António Braga: O início da aventura

Há muitos anos que conheço o António Braga como enólogo da Sogrape. Fui ficando com a ideia de que a carreira estava traçada e que por lá ficaria muitos e bons anos. Por isso, quando nos comunicou que iria sair da empresa, fiquei muito admirado e ao mesmo tempo expectante. A conversa veio depois e as explicações também: “se queria ter um projecto meu, tinha mesmo de sair da Sogrape, andava há muito a magicar vinhos que gostava de fazer e por isso achei que era agora ou nunca”. Foi agora. Braga acrescenta: “não tendo eu vinhas ou adegas, não estou preso a uma região específica ou a uma vinha, isso permite-me, de uma forma bastante flexível, fazer vinhos onde quero, nos terroirs que mais me impressionam, com as castas que mais gosto”. E tratou logo de se colocar em campo para poder organizar um projecto coerente que lhe permitisse gerir melhor o tempo e fazer o que gostava: criar vinhos seus e apoiar outros projectos, como consultor. Nasceu assim a Terra Vinea, uma empresa com cinco sócios onde juntou mais quatro amigos, reservando para si a maioria do capital. A ideia é fazer vinhos originais, buscar parcelas esquecidas ou castas menos badaladas, mas conseguir que sejam vinhos expressivos e com alma. A ideia é boa e até se pode ter quem forneça uvas para o projecto mas… onde é que se põe um plano destes em prática?

A resposta a esta pergunta representou um grande passo dado por António Braga: no Douro existe uma adega da família de Mafalda Machado (enóloga) onde, juntamente com o seu marido americano – Eric Nurmi – se criou a empresa Grape to Bottle – com prestação de serviços em todas as etapas da produção de vinho. Assim, na mesma adega temos vários produtores, cada um a fazer o seu vinho, com especificações diferentes. O estágio em barrica faz-se também aqui e só o engarrafamento se efectua com recurso a aquisição externa de serviços. Eric é quem, a tempo inteiro, coordena os vários trabalhos. Foi lá que o encontrámos, em plena vindima, com muita gente na adega. Uma festa! São neste momento mais de uma dúzia os produtores que recorrem a esta adega para poderem fazer os seus vinhos. A localização (muito perto da Régua) é também uma vantagem por estar no centro da região. E com o crescimento de novas consultorias (mesmo no Douro e Verdes), António Braga já tem um jovem enólogo – João Alvares Ribeiro – a trabalhar com ele a tempo inteiro. Adquiriram-se cubas e barricas sobretudo usadas, algumas que chegaram da Borgonha com 4 anos de uso. O projecto aponta muito mais para madeira usada do que para barricas novas.

Resolvido o primeiro problema foi preciso diversificar a aquisição de uvas e partir para a descoberta de vinhas e parcelas que pudessem corresponder ao objectivo. Nasceram assim os primeiros vinhos, para já um branco feito com Alvarinho em Monção, e um tinto do Douro elaborado com uvas de Mourisco, a tal casta que há alguns (poucos) anos ninguém queria ouvir falar. Os produtores que forneceram as uvas para a primeira vindima, de que saíram agora os primeiros vinhos, voltaram a fornecer em 2023 e assim se espera que continuem, criando uma relação forte entre produtor e enólogo. Para António Braga, a sua nova aventura desenrola-se em planos bem distintos: os seus vinhos que saem com diferentes rótulos mas sempre com a sua assinatura, e o trabalho de consultoria que se estende por várias zonas do país, desde os Verdes (quinta da Minhoteira), passando pelo Douro (quinta da Ervedosa, quinta da Eiró, quinta D. Mafalda e Solar de Cambres). Em alguns casos trata-se de pequenas quintas ainda desconhecidas do grande público e de onde sairão vinhos com o acompanhamento técnico (quer na viticultura, quer na enologia) da Terra Vinea. No Alentejo está a desenvolver novos projectos com a empresa Abegoaria – criação de uma linha de Fine Wines – a partir da Herdade do Gamito mas não só, e também com a Casa Relvas.

O portefólio tem assim duas linhas: uma assente em terroirs mais tradicionais e, como nos disse, “Com uma estética mais convencional”. Essa é a gama Ipiranga. Saiu em Novembro o Ipiranga Alvarinho 2022, feito em Monção e fermentado em barricas usadas com estágio sobre borras totais durante 10 meses. Em Março, acontecerá o lançamento de 3.600 Garrafas do Ipiranga Douro tinto 2022, este feito com Touriga Francesa, Touriga Nacional, Tinto Cão e Sousão. Existirá uma segunda linha que é composta de vinhos mais originais, castas menos conhecidas, processos menos comuns. O primeiro vinho dessa gama é o Cão que Ladra Mourisco Douro tinto 2022, de que se fizeram apenas 891 garrafas. As uvas vêm de uma vinha com cerca de 40 anos, plantada a 550 metros de altitude, na freguesia da Lousa no Douro Superior; fermentou em lagar com 50% de cacho inteiro, estagiou em barrica usada

Tal como acontece com todos os novos projectos do sector do vinho, António Braga vai sentir as dores do crescimento: as garrafas chegarão a tempo? Os rótulos foram aprovados? As rolhas estão certas para a garrafa que temos? E as caixas de cartão quando é que são entregues? E como é que vou distribuir os vinhos? Entrego tudo a um ou prefiro vários distribuidores? E onde é que quero chegar? Fico-me pela paróquia ou vou tentar os mercados externos? Estas são o tipo de questões que nunca se colocaram a António Braga enquanto foi enólogo de uma grande casa de vinhos. Feito o balanço, confessou-nos que continua a acreditar que foi a melhor decisão que podia ter tomado. Como diz o ditado (nem sei bem se é ditado…), a sorte só sorri aos ousados!

 

Para António Braga, a sua nova aventura desenrola-se em planos bem distintos: os seus vinhos que saem com diferentes rótulos mas sempre com a sua assinatura, e o trabalho de consultoria.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2024)

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