Ao longo dos últimos anos temos vindo a constatar e a escrever nas páginas desta revista que a qualidade dos vinhos portugueses não tem parado de crescer ano após ano. A evolução dos vinhos brancos é absolutamente notória, num país que não dispunha, até há 20 anos, de brancos com verdadeira ambição. Mas o mesmo se diga quanto a outros tipos de vinhos, sendo que, nos tintos, temos mesmo qualidade e quantidade para rivalizar com os mais famosos países produtores.
Em todo o território português, independentemente das denominações de origem, se produz tinto de elevado nível, como se demonstra pelas altas classificações atribuídas pelas revistas da especialidade nacionais e internacionais a vinhos de norte a sul do país. Pois bem, mesmo neste meio de competitividade cerrada, onde cada região procura enaltecer as suas diferenças sem perder a qualidade, uma região teima em reinar, quando abordamos os topos de gama. Sim, falamos do Douro!
Com efeito, no final da avaliação de mais de quatro dezenas de tintos durienses topos de gama acabámos com uma certeza: nunca como agora apreciámos tão grandes vinhos numa única prova e, consequentemente, nunca como agora atribuímos um conjunto de classificações tão elevadas. O que pode explicar esta circunstância? Em primeiro lugar, a existência de muitos produtores da região totalmente familiarizados há décadas com os vários terroirs deste território inóspito que corre, a montante do rio, do Baixo Corgo até praticamente Espanha. Referimo-nos a produtores com notório zelo profissional que recorrem a assistência, muitas vezes de excelência, vitícola e enológica, e que conseguem ter o desafogo suficiente para um duro investimento em barricas e, muitas das vezes, longos estágios em garrafa com os inerentes custos de stock.
São produtores quase sempre ligados à terra, por vezes enólogos de profissão, outras vezes fazendo parte de terceiras e quartas gerações de vitivinicultores, que mantiveram o cultivo da vinha e, em algumas felizes situações, preservaram o grande património que são as (boas) vinhas velhas. É disso exemplo produtores familiares como a família Nicolau de Almeida (Quinta do Monte Xisto), Alves de Sousa (Quinta da Gaivosa), Roquette (Quinta do Crasto), Vieira de Sousa, Barros (Quinta Dona Matilde), Vasques de Carvalho (Velhos Bardos), entre dezenas de outros. Acresce, que a existência deste lote significativo de produtores justifica-se, também, pelo caso económico que a região vai conseguindo seguir, apesar das evidentes e crescentes dificuldades em escoar as grandes quantidades de uva produzidas (com a campanha de 2023 à cabeça). A este respeito note-se que, há já vários anos, que o Douro é a região vitivinícola com maior produção apta a vinho com denominação de origem protegida (DOP), com Minho e Alentejo a alguma distância.
No final da prova de mais de 4 dezenas de tintos durienses acabámos com uma certeza: nunca como agora atribuímos pontuações tão elevadas.
CRIAÇÃO DE VALOR
Trata-se, já o escrevemos, de uma região com marca muito forte, associada a qualidade e requinte, de tal forma que os dados estatísticos são claros no sentido de que é uma das regiões que consegue mais valor no vector preço médio por litro (na restauração é evidente, só atrás do Algarve, fenómeno explicado pelo turismo a sul do país). Ora, este maior valor é muito bem-vindo numa região de dificílimo granjeio da vinha, marcado por grandes extensões de viticultura de montanha, e com baixas produções por videira (muitas vezes abaixo das 2 toneladas por hectare). Um topo de gama do Douro, como evidencia a nossa prova, pode, assim, custar facilmente €25€ ou €100, dependendo dos factores dos quais habitualmente o preço depende, ou seja, raridade, notabilidade e prestígio da marca, qualidade intrínseca, entre outros.
É certo que alguns dos vinhos de topo com valores actuais próximos dos €100, custavam, ainda há 20 anos (em alguns casos quando surgiram pela primeira vez no mercado), quatro ou cinco vezes menos. Mas até essa circunstância espelha bem a evolução da procura por esses tintos, parte pelos mercados internacionais, à qual não é alheia a admirável consistência da qualidade colheita após colheita dessas marcas. São vinhos de enorme carácter, com pergaminhos conquistados ao longo de algumas décadas, todos ao melhor nível do que se faz mundialmente. Referimo-nos a marcas que, nos anos ’90 ou no início do milénio, logo na primeira colheita nasceram sob o espectro de uma qualidade inegociável, casos, entre outros, de produtores como Quinta do Crasto, Quinta do Vale Meão, Pintas ou Poeira.
A par de produtores mais tradicionais, nas últimas dezenas de anos o Douro mereceu forte investimento nacional e estrangeiro (de França ao Brasil, passando pela Suíça e Angola), sendo actualmente vários os produtores com significativa dimensão que aqui operam, tais como Sogrape (uma das pioneiras a apostar forte na região, sobretudo com a compra das Caves Ferreira e Casa Ferreirinha), Bacalhôa/Aliança, passando pelo Esporão (Quinta dos Murças), sem esquecer as casas com tradição do Vinho do Porto, como a Symington, Quinta do Noval, Vallegre, Poças ou Rozès que também produzem excelentes tintos.
Não há dúvidas que os vinhos de vinha e de parcela, vinhos luxuosos e de preço elevado, são a nova coqueluche do Douro.
