tivemos a oportunidade de conhecer quase toda a equipa (neste momento são 23 pessoas) e onde se incluem alguns estagiários e quatro timorenses a quem, em acordo com a Caritas, a Wine & Soul se dispôs a dar casa e trabalho. Aqui funciona também o enoturismo com imensas visitas (com provas), com equipa destacada para o efeito.
Junto à adega existe um armazém onde se vinificam os brancos em barrica; não é bonito, nada tem de fashion, mas cumpre, como nos diz Jorge, a função primordial “conseguimos aqui vinificar os brancos com controle de temperatura de fermentação barrica a barrica, porque elas não são iguais e os mostos também não; estamos nisto desde 2012.” A isto pode-se chamar uma enologia de precisão, conceito que Jorge e Sandra aplicam sobretudo aos brancos que produzem.
O momento – uma mini vertical de brancos da marca Guru – foi também aproveitado para revisitar algumas colheitas mais antigas. A marca nasceu em 2004 e o vinho é feito com uvas das zonas mais altas e frescas, de Porrais e Martim. Sempre que é possível, Jorge e Sandra continuam por ali a comprar parcelas de vinhas. São zonas de xisto em transição para granito, um xisto rico em quartzo e minerais. É uma região onde domina a casta branca Códega do Larinho. As vinhas que estão na base do Guru obrigam a duas semanas de vindima, são vindimadas parcela a parcela e há uma hierarquia de momentos de vindima. “É um vinho de precisão”, como nos foi referido e como são muitas parcelas e há pouco tempo para fazer a vindima, é muito exigente em mão de obra. Provámos o Guru 2009, citrino, fcom ruta madura, leve floral, cheio de classe, sem excessiva evolução; ainda cheio de força na boca, com vida pela frente, em muito boa forma.
Na altura já não era só barrica nova. (18,5); o 2010 um pouco mais carregado na cor, menos falador no aroma, discreto na fruta madura, bem na boca mas com mais evolução, com menos promessa de vida em cave (18); o 2013 com muito fósforo no aroma, mesmo em dose excessiva mas, algo surpreendentemente, resulta muito bem na boca, evolui bem no copo, é vinho mais para falar do que para beber (18); da colheita de 2015 chegou-nos um Guru notável no equilíbrio que mostra entre o aroma e o sabor, uma frescura incrível e muito fino na boca, dá imenso prazer a beber e é obviamente um branco apto para a cave, perfeito na fruta citrina e na acidez (18,5); um notável vinho em prova foi o 2019 com grande perfeição aromática, com fruta de grande requinte. Fino e elegante, com toques minerais e a elegância a percorrer toda a prova (18,5/19)
A mini vertical de Guru foi também aproveitada para revisitar algumas colheitas mais antigas. A marca nasceu em 2004 e o vinho é feito com uvas das zonas mais altas e frescas, de Porrais e Martim.
Novidades na mesa
A novidade agora apresentada, o Guru Vinha da Calçada, tem origem numa única parcela de quase 100 anos “seguramente anterior a 1932”, com 0,5 ha, a 600 metros de altitude e com mistura de castas. Fermentação e estágio em foudre durante 2 anos e mais um ano em garrafa. A madeira não tem tosta “o que favorece a tensão nos vinhos e o formato do foudre gera uma movimentação de borras finas de forma natural”, refere Sandra Tavares da Silva.
Os tintos são feitos a lagar com corte a pé e pisa a pé à noite durante 3 noites. Durante o dia usam a pisa mecânica para baixar a manta. Os tintos fazem a maloláctica já na barrica porque “isso ajuda a integrar muito melhor a madeira no vinho, mas correm-se alguns riscos porque o vinho está desprotegido sem sulfuroso” salienta Jorge Borges. Mais atenção e mais precisão, de novo.
Para o Pintas Character entram 5 parcelas em Vale Mendiz, com castas misturadas, lagar e barrica usada; no caso do Pintas “sempre pensámos o vinho em termos de mercado externo e o PVP (mesmo alto) é sempre o mesmo lá e cá; desde o princípio que procurámos diversificar os mercados e, entre outros, estamos na Suíça, Alemanha, Inglaterra, USA, Brasil, Macau. Trabalhamos com 25 países e vamos agora exportar para a Austrália”, contou Sandra.
No Porto Vintage esta é a 14ª edição, “estamos a vindimar para Vintage mais cedo do que mandava a tradição, não exagerando na sobrematuração das uvas, mas é uma luta vender estes vintages porque quem compra vai sempre dirigir a escolha para as marcas consagradas”. Tempos nem sempre fáceis para os pequenos produtores de Porto, para quem estes vinhos são muito mais um complemento de portefólio do que propriamente uma boa fonte de rendimento.
Da Quinta da Manoella, a grande novidade apresentada foi o tinto Vinha Alecrim que tem origem numa parcela plantada pelo trisavô de Jorge Borges instalada em terraços pré-filoxéricos, rodeado de alecrim e floresta mediterrânica. Foi engarrafado em 2017 e teve 6 anos de garrafa. Como nos diz Sandra “tem origem numa parcela que sempre se distinguiu, sempre originou um vinho diferenciador”. Com tanta vinha de vetusta idade não será de espantar que outras parcelas da Manoella sejam, no futuro, escolhidas para vinhos muito especiais.
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2023)