VINHOS DE LUXO E DE PARCELA
Pois bem, os últimos tempos têm ainda sido marcados por uma “corrida ao excelso”, aproveitando os recentes bons anos agrícolas (excelente o 2021) e o conhecimento adquirido de cada vinha e parcela. Com efeito, hoje são vários os vinhos de produções limitadíssimas, que se distinguem do conceito de quinta privilegiando uma seleção minuciosa da fruta numa determinada vinha e mimando-a com os melhores cuidados possíveis. Com efeito, confrontamo-nos cada vez mais na região com o desenvolver de um mercado de luxo nos tintos do Douro. Esse aspecto é também visível noutras regiões do país, mas não encontramos fora do Douro tantos vários vinhos tintos acima dos €100 como nesta região.
Tintos de qualidade raramente antes vislumbrada, com produções entre as 1000 (por vezes menos) e as 5000 garrafas, elevando e engarrafando micro-terroirs particulares e distintos. À cabeça é o caso da nova edição da Série Terroirs pela Quinta do Noval que resulta de uma vinha muito particular da Quinta do Passadouro recentemente adquirida. O mesmo se diga para a Vinha do Rio (da Quinta Vale D. Maria) para a Vinha da Granja (do Vallado), a Vinha do Carril (da Niepoort), a parcela Carrapata (da Quinta da Romaneira) e parcela M7 (Quinta dos Muros), mas também a Vinha do Pinto (da Quinta Dona Matilde) ou a Vinha Rumilã (da Quinta de São Luiz). Isto para não falar de vinhos que, desde a primeira edição, sempre provieram de uma vinha só, caso do Pintas. Ou seja, não há dúvidas que os vinhos de vinha e de parcela são a nova coqueluche do Douro, que assim se juntam a outros vinhos onde o luxo (e o respectivo preço) já era evidente como seja o Quinta da Ervamoira ou o Chryseia. Confrontámos vários enólogos e produtores da região e todos dizem que a procura da vinha perfeita é um desafio quase diário. Jorge Moreira (Poeira, La Rosa, Real Comp.ª Velha) diz ter encontrado a sua junto a Covas (a partir da qual produz o seu limitado Poeira Vinha da Torre), Dirk Niepoort finalmente engarrafou a sua “jóia da coroa”, um vinha mesmo ao lado da sua adega, e a Wine & Soul acaba de comercializar mais um vinho de parcela, agora na Quinta da Manoella).
Mas, mesmo com o que se acabou de escrever, não se pense que não existem grandes relações qualidade-preços nos tintos de topo de Douro. Com efeito, há muito que a região nos habituou a vinhos que, não sendo propriamente baratos, são relativamente acessíveis em ocasiões especiais e de qualidade irrepreensível. Nesta nossa prova também esses brilharam sempre num perfil de fruta bem madura e com potencial de largo estágio na garrafeira. Dos €14€ aos €30 há muito por onde escolher no Douro com a certeza de um tinto assente em castas como Touriga Nacional e Touriga Franca, eventualmente temperadas com Tinta Roriz ou Sousão, e tendencialmente com estágio em barrica de carvalho. São tintos de enorme prazer, com estrutura e dimensão, e que reflectem o xisto da terra que os viu nascer.
(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)
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Quinta do Vesúvio
Tinto - 2021 -
Quinta de São Luiz Vinha Rumilã
Tinto - 2018 -
Três Bagos Grande Escolha
Tinto - 2017 -
Quinta da Romaneira Carrapata
Tinto - 2021 -
Quinta da Leda
Tinto - 2020 -
Quinta da Gaivosa
Tinto - 2020 -
Quanta Terra Manifesto
Tinto - 2017 -
Poeira
Tinto - 2020 -
La Rosa
Tinto - 2020 -
Vinha do Carril
Tinto - 2021 -
Quinta do Pôpa Homenagem
Tinto - 2017 -
Quinta da Rede Vinha da Seara
Tinto - 2019 -
Herédias
Tinto - 2019 -
Crasto Vinhas Velhas
Tinto - 2021 -
Cottas
Tinto - 2019 -
Carvalhas Vinhas Velhas
Tinto - 2019 -
Pala Pinta
Tinto - 2020 -
Duorum O. Leucura
Tinto - 2015
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Casa Velha
Tinto - 2020 -
Arribas do Coa
Tinto - 2014 -
Vieira de Sousa
Tinto - 2018 -
Velhos Bardos
Tinto - 2020 -
Vallegre Vinhas Velhas
Tinto - 2019 -
Terras do Grifo
Tinto - 2017 -
Soulmate
Tinto - 2019 -
Scylla
Tinto - 2021 -
Quinta dos Quatro Ventos
Tinto - 2016 -
Quintinha da Francisca
Tinto - 2019 -
Dona Matilde Vinha do Pinto
Tinto - 2019 -
Costureiro
Tinto - 2018 -
Castello de Numão Signature
Tinto - 2020 -
Alta Pontuação Vinhas Velhas
Tinto - 2019 -
Símbolo
Tinto - 2018 -
Quinta dos Muros (M7)
Tinto - 2017 -
Quinta dos Murças VV47
Tinto - 2017 -
Quinta dos Avidagos
Tinto - 2